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sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Redes sociais criam rabinos pop stars


Sheila Sacks /

Com considerável número de seguidores na internet, rabinos ortodoxos estão se alçando ao patamar de estrelas pop stars, em anos recentes, algo inimaginável, por exemplo, no século 20. Tendo o estudo da Torá como tema prioritário, eles disseminam os fundamentos da religião judaica nas redes sociais através de vídeos caseiros que são assistidos e compartilhados por judeus e não judeus de todos os rincões do planeta.

Nessa onda virtual, vários rabinos brasileiros, alguns residentes em Israel, semanalmente oferecem aulas nas redes sociais sobre os vários aspectos da religião judaica, de forma coloquial e inspiradora.

É o milagre da era tecnológica que, se por um lado aproxima o judaísmo das pessoas que não frequentam as sinagogas ou estão afastadas da religião, também traz preocupação e temor a esses mesmos judeus do ramo ortodoxo pelo potencial risco de malefícios, em especial a dependência viciante, a exposição à violência e à pornografia, e a desagregação familiar.  Fatores negativos alarmantes associados à internet. 

Uso restrito

 Há quase duas décadas, a corte rabínica do segmento ultraortodoxo Haredi classificou a internet como “um veneno mortal que queima as almas”.  Atualmente vivem em Israel 1 milhão de haredim, representando 12% da população, e a previsão é que o grupo aumente consideravelmente até 2065, quando serão 40% dos cidadãos israelenses. 

Relatório anual do “Israel Democracy Institute” – um centro independente de pesquisa sediado em Jerusalém -  aponta o uso da internet, em 2016, por 54% dos haredim, um aumento significativo em comparação a 2009, quando o uso estava restrito a 28% dos seus integrantes.

 Porém, os judeus ortodoxos em geral são muito cautelosos no uso da internet, utilizada essencialmente para fins de trabalho. Ainda assim, eles são aconselhados a empregar filtros e outras salvaguardas. Em relação à família, suas crianças e jovens não têm permissão de acessar a internet, ou, em alguns casos, é permitido um acesso muito limitado.

A preocupação é tanta que em 2012, cerca de 60 mil judeus ortodoxos lotaram dois estádios em Nova York para debaterem a melhor forma de proteção contra as ameaças da internet, principalmente em relação às crianças que ficam expostas a pornografia e sites violentos.

 Perigo espiritual

Anos antes, em 2007,  a seita ultraortodoxa Ger ou Gur Hassidim( fundada na Polônia, em 1859, pelo rabino  Yitzchak Meir Alter), lançou uma campanha para proibir totalmente o uso da internet por seus membros, alertando para os perigos espirituais do uso dos computadores e por considerar a internet “um mal disfarçado” , um autêntico “satã corruptor”.

Em editorial no jornal israelense “Hamodia”, voltado para o público haredi, os líderes dos Gur Hassidim criticavam o “declive espiritual” da juventude exposta a imagens proibidas veiculadas pela internet e se diziam atentos ao “mal-estar das pessoas que buscam um modo de vida fora do abismo”.

Diante da polêmica, o falecido rabino Ovadia Yosef (1918-2013), então líder espiritual do partido ortodoxo Shas, que representa a comunidade seefardita, propôs a criação de uma internet própria, com conteúdo restrito.  Atualmente o Shas é o quinto maior partido do Knesset.

Sem WhatsApp

Em 2016, intensificando a campanha contra a internet, rabinos do Gur proibiram o uso do aplicativo WhatsApp aos seus seguidores, exceto para fins de trabalho. No encontro realizado em Jerusalém foi reforçada a proibição do uso de telefones celulares com internet, principalmente nas sinagogas e arredores.  Apesar da orientação, muitos membros desse segmento religioso continuam a usar celulares com a internet filtrada, os chamados “smartphones kosher”.

De acordo com o site da organização Beit Chabad,  do movimento ortodoxo Chabad-Lubavitch, à parte a preocupação com a internet e também com a televisão (que não é aconselhada), os hassidim fazem uso de telefones celulares, dirigem carros e usufruem de outras formas de tecnologia.

Reconhecendo que a “internet é impecável em sua capacidade de disseminar informação e valores da Torá”, cujo melhor exemplo é o importante trabalho virtual desenvolvido pela organização, a ressalva do Chabad-Lubavitch permanece na medida em que proliferam sites que o movimento considera prejudiciais à família.

Torá e internet

Em junho de 2018, uma pesquisa sobre o uso da internet em Israel pelos rabinos haredi, desta vez conduzida pelo professor Yoel Cohen, da Escola de Comunicação da “Ariel University”, em Samaria, mostrou que 51% deles fazem uso dessa tecnologia. O estudo também revelou que 71% dos rabinos haredi têm computador, um número bem menor do que o alcançado pelos rabinos de outros segmentos ortodoxos, cuja percentagem atinge 98%. 

A pesquisa averiguou que pelo menos 70% dos rabinos das diversas correntes, inclusive os haredim, usam o computador para preparar as aulas de Torá. Porém, tratando-se de mídias sociais, os haredim não as utilizam, diferente de um quarto dos rabinos de outros segmentos religiosos que disseram ter contas na mídia social.

Foram distribuídos 330 questionários para serem respondidos anonimamente. Segundo o professor Cohen, a consulta demonstrou que a campanha contra o uso da internet levada a cabo pela liderança haredi e por outros grupos ultraortodoxos, ao longo dos anos, não conseguiu banir essa tecnologia em sua totalidade. 

Diante do fato, ele acredita que os rabinos haredi e os demais têm um desafio contínuo no século 21 “que é avançar com suas comunidades em direção à revolução tecnológica, garantindo os valores e a ética do judaísmo e mantendo o compromisso de que os padrões sociais judaicos permaneçam em vigor como eram antes da era do computador e da internet”.

Donos da Internet

Em outro extremo, um artigo publicado em 2009, no site da instituição americana “Freedom Research Foundation, e republicado em 2014 no site da organização holandesa pró-palestina “Stop the Occupation”, menciona de forma crítica os nomes dos judeus envolvidos com o Google, Facebook, Wikipedia, Yahoo!, MySpace e eBay. 

O texto intitulado “The Jewish hand behind Internet” (A mão judaica por trás da Internet) descreve as supostas afiliações judaicas com cada um dos gigantes da internet e o controle que exercem sobre os mesmos.

Claramente agressivo, o artigo faz uma ligação entre os empreendedores judeus da internet e o estado de Israel que juntos representariam um único mecanismo de poder na rede.   “Os judeus, contrariando as visões liberais que oficialmente dizem professar, em atos repressivos demonstram que sempre buscam dominar o fluxo de informações e que não toleram qualquer dissidência”, afirma.

São citados Sergey Brin (Google), Jim Wales (Wikipedia), Mark Zuckerberg e Sheryl Sandberg (Facebook), entre outros. Em tom de zombaria, o artigo também ridiculariza a prática da filantropia, classificando-a de “um passatempo judaico favorito”. Por fim, o texto ameaça: “Chegou a hora do resto do mundo não judeu saber que a liberdade de informação na internet está seriamente ameaçada.”

O artigo insultuoso e ofensivo aos judeus ganhou a repulsa de grupos antirracistas e foi denunciado pelo Centro de Informação e Documentação de Israel ( Center for Information and Documentation Israel - CIDI) que apresentou uma queixa formal ao Gabinete de Reclamações e Discriminação na Internet (Dutch Complaints Bureau for Discrimination on the Internet – MDI ) contra a organização holandesa, acusada por incitamento ao ódio e à discriminação.