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segunda-feira, 26 de outubro de 2015

A diáspora e a guerra dos 365 dias

por Sheila Sacks

“Minha geração, e aquela de nossos avós, não precisavam de educação judaica intensiva para lembrar que somos judeus. Mas nossos filhos pertencem à Quarta geração. O que foi suficiente para nós não basta para eles. Na Quarta geração, o judaísmo precisa ser renovado, ou então será abandonado. Não há outra alternativa” (Jonathan Sacks, rabino-chefe da Inglaterra)


Naquele ano de 1967, três meses antes das celebrações do Rosh Hashaná e Yom Kipur, os judeus de todo o mundo foram brindados com uma série de imagens que varou o planeta como um luminoso cometa, provocando uma explosão de emoções poucas vezes sentida com tamanha intensidade.

A impressionante foto do rabino Slomo Goren, capitão das forças armadas de Israel, abraçado aos rolos da Torá e ecoando o som do shofar aos quatro cantos do planeta para anunciar a libertação de Jerusalém - a partir daquele instante uma cidade aberta a todos os credos e raças -, assumia ares de profecia, tornando-se um divisor entre o velho e os novos tempos que assomavam porta adentro como emissários há muito aguardados.

Igualmente a visão de soldados israelenses rezando ao pé do muro sagrado, no coração de Jerusalém, mexeu com os brios de uma geração de jovens, talvez em dúvida em relação aos caminhos a seguir. Revelou-se também como uma preciosa dádiva para aqueles veteranos que vinham lutando, há décadas, pelo direito de pisar o solo milenar da cidade santa. E converteu-se, certamente, em um sinal celestial incontestável para milhões de judeus que sobreviveram à perseguição e à matança da era nazista, símbolo raro de que, afinal, o sofrimento, os reveses e as incontáveis almas sacrificadas na pira da intolerância estavam sendo redimidos naquele momento histórico.

David e Golias

Nunca é demais rememorar a Guerra dos Seis Dias, que permanece como uma lembrança forte e inspiradora, merecedora de inúmeras resenhas, considerações e análises apuradas. Se por um lado, a luta e a perseverança de um povo acossado que não se acovardou diante das forças majoritárias que o ameaçavam, repetindo o exemplo bíblico de David e Golias, revigoram nossos sentimentos de autoestima, por outro provocam uma saudade doída de um instante único de fé e coragem, eternizado em tantos corações.


Isso porque à profética mensagem de consolidação da nação judaica registrada ao término dos seis dias de guerra, e lá se vão mais de quatro décadas, foram incorporados, na Diáspora, modernosos discursos, hábitos, conceitos, significados e interpretações que, ao longo do tempo, criaram uma esquisita miscelânea, difícil de ser contabilizada como ganho à identidade cultural de um povo. A chamada “flexibilização” cultural e religiosa que avança a passos largos sobre as comunidades judaicas é o nosso novo Golias a ser enfrentado.

O massacre diário de informações volúveis, a difusão incontrolável de modismos, a ditadura do consumismo e a imposição de uma indústria tecnológica de circulação de mensagens e desejos artificiais são tentáculos de uma rede malévola que preenche e ocupa as poucas e qualitativas brechas de tempo que dispõem o ser humano ativo, contribuindo para minar os alicerces básicos das minorias e diluir, paulatinamente, as suas identidades originais. Alvos sensíveis desta guerra subterrânea e subliminar que se estende por todos os 365 dias do ano, os judeus da Diáspora labutam em meio a uma batalha crucial que implica em atenção e resistência redobradas, no sentido de preservar a sua imensa e preciosa herança milenar.

Canto das sereias


Incansáveis, as comunidades judaicas se empenham para não serem encobertas pelas ondas desse mar de mesmice que as espertas ditaduras de costumes têm imposto às sociedades modernas. Enquanto para as gerações mais antigas, remanescentes da imigração e cerceadas pelas grades culturais do passado, é mais fácil preservar os rituais, os símbolos e o calendário de eventos, para os seus filhos e netos a situação se mostra mais desconfortável e, muitos desistem, às vezes inconscientemente, de remar contra a maré de um mundo fermentado por ideias monolíticas e preconceituosas que roem e esgarçam as nem sempre sólidas convicções religiosas de nossos jovens.

Hoje, grande parte dos líderes comunitários, de poderosos empresários, de ativistas dedicados e de senhoras voluntárias que investem seu tempo e seu entusiasmo em prol das causas judaicas, convive com um paradoxo pessoal em função do alto grau de assimilação presente no seio de suas próprias famílias.

É cada vez mais difícil afinar o discurso público da preservação dos valores judaicos com a realidade que enfrentam no âmbito familiar. Respirar em casa um ambiente 100% judaico, estudar em escola judaica ou participar de movimentos sionistas não são mais os indutores capazes de conduzir os jovens a uma via de fidelização às suas raízes ancestrais.

O “canto das sereias” das mensagens cativantes e sedutoras que propagam as vantagens de uma vivência integrada e harmoniosa com a comunidade maior, a qual cada judeu da Diáspora está ligado pelos fortes laços da nacionalidade, tem sido interpretado de uma forma literal, ao pé da letra, seja por conveniência, preguiça ou uma decisão particular. Daí que a tênue linha que demarca o que é uma convivência integrada e o que se constitui em uma entrega adesista precisa ser acentuada antes que a mesma seja irremediavelmente varrida do mapa.

Prazer imediato

Outro fator condicionante favorável ao ambiente de similitude observado nos jovens – tanto no que se refere ao modismo de bens de consumo, ao comportamento social e as expectativas de vida – é a tal busca da felicidade, muitas vezes mal compreendida ou confundida com o prazer imediato.
 
Nas décadas de 1980 e 90, a conversão religiosa de um dos pares do casal era a rotina convencional necessária para a aceitação pela família de um casamento precedido, na maioria das vezes, de terríveis dúvidas e de um mal-estar generalizado de ambas as partes. Diante da argumentação emocional de um filho sobre a importância do amor e da felicidade a dois, os pais sucumbiam, mesmo a contragosto, sofrendo calados ou reclamando até o final de suas vidas.

Muitos procuravam ficar de bem com a sua consciência, matriculando os netos em escolas judaicas na esperança de que o processo inicial de assimilação revertesse milagrosamente. Hoje a situação se enveredou por outra vertente mais perigosa. Agora são os pais que justificam as escolhas dos filhos fora do judaísmo, bradando que a felicidade da garotada está em primeiro lugar. O “sentir-se feliz” virou uma espécie de passaporte especial que garante imunidade ao seu portador, oferecendo uma travessia aparentemente sem problemas ou cobranças pelas fronteiras da assimilação.

Arte versus Judaísmo

Também a arte, em todas as suas variantes, transformou-se em uma das mais poderosas redes de pescaria que arrasta os jovens para fora de seu habitat ancestral. No Brasil, a grande maioria dos atores, atrizes, diretores e apresentadores de TV, compositores, músicos, escritores, intelectuais, pintores e demais artistas de sucesso, com ascendência judaica, já estão casados ou vivem com pessoas de outro credo religioso. Seus descendentes diretos não mantêm o menor resquício de religiosidade judaica, fato absorvido como um detalhe folclórico de sua árvore genealógica.

Curiosamente, cabe a mídia judaica a iniciativa de lembrar o (perdido) elo judaico desses cidadãos, festejados por jornais comunitários pelo sucesso de suas empreitadas. Por sua vez, magnatas judeus que contribuem generosamente para a sustentação de sinagogas e escolas ortodoxas amargam, na vida familiar, deserções inexplicáveis de entes queridos, passageiros privilegiados da sociedade transnacional dos ricos e milionários, onde as tentações e as transgressões acabam se diluindo na benemerência que alivia os corações.

Assumindo o Yom Kipur

Apesar desse quadro inquietante, anualmente, nas celebrações de Rosh Hashaná e Yom Kipur, as sinagogas brasileiras ainda ficam lotadas de fiéis. Na Administração Pública, pelo menos no estado do Rio de Janeiro, existem leis municipais e estaduais que liberam o funcionário público de trabalhar nestes dias. Uma das leis que abrange a cidade do Rio foi elaborada pelo então vereador Ronaldo Gomlevsky e sancionada pelo prefeito à época, Marcello Alencar (lei nº 1410 de 21 de junho de 1989). Já no âmbito estadual, a lei foi aprovada em 19 de dezembro de 1997 (lei nº 2874). Anos depois, o ex-governador Sérgio Cabral criou uma nova lei para os feriados judaicos, ampliando a antiga (Lei nº 6.543 de 26 de setembro de 2013).

Entretanto, o que se observa é que muitos judeus que trabalham no serviço público preferem não expor esse lado, muitas vezes resguardado, de suas identidades, comparecendo normalmente nas repartições nos dias sagrados. É fato comprovado que quando “as festas” recebem uma ajudazinha do calendário e são celebradas no fim de semana, a ida às sinagogas é maior. Citando novamente o rabino Sacks, vale destacar a sua observação:Os não-judeus respeitam os judeus que respeitam o Judaísmo. E os não-judeus ficam constrangidos por judeus que ficam constrangidos com o Judaísmo.”  

Tratando-se de Yom Kippur, é importante que por um período de 25 horas o mundo com seus absurdos e inconveniências fique para trás. Os judeus de todo o mundo, irmanados em suas orações, não darão ouvidos aos reclamos do corpo acostumado ao prazer da alimentação diária. Enlaçados pelo poderoso abraço espiritual de nossos profetas, estes autênticos heróis de nossa história, estaremos travando uma guerra silenciosa com os nossos sentidos mais primitivos, como a gula, a paixão, a dissimulação, a inveja, a raiva e a ambição. Enfim, com todas as transgressões cometidas, conscientemente ou não, ao longo do ano.

Todos os dias do ano

Por certo, a aspiração e a vontade decisivas de domar esses inimigos do caminho da retidão não serão tarefas a serem cumpridas em único dia dedicado ao perdão. O trabalho mais difícil e árduo irá se desenrolar ao longo dos 365 dias, no campo de batalha onde acontecem os embates das ideias, das provocações e da geração das falsas expectativas. Ou seja, na rotina diária de cada um.

Responder com coragem, audácia e inteligência - através de atos coordenados, decisões acertadas e, principalmente, de exemplos pessoais - é talvez exigir demais de um grupo minoritário, do qual se espera, até nas piores situações, momentos de grandeza e superação. Mas, o passado é a nossa verdade e nele aprendemos que as grandes conquistas coletivas do povo judeu nasceram da fé inabalável de vontades individuais que assumiram um papel decisivo na hora precisa. Que continue assim !

Texto atualizado, escrito originalmente em 2008 sob o título “O Yom Kipur e a guerra dos 365 dias


terça-feira, 6 de outubro de 2015

Visibilidade na mídia estimula terroristas

Por Sheila Sacks

Texto  publicado na Curadoria de Notícias do "Observatório da Imprensa"

Estudo desenvolvido por um pesquisador do “Institute for the Study of Labour” (IZA), uma organização sediada em Bonn, na Alemanha, que reúne mais de 1.500 economistas de 50 países, apontou evidências de que a demasiada cobertura dada pela mídia a atos terroristas não inibe esse tipo de violência, ao contrário, provoca novas ações semelhantes. O autor da pesquisa é Michael Jetter, professor da Faculdade de Economia e Finanças da Universidade EAFIT, em Medellín, na Colômbia, que analisou mais de 60 mil ataques terroristas entre 1970 e 2012, tendo como base as notícias publicadas no “New York Times”.


Jetter observa que em 1998 foram listados pelo ”The Global Terrorism Database” (GTD) 1.395 ataques, tendo esse número aumentado até chegar ao recorde de 8.441 em 2012. Segundo o economista, os terroristas precisam da cobertura da mídia para espalhar a sua mensagem, criar um ambiente de medo e recrutar seguidores. “Entretanto, até agora não sabíamos se a cobertura da mídia incentivava de forma ativa esses ataques”, pondera. De acordo com a análise de Jetter, uma notícia do “New York Times” focalizando um ataque terrorista em determinado país aumentou em 11% a 15% o número de ataques que se seguiram nesse país após a publicação da matéria.

Sobre os graus de dimensão da cobertura da mídia aos diferentes tipos de atividades terroristas, Jetter avalia que as missões suicidas recebem uma atenção maior dos meios de comunicação o que explicaria a sua crescente popularidade entre os grupos terroristas. Quanto à possibilidade de se limitar a cobertura sensacionalista sobre ataques terroristas visando um possível declínio dessas ações, o pesquisador opina em outro sentido: o de repensar o comportamento da mídia que até agora tem servido como uma plataforma livre para os terroristas.


O artigo sobre o tema foi publicado no jornal britânico “The Guardian” e leva a assinatura do brilhante jornalista Jamie Doward (“The Observer”), que este ano lançou seu primeiro livro, “Toxic”, um thriller criminal que mistura sistema financeiro, lavagem de dinheiro, célula terrorista, agentes de inteligência, conspiração global e perigo nuclear.