linha cinza

linha cinza

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Um partido acorrentado

Por Sheila Sacks

Assim fomos abrindo aqueles mares, Que geração alguma não abriu (do Lusíadas, de Luís Vaz de Camões - século 16)

O “grito das ruas” ou a onda de passeatas que estourou em junho de 2013 - a partir de uma convocação do Movimento Passe Livre que briga pela tarifa zero para o transporte coletivo - vem empurrando o governo do PT a uma revisão de seu comportamento político e a uma inevitável mea culpa em relação a sua postura e ações.

Há dez anos no poder, o partido se embrenhou em um processo de mudança estética e edulcorada, perdendo a autenticidade e a sua cara original para marqueteiros ilusionistas que criaram um arremedo ficcional de um Brasil satisfeito e acomodado pela aquisição de alguns poucos bens de consumo. Essa ficção foi naturalmente acolhida pela mídia em seus espaços publicitários na imprensa, rádio e TV, com repercussões ufanistas na área de notícias numa espécie de troca de gentilezas pelas verbas federais injetadas nos meios de comunicação. Isso ajudou, e muito, no distanciamento e desvinculação do governo do PT das reais aspirações da população.

Em nome da tal governabilidade, o Partido dos Trabalhadores injetou botox e outros elementos estranhos e artificiais em sua musculatura facial, transformando-a em uma caricatura patética e irreconhecível. Com uma penca de siglas políticas pendurada em seu pescoço, o colar de falsos brilhantes se mostrou, na prática, uma eficiente corda para enforcados. Assim, o PT aterrissou em 2013 acuado e desfigurado, tomado por invasores, esses sim, bastante à vontade na cidadela conquistada. A toxina botulínica introduzida pelas siglas e figuras alienígenas presentes no governo do PT deformou e paralisou a força e a expressão do partido perante o distinto público que, durante décadas, acompanhou e aplaudiu a difícil trajetória daqueles que tinham o propósito de mudar o Brasil.

Retorno as origens

Como o mito grego de Prometeu acorrentado, o PT teve seu fígado devorado diariamente por grupos políticos alheios a sua ideologia, focados em interesses individuais, mas estrategicamente (ou perversamente) assentados em seu bloco de apoio parlamentar. As poucas horas noturnas que sobravam para o partido se recompor  - porque os políticos também dormem - mostraram-se lamentavelmente insuficientes para a sua regeneração. Perdeu-se o singular “animus” original da sigla.

Enfim, o estrago está feito e a bomba posta no colo da presidenta, em Brasília, com os grupos ditos aliados e os oposicionistas (sim, existem partidos de oposição) dando tratos à bola para saírem à francesa ou pelo menos ilesos desse gigantesco imbróglio popular para o qual contribuíram com uma inegável cota colaborativa.

Alvo preferencial das centenas de análises políticas que tentam identificar e rotular as manifestações e em paralelo demonizar o governo, a ala palaciana do PT deve estar vivenciando o paradoxo de ter que engolir em seco em sua vontade de soltar a voz. A hora seria propícia para uma volta às origens e um salto ao futuro, rasgada a máscara burlesca bordada por uma veterana classe de políticos “amigos” que nunca se ausentou do poder. O momento e as condições democráticas estão a requerer um pacto com a sociedade, essa sim, a parceira e companheira incondicional de um governo batizado pelas urnas.

A hora pediria, de forma ousada, um encontro cara a cara, sem maquiagem e firulas marqueteiras; um dizer dos desafios e das dificuldades de comandar uma máquina administrativa eivada de vícios, onde a competência do funcionalismo de carreira muitas vezes sucumbe sob o poder dos caciques externos sem compromissos com a coisa pública; e de expor, com transparência e alma lavada, as pressões intoleráveis exercidas pelos infames profissionais da política que rondam os gabinetes com suas exigências e falsos afagos.

Porém, talvez essa etapa da história já tenha sido atropelada pelo correr dos acontecimentos, e prováveis revelações, ensinam os tempos recentes, somente trazem desassossego a quem as pronuncia. Então, o que sobra para um governo estimulado pelo “grito” das ruas é o exercício da destreza e a determinação de seus comandantes no içar das velas e no navegar pelos mares revoltos dessa imensidão de país, conscientes e preparados para as prováveis tempestades que se avizinham.

Em tempo: em um piscar de olhos, o Brasil se tornou um país de analistas políticos. Todos palpitam sobre as manifestações populares e os rumos da democracia brasileira. Mas quem faz a festa, abarrotando os jornais e as telinhas de TV de opiniões acadêmicas, são mesmo os grandes conglomerados de mídia que, com outras prioridades pipocando na mesa do governo, comemoram o provável adiamento do projeto de regulamentação do setor. Um bicho papão que vem aterrorizando, já há algum tempo, o assim denominado quarto poder da República.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Cativeiro de soldado israelense inspira séries de TV

Por Sheila Sacks


Histórias reais muitas vezes tornam-se incríveis enredos para fantásticos roteiros cinematográficos ou mesmo séries de televisão. O escritor gaúcho Moacyr Scliar (1937-2011) na introdução do seu livro “O imaginário Coletivo” destaca que por trás de muitas notícias esconde-se uma história pedindo para ser contada. “É a história virtual que complementa ou amplia a história real”, assinala Scliar que por mais de 15 anos escreveu textos ficcionais para o caderno “Cotidiano” da Folha de São Paulo tendo como base as reportagens do jornal.

Fonte de inspiração para a série de TV israelense Hatufim (“Sequestrado”, em hebraico), a história de Gilad Shalit, capturado pelo grupo radical Hamas que o manteve prisioneiro por mais de cinco anos, traz ingredientes psicológicos interessantes capazes de provocar desdobramentos e mudanças de ordem pessoal, religiosa e política nos principais envolvidos no episódio.

Shalit era um soldado israelense de 19 anos quando em 25 de junho de 2006 militantes palestinos ligados ao Hamas atacaram o posto militar onde servia na fronteira com a Faixa de Gaza e o levaram. Durante o tempo em que esteve desaparecido a incerteza sobre o seu destino – se estava morto, ferido ou continuava vivo – não impediu que sucessivas campanhas por seu regresso ganhassem espaço e força em Israel e em outras partes do mundo.

Em 2010, os pais de Shalit acompanhados por ativistas empreenderam uma marcha de 12 dias, da Galileia a Jerusalém, onde permaneceram acampados por mais de um ano em frente à residência do primeiro-ministro Benjamim Netanyahu para pressionar o governo a assumir um acordo que trouxesse o soldado de volta.

A libertação de Shalit ocorreu em 18 de outubro de 2011, no Egito, após um acordo entre o governo de Israel e o Hamas. Foram soltos 1.027 prisioneiros palestinos, 280 deles condenados à prisão perpétua pela morte de civis israelenses. Falando à TV egípcia, pouco antes de retornar a Israel, Shalit mostrou-se confiante de que a libertação de centenas de prisioneiros em troca de sua vida pudesse contribuir para a paz entre israelenses e palestinos.

Seriado antecipa desfecho que comoveu a nação

Levando a assinatura de Gideon Raff – um roteirista e diretor de filmes de 40 anos, nascido em Jerusalém e que estudou cinema em Los Angeles -, o seriado Hatufim ou Prisioners of War (“Prisioneiros de Guerra”, título em inglês) teve seus primeiros 10 episódios exibidos pela TV israelense em 2010, entre março e maio. No mesmo ano foi escolhida como a melhor série dramática pela Israeli Academy of Film and Television, instituição que reúne 750 representantes da indústria de TV e cinema do país.

Curiosamente, apesar do sucesso e das críticas positivas, a segunda temporada da série, com 14 capítulos, só foi produzida e apresentada dois anos depois, nos últimos meses de 2012, a reboque do seriado norte-americano Homeland, baseado na criação do próprio Raff, e que arrebatou os mais importantes prêmios da TV americana: os troféus Emmy (2012) e Globo de Ouro (2013), ambos como a melhor série dramática.

Embora explorando o tema do retorno à pátria de militares capturados pelo inimigo, as séries Hatufim e Homeland têm histórias e personagens diferentes. Na primeira, são dois os soldados que regressam a Israel após 17 anos de cativeiro no Líbano em mãos de extremistas islâmicos. A série se inicia com a troca dos soldados por terroristas presos em Israel acusados de um atentado a bomba que matou dezenas de pessoas. Os israelenses voltam com os restos mortais de um terceiro militar morto em uma sessão de tortura e a partir daí a história gira em torno das dificuldades dos personagens em superarem o trauma do cativeiro e se adaptarem a um novo cotidiano. Também avaliações psicológicas revelam discrepâncias em seus relatos e uma investigação é iniciada para descobrir o que eles possam estar escondendo.

No roteiro desenvolvido por Howard Gordon e Alex Gansa para a plateia norte-americana, o protagonista é um oficial dos EUA que se acredita morto no Iraque, após ser capturado pela al Qaeda, e que retorna ao país oito anos depois de seu sumiço. Resgatado do cativeiro é saudado como herói pela população, mas surgem suspeitas em órgãos de segurança de que ele faça parte de uma célula terrorista que planeja um ataque em solo americano.

Em janeiro de 2013, ao receber o prêmio de melhor atriz por seu trabalho em Homeland, a novaiorquina Claire Danes, que protagoniza uma agente da CIA, declarou que a série é uma das favoritas do presidente Barack Obama. “Isso deixa claro a relevância do trabalho. A história fala da ansiedade e do desassossego que vivemos como sociedade, em uma nova era onde não está claro quem é o inimigo”, disse. Dentro dessa percepção, o atentado ocorrido na maratona de Boston, em 15 de abril, que resultou na morte de 3 pessoas e teve 264 feridos, muitos deles com mutilações e queimaduras, é um exemplo trágico dessa nova realidade. Os autores do crime, os irmãos Tsarnaev nascidos na Chechênia, viviam nos EUA e eram cidadãos americanos.

Esse tema, aliás, do inimigo que está entre nós, em nossa casa, tem mexido com a cabeça de roteiristas mundo afora. Em 2013, a franquia de Hatufim ganhou novos espaços e o seriado vai ser produzido na Rússia e no México, com histórias adaptadas as suas realidades.

No cativeiro, Shalit ouviu rádio e assistiu TV

Mas, voltando a Shalit, seis meses depois de sua volta ele se desligou oficialmente do exército israelense e logo em seguida tornou-se colunista esportivo do jornal Yediot Aharanot, o mais lido do país. Em seu primeiro artigo, Shalit contou que o amor pelos esportes o ajudou a suportar os anos de cativeiro e foi capaz de prover alguma conexão pessoal com seus captores. Fã de futebol e basquete, ele acompanhava os jogos dos times israelenses através da rádio e os campeonatos das ligas europeias nos canais de TV árabes. “Engajar-me no esporte me deu força para não desistir”, escreveu. Era uma espécie de pausa temporária da realidade ao meu redor.” E acrescenta: “Nas conversas acerca dos jogos, o denominador comum era o esporte. Sobre política eu nunca concordei em falar com eles.”

Em outubro de 2012, para marcar um ano da libertação do ex-refém, a TV israelense (Canal 10) exibiu um documentário a partir de alguns relatos pinçados na imprensa. A correspondente para o Oriente Médio da BBC, Yolande Knell, comentando o conteúdo do documentário, observou: “Em um trecho, Shalit revela que para lidar com a ansiedade e o tédio do cativeiro ele desenhava mapas de sua cidade natal Mitzpe Hilla, para lembrar, imaginar os lugares. Disse que tentava ser otimista e se focar nas pequenas e boas coisas que tinha, e que seus sequestradores o alimentavam bem, jogavam xadrez e dominó e quase nunca o agrediam. Podia assistir a notícias na televisão em árabe, e depois acabou ganhando um rádio onde podia ouvir estações israelenses. E que, às vezes, assistia junto aos sequestradores os programas de esportes e filmes na TV.”

Operação militar matou planejador do sequestro

Um mês depois da apresentação do documentário, em 14 de novembro, o comandante das Brigadas Izz el-Deen al-Qassam (braço armado do Hamas), Ahmed al-Jabari, 52 anos, morreu durante uma operação militar israelense na cidade de Gaza. O carro que dirigia foi atingido por um projétil seletivo e se incendiou. Jabari foi o carcereiro de Shalit e gerenciou toda a operação de custódia do prisioneiro, transportando-o por cinco anos para diferentes esconderijos até a sua libertação. Inclusive esteve presente na entrega de Shalit para os intermediários egípcios em Rafah, na fronteira com o Sinai, em uma das poucas vezes em que apareceu em público.

Nascido em Gaza, Jabari foi do grupo palestino Fatah e depois se ligou ao Hamas, financiando e dirigindo atentados terroristas contra Israel. Ele planejou o ataque suicida a um ônibus em Kfar Darom, na faixa de Gaza, que matou 7 soldados israelenses e um civil, em 1995. Por ocasião da Segunda Intifada, o período de 2000 a 2006 marcado por sucessivos confrontos entre militantes palestinos e forças israelenses na Cisjordânia e Faixa de Gaza, Jabari direcionou vários ataques a bomba contra Israel, matando centenas de civis. Foi também o responsável pela escalada de ataques com foguetes de forte poder destrutivo às cidades israelenses densamente povoadas como Ashkelon, Ashdod e Beersheva, no sul do país. Somente em 2012, mais de 800 foguetes de médio e longo alcances foram disparados pelo Hamas contra o território israelense e a operação militar “Pilar Defensivo”, na qual Jabari foi morto, teve o propósito de eliminar os locais de treinamento e de lançamentos desses foguetes.

Sem sentimento de vingança

Com a morte de Jabari, o semanário alemão Der Spigel – um dos mais importantes da Europa com circulação semanal de 900 mil exemplares – enviou seu jornalista político Dieter Bednarz para uma entrevista com Shalit em Israel. O encontro se deu na Galileia, na casa de dois pavimentos onde o ex-prisioneiro reside com os pais. O repórter alemão conta que Shalit disse não ter percebido a presença de Jabari ao seu lado no dia da libertação. “Eu só olhava para frente, não para o lado ou para trás”, justificou. Contudo, fotos publicadas na mídia mundial mostram Jabari e Shalit juntos, lado a lado, de uma forma que fica difícil supor que ambos jamais se comunicaram.

Sobre os anos de cativeiro, segundo o repórter, Shalit se mostrou hesitante, parecendo lutar com cada frase que pronunciava. Ele revelou que não sentiu satisfação quando soube da morte de Jabari porque nem mesmo conhecia a pessoa. Mais adiante, o repórter assinala uma frase dita por Shalit que o impressionou: “The killing has to stop” (“a matança tem que parar”, em tradução livre).

Na reportagem, Bednarz destaca que após essa mensagem a conversa foi interrompida pelo pai de Shalit, com a alegação de que o filho precisava ser deixado em paz, pois não é uma figura pública (“the boy needs to be left alone. Gilad isn”t a public figure”). Para o jornalista, Shalit não demonstrou sentimentos de vingança, apesar dos anos de cativeiro e da provação pela qual passou. No dia da entrevista, destacou Bednarz, sua ansiedade era para assistir na TV uma partida de futebol entre os times ingleses do Arsenal e Tottenham.

Meses antes, Shalit tinha estado no set de Homeland, em Jaffa, cuja produção filmou algumas cenas em Israel, sendo fotografado ao lado de Claire Danes.

Biografia inédita a caminho

Mas, ainda que Shalit procure se manter afastado das questões políticas e tente viver uma vida normal, situações ocorrem em que ele se vê envolvido de alguma forma com seu passado. Foi o que ocorreu na Catalunha, em 2012, quando resolveu assistir a um jogo entre os times do Barcelona e do Real Madri e houve manifestações contra a sua presença no estádio. Segundo Shalit, ele foi acompanhado por uma equipe de segurança em função das ameaças de protesto por grupos pró-palestinos.

O incidente causou constrangimento ao clube e a direção do Barcelona emitiu uma nota afirmando que não convidou Shalit para o jogo, apenas aceitou seu pedido para ver uma partida durante a visita que faria a cidade. O clube ainda informou que esse procedimento foi estendido a três representantes palestinos.

Enfim, vai ser difícil Shalit se desprender de um passado que mobilizou uma nação durante meia década e que envolveu decisões políticas delicadas e embaraçosas, como a libertação de mais de mil presos palestinos, muitos deles autores confessos de crimes de terrorismo que resultaram em mortes de civis.

Em outubro próximo, por ocasião do segundo aniversário de sua libertação, três jornalistas investigativos prometem lançar um livro sobre o ex-prisioneiro do Hamas, com base em documentos e material inédito. As pesquisas foram iniciadas no ano passado e vão incluir informações até então não publicadas por questões de segurança, gravações e depoimentos dos pais e do próprio Shalit. Um indício de que a história de Shalit ainda guarda muitos segredos que talvez não se revelem totalmente nesse primeiro livro. De qualquer maneira, o tema já se mostrou um prato cheio em se tratando de tensão psicológica, conflitos morais e situações-limite, componentes dramáticos que acompanham um militar em seu retorno à pátria após um punhado de anos convivendo com a realidade e a verdade do inimigo.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Terror em Boston: calaram o leitor?

Por Sheila Sacks

para o "Observatório da Imprensa"
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed744_calaram_o_leitor


‘À imprensa não basta parecer honesta, tem que ser honesta’

O atentado em Boston coberto por O Globo proporcionou aos estudiosos de mídia uma aula de edição jornalística poucas vezes tão explícita. A oportunidade dever ter sido comemorada por mestres em comunicação sempre focados no garimpo de exemplos expressivos que possam servir para o estudo e a análise conjunta com seus pupilos universitários das peculiaridades que sitiam a veiculação de notícias e opiniões.

No caso específico da notícia - a explosão de duas bombas na linha de chegada da Maratona de Boston, provocando 3 mortes e mais de cem feridos – e seus desdobramentos ( perseguição, morte de um dos suspeitos e captura do outro ), a mesma além de marcar as primeiras páginas do jornal por um tempo acima da média em se tratando de um fato internacional, mobilizou um time razoável de correspondentes, especialistas e comentaristas que repercutiram vários aspectos do drama que se abateu sobre a população de Boston e os americanos em geral.

Mas, apesar de todo aparato midiático visando oferecer ao leitor os mais variados ângulos e abordagens do atentado, a notícia estranhamente passou ao largo da página reservada à opinião dos leitores. Estes, comumente atentos, participativos e opinativos, desta vez se quedaram mudos no decorrer da ebulição dos acontecimentos que abalaram o Ocidente pelo teor de insegurança que injetam no cotidiano dos habitantes desse planeta (exceção a três comentários publicados no dia seguinte ao atentado).

Exibindo entre quinze a vinte cartas diariamente, a maioria via e-mail, sobre temas e reclamações distintas, com ênfase nas manchetes e assuntos políticos polêmicos, o espaço Dos Leitores é uma espécie de termômetro cívico da sociedade e do país e como tal atrai um público formado por assessorias de órgãos públicos, autoridades governamentais, políticos, ONGs e uma diversificada gama de profissionais ativos e aposentados. Os textos curtos, claros e objetivos, de propósitos argumentativos muitas vezes acrescentam ou complementam pontos de vista defendidos de forma mais abrangente pela linha editorial do jornal ou ainda revelam e ampliam detalhes que criam novas perspectivas para temas conhecidos.

O dia a dia das manchetes

Acompanhando, dia a dia, o espaço e a importância dados à notícia do atentado fica mais difícil aceitar a mudez dos leitores em que muitos costumeiramente repetem de alguma forma o ponto de vista do jornal, mas a outros ainda se permite uma opinião independente, compondo um diversificado painel de interesses e tendências.

Seguindo a sequência de manchetes que por onze dias pontuou as primeiras páginas de O Globo, torna-se evidente, relevante e constrangedor a exclusão da opinião dos leitores. Senão vejamos: 16 de abril (3ª feira): “A Volta do Terror – 15 Segundos de Horror“; 17/4 (4ª feira): “Estado de Alerta – EUA ainda sem explicação para o novo atentado”; 18/4 (5ª feira): “EUA já têm suspeito de ataque em Boston”; 19/4 (6ª feira): “Atentado em Boston – FBI exibe imagens de suspeitos e pede ajuda”; 20/4 (sábado): “Com Boston sitiada, FBI mata um suspeito e prende o irmão - Caçada a jovens muçulmanos de origem chechena mobiliza os EUA”; 21/4 (domingo): “Terror em Boston – EUA buscam motivo para o atentado”; 22/4 (2ª feira): “Terror em Boston – Para polícia, suspeitos planejavam mais ataques”; 23/4 (3ª feira): “Terror nos EUA – Suspeito pode pegar pena de morte”; 24/4 (4ª feira): “Atentado em Boston - Guerras (no Afeganistão e no Iraque) teriam motivado o ataque”; 25/4 (5ª feira): “Atentado em Boston – Suspeitos tiveram subsídios nos EUA”; 26/4 (6ª feira): “Terror em Boston: Polícia atirou em suspeito desarmado”.

À parte os dois editoriais - “Terror parece ter vindo para ficar” (17/4) e “Enfrentando a banalidade do mal“ (23/4) – , o primeiro alertando o Brasil que vai sediar grandes eventos e o segundo instando os EUA a não recuarem na ampliação da lei de imigração, a seção ”Opinião” trouxe a público a preocupação manifesta do jornalista e analista político Rasheed Abou-alsamh (“Torcendo para que não seja muçulmano”, em 19/4). O time fixo de colunistas também não se furtou em produzir textos sobre o terrível evento: Veríssimo (“Imagens” e “Verniz”, em 18 e 25/4); Luiz Garcia (“Maluco solitário?”, 19/4); Zuenir Ventura (“Da favela para Boston”, 20/4); João Ubaldo Ribeiro (“Medo e Controle”) e Dorrit Harazim (“O medo do outro”), em 21/4.

Nos EUA, brasileiros opinam

O atentado ocorreu em 15 de abril, feriado anual em Boston, quando a cidade comemora o “Dia dos Patriotas” e promove a maratona que atrai atletas de todo o mundo, inclusive do Brasil. Essa particularidade também foi destacada por O Globo na primeira página, em 16/4: “Brasileiros perto da tragédia – Cento e trinta e um brasileiros estavam entre os 25 mil participantes da Maratona de Boston...”. Note-se que a presença de brasileiros na condição de turistas ou de moradores da cidade foi uma tônica sempre presente e bastante explorada pelas reportagens e entrevistas levadas a efeito pelos correspondentes do jornal e nos noticiários televisivos da rede. A decisão de privilegiar os brasileiros nos EUA nas incontáveis entrevistas sobre o atentado, porém, não correspondeu a uma ação similar no Brasil em relação aos seus leitores.

Custa crer que dentre as mais de 250 cartas recebidas em média diariamente pelo jornal nenhuma abordasse o atentado em Boston. Se existiu algum tipo de cerceamento com base em um zelo prepotente de chamar a si, imprensa, a função de censor, três motivos logo saltam à vista: a proximidade de megaeventos como a Copa das Confederações e a Jornada Mundial da Juventude, em junho e julho; a origem e a fé dos suspeitos; e a reforma da lei da imigração nos EUA. Evitar comentários por parte dos leitores à qualidade de nosso sistema de segurança (no Rio já existe um bordão: Imagine na Copa?), às possíveis ligações de ações terroristas ao radicalismo islâmico ou aos milhares de imigrantes de hábitos e valores distintos aos nossos, favorecendo a uma suposta xenofobia, pode ser uma motivação que se sustente à medida que se acredite que o espaço do leitor tem assumida importância e repercussão. O silêncio forçado estaria, dessa forma, a serviço de uma falsa alienação que, contudo, desmerece e agride a inteligência e a percepção política do público leitor.

Afinal, afastar o leitor de opinar sobre um assunto que afeta diretamente a sociedade em sua integridade física e que faz parte da pauta da mídia mundial e da agenda de preocupações dos governos não condiz com a saudável prática democrática da liberdade de expressão. Inspira e incentiva a produção de conjeturas e suposições muitas vezes mirabolantes e aquém da verdade. Por isso seria de bom tom O Globo admitir publicamente o marco regulatório do leitor que já vem sido exercido internamente pelo jornal, e num rasgo de coragem e honestidade trazer à luz os temas e os personagens indisponíveis aos comentários e argumentação dos leitores. A esses, diferente da mulher de César que precisa parecer honesta, lhe bastam unicamente o jornal se manter honesto e claro em suas proposições. A despeito da crescente multidão de cidadãos que continuadamente manifestam sua desconfiança e descrença na independência e honestidade dos grandes impérios da mídia no que diz respeito ao cumprimento de seu compromisso ético com o leitor, ainda o elo essencial de sustentação moral dos meios de comunicação.

domingo, 31 de março de 2013

Manhã de verão

Por Sheila Sacks

(Ser poeta é despir as palavras das imagens e sons cotidianos  e vesti-las de sentidos e sensações  extemporâneos)


Cá estou eu olhando o sol e não sendo poeta

vejo o sol.

Cá estou eu frente ao mar e não sendo poeta

digo mar.

Cá estou eu pisando na areia e não sendo poeta

tropeço.

Os banhistas se assustam e murmuram:

insolação.


Abro os olhos.

O céu é uma coroa dourada de franjas escarlates.

Delírio? Molham a minha boca.

“Pressão baixa”, arriscam.

Mãos suaves e cuidadosas me fazem sentar.

De quem são?

Uma imagem borrada se aproxima e sorri.



De repente me dou conta. Cadê meus óculos, camarada?

Afundo os dedos na areia, apalpo, reviro, remexo,

em vão. Deixa pra lá, me aconselham.



Desconfiada, impotente, sentindo a alma ferida,

choro. Inutilmente.

Não sou poeta. Sou míope, balbucio.

Um dos banhistas levanta o polegar em sinal de apoio.

- Também nós, cara pálida, não somos poetas.

Falei poeta?

-Ei, vocês! Tenham dó. Me devolvam os óculos!

 

quinta-feira, 14 de março de 2013

Ameaça nuclear sem heróis

Por Sheila Sacks
Especial para o Observatório da Imprensa

“Um dos fatos mais trágicos de nosso século é que esse ‘não’ às armas nucleares tem sido falado tão raramente, tão suavemente, e por tão poucos.” (Henri J.M. Nouwen, teólogo e escritor)

Nos primeiros dias de 2008, duas semanas após o encontro sobre mudanças climáticas realizado em Bali, na Indonésia - que reuniu mais de 190 nações sob a batuta da Organização das Nações Unidas (ONU) -, o jornal britânico “The Guardian” nominou 50 pessoas que no seu entender seriam capazes de frear a destruição do planeta. Cada uma delas recebeu o título meritório de “green heroes”, os heróis verdes da Terra.

Al Gore (vice-presidente no governo de Bill Clinton), Ângela Merkel (chanceler alemã), o ator norte-americano Leonardo DiCaprio e a brasileira Marina Silva, então ministra do Meio Ambiente, foram alguns dos guerreiros agraciados pelo empenho no combate ao aquecimento global e as conseqüências catastróficas que ameaçam o nosso habitat: degelo das calotas polares, ciclones, furacões, enchentes, deslizamentos, maremotos, secas extremas etc.

Porém, em termos de aniquilamento da raça humana o fato concreto, urgente e inconteste continua sendo a ameaça nuclear que, fatidicamente, não prospera sozinha nessa segunda década do século 21. A proliferação das armas químicas e biológicas é hoje uma realidade igualmente científica e apavorante e, em razão desse ambiente inseguro para a humanidade o ponteiro do Relógio do Juízo Final (Doomsday Clock), instituído como um alerta simbólico pelo BAS (Bulletin of Atomic Scientists), foi adiantado em 2012 em mais um minuto.

Mídia e sociedade ausentes

Estamos, pois, a cinco minutos da meia-noite, horário que marca a destruição nuclear ou o fim da vida como a conhecemos. Criado em 1949 por físicos do “Projeto Manhattan” que desenvolveram a bomba atômica para os EUA (muitos deles ganhadores do prêmio Nobel), o relógio do fim do mundo vem emitindo sinais de alerta desde 1953, ano em que os soviéticos realizaram a sua primeira experiência com a bomba de hidrogênio, meses depois do teste nuclear norte-americano nas Ilhas Marshall, no Oceano Pacífico.

Atualmente, devido ao contínuo desenvolvimento das armas nucleares e as públicas dificuldades de concluir acordos no sentido de cessar a sua produção, o Conselho de Segurança do BAS advertiu que a humanidade está em situação de risco. Segundo seus cientistas existem hoje 19.500 armas nucleares ativas, o suficiente para destruir a Terra várias vezes.

Mas, apesar dos avisos do BAS e das previsões sombrias suscitadas pela possibilidade de que ataques nucleares possam acontecer, a mídia prossegue estranhamente distraída quanto à prioridade, o destaque, o espaço e a assiduidade do tema na organização de suas pautas. O resultado desse distanciamento é a percebível ausência de preocupação por parte da sociedade brasileira e de seus cidadãos, individualmente, com o perigo latente e sem escapatória representado pelo apocalipse nuclear, em contraste com a atenção e a sistemática militância que os mesmos dispensam à problemática ecológica e climática.

Faz-se oportuno no atual estágio de evolução dos programas nucleares que a mídia ponha seus craques em campo e mostre ao distinto leitor quem de fato está engajado na batalha contra a proliferação de armas e artefatos nucleares, se é que existam heróis nesse intrincado jogo de poder. O propalado princípio de utilização da energia nuclear para fins pacíficos (geração de eletricidade) e a complexidade científica do tema têm dificultado uma abordagem mais constante e incisiva por parte dos meios de comunicação. Mas essas variáveis não devem servir de barreiras para enfrentar e atingir o cerne da questão que é o enriquecimento do urânio ou plutônio para construção de bombas nucleares.

Observa-se que uma espécie de escudo tecnológico se impôs à natural sensibilidade e agudeza jornalísticas presentes nas grandes questões internacionais e que neste caso específico têm sucumbido às polêmicas e à aridez que envolve o tema. Exceções aos acidentes de forte apelo popular que ganharam manchetes como os ocorridos nas usinas nucleares de Chernobyl, em 1986, na Ucrânia, onde um reator explodiu (especialistas estimam que 8 mil pessoas morreram em consequência do fato e que 17 mil podem desenvolver câncer nos próximos 50 anos), e Fukushima, no Japão, atingida por um tsunami em 11 de março de 2011, contaminando o ar e o solo das cidades que existiam nas proximidades.

Gastos com arsenal nuclear

Na dança dos números, calcula-se que atualmente os EUA e Rússia possuem mais de 26 mil armas nucleares, apesar de em 2010 o Pentágono ter anunciado que havia reduzido em 84% o seu arsenal atômico desde os tempos da Guerra Fria – quando chegou a ter 31.255 na década de 1960 - em função de acordos de desarmamento e de negociações do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP). Com 5.113 ogivas prontas para serem usadas, os EUA admitem que ainda há 4.600 ogivas que foram “aposentadas” mas ainda não foram desmontadas (“EUA declaram arsenal nuclear de 5.113 ogivas” – Agência Reuters, em 03.05.2010)

Dono do maior arsenal militar do planeta, os EUA prometem reduzir em 5 bilhões de dólares o seu orçamento militar de 2013, que totaliza cerca de 525 bilhões de dólares. Em fevereiro, o jornal New York Times revelou que o país possui 1,7 mil armas nucleares e que o presidente Barack Obama estuda diminuir esse número. Quanto à Rússia, a estimativa é que Moscou tenha 4.237 ogivas estratégicas para ataques a longa distância. Mas, o número total do arsenal russo estaria entre 15 mil a 17 mil ogivas.

Ainda que os EUA e a Rússia façam promessas públicas de redução do seu estoque de armas nucleares (cuja real quantidade ninguém sabe precisar), o Instituto de Pesquisas para a Paz de Estocolmo (Sipri) divulgou, em 2012, que as duas potências prosseguiam no trabalho de modernização de seu sistema de armas nucleares e que o gasto total no setor militar em 2011 havia atingido 1,74 trilhão de dólares. Oito países (EUA, Rússia, Reino Unido, França, China, Índia, Paquistão e Israel) concentravam 4.400 armas nucleares operacionais, com 2 mil aptas para serem usadas em combate a qualquer momento (“Estudo aponta modernização do arsenal nuclear no mundo” – Deutsche Welle, em 6 de junho de 2012).

Em paralelo, a instituição sueca também detectou que o comércio de armas convencionais não estacionou nem diminuiu. Entre 2007 e 2011 houve um aumento de 24% na comercialização dessas peças, principalmente por conta da militarização de países asiáticos como a Índia (a maior importadora de armas), Coreia do Sul, Paquistão, China e Singapura. Os maiores vendedores de armas continuavam sendo os EUA e a Rússia, mobilizando mais de 50% do mercado: o primeiro com 30% das vendas a 75 países e os russos com uma fatia de 23%.

Investimentos militares aumentam

Por conseguinte, alertas de cientistas e de instituições científicas pouco impressionam as potências nucleares e não inibem as nações de reservarem mais recursos para as áreas militares. O presidente da comissão de Defesa do Parlamento russo, Vladimir Komoedov, anunciou que entre 2013 e 2015 serão investidos 101,15 bilhões de rublos (cerca de 3,2 bilhões de dólares) para reforçar o arsenal nuclear do país, o triplo do que foi gasto em 2012. E para 2015 a previsão dos gastos militares chegará aos 3 trilhões de rublos (cerca de 96 bilhões de dólares), grande parte destinada à Força de Mísseis Estratégicos (FME). Exemplo dessa diretriz é a entrada em atividade, no início deste ano, do mais moderno submarino nuclear russo já construído, com capacidade para transportar 16 mísseis balísticos intercontinentais de alcance de mais de 8 mil quilômetros.

Autoridades da Rússia explicam que a construção de mísseis nucleares é necessária “para manter o equilíbrio estratégico no confronto geopolítico com os Estados Unidos.” Segundo o porta-voz do ministério da Defesa, coronel Vadim Koval, “o desenvolvimento do programa americano antimíssil global e a implantação do conceito de Ataque Global Imediato estimulam as Forças Armadas russas a buscar uma resposta assimétrica.” (“Rússia irá reforçar o seu escudo nuclear” – Gazeta Russa, em 14 de novembro de 2012).

Apoio nuclear ao Irã

Simultaneamente à evolução e expansão de tecnologia nuclear para uso próprio, a Rússia vem mantendo convênios de cooperação nesta área com o Irã desde 1995. Em 2010, a primeira usina nuclear iraniana iniciou as suas operações com combustível fornecido pela Rússia. Localizada no sul do país, a usina de Bushehr foi concluída pelos russos e nesse início de 2013 ligada à rede de energia nacional, operando em plena capacidade.

Apesar de o governo do Irã negar que faça uso da energia nuclear para fabricação de bombas atômicas, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) anunciou no final de 2012 que a capacidade iraniana de produzir urânio a 20% - usado para fins militares - iria aumentar de 15 kg a 25 kg mensais, após a instalação de mais mil centrífugas na usina subterrânea de Fordow. Meses antes, relatório divulgado pelo Instituto para a Ciência e a Segurança Internacional (ISIS), de Washington, afirmava que o Irã estava mais perto de obter a quantidade de urânio indispensável para montar uma arma nuclear. De acordo com o estudo, a usina de enriquecimento de urânio de Natanz, com 10 mil centrífugas, levaria de dois a quatro meses para acumular 25 Kg de urânio enriquecido a 90% necessários para fabricar uma bomba nuclear (“Irã pode ter material para bomba atômica em dois meses, diz instituto” – Voz da Rússia online, em 09.10.2012)

Uma hipótese não descartada por Moscou pelo que se apreende das palavras do ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergéi Lavror, durante encontro da CICA (Conferência sobre Interação e as Medidas de Confiança na Ásia), em setembro de 2012. A CICA tem 24 países-membros - entre eles Rússia, China, Índia, Paquistão, Irã, Israel, Egito, territórios palestinos, Turquia, Iraque, e Jordânia - e não-membros como Coreia do Norte, Líbano e Síria, e foi instituída em 1999 como um fórum entre governos de países da Ásia para o fomento da paz, segurança e estabilidade na região.

Na ocasião, o diplomata destacou o programa nuclear iraniano como uma das questões mais urgentes a serem debatidas e negociadas pela comunidade internacional: “O Exército e a Marinha do Irã já possuem mísseis táticos capazes de atingir instalações navais e terrestres dos EUA na região”, disse. Unidades e equipamentos de infraestrutura, portos, usinas de dessalinização de água também podem ser atacados pelo Irã, acrescentou. O chefe da diplomacia russa citou a possível ajuda que o Irã pode receber de aliados como o Hezbollah libanês, a milícia xiita Exército de Mahdi (Iraque) e de organizações fundamentalistas islâmicas do Afeganistão (Talibãs), Iêmen e Barein.

Armas nucleares nas mãos de terroristas

Em fevereiro de 2012, meses antes da abertura das Olimpíadas de Londres, o jornal britânico “The Daily Telegraph” publicou uma reportagem acusando o Irã de estar ampliando sua parceria com a rede terrorista al-Qaeda, oferecendo financiamento e treinamento a seus membros. A informação teria partido de especialistas em segurança e risco político que temiam algum tipo de ataque durante o evento. Um ano antes, os EUA já tinham denunciado formalmente o Irã de se aliar à al-Qaeda, permitindo que a rede utilizasse o solo iraniano para levar armas, dinheiro e combatentes às suas bases no Afeganistão e no Paquistão. A notícia publicada pelo The Wall Street Journal informava que o Departamento do Tesouro americano havia descoberto uma operação de angariação de fundos para as atividades da al-Qaeda, envolvendo centenas de milhares de dólares. Os recursos provenientes de doações de países do Golfo Pérsico, principalmente do Kuwait e Catar, eram operados por agentes da al-Qaeda baseados no Irã.

Mas, a suspeita de que a al-Qaeda possa ter armas nucleares não é recente. Em 1999, o cientista político Yossef Bodansky, ex-diretor do Centro contra terrorismo do congresso dos EUA e autor de vários livros sobre o tema, afirmou que sim. Seu colega Paul L. Williams, ex-consultor do FBI sobre crime organizado e terrorismo, autor do livro “Al Qaeda Connection” também acha possível. Ambos os especialistas sugerem que a rede terrorista adquiriu armas nucleares de fabricação soviética dos chechenos. “Em 1995”, conta Williams, “os chechenos plantaram uma bomba radiológica no Izmailovsky Park, perto de Moscou. A bomba foi feita de césio-137 e se tivesse sido detonada, poderia ter matado milhares de russos. Este incidente representa o primeiro caso de uma bomba nuclear a ser implantada como uma arma de terror”, afirma. William ainda relata que depois da guerra as armas foram vendidas a al-Qaeda e agentes britânicos infiltrados em campos de treinamento da organização no Afeganistão, em 2000, viram armas nucleares sendo fabricadas.

Armas nucleares no varejo

O que vai ao encontro das afirmações do então braço direito de Osama Bin Laden e atual chefe da organização, Ayman al-Zawahiri, semanas depois do atentado de 11/9. Em entrevista ao jornalista paquistanês Hamid Mir, ele teria dito: ”Senhor Mir, se você tem 30 milhões de dólares, vá o senhor ao mercado negro da Ásia Central, ponha-se em contato com um cientista soviético descontente e lhe asseguro que ele lhe dará dezenas de valises de bombas inteligentes.” A revelação foi feita pelo jornalista em um programa da TV australiana, em 2004, três anos após o ataque da al-Qaeda às torres gêmeas em Nova York. Segundo Mir, que foi o único repórter a entrevistar os terroristas em 2001, Zawahiri ainda explicou: “Eles entraram em contato conosco. Nós enviamos nosso pessoal para Moscou, Tashkent (capital do Uzbequistão) e outros países asiáticos. Nosso pessoal negociou e comprou algumas bombas pequenas.”

Em 2006, Mir voltou ao tema e falou para o site de notícias WND (WorldNetDaily) sobre o seu encontro, dias antes, com um engenheiro egípcio que tinha perdido um olho depois de participar de um teste nuclear da al-Qaeda, na província de Kunar, no Paquistão. O jornalista contou que ficou perturbado e deprimido com o encontro porque o engenheiro teria revelado que o pesadelo nuclear estava chegando à América. “O American Hiroshima, nome que os líderes da al-Qaeda escolheram para o plano de ataque aos EUA, irá acontecer tão logo que os norte-americanos lancem um ataque às instalações nucleares do Irã”, falou Mir. Trabalhando como âncora do canal de notícias Geo News, na capital paquistanesa, Hamid Mir escapou de um atentado terrorista em novembro do ano passado, quando uma bomba foi deixada em seu carro, embaixo do assento.

Por fim, apesar do aparente propósito público de Obama de reduzir o arsenal atômico mundial, ampliam-se as ameaças de guerra nuclear contra o Ocidente. Na semana passada (07.03.2013), em resposta às recentes sanções impostas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, o regime ditatorial da Coreia do Norte - que realizou um teste nuclear subterrâneo em 12 de fevereiro, o terceiro de sua agenda atômica - ameaçou os EUA com um “ataque nuclear preventivo”. O vice-ministro de Defesa daquele país, Kang Pyo-yong, anunciou que mísseis intercontinentais carregados de ogivas nucleares estariam prontos para atingir Washington, “a fortaleza do imperialismo americano e ninho do mal”.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Lincoln e a prática política

Por Sheila Sacks
publicado no "Observatório da Imprensa"


“Ao preço médio de 500 dólares cada, a ‘propriedade’ humana dos donos de escravos valia em torno de 2 bilhões de dólares, uma quantia astronômica na década de 1860. Assim, a abolição da escravatura nos Estados Unidos, sem compensações econômicas, se constituiu na maior expropriação de propriedade privada capitalista até a revolução russa de 1917” (Kevin Anderson, sociólogo e escritor)
O filme Lincoln, de Steven Spielberg, mostra de forma contundente que a política não é o exercício platônico, solitário e idealizado de pretensões justas conjugadas com ações eticamente corretas. A compra do apoio de parlamentares do Partido Democrata à causa da abolição da escravatura nos Estados Unidos pontua o enredo que buscou suas fontes históricas no livro de Doris Kearns Goodwin, uma pesquisadora e autora de biografias que trabalhou na Casa Branca de 1967 a 1969, durante a administração do presidente Lyndon Johnson.

O best-seller, que vendeu 1,5 milhão de exemplares quando de seu lançamento em 2005, Team of Rivals: The political Genius of Abraham Lincoln ou, em tradução livre, Equipe de rivais: o gênio político de Abraham Lincoln, inspirou Spielberg a adentrar no pragmático mundo dos jogos políticos e das escaramuças verbais. Nesse cenário, o público acompanha um Lincoln determinado a aprovar, em janeiro de 1865 ao final de seu primeiro mandato, a 13ª emenda que tornava a escravatura inconstitucional; o conflito com o seu núcleo íntimo de assessores de gabinete – a princípio cético em relação à conquista dos votos necessários para a vitória; e o embate com um Congresso dividido e sob pressão de uma guerra civil.

Empenhado em fazer valer a sua vontade, Lincoln apoia uma série de manobras que a ética em seu sentido mais puro certamente condenaria. Parlamentares opositores em fim de mandato e não reeleitos são cooptados para votarem a favor da abolição, com oferta de dinheiro e cargos na administração pública. Uma prática que, passados 147 anos, ocupou as primeiras páginas dos jornais brasileiros por mais de quatro meses naquele que foi o mais midiático julgamento de políticos dos anais da história brasileira: a Ação Penal 470 do Supremo Tribunal Federal (STF). Um processo de 50 mil páginas que demandou quatro anos de investigações, arrolou 600 testemunhas e condenou 25 acusados.

Perdas, sanções e cassação

Spielberg adquiriu os direitos do livro sobre Abraham Lincoln antes mesmo da historiadora Goodwin começar a escrever a obra. Em entrevista à jornalista Ana Maria Bahiana para o portal UOL, o diretor norte-americano disse que se interessou pelo livro porque a autora abordaria o talento de Lincoln como estrategista político. “Queria evitar a todo custo cair na adoração de Lincoln. Meu objetivo sempre foi abordar Lincoln como um homem, e não como um monumento”, explicou.

Por uma dessas coincidências interessantes, em 2005, quando da publicação do livro de Goodwin que revelava as estratégias políticas pouco ortodoxas praticadas por Lincoln com o intuito de emplacar a 13ª emenda, a Folha de S.Paulo estampava uma denúncia sobre a distribuição de dinheiro a congressistas assinada por Renata Lo Prete. Na entrevista à jornalista, publicada em 6 de junho, o então deputado federal Roberto Jefferson, líder do PTB, afirmava que o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, pagava um “mensalão” a parlamentares em troca de apoio no Congresso. Uma mesada de R$ 30 mil distribuída a representantes de partidos da base aliada.

Sete anos depois, o procurador-geral da República Roberto Gurgel, em sua exposição no STF, repetia o conhecido bordão “os fins não justificam os meios” e requeria a prisão dos envolvidos com o suposto “esquema do mensalão” – alguns deles do núcleo de assessores do gabinete da Presidência, outros com mandatos parlamentares. Assegurando que houve grande movimentação de recursos antes de votações importantes para o executivo, como as das reformas tributária e previdenciária, em 2003, no primeiro governo do presidente Lula, o procurador pediu perdas de cargo, sanções patrimoniais (devolução de dinheiro) e cassação de eventuais aposentadorias. “Altas autoridades devem servir de paradigma para a sociedade”, justificou, sublinhando que o caso “maculou gravemente a República” (“Gurgel pede condenação de 36 réus e prisões no final do julgamento” – O Globo em 03.08.2012).

Prova de liderança

Em contraposição às penalidades da Justiça e ao linchamento midiático sofrido pelos acusados do mensalão, o aliciamento e o suborno praticados pelo presidente Lincoln e seu grupo de assessores nos bastidores da votação da emenda abolicionista apresentados no filme de Spielberg não foram objetos de repúdio nem de condenação penal. Para a historiadora e professora da escola de administração da Universidade de Harvard, Nancy F.Kohen, a atuação de Lincoln ensina muito sobre como conduzir uma empresa na economia de hoje. Em artigo para o New York Times (“Lincoln: uma aula de administração”, em tradução livre) ela ressalta que o filme, ao acompanhar os esforços de Lincoln para aprovar a 13ª emenda, oferece uma prova de sua liderança. E cita dois exemplos de virtudes do 16º presidente norte-americano: ter uma meta e persistir em sua obtenção e ser flexível quando necessário.

Essas qualidades, portanto, englobariam até estratégias variadas de atrair votos oferecendo vantagens, como de fato aconteceu sob o comando de Lincoln, sem que os estratagemas despertassem possíveis condenações e prisões, talvez em virtude da grandeza e importância moral da missão. As negociatas, barganhas e compra de votos são tratadas pelos críticos de cinema em suas apreciações na mídia nacional como “um complexo processo de negociações”, “articulações políticas” e “táticas para abolir a escravatura e pôr fim à Guerra Civil nos EUA”.

O filme também mereceu a atenção do jornalista Elio Gaspari, que escreveu: “Spielberg fez seu filme tratando das poucas semanas durante as quais Lincoln dobrou a Câmara dos Deputados, aprovou a 13ª emenda à Constituição e acabou com a escravidão nos Estados Unidos” (“A festa de Abraham Lincoln” – Folha de S.Paulo, em 27/1/2013). O verbo dobrar aí entendido como “domar”, “vergar”, “vencer”.

Lado errado da história

Curiosamente, o único questionamento à história envolveu o roteirista e dramaturgo Tony Kushner, ganhador do prêmio Pulitzer pela peça teatral Angels in America e coautor do roteiro de Munique (2005), também filmado por Spielberg. Ele foi acusado de erro histórico por um representante de Connecticut, o democrata Joe Courtney, que lamentou a cena em que dois congressistas de seu estado votam contra a abolição da escravatura. “Como parlamentares de Connecticut — um estado que apoiou o presidente Lincoln e perdeu milhares de seus filhos lutando contra a escravidão ao lado da União na Guerra Civil — poderiam estar do lado errado da história?”, protestou Courtney. Uma falha que levou o roteirista de Lincoln a se desculpar publicamente. Afinal, quem em sã consciência quer ficar do lado errado da história?

No artigo “O Lincoln de Spielberg, Karl Marx e a Segunda Revolução Americana”, o escritor e professor de sociologia e ciências políticas na Universidade da Califórnia Kevin Anderson lembra que, com a libertação dos escravos nos Estados Unidos, cerca de quatro milhões de negros, 13% da população do país, foram alçados ao patamar de homens livres e a façanha de Lincoln foi alvo dos cumprimentos do filósofo alemão Karl Marx, que meses antes havia enviado uma carta pública em nome da recém-fundada Associação Internacional dos Trabalhadores de Londres (a primeira Internacional Socialista) ao presidente republicano, parabenizando-o pela reeleição e “a morte da escravatura”.

No caso brasileiro, talvez o autor de O Capital, se vivo fosse, também já teria despachado um e-mail de congratulações ao presidente Lula extensivo a seus assessores diretos pelas ações ensejadas a partir de seu primeiro mandato para libertar do jugo imoral da miséria 16,5 milhões de brasileiros, custasse o que custasse. E registre-se que em setembro de 2012 as “mesadas” do Bolsa Família já atendiam 13,7 milhões de famílias, com um valor médio de 150 reais e podendo chegar até 306 reais, de acordo com o número de filhos menores e em idade escolar.

No mais: estudo recente do Banco Mundial (04.02.2013) apontou o trabalho como o fator que mais contribuiu para que as pessoas saíssem da pobreza extrema no Brasil com o aumento de seus rendimentos: 52% contra 32% que melhoraram seu nível de vida com o Bolsa Família. Ficando os 16% restantes por conta dos jovens que se iniciaram no mercado de trabalho e passaram a colaborar na renda familiar. Uma vitória social, sem guerras nem derramamento de sangue, que Lincoln aplaudiria de pé.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Holocausto nuclear mais perto

por Sheila Sacks

Quem vai salvar o mundo?
“Evitar o Irã nuclear é o primeiro desafio” (Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel)

“O programa de bomba nuclear do Irã está completo” (Reza Kahlili, ex-espião da CIA no Irã)

Nos primeiros dias de 2008, duas semanas após o encontro sobre mudanças climáticas realizado em Bali, na Indonésia - que reuniu mais de 190 nações sob a batuta da Organização das Nações Unidas (ONU) -, o jornal britânico “The Guardian” nominou 50 pessoas que no seu entender seriam capazes de frear a destruição do planeta. Cada uma delas recebeu o título meritório de “green heroes”, os heróis verdes da Terra.

Al Gore (vice-presidente no governo de Bill Clinton), Ângela Merkel (chanceler alemã), o ator norte-americano Leonardo DiCaprio e a brasileira Marina Silva, então ministra do Meio Ambiente, foram alguns dos guerreiros agraciados pelo empenho no combate ao aquecimento global e suas conseqüências catastróficas - degelo nas calotas polares, enchentes, deslizamentos, maremotos, ciclones, furacões, secas extremas etc que ameaçam o nosso habitat.

Porém, em termos de aniquilamento da raça humana o fato concreto, urgente e inconteste permanece sendo a ameaça nuclear que, fatidicamente, não reina sozinha nessa segunda década do século 21. A proliferação das armas químicas e biológicas é hoje uma realidade inquestionável e em razão desse ambiente inseguro para a humanidade o ponteiro do Relógio do Juízo Final (Doomsday Clock), instituído como um alerta simbólico pelo BAS (Bulletin of Atomic Scientists), foi adiantado em 2012 em mais um minuto.

Experiências nucleares assustam

Estamos, pois, a cinco minutos da meia-noite, horário que marca a destruição nuclear ou o fim da vida como a conhecemos. Criado em 1949 por físicos do “Projeto Manhattan” que desenvolveram a bomba atômica para os EUA (muitos deles ganhadores de prêmio Nobel), o relógio do fim do mundo já posicionou o ponteiro a 2 minutos da meia-noite, em 1953, ano em que os soviéticos realizaram a sua primeira experiência com a bomba de hidrogênio. Meses antes, os Estados Unidos já haviam testado nas Ilhas Marshall, no Oceano Pacífico, o seu dispositivo termonuclear.

Mas, coube mesmo a então União Soviética detonar a maior e mais potente bomba nuclear jamais criada pelo homem: a bomba “Ivan”, ou “Tsar Bomb”, de 50 megatons, experimentada em 1961 no arquipélago Novaya Zemlya, no oceano Ártico, com potência 1.400 vezes mais letal do que as bombas atômicas lançadas em Hiroshima e Nagasaki, em 1945, que mataram mais de 100 mil civis. Essa superbomba capaz de provocar queimaduras de 3º grau em um raio de 100 quilômetros, danificou janelas e vidraças em cidades da Noruega e Finlândia, situadas a 900 quilômetros do epicentro ou marco zero do lançamento.

Tecnologia aperfeiçoa novas bombas

Décadas depois, em 2007, uma nova bomba com tecnologia avançada foi testada pelos russos, em resposta à bomba norte-americana a vácuo conhecida como MOAB (Massive Ordinace Air Plast Bomb) desenvolvida em 2003. Com poder destrutivo equivalente ao similar nuclear, a nova bomba não causaria danos radioativos. Ao exibir imagens do artefato militar, o “Canal 1” da televisão russa destacou que após a explosão o solo lembrava uma superfície lunar, mas sem a poluição química ou radiativa. “Tudo que é vivo literalmente se evapora”, afirmou.

Quatro vezes mais potente que a bomba norte-americana, a arma russa foi batizada de FOAB ou o “Pai de todas as bombas”, em contraposição à MOAB, também conhecida como a “Mãe de todas as bombas”. Seu lançamento veio acompanhado de um comunicado do Ministério da Defesa da Rússia informando que a fabricação daquela bomba estava fora de qualquer acordo militar internacional assinado pelo país e que a sua finalidade era garantir a segurança do Estado e combater o terrorismo. As bombas a vácuo são especialmente eficazes para destruir bunkers, refúgios subterrâneos, cavernas nas montanhas e edifícios, sendo utilizadas por norte-americanos (no Iraque) e russos (Afeganistão e Chechênia).

Na dança dos números, calcula-se que os EUA e Rússia possuem mais de 26 mil armas nucleares prontas para serem lançadas, apesar de em 2010 o Pentágono ter anunciado que havia reduzido em mais de 80% o seu arsenal atômico desde os tempos da Guerra Fria, em função de acordos de desarmamento e de negociações do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP). Atualmente com 5.113 ogivas prontas para serem usadas, os EUA admitem que ainda há milhares de ogivas que foram “aposentadas” mas ainda não foram desmontadas. Dono do maior arsenal militar do planeta, os EUA prometem reduzir em 5 bilhões de dólares o seu orçamento militar de 2013, que mobiliza cerca de 525 bilhões de dólares.

Quanto à Rússia, a estimativa é que Moscou possui 4.237 ogivas estratégicas para ataques a longa distância. Mas, o número total do arsenal russo estaria entre 15 mil a 17 mil ogivas.

Comércio de armas aumenta

Em paralelo, estudo elaborado em 2012 pelo Instituto de Pesquisas para a Paz de Estocolmo (Sipri) detectou que o comércio de armas convencionais não estacionou nem diminuiu. Entre 2007 e 2011 houve um aumento de 24% na comercialização dessas peças, principalmente por conta da militarização de países asiáticos como a Índia (a maior importadora de armas), Coreia do Sul, Paquistão, China e Singapura. Os maiores vendedores de armas continuavam sendo os EUA e a Rússia, mobilizando mais de 50% do mercado: o primeiro com 30% das vendas a 75 países e os russos com uma fatia de 23%.

O instituto sueco afirmou ainda que as duas potências prosseguiam no trabalho de modernização de seu sistema de armas nucleares e que o gasto total no setor militar em 2011 havia atingido 1,74 trilhão de dólares. Oito países (EUA, Rússia, Reino Unido, França, China, Índia, Paquistão e Israel) concentravam 4.400 armas nucleares operacionais, com 2 mil aptas para serem usadas em combate a qualquer momento (“Estudo aponta modernização do arsenal nuclear no mundo” – Deutsche Welle, em 6 de junho de 2012).

No tocante às ambições nucleares do Irã e da Coreia do Norte (fatores que em 2007 movimentaram o Relógio do Juízo Final para mais perto da meia-noite e que em 2012 voltaram a ser motivo de preocupação), cientistas do BAS emitiram comunicado alertando para a situação de risco da humanidade. Isso devido ao contínuo desenvolvimento das armas nucleares e as atuais dificuldades de concluir acordos no sentido de cessar a sua produção. Segundo o Conselho de Segurança do BAS existem hoje 19.500 armas nucleares ativas, o suficiente para destruir a Terra várias vezes.

Rússia investe em armas nucleares

Esses constantes avisos, porém, não impedem que nações reservem mais recursos para as áreas militares. O presidente da comissão de Defesa do Parlamento russo, Vladimir Komoedov, anunciou que entre 2013 e 2015 serão investidos 101,15 bilhões de rublos (cerca de 3,2 bilhões de dólares) para reforçar o arsenal nuclear do país, o triplo do que foi gasto em 2012. E para 2015 a previsão dos gastos militares chegará aos 3 trilhões de rublos (cerca de 96 bilhões de dólares), grande parte destinada à Força de Mísseis Estratégicos (FME). Exemplo dessa diretriz é a entrada em atividade nos primeiros dias de 2013 do mais moderno submarino nuclear russo já construído, com capacidade para transportar 16 mísseis balísticos intercontinentais de alcance de mais de 8 mil quilômetros.

Autoridades da Rússia explicam que a construção de mísseis nucleares é necessária “para manter o equilíbrio estratégico no confronto geopolítico com os Estados Unidos.” Segundo o porta-voz do ministério da Defesa, coronel Vadim Koval, “o desenvolvimento do programa americano antimíssil global e a implantação do conceito de Ataque Global Imediato estimulam as Forças Armadas russas a buscar uma resposta assimétrica.” (“Rússia irá reforçar o seu escudo nuclear” – Gazeta Russa, em 14 de novembro de 2012).

Um argumento contestado pela historiadora Marina Kalashnikova, dissidente russa que acusa o governo de ter ficado de fora de quase todas as convenções internacionais que restringem a expansão de seu poderio militar. “A ideia da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte que reúne 28 países) de intimidação pela posse de armamento nuclear não significa absolutamente nada para os generais russos", escreve Kalashnikova. "Ao contrário dos seus homólogos ocidentais, eles não têm medo das grandes perdas militares e civis. Isso já era verdade na época de Stalin. Perdas não afetam a popularidade dos governantes do Kremlin..." E alerta: “O equilíbrio estratégico não funciona e nunca funcionou. Os militares russos de hoje não são mais fracos do que os da URSS e em algumas áreas ultrapassam os militares soviéticos” (Em 2002 foi criado o Conselho OTAN – Rússia para inserir o país na aliança militar).

Kremlin ajuda programa de mísseis chineses

A historiadora também denuncia o Kremlin por ativar uma rede de extremistas do Terceiro Mundo; formar alianças com forças e regimes ditatoriais para expandir sua influência; e de estar por trás do ataque de 11/9, ao citar a frase de um funcionário da OTAN sobre o papel da al-Qaeda e Bin Laden na ação terrorista: “Isso (o ataque de 11/9) está além de suas capacidades intelectuais”. A dissidente que teve sua casa em Moscou arrombada, documentos roubados e permaneceu detida numa clínica psiquiátrica por 35 dias, mudou-se para Berlim com o marido Viktor, um ex- oficial da KGB (agência de inteligência soviética), em setembro de 2010, e três meses depois ambos foram internados em um hospital com suspeita de envenenamento. Exames confirmaram que os dois tinham uma concentração de mercúrio no sangue 25 vezes acima do normal (“Um alerta de Marina Kalashnikova”, por Jeffrey Nyquist, em 2 de março de 2010).

Estudioso de geopolítica e escritor político, o norte-americano Jeffrey Nyquist já havia afirmado, no final da década de 1990, que “altas lideranças da al-Qaeda são, na verdade, agentes russos”. Formado em sociologia política pela Universidade da Califórnia, Nyquist foi colunista do site de notícias WorldNetDaily (WND), um dos mais acessados em todo mundo e publicou a obra “As Origens da Quarta Guerra Mundial”. Ele defende uma posição mais agressiva dos EUA em relação à Rússia e enumera os motivos: a potência do Leste vem sucessivamente aumentando o seu arsenal nuclear; dá apoio e contribuição tecnológica aos sistemas de mísseis chineses; e está aliada à China no patrocínio de países de regimes repressivos (Coreia do Norte, Irã, Síria, Cuba e Venezuela, entre outros).

Considerado ultradireitista em suas opiniões, Nyquist critica a discreta repercussão na imprensa de denúncias de dissidentes, muitos deles eliminados pouco tempo depois de se manifestarem. E cita a frase de um agente aposentado da KGB: “Ninguém é mais fácil de comprar do que um jornalista ocidental.”

Apoio nuclear ao Irã

Simultaneamente à evolução e expansão de tecnologia nuclear para uso próprio, a Rússia vem mantendo convênios de cooperação nesta área com o Irã desde 1995. Em 2010, a primeira usina nuclear iraniana iniciou as suas operações com combustível fornecido pela Rússia. Localizada no sul do país, a usina nuclear de Bushehr foi concluída pelos russos e nesse início de 2013 ligada à rede de energia nacional, operando em plena capacidade.

Apesar de o governo do Irã negar que faça uso da energia nuclear para construção de bombas, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) anunciou, em novembro de 2012, que a capacidade iraniana de produzir urânio a 20% - usado para fins militares, já que o percentual de pureza necessário para o uso energético é de 3,5% - iria aumentar de 15 kg a 25 kg mensais, após a instalação de mais mil centrífugas na usina subterrânea de Fordow. Meses antes, relatório divulgado pelo “Institute for Science and International Security” (ISIS), de Washington, dava conta de que o Irã estava mais perto de obter a quantidade de urânio indispensável para montar uma arma nuclear.

De acordo com o estudo, a usina de enriquecimento de urânio de Natanz, com 10 mil centrífugas, levaria de dois a quatro meses para acumular 25 Kg de urânio enriquecido a 90% necessários para fabricar uma bomba nuclear. Para o presidente do ISIS e um dos autores do relatório, David Albright, de posse do material Teerã disporia de um artefato nuclear no prazo de oito a dez meses.

Uma hipótese não descartada por Moscou pelo que se apreende das palavras do ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergéi Lavror, durante encontro da CICA (Conferência sobre Interação e as Medidas de Confiança na Ásia), em setembro de 2012. A CICA tem 24 países-membros - entre eles Rússia, China, Índia, Paquistão, Irã, Israel, Egito, territórios palestinos, Turquia, Iraque, e Jordânia – e não-membros como Coreia do Norte, Líbano e Síria, e foi instituída em 1999 como um fórum entre governos de países da Ásia para o fomento da paz, segurança e estabilidade na região.

Na ocasião, o diplomata destacou o programa nuclear iraniano como uma das questões mais urgentes a serem debatidas e negociadas pela comunidade internacional: “O Exército e a Marinha do Irã já possuem mísseis táticos capazes de atingir instalações navais e terrestres dos EUA na região”, disse. Unidades e equipamentos de infraestrutura, portos, usinas de dessalinização de água também podem ser atacados pelo Irã, acrescentou. O chefe da diplomacia russa citou a possível ajuda que o Irã pode receber de aliados como o Hezbollah libanês, a milícia xiita Exército de Mahdi (Iraque) e de organizações fundamentalistas islâmicas do Afeganistão (Talibãs), Iêmen e Barein.

Um recado em tom de ultimato que se desdobra nesse início de 2013. Em artigo veiculado no site de notícias WND, em 7 de janeiro (“Iran's nuclear bomb program complete”), um ex-agente da CIA (Central Intelligence Agency) que atuou infiltrado na Guarda Revolucionária do Irã, de pseudônimo Reza Kahlili, afirma que o programa iraniano de construção de uma bomba nuclear está completo. Segundo Kahlili, sua fonte tem acesso ao programa nuclear iraniano e confirmou que o Irã finalizou com sucesso uma bomba nuclear com a ajuda da Rússia e da Coreia do Norte, em uma das instalações desconhecidas pelos inspetores da AIEA, na cidade de Khondab. O local fica no interior de uma montanha, com centrífugas e laboratórios, e é imune a ataques aéreos. Há 60 especialistas trabalhando sob a supervisão de quatro cientistas russos e três norte-coreanos. Armas biológicas também estão sendo desenvolvidas pelos iranianos.

Reza Kahlili nasceu em Teerã, foi agente da CIA nas décadas de 1980 e 1990, escreveu o livro de memórias “A Time to Betray” (Tempo de Trair), publicado em 2010, e vive escondido em algum lugar da Califórnia.

Armas nucleares nas mãos de terroristas

Em 2012, meses antes das Olimpíadas de Londres, o jornal britânico “The Daily Telegraph” publicou uma reportagem acusando o Irã de estar ampliando sua parceria com a rede terrorista al-Qaeda, oferecendo financiamento e treinamento a seus membros. A informação partiu de especialistas em segurança e risco político que temiam algum tipo de ataque durante o evento.

Um ano antes, os EUA já tinham denunciado formalmente o Irã de se aliar à al-Qaeda, permitindo que a rede utilizasse o solo iraniano para levar armas, dinheiro e combatentes às suas bases no Afeganistão e no Paquistão. A notícia publicada pelo “The Wall Street Journal” informava que o Departamento do Tesouro americano havia detectado uma operação de angariação de fundos para as atividades da al-Qaeda, envolvendo centenas de milhares de dólares. Os recursos provenientes de doações de países do Golfo Pérsico, principalmente do Kuwait e Catar, eram operados por agentes da al-Qaeda baseados no Irã (“U.S. Sees Iranian, al Qaeda Alliance”, em 29 de julho de 2011).

Mas, a suspeita de que a al-Qaeda possa ter armas nucleares não é recente. Em 1999, o cientista político Yossef Bodansky, ex-diretor do Centro contra terrorismo do congresso dos EUA e autor de vários livros sobre o tema, afirmou que sim. Seu colega Paul L. Williams, ex-consultor do FBI sobre crime organizado e terrorismo, autor do livro “Al Qaeda Connection” também acha possível. Ambos os especialistas sugerem que a rede terrorista adquiriu armas nucleares de fabricação soviética dos chechenos. “Em 1995”, conta Williams, “os chechenos plantaram uma bomba radiológica no Izmailovsky Park, perto de Moscou. A bomba foi feita de césio-137 e, se tivesse sido detonada, poderia ter matado milhares de russos. Este incidente representa o primeiro caso de uma bomba nuclear a ser implantada como uma arma de terror”, afirma. William ainda relata que depois da guerra as armas foram vendidas a al-Qaeda e agentes britânicos infiltrados em campos de treinamento da organização no Afeganistão, em 2000, viram armas nucleares sendo fabricadas.

Bombas compradas no varejo

O que vai ao encontro das afirmações do então braço direito de Osama Bin Laden e atual chefe da organização, Ayman al-Zawahiri, semanas depois do atentado de 11/9. Em entrevista ao jornalista paquistanês Hamid Mir, ele teria dito: ”Senhor Mir, se você tem 30 milhões de dólares, vá o senhor ao mercado negro da Ásia Central, ponha-se em contato com um cientista soviético descontente e lhe asseguro que ele lhe dará dezenas de valises de bombas inteligentes.” A revelação foi feita pelo jornalista em um programa da TV australiana, em 2004. Segundo Mir, que foi o único repórter a entrevistar os terroristas após o ataque aos EUA, Zawahiri ainda explicou: “Eles entraram em contato conosco. Nós enviamos nosso pessoal para Moscou, Tashkent (capital do Uzbequistão) e outros países asiáticos. Nosso pessoal negociou e comprou algumas bombas pequenas.”

Cinco anos depois, Mir voltou ao tema e falou para o site de notícias WND sobre o seu encontro, dias antes, com um engenheiro egípcio que tinha perdido um olho depois de participar de um teste nuclear da Al-Qaeda, na província de Kunar, no Paquistão (“ ‘American Hisoshima’ linked with Iran Attack”, em 28.04.2006). O jornalista contou que ficou perturbado e deprimido com o encontro porque o engenheiro teria dito que o pesadelo nuclear estava chegando à América. “O American Hiroshima, nome que os líderes da al-Qaeda escolheram para o plano de ataque aos EUA, irá acontecer em breve, tão logo que os norte-americanos lancem um ataque às instalações nucleares do Irã”, falou Mir.

Trabalhando como âncora do canal de notícias Geo News, na capital paquistanesa, Hamid Mir escapou de um atentado terrorista em novembro do ano passado, quando uma bomba foi deixada em seu carro, embaixo do assento.

Chefe da al-Qaeda recebeu treinamento na Rússia

Reforçando a ideia de ligação da al-Qaeda com o regime russo, um ex-tenente-coronel da FSB (a agência de informações que substituiu a KGB), Alexander Litvinkenko, declarou publicamente que o médico egípcio Ayman al-Zawahiri, chefe da al–Qaeda e o primeiro da lista do FBI (Federal Bureau of Investigation) de terroristas procurados, foi treinado pela FSB na Rússia. Autor do livro “Explodindo a Rússia:Terror Doméstico” que acusa agentes russos por atos de terrorismo em Moscou e de culparem indevidamente os chechenos, Litvinkenko desertou e pediu asilo político na Inglaterra, em 2000.

Seis anos depois, aos 41 anos, ele morreu misteriosamente, provavelmente envenenado, depois de tomar chá com três compatriotas em um hotel de Londres. O governo russo negou qualquer envolvimento, mas segundo Jeffrey Nyquist “privadamente, autoridades britânicas admitiram ter sido o Kremlin que enviou os assassinos que envenenaram Litvinenko com material radiativo polônio-210, em novembro de 2006”. O ex-militar falava abertamente que Vladimir Putin, presidente da Rússia e ex-agente dos serviços secretos (KGB) era o terrorista mestre por trás da al-Qaeda.

Apesar do paradeiro de al-Zawahiri não ser conhecido, supõe-se que ele esteja abrigado em terras das fronteiras do Afeganistão e Paquistão. O exército paquistanês, temeroso de que ações terroristas possam ser executadas em seu território, anunciou uma mudança de foco em relação à segurança nacional. A partir de 2013, grupos extremistas, principalmente a al-Qaeda – e não mais a Índia, o principal inimigo externo – estão estabelecidos como a mais grave ameaça ao país a ser combatida.

No Iraque, o braço da al-Qaeda que se intitula “O Estado Islâmico do Iraque (ISI)” tem atuado sistematicamente. Em 2012, o grupo desfechou 31 ataques terroristas matando mais de 400 pessoas durante o mês sagrado dos muçulmanos, o Ramadã. Na guerra civil da Síria, a inquietação é com a possibilidade da rede terrorista se apossar das armas químicas. Em pronunciamento à rede norte-americana de TV CNN, o rei Abdullah da Jordânia externou a sua preocupação de que armas químicas estocadas pelo governo sírio possam acabar nas mãos da al-Qaeda.

Brigadas da al-Qaeda na Síria

No fim do ano passado, o representante do principal grupo opositor do governo sírio no exílio, Burhan Ghalioun, que então presidia o Conselho Nacional Sírio (CNS), esteve em a Trípoli para pedir ajuda para os rebeldes que lutavam na Síria. O Pravda informou que Ghalioun encontrou-se com dois antigos líderes da al-Qaeda, Abdelhakeem Belhaj e Mahdi Al Harati, que atualmente ocupam importantes cargos no novo governo pós-Kadafi. Na reunião, o representante do principal grupo da oposição síria no exterior, com sede na Turquia, pediu armamentos e voluntários. Segundo o jornal russo, “armas foram enviadas dos estoques do então exército de Muamar Kadafi e brigadas revolucionárias de milicianos salafitas foram transferidas.” Os salafitas são muçulmanos que defendem a “sharia” (leis islâmicas) como fonte de legislação dos Estados e a al-Qaeda mantém brigadas destes jihadistas em suas formações.

De acordo com a emissora “Voz da Rússia” existe um receio de que em Damasco, em substituição ao regime de Assad, possam alcançar o poder grupos extremistas. “O fato da al-Qaeda estar presente na Síria foi confirmado também pelo premiê de Israel Benjamin Netanyahu, em reunião do governo israelense”, informou a rádio, em 19 de janeiro. A al-Qaeda é a responsável pelo ataque às torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, e ao prédio do Pentágono, nos arredores de Washington, ocorridos em 11 de setembro de 2001 (11/9). Foram sequestrados quatro aviões com tripulantes e passageiros para os ataques, sendo que um deles caiu em um campo na Pensilvânia. No total foram 2.996 mortos e mais de 6 mil feridos.

Al-Qaeda avança para a África

Mas, os radicais islâmicos da al-Qaeda não estão circunscritos ao Oriente Médio. Um dos ramos desta rede transnacional é a al-Qaeda no Magreb Islâmico (AQIM), com seu quartel-general na Argélia, que vem atuando nas terras desérticas do norte e oeste da África, principalmente na República do Mali, com o apoio do Irã. O objetivo é derrubar o governo daquele país e instalar um regime fundamentalista aos moldes do iraniano.

Desde o início de 2012 os extremistas islâmicos controlam as cidades do norte de Mali e diante da possibilidade da ex-colônia francesa ser tomada pelos insurgentes, o presidente da França Francois Hollande tomou a decisão de enviar tropas àquele país. O dirigente francês acredita que se nada for feito para impedir o avanço dos extremistas, a região vai se tornar uma base de lançamento para ataques terroristas contra o Ocidente, com a al-Qaeda se expandindo para o Iêmen, Somália e Mauritânia.

E o recente ataque, sequestro e morte de reféns em uma usina de extração de gás na Argélia (a 100 quilômetros da fronteira líbia) comprovam a disposição da rede terrorista e de seus afiliados de avançarem pela África. Há dois anos, o governo espanhol se dispôs a pagar 5 milhões de dólares aos salafitas da al-Qaeda no Magreb Islâmico pela libertação de três funcionários catalães da organização não governamental “Barcelona Acción Solidaria”. Eles foram sequestrados na Mauritânia, sendo posteriormente transferidos para o norte de Mali.

O Magreb (poente, em árabe) islâmico é identificado geralmente com a parte ocidental da África do Norte (conhecida como África branca) e inclui o Marrocos, Saara Ocidental (ex-colônia espanhola invadida pelo Marrocos), Argélia, Tunísia, Líbia, Mauritânia e as ilhas espanholas Ceuta e Mellila, no Mediterrâneo, perto da costa de Marrocos.

Irã envia recursos ao Hezbollah

O Irã também vem ajudando com recursos e armamentos, desde a década de 1980, a milícia xiita libanesa Hezbollah, detentora de um longo histórico de atos terroristas. Especialistas acreditam que Teerã envia anualmente 200 milhões de dólares para o grupo extremista que está ligado ao regime sírio de Bashar al-Assad. Em entrevista à rede britânica de rádio e televisão BBC, em 2009, a professora Amal Saad-Ghorayeb, estudiosa do Hezbollah, assim definiu o grupo: “O Hezbollah é libanês, seus membros são árabes xiitas, mas sua ideologia e modelo seguem o Irã.”

Na mesma linha de pensamento, o professor Fares Ishtay, do departamento de Ciência Política da Universidade do Líbano afirmou que o Hezbollah é uma frente iraniana na região, mas que já criou estrutura própria. Fontes do Pentágono calculam que o grupo xiita libanês tem atualmente 50 mil mísseis e foguetes, graças ao reforço militar da Síria à organização. Na guerra civil na Síria, o governo de Assad tem tido o apoio de mais de 5 mil militantes do Hezbollah e teme-se que o grande arsenal de armas químicas do país possa também ser transferido de alguma forma para esse grupo terrorista.

O Hezbollah surgiu a partir da revolução iraniana (1979), com o objetivo de criar um governo no Líbano regido por leis islâmicas similar ao regime de Teerã. Apoiado pelas forças iranianas, o grupo foi responsável por ataques terroristas nas décadas de 1980 e 1990 às embaixadas norte-americanas no Irã, no Líbano e no Kwait, com mais de 100 mortos. Também sequestrou aviões comerciais, jornalistas e professores universitários; utilizou-se de caminhões-bomba para destruir quartéis em Beirute, resultando em centenas de mortos; praticou atentados em Paris, explodiu a embaixada de Israel em Buenos Aires, em 1992 (29 mortos e 249 feridos) e a sede da associação judaica argentina (AMIA), em 1994, matando 85 pessoas e ferindo 300.

Entre os indiciados pelos ataques apontados pela justiça da Argentina está o atual ministro da Defesa do Irã, Ahmad Vahidi, que na época era o comandante da Força Quds, uma divisão especial da Guarda Revolucionária do Irã cuja missão é organizar, treinar, equipar e financiar organizações militares islâmicas clandestinas em todo o mundo para a prática de ações terroristas.

Reação é vista como intervenção

O Ocidente vai respondendo a esses atentados violentos de forma reativa, com os governos arregimentando suas forças policiais e militares a cada ataque perpetrado. Os EUA, um dos alvos prioritários do terror, têm procurado se antecipar e abortar esses atos em seu território fazendo uso de avançados serviços de informação e de rígidas medidas de segurança. A mobilização e o envio de tropas norte-americanas e de seus aliados europeus a países da Ásia e África corroídos por conflitos internos de raiz religiosa geralmente cobram um preço demasiado alto em termos de perda de vidas, gastos públicos e críticas de intervencionismo.

Lênin, líder da revolução russa de 1917, chamava os atentados terroristas de “propaganda armada”. De certa forma, o terrorismo vende suas ideias ou ideologias utilizando os argumentos mais vis e imorais ao seu alcance. Seu objetivo é introduzir o medo, a incerteza, a sensação de fragilidade e impotência no coração dos homens, atiçando e fomentando a violência e o ódio como fórmula escabrosa de política. “Ataques terroristas imitam os golpes arbitrários da natureza”, compara Susan Neiman, filósofa norte-americana, ao analisar o 11/9. “Como os terremotos, os terroristas atacam aleatoriamente: quem sobrevive e quem morre dependem de contingências que não podem ser merecidas ou evitadas.”

Por outro lado, a inércia e a dubiedade respaldadas por uma aparente política estratégica tendem a se transmutarem em omissão criminosa e não podem ser justificadas. Neiman explica que uma das principais consequências do terror é a destruição das próprias distinções morais. As vítimas transformadas em cúmplices, embaraçadas por sentimentos de possíveis culpas e injustiças praticadas anteriormente que determinariam os atos de seus algozes. Legitimando, no final das contas, ideologias fundamentalistas que instigam aos assassinatos e às guerras. Um impasse moral que a política das nações tem se mostrado incapaz de enfrentar nesse jogo de retranca das civilizações. O que nos leva a crer, nesse início de 2013, que estamos sós, lamentavelmente sós. A humanidade refém de mentiras, trapaças e ameaças, à mercê do apocalipse nuclear.