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segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A Cabalá Universal que une os povos


por Sheila Sacks


Se existe uma face de glamour no Judaísmo que atrai e fascina, não há dúvida que seu nome é Cabalá. A filosofia mística da Árvore da Vida está presente em coletâneas de astrologia, numerologia, alquimia, simbologia, quiromancia etc. Também virou acessório esotérico de fórmulas particulares de pensamentos e reflexões que adorna os best-sellers de autoajuda.

A austríaca Ann Williams-Heller é uma dessas personagens que passou toda a sua existência a procura de Deus. A busca metafísica a levou a estudar as grandes religiões ocidentais e orientais. Durante 33 anos, primeiro em Viena e a partir de 1938 nos Estados Unidos, ela se dedicou aos estudos do Hinduísmo, Budismo, Cristianismo e Islamismo, enquanto conduzia a sua bem-sucedida carreira de escritora e conferencista para assuntos de nutrição e alimentação.

Em 1966, com o falecimento do marido, Ann sentiu-se perdida e conta que teve a “sorte” de conhecer uma pessoa que a introduziu nos mistérios da Cabalá. No livro “Cabala, o Caminho da Liberdade Interior”, ela detalha que durante sete anos manteve contatos mensais com um grande mestre metafísico e eminente cabalista que a aceitou como única aluna. Munida de um gravador, Ann registrou esses ensinamentos que trouxeram novas dimensões a sua vida. Estabelecendo como condição primordial que seu nome jamais fosse revelado, o Mestre, assim intitulado pela autora, trouxe luz ao seu questionamento sobre a morte e a natureza do amor.

Outra vida

Mergulhando no provérbio talmúdico “Se quiseres conhecer o invisível, abre os olhos para o visível”, Ann se empenhou em seguir a orientação de seu Mestre. “Aprendi a enxergar o que nunca vira e a escutar o que jamais ouvira. Estar desperta e consciente de que todo acontecimento, no encadeamento da vida, tem dois significados interligados: o individual e o cósmico”.

Aos poucos Ann foi abandonando o que chamou do “outro eu”, a requisitada e bem-remunerada profissional de nutrição, escritora de vários livros e festejada conferencista. Na busca do “eu real”, aquele que se esconde por trás da aparência ilusória da matéria, ela encontrou na Cabalá modelos de pensamentos que incorporavam a Lei das Correspondências (o universo imprime seu reflexo sobre o ser humano e vice-versa) e até a teoria da sincronicidade (ou coincidência significativa) do psiquiatra suíço Carl Jung (1875-1961), que acreditava na existência de uma conexão sutil, não causal, entre a mente interior e o mundo externo.

Em 1974, o líder da Ordem Sufi do Ocidente, hoje “The Sufi Order International”, Pir (líder) Vilayat Inayat Khan (1916-2004), convida Ann para que ensine a Cabalá para os grupos sufis nos Estados Unidos e na França. A Ordem fundada em 1919, em Paris, pelo seu pai, o indiano Hazrat Inayat Khan, embora difundindo a filosofia mística e contemplativa do Islã, considerou importante trazer ao conhecimento de seus iniciados a sabedoria judaica da Cabalá. Para os que se surpreendiam, Ann explicava que os opostos, na realidade, são complementos dissimulados, aliados e jamais inimigos. Assim como as duas margens de um rio, eles funcionariam como dois aspectos ou efeitos de uma causa única.

Durante os quinze anos seguintes, Ann (que recebeu o nome sufi de Rabi-a al`Adawiyya) ministrou seminários e workshops sobre a Cabalá para os jovens sufis e para aqueles a quem ela carinhosamente denominou de “jovens de coração” ou “buscadores da eternidade”. Pessoas das mais diferentes formações e religiões que compartilham encantadas a grande aventura de encontrar respostas significativas para os enigmas da existência. Citando novamente do Mestre, ela escrevia: “Leve o passado com você! O ontem é sempre o seu mestre. Sempre será o seu companheiro de hoje e o seu amigo de amanhã. O hoje é sempre o amanhã que você construiu ontem.”
Quando faleceu em 1989, os originais de seu único livro sobre a Cabalá ainda estavam com a editora que o publicou no ano seguinte.

O Rabino dos Sufis

Com 5 milhões de adeptos agrupados em 800 Ordens em todo o mundo ( com predominância na Índia, Paquistão, Bangladesh, Egito, Sudão, China, Marrocos e Turquia), o Sufismo se utiliza da meditação, da música e da dança para alcançar a paz espiritual. Confundindo-se com os primórdios do Islã e muitas vezes discriminados nos países muçulmanos, os sufis acreditam que o profeta Maomé foi um deles, pela vida simples que levava e pelo hábito de se retirar de Meca para meditar em uma caverna. No Ocidente, essa filosofia oriental é praticada em países como a Austrália, Canadá, Nova Zelândia e Estados Unidos, onde a Ordem Sufi Internacional mantém mais de 100 centros de estudos. Seu líder espiritual, Zia Inayat Khan, de 38 anos, é amigo pessoal do rabino Zalman Schachter-Shalomi, do movimento renovador judaico.

Muito ligado aos círculos sufis e consagrado shaykh (sheik), o rabino Zalman, 85 anos, é professor emérito de Psicologia da Religião e Misticismo Judaico da “Temple University”, na Filadélfia, e por uma década foi Mestre de Sabedoria Universal na Universidade Naropa, no Colorado, uma instituição fundada por monges budistas tibetanos que concilia estudos superiores com práticas de contemplação e meditação. Uma das principais figuras do movimento para a “revitalização” do Judaísmo, Zalman teve atuação destacada como professor e orientador do seminário rabínico “The Reconstructionist Rabbinical College”, na Pensilvânia, que já ordenou em torno de 80 rabinos (homens e mulheres).

Autor de vários livros sobre a Cabalá e o Chassidismo (movimento ortodoxo religioso nascido na Polônia, no século 18, que prioriza a fé com devoção, espiritualidade e alegria, e a prática da piedade e da bondade), o rabino publicou há quatro anos a obra “Jewish with Feeling” (Judeu com Sentimento), onde traça a rota para o exercício de um judaísmo com alma, menos mecânico e mais conectado ao coração.

Polonês de nascimento e formado rabino em 1947 pela Ieshivá ortodoxa Lubavitch, de Nova York, Zalman estudou e manteve diálogo com outras religiões orientais, viajando até a Índia, em 1990, para se encontrar com o Dalai Lama (documentado no livro ‘Os Judeus no Lótus’, de Rodger Kamenetz). Junto com o professor de Sufismo e Chassidismo, Netanel Miles-Yepez, fundou a ordem sufi-chassídica “The Inayaty-Maimuni Tariqat”, única ordem sufi do mundo formada por judeus. No início de 2009, Zalman (ou Pir Zalman Sulayman Schachter-Shalomi, na Ordem sufi) e Netanel lançaram o livro de histórias e ensinamentos chassídicos “A Heart Afire: Stories and Teaching of Early Hasidic Masters”.
Em abril deste ano, mais uma vez integrou a lista dos 50 mais influentes rabinos do Estados Unidos, anualmente editada pela revista Newsweek.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Panamá: sem exército e ....casher


por Sheila Sacks
Banhada pelos oceanos Atlântico e Pacífico e dispondo de florestas exuberantes, montanhas, lagos, cachoeiras e praias ao longo do mar do Caribe, a república do Panamá, na América Central, não se reduz apenas a um belíssimo roteiro turístico de paisagens tropicais. Ponte de terra que une as duas Américas e com 25% do seu território protegido por parques nacionais (viveiro de milhares de espécies de aves e abrigo de uma estupenda fauna animal onde se destacam mais de 300 tipos de répteis e anfíbios), o país também apresenta características inéditas: não possui exército (extinto em 1989); teve dois presidentes judeus, fato único na diáspora, Max Shalom Delvalle (1964-68) e seu sobrinho Eric Delvalle Maduro (1987-88); e concentra uma comunidade judaica que apresenta índice zero de assimilação e o maior crescimento populacional, em termos percentuais, fora do estado de Israel.

Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO, a zona antiga da cidade do Panamá recebeu os primeiros judeus vindos da Síria (Alepo), Marrocos, Turquia e Grécia ainda nos meados do século 19. Essa pequena comunidade, que em 1876 cria a sua primeira instituição, a Kol Shearit Israel, e que até há poucos anos não passava de 2 mil pessoas, a partir do final de 1999, data em que o Panamá assume o controle do canal (inaugurado em 1913 e gerido pelos Estados Unidos por mais de 85 anos ), começa a crescer, chegando hoje perto de 10 mil membros, sendo 7 mil sefaraditas e mais de mil oriundos do estado de Israel. Porém, a imigração não parou com os sabras, também judeus vindos da Argentina, Uruguai, Venezuela e Colômbia se instalaram no Panamá.

Na opinião do rabino Eliahu Birnbaum, da organização Shavei Israel (que acolhe os descendentes de anussim – judeus convertidos à força pela Inquisição), se não existe assimilação e casamentos mistos na comunidade judaica panamenha, esse contexto se deve basicamente ao trabalho incansável do rabino ortodoxo Sion Levy, falecido em novembro de 2008. Nascido em Jerusalém, o religioso desempenhou suas funções de líder espiritual da comunidade sefaradita do Panamá durante 55 anos e, segundo alguns, com um certo rigor. Em sua grande maioria residindo na capital e seguindo os preceitos do Kashrut, as famílias judaicas desfrutam de um conjunto de instituições, como sinagogas, escolas judaicas, yeshivá, associações, clubes, supermercados e restaurantes kasher etc, instalados em prédios amplos, modernos e confortáveis. Em sua visita ao Panamá, o rabino Birnbaum se mostrou entusiasmo com o que viu: “Esse é o exemplo de uma comunidade que conta com toda uma infraestrutura judaica, religiosa e educativa, para preservar a existência judaica.” E reportando-se ao seu último encontro com o rabino Sion Levy, lembrou as palavras que ele disse após mais de meio século de uma vida dedicada à preservação de valores judaicos em terras da América Central: “No Panamá tem tudo o que tem na Terra de Israel, à exceção do Muro das Lamentações.”

Equação complicada

Mas, saindo do Panamá, a situação é bem diferente. Em 2008, a população judaica cresceu 0,05%, embora na diáspora tenha encolhido em 15 mil pessoas. É o que registra a Agência Judaica que também revela que cerca de 11 milhões de norte-americanos que têm pelo menos um avô ou avó de origem judaica já perderam seus vínculos com o judaísmo e não se consideram judeus. Nas últimas três gerações, 55% das uniões de judeus norte-americanos são com pessoas de outras religiões. Já nas antigas repúblicas soviéticas, a assimilação chega a 85%.

Atualmente são 13,3 milhões de judeus no mundo, a mesma população do início do século passado (1914), constata o demógrafo Sergio Della Pergola, da Universidade de Jerusalém. Segundo o especialista, desde o final da 2ª Guerra Mundial, em 1945, a população judaica só cresceu 15% frente a um aumento de 240% da população em geral. Israel, com 5,5 milhões e EUA com 5,3 milhões, são as maiores comunidades judaicas.

Para o presidente da Agência Judaica, Zeev Bielski, o baixo índice de natalidade e a assimilação são ameaças concretas para o judaísmo mundial que enfrenta no presente o desafio de inverter uma equação complicada, mas cada vez mais visível nos grandes centros: a perda da identidade judaica à medida que os judeus se integram de forma positiva nas sociedades em que vivem.