linha cinza

linha cinza

terça-feira, 28 de junho de 2011

Primavera Árabe: As ambiguidades do governo brasileiro

por Sheila Sacks

Ao se declarar contra o apedrejamento de mulheres no Irã, logo após assumir a presidência em janeiro, e se alinhar a favor do envio de um relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) àquele país para apurar denúncias de violações de direitos humanos, a presidenta Dilma Rousseff ouriçou os comentaristas políticos e editorialistas dos grandes jornais, que imediatamente enxergaram uma mudança de rumo na política externa brasileira.

A ducha de água fria veio com a posição do Planalto em negar à ativista iraniana Shirin Ebadi, Prêmio Nobel da Paz em 2003, uma audiência pessoal com a presidente Dilma. Uma das principais vozes de oposição ao regime de Mahmoud Ahmadinejad, a advogada e ex-juíza, de 63 anos, que vive exilada na Inglaterra desde 2005, esteve em Brasília, no início de junho e, diante da impossibilidade de ser recebida pela presidente brasileira, se absteve de se encontrar com o assessor para Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, indicado para atendê-la. Ainda em Brasília, no plenário da Câmara dos Deputados, Shirin passou por novo constrangimento ao falar sobre os maus tratos, perseguições religiosas e prisões arbitrárias no Irã para uma pífia plateia de menos de dez parlamentares.

Dias depois, em Genebra, durante a conferência mundial da Organização Internacional do Trabalho (OIT), os ministros do Trabalho do Brasil, Carlos Lupi, e do Irã, Abdolreza Sheikholeslami, anunciaram um plano de cooperação visando à implementação no país persa de projetos de capacitação de trabalhadores e de programas similares ao Bolsa Família e Brasil sem Miséria. O objetivo seria evitar a repetição do cenário de crise social – com milhões de pessoas sem trabalho – que fermentou a derrubada dos governos da Tunísia e do Egito. A pedido do Irã, o governo brasileiro irá desenvolver iniciativas que possibilitem a criação de mais de 2 milhões de empregos no Irã e promover ações sociais que aliviem o impacto do embargo econômico e comercial que lhe é imposto pela ONU. “Nós falamos com todos os países e vamos cooperar com quem nos peça cooperação, incluindo o Irã”, justificou Lupi.

“É o cumprimento de uma lei internacional”

Desde a eleição de 2009 que reelegeu Ahmadinejad, o regime islâmico tem perseguido e encarcerado dissidentes, ativistas de direitos humanos, líderes religiosos, advogados e jornalistas. Atualmente 26 profissionais da imprensa permanecem presos pelo regime de Ahmadinejad. Em abril, o jornalista e professor de Ciências Políticas Ahmad Zeidabadi, detido há dois anos, foi homenageado com o Prêmio Guillermo Cano World Press Freedom, concedido pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), por sua “coragem excepcional, resistência e compromisso com a liberdade de expressão, democracia, direitos humanos, tolerância e humanidade”. Editor do jornal Azad e colaborador da BBC de Londres, Zeidabadi foi condenado a seis anos de prisão, mais cinco de “exílio interno” e proibido de exercer a profissão para o resto da vida, acusado de conspirar contra o governo.

Em relação à Líbia, a decisão da diplomacia brasileira de se juntar aos demais membros do Conselho de Segurança da ONU – formado por 15 membros, sendo cinco permanentes e dez temporários – na aprovação de uma resolução votada em fevereiro que impunha sanções à Líbia de Kadafi, também contribuiu para fomentar editoriais e artigos sobre o novo posicionamento da presidente Dilma e do Itamaraty no cenário internacional.

Muitos se animaram com a publicação no Diário Oficial da União do decreto determinando as sanções da ONU à Líbia (embargo à venda de armas, congelamento de bens e proibição da entrada de parentes de Kadafi). Assinado em 15 de abril por Michel Temer, presidente em exercício, o documento não se constituiria em uma iniciativa isolada do Brasil, e sim, atenderia à Resolução nº 1.970, aprovada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, dois meses antes. “É o mínimo de cumprimento de uma lei internacional”, afirmou na ocasião ao jornal Correio Braziliense o especialista em Oriente Médio Márcio Scalércio, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Segundo ele, ao publicar a medida o Brasil simplesmente acatou a determinação do Conselho.

Minas brasileiras na Líbia

É importante observar que na votação da Resolução nº 1.973, desse mesmo Conselho, em 17 de março, o Brasil se absteve de votar contra a Líbia, posicionando-se ao lado da China, Rússia, Índia e Alemanha. A medida impôs uma zona de exclusão aérea sobre o país, autorizando o uso da força para suspender voos sobre o território líbio. A resolução foi aprovada por maioria (10 votos) e, três dias depois, o presidente americano Barack Obama, ainda em território brasileiro, autorizou os ataques das forças aliadas contra o regime de Kadafi. A reação diplomática brasileira veio logo depois em forma de um comunicado do Itamaraty lamentando as mortes ocorridas pelos bombardeios, reiterando sua solidariedade com o povo líbio, criticando o uso da força pela coalização internacional e pedindo “um cessar-fogo efetivo”. Posição reforçada na reunião de cúpula dos Brics – grupo de países formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – ocorrida em abril na China, com a presença da presidente Dilma Rousseff. A declaração conjunta divulgada ao final do encontro condenou o uso da força na Líbia e novamente apresentou propostas de reforma do Conselho de Segurança da ONU.

Uma semana depois da reunião dos Brics, a missão do Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU enviada à Líbia concluiu que pelo menos 10 mil pessoas morreram no país desde o início da revolta contra Kadafi. O chefe da delegação, Cherif Bassioun, afirmou que foram encontrados indícios de crimes de guerra, com ataques a civis e a missões humanitárias. Por outro lado, Jacob Zuma, presidente da África do Sul e membro do Conselho da União Africana, em visita ao ditador líbio, em Trípoli, manifestou seu repúdio aos ataques da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) ao país. Em telefonema posterior à presidente Dilma, o sul-africano pediu apoio do Brasil para uma articulação no Conselho de Segurança da ONU no sentido de encontrar uma saída política para a crise na Líbia. Na conversa, que durou cerca de 10 minutos, de acordo com o porta-voz da Presidência Rodrigo Baena, os dois presidentes se mostraram preocupados com os ataques aéreos contra a Líbia, que estariam indo além da resolução aprovada pela ONU, provocando “impactos negativos na população civil das ações das políticas ocidentais”.

Na mesma época, a principal organização de combate ao uso das minas terrestres, a International Campaign to Ban Landmines (ICBL), prêmio Nobel da Paz de 1997, constatou a presença de minas de fabricação brasileira sendo utilizadas pelo regime de Kadafi contra os rebeldes. Em carta ao ministro Antônio Patriota, a diretora da ONG Kasia Derlicka pediu explicações sobre o fato, lembrando a condição do Brasil de signatário do Tratado de Ottawa, posto em vigor em 1999, que proibiu a fabricação, uso e venda de minas “antipessoal”. A instituição pediu ainda que o Brasil condene o uso de minas e exija a sua suspensão (segundo a assessoria do ministro, o Brasil não exporta mais esse tipo de artefato, em respeito ao tratado, mas mantém estoque do armamento, parte dele usado pelo Exército em exercícios militares).

Missão para investigar tortura e execuções

O emprego de métodos cruéis para calar vozes discordantes é comportamento-padrão no regime Kadafi. Em 1996, o ditador foi responsável por um dos crimes mais brutais que atingiram a sociedade líbia. Trata-se do massacre na prisão de Abu Salim, onde 1.167 pessoas supostamente opositoras do governo foram assassinadas em poucas horas pelos soldados do regime. Com depoimentos e provas suficientes para condenar Kadafi em uma corte internacional por crime contra a humanidade, o ativista de direitos humanos e advogado das famílias das vítimas Fathi Terbil conta que os corpos das vítimas foram jogados em buracos e cobertos com cimento. Um dos poucos sobreviventes da chacina, o engenheiro Issa el-Bira, revelou que centenas de presos foram forçados a sair para o pátio enquanto atiradores os matavam de cima dos telhados.

Iniciada em março, a revolta popular na Síria contra o regime de Bashar Assad já contabiliza 1.200 mortes e 10 mil presos qualificados pelo governo como “sabotadores”. O presidente da Assembleia-Geral das Nações Unidas, Joseph Deiss, frente a sinais de que o Brasil não estaria disposto a apoiar uma resolução de condenação no Conselho de Segurança contra a repressão e atrocidades cometidas contra civis e as mais de mil mortes promovidas pelas forças sírias, deslocou-se até Brasília para uma reunião com a presidente Dilma e o chanceler Patriota. Na visita, ocorrida em 20 de junho, Deiss tentou sensibilizar o governo brasileiro a votar a favor da resolução que prevê, entre outros tópicos, a implantação de reformas políticas no país, a libertação de prisioneiros e o fim da violência contra os opositores. Entretanto, a posição brasileira – que coincide com as da Rússia e China – é de que possíveis ações militares tenderiam a piorar ainda mais a situação. “ASíria é um país central, quando se leva em conta a estabilidade no Oriente Médio”, afirmou Patriota em entrevista na ONU. “A última coisa que gostaríamos é contribuir para exacerbar as tensões no que pode ser considerada uma das regiões mais tensas de todo o mundo.”

Esse posicionamento do Brasil tem intrigado diplomatas dos Estados Unidos, Reino Unido e França, países membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Um deles se mostrou decepcionado e explicou: “Tivemos até mesmo a preocupação de não colocar nenhum trecho que pudesse dar chance para uma intervenção externa na Síria. Mas parece não ter sido suficiente para convencer os brasileiros”, disse. Em abril, o Brasil votou favoravelmente no CDH pelo envio a Damasco de uma missão para investigar violações de direitos humanos no país, principalmente tortura e execuções. Dois meses depois, observadores da ONU foram impedidos de entrar na Síria.

Exportações para o Egito cresceram 135,7%

Mesmo assim, o governo de Assad pediu o apoio do Brasil para a sua pretensão de concorrer a uma vaga no CDH. Diplomatas sírios acreditavam na influência do voto brasileiro para mudar a posição de outros países. Mas, uma semana antes da votação a Síria retirou a sua candidatura. Membro da entidade desde 2008, o Brasil encerrou seu mandato em maio, quando 15 das 47 cadeiras do Conselho foram renovadas. Em março, a Assembleia-Geral da ONU já havia decidido pela suspensão da Líbia no CDH, com voto favorável do Brasil.

Uma das mais significativas áreas de comércio do Brasil no norte da África e principal destino das exportações brasileiras para aquele continente, o Egito pós-Mubarak foi alvo de uma visita do ministro Antônio Patriota em maio. Parceiro extra-regional do Mercosul, assim como Israel, o país de 80 milhões de habitantes abriga a sede da Liga dos Países Árabes e é considerado pelo Itamaraty como um interlocutor de grande influência no mundo árabe. Segundo a nota nº 179, divulgada no site do Itamaraty em 6 de maio, o Egito “tem envolvimento crescente nas negociações relativas à questão israelo-palestina, do que é demonstração a assinatura, no Cairo, no último dia 4/6, do acordo de reconciliação entre o Fatah e o Hamas, além de outros 11 grupos políticos palestinos.”

Apesar das revoltas populares e da derrubada do governo de Mubarak, as exportações para o Egito cresceram 135,7% nos três primeiros meses de 2011 em relação a igual período de 2010, alcançando a média diária de 8,5 milhões de dólares. Para a Tunísia, país que inaugurou os confrontos de rua contra os regimes autoritários árabes, culminando com a queda do ditador Zine Ben Ali, as exportações brasileiras aumentaram ainda mais, cerca de 408,2%, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Na Argélia, país árabe que também enfrenta distúrbios, a compra de mercadorias do Brasil teve um crescimento de 218,81%.

Liderança geopolítica
Em setembro, quando a primavera se anunciar no Cone Sul, Dilma estará em Nova York para a abertura da Assembleia Geral da ONU. O secretário-geral, Ban Ki-Moon (reeleito para o cargo por mais quatro anos), no encontro que teve com a presidente brasileira no Palácio do Planalto, em 16 de junho, lembrou que Dilma será a primeira mulher a abrir o debate geral daquela entidade. Em nota, ao cumprimentar o sul-coreano pela votação, o Itamaraty ressaltou algumas prioridades do governo brasileiro no campo político internacional: a reforma do Conselho de Segurança da ONU, a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) e a busca de uma solução política para as crises que atingem o Norte da África e o Oriente Médio.

Sabendo-se que líderes palestinos apoiados por países árabes já preparam um plano de mobilização para pedir o reconhecimento da ONU na sessão anual de sua Assembleia Geral de um estado palestino delimitado pelas fronteiras de 1967, e que o Brasil, compartilhando espaço com países que incitam o ódio ao Estado de Israel, já reconheceu essas fronteiras em dezembro de 2010, é pouco provável que haja qualquer alteração, por parte da presidente brasileira, das diretrizes já assumidas acerca desse e demais temas que envolvem os conflitos no mundo árabe e o terrorismo praticado por grupos político-religiosos da região. Ainda que a grande imprensa distingue o compromisso da presidente com a questão dos direitos humanos, a visão ideológica e as aspirações brasileiras por uma liderança geopolítica regional e terceiro-mundista – sinalizadas pelo partido a qual está ligada – acabam por estreitar e dogmatizar seu campo de ação. Para desalento das editorias e dos articulistas políticos que insistem em repaginar o perfil de Dilma, creditando supostos pontos de vista e opiniões que mais adiante não se confirmam.

As fotos mostram manifestações de rua em Bahrein, Síria e Egito, no que a imprensa mundial chamou de Arab Spring - Primavera árabe, ou a luta desses povos pela democracia. Contudo, tanto na praça Tahir quanto em outras ruas e praças do mundo árabe, bandeiras de Israel foram queimadas, justamente de um país que é uma das poucas democracias da região.

domingo, 5 de junho de 2011

Os super-heróis do Serviço Público

Os desafios diários dos jornalistas que trabalham em Assessorias de Comunicação

por Sheila Sacks
publicado nos portais da Associação dos Servidores do Tribunal de Justiça(Assestjsp) e da Federação das Entidades de Servidores Públicos de São Paulo(FESPESP).


Já há alguns anos, as páginas dos jornais que estampam as reclamações de leitores sobre os mais variados assuntos têm público certo e cativo, que tende a crescer. Da mesma forma, o rádio, a TV e a internet somam espaços particularizados para as denúncias de serviços não executados ou malfeitos, promessas descumpridas, produtos danificados, deslizes no atendimento e omissão danosa de regras, prazos e acordos. Ciente e consciente de sua respeitável posição de cliente, usuário, consumidor, comprador e pagante, o cidadão brasileiro encontra na mídia – entendida como os meios de comunicação de massa – um eficiente canal para dragar e escoar, a céu aberto, as solicitações, reclamações e relatos dessas pendengas que aborrecem e tumultuam o cotidiano de qualquer ser humano.

Mas é na área do serviço público que o cidadão brasileiro está tendo a oportunidade de recorrer, mais assiduamente, aos préstimos da mídia, sempre atenta aos problemas urbanos das cidades. Ainda que uma escola com goteiras, localizada em um bairro da periferia, não tenha o mesmo peso editorial de um cano que se rompe e inunda uma rua da Zona Sul do Rio de Janeiro, o reclamante sempre encontrará um espaço na rede midiática para expor, veicular, sensibilizar e transmutar um fato isolado e distante em um problema próximo e de interesse comum.

Fogo cruzado

É nessa hora que as assessorias de comunicação dos órgãos públicos afetados pelas ocorrências são instadas a desfazer ou deter o possível dano causado à imagem dos mesmos. O registro da imprensa, rádio e TV de crianças estudando em uma sala de aula com água escorrendo pelas paredes ou carteiras escolares molhadas tem um forte impacto emocional na população. Assim com o de uma importante via alagada e interditada ao trânsito; do desespero de moradores de baixa renda diante da demolição de seus casebres, ainda que erguidos irregularmente nas encostas; ou de idosos e crianças doentes enfileirados, durante horas, frente à entrada de postos de saúde e hospitais, aguardando atendimento.

A simples exposição do fato, que naturalmente incorpora o poder público como culpado da situação, muitas vezes estimula a mídia a se acercar do assunto, ampliando o seu foco com desdobramentos em matérias correlatas. Em sequência, as assessorias de comunicação são imediatamente bombardeadas pelos repórteres que urgem dar uma resposta, firme e precisa, aos seus leitores, telespectadores e ouvintes.

Às assessorias não basta se reportar e responder tecnicamente ao jornal que publicou o fato. Necessitam ir muito além da informação. Faz-se necessário, basicamente, corresponder positivamente às expectativas da comunidade escolar afetada (que se mobilizou para tornar o fato público), dos funcionários do órgão (engenheiros e técnicos que trabalham incansavelmente nessa área), da direção do órgão público atingido (profissionais capacitados nomeados para cargos de confiança), da sociedade atingida pela notícia e da própria mídia, que a cada dia torna-se mais competitiva e investigativa. Enfim, é preciso que os jornalistas que trabalham nessas assessorias se descubram portadores de habilidades muito especiais, tais quais os super-heróis das cultuadas HQs, para saírem totalmente ilesos desse fogo cruzado.

Informar é desestabilizar

O cuidado com o uso dos termos a serem inseridos nos releases é outra preocupação a rondar as assessorias. Um exemplo sobre o estrago que uma palavra pode causar a um profissional da comunicação é a polêmica que se instalou em torno do jornalista Luiz Lobo, da TV Brasil. Demitido da emissora, no início de abril de 2008, o profissional alegou que existia uma ordem do governo federal para que a palavra "dossiê" não fosse usada nos noticiários. Segundo Luiz Lobo, haveria na TV Brasil o que ele classifica de "um cuidado que vai além do jornalístico", interferindo na independência da emissora.

Na mesma época, em sua coluna diária em O Globo (20/4/2008), o jornalista Merval Pereira abordou essa questão da independência na transmissão das mensagens, dando voz e espaço a Régis Debray – amigo pessoal de Fidel Castro e Che Guevara nos anos 1960 –, hoje um especialista em "midialogia" (estudo das mídias). Para o filósofo, jornalista e professor francês, de formação marxista (passou três anos preso na Bolívia), existe uma diferença entre a comunicação e a informação. Para ele, os sistemas de comunicação trabalham mais com a comunicação do que a informação, já que a comunicação vive de seduzir o leitor ou o ouvinte. Essa sedução seria traduzida por uma espécie de mimetismo, onde as mídias em suas mensagens imitariam o pensar e o falar dos que recebem as notícias e vice-versa. Daí que a mídia, como um todo, seria sempre um reflexo de uma sociedade, repercutindo "os que os escutam e os que os lêem".

Em contrapartida, o ofício de informar seria bem mais difícil: "Informar alguém é sempre desestabilizá-lo, deixá-lo desconfortável, mexer com suas ideias já fixadas", explica Debray. Logo, caberia à informação o ônus de ser o diferencial, de se compor como uma mensagem dissociada a termos e expressões estigmatizantes, tendo como premissa os fatores da imparcialidade e da independência em relação ao público leitor. Essa, aliás, seria a função precípua das assessorias de comunicação da área pública: a de informar objetivamente, mantendo-se imune à tentação de repetir a lingüística utilizada pela grande mídia.

Múltiplas habilidades

De 1950, quando os primeiros cursos de Comunicação Social foram implantados no país, aos dias atuais, com as redes de comunicação transformadas em conglomerados poderosos e atuantes em todos os setores da vida humana, aumentou bastante a percepção, entre os profissionais e aqueles que estudam e pesquisam o fenômeno das mídias, da importância de se conhecer e entender o funcionamento dessa multifacetada engrenagem de massa, capaz de criar e destruir mitos e governos, fomentar idéias e teorias e até mudar o curso da história.

Profissionais formados na tradição das escolas de Jornalismo mais convencionais procuram se adaptar ao aparato e a tecnologia que as novas mídias impõem. Nas assessorias, o repasse de releases via e-mail já não é novidade. Folders e cartazes são elaborados utilizando-se da computação gráfica. A solicitação de vídeos ou CDs, com animação, sobre serviços realizados pelos órgãos e empresas (projetos, obras etc.) também está virando rotina, juntamente com o acompanhamento eletrônico diário do noticiário dos jornais, revistas, rádio e TV e a permanente atenção à mídia e à análise da temperatura social de suas mensagens, embutidas em notas, colunas e reportagens.

Atentas a essa perspectiva transformadora da comunicação, universidades como a Federal Fluminense (UFF), do Rio de Janeiro, e a de Campinas (Unicamp), em São Paulo, abriram cursos de estudos de mídia ou Midialogia, que visam à análise e discussão das diversas mídias, em seus contextos, códigos, linguagens e campos conceituais. Segundo o professor Adilson Ruiz, da Unicamp, "o midiólogo, na sua expressão mais pura, deverá ser um grande consultor de mídia para empresas de qualquer natureza, sejam elas da esfera pública ou privada". Estará preparado para opinar sobre som, fotografia, cinema, vídeo e computação gráfica, atuando na produção, realização e recepção desses produtos. Sem deixar de lado a formação no campo humanístico, estético e sociológico, base instrumental e técnica da expressão e item imprescindível para a construção de cada mídia específica (escrita ou audiovisual).

Portanto, para esse novo super-herói que já desponta no horizonte, vale indicar um proveitoso estágio em uma assessoria de comunicação social de um órgão público. Ainda o melhor lugar para um profissional exercitar suas múltiplas habilidades.