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segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Muro, apagão e Madonna no caminho de Peres


por Sheila Sacks

Na semana em que o mundo louvava os vinte anos “sem o muro” de Berlim e a mídia definia os “muros de hoje”, erguidos em Israel (Cisjordânia) e nos Estados Unidos (fronteira com o México), como “barreiras construídas na contramão da história” (O Globo), o presidente de Israel, Shimon Peres, desembarcava em Brasília para uma visita emblemática, do ponto de vista político e diplomático, dada a confirmação da presença de Ahmadinejad no país, seis meses depois de uma anunciada visita que não se concretizou.

Com a missão subliminar de dar suporte emocional à comunidade judaica brasileira surpreendida com a disposição do governo de acolher o líder iraniano, visita defendida pelo presidente Lula, Peres amanheceu no Brasil justamente após uma noite de cão vivida por milhões de brasileiros por conta de um baita apagão que deixou às escuras 18 estados e o Distrito Federal. O colossal blecaute que há duas semanas interrompeu todas as atividades produtivas, provocando o caos nas ruas das cidades, a queima de aparelhos eletro-eletrônicos, a falta de água e prejuízos materiais da ordem de 340 milhões de reais, também esquentou os ânimos na capital federal.

Somando-se aos danos contábeis e à indignação da população, o apagão vazou na mídia internacional como um rastilho de pólvora, ganhando as manchetes internacionais que repercutiram a grita geral da imprensa local. A multiplicidade de versões e de declarações dos porta-vozes oficiais instalou um ambiente de cataclismo político em Brasília, forçando o presidente Lula, desde os primeiros minutos do day after a focar a sua atenção na administração de mais esse pepino nacional. Com o circo armado, partilhar os efeitos danosos do curto-circuito com a recepção a Shimon Peres mantendo inalterado o bom humor, não deve ter sido tarefa das mais fáceis para um anfitrião empenhado na luta por seu sucessor.

Cobertura ampla

Para esquentar ainda mais a situação, 48 horas antes dos dois eventos, um dos programas jornalísticos de maior credibilidade nos Estados Unidos – “60 Minutes” - da rede CBS, alertava sobre a possibilidade de países sofrerem ataques cibernéticos por parte de hackers. E citava o Brasil como exemplo de vulnerabilidade, ao revelar que os sistemas de controle de fornecimento de energia do país foram paralisados por invasores, nos apagões de 2005 e 2007. As afirmações, feitas por funcionários da CIA, foram igualmente lembradas pelo presidente Barak Obama, em maio último, em discurso sobre segurança em computadores.

Imediatamente articulistas se apossaram dessa probabilidade para desenrolar alguns novelos de teses conspiratórias associadas à visita do presidente de Israel. O jornalista e Mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília, Feichas Martins, em sua coluna no site da ABN News - Agência Brasileira de Notícias, escreveu que “o apagão teria sido uma sutil resposta a Peres, até que o governo brasileiro esclareça com seriedade esse transtorno”. Segundo ele “o Movimento dos Sem-Terra e grupos radicais islâmicos que estariam radicados na zona de fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina (Foz do Iguaçu) planejam de forma conjunta o controle das usinas hidrelétricas situadas na região sul brasileira e noroeste do estado de São Paulo, as quais abastecem a indústria brasileira e as principais capitais, assim como o controle das imensas reservas de água potável do Aqüífero Guarani, que se estendem da Argentina até a região de Ribeirão Preto”. Tese rebatida pelo presidente da Itaipu Binacional, Jorge Miguel Samek, que descobriu um motivo mais singelo para o acidente. “Foi a Lei de Murphy”, ponderou.

Já no Rio de Janeiro, Peres teve que concorrer com a badaladíssima estadia da estrela pop Madonna, que deslumbrou e polarizou as atenções da imprensa, de megaempresários e das autoridades estaduais, desdobradas em atenções para com a deusa loura. Seus passos, passeios e atividades sociais e filantrópicas tiveram ampla cobertura, preenchendo preciosos espaços na mídia e chutando para escanteio outros assuntos relevantes. O que levou a secretária de educação do município, Claudia Costin, a comentar, em tom jocoso, que ainda assim preferia Peres à Madonna.

Religião partidária

Entretanto, para a grande massa do eleitorado brasileiro a imagem que ficou da visita de Peres ao país é mesmo aquela em que o prêmio Nobel da Paz, ao lado do jogador Ronaldo, exibe a camisa número 9, do Corinthians, presente do “Fenômeno” ao ilustre estadista israelense. Foto made in São Paulo, cidade que Madonna – ainda bem – ignorou.

No mais, a escolha do presidente Lula pelo estado da Bahia, governado pelo correligionário Jaques Wagner, para cenário de seu encontro com Mahmoud Abbas, da Autoridade Nacional Palestina, mostrou mais uma vez que ser filiado ao PT é, prioritariamente, professar a religião petista em todos os momentos da vida nacional. Com ou sem explicações posteriores às comunidades judaicas.

domingo, 15 de novembro de 2009

Por uma agência de notícias Brasil-Israel


por Sheila Sacks

Iniciativas inteligentes merecem ser elogiadas e, por que não, divulgadas e até copiadas. É o caso da Agência de Notícias Brasil-Árabe (Anba), criada em setembro de 2003, para promover uma maior comunicação entre o Brasil e os 22 países árabes. Nesses quase seis anos de funcionamento, a Anba já ganhou sete prêmios de jornalismo na categoria de reportagens website e é a única agência noticiosa citada como mídia nacional, ao lado da Agência Brasil, do Governo Federal, no site oficial do Ministério das Relações Exteriores.

Ancorada pela Câmara de Comércio Árabe Brasileira e apoiada por parcerias com correspondentes e órgãos noticiosos de países árabes, a agência apresenta um site muito bem estruturado e atualizado de notícias e artigos. Isso porque o status da Anba como agência noticiosa lhe permite acompanhar a agenda de eventos, encontros e entrevistas de autoridades brasileiras, como a desenvolvida por um grupo de embaixadores árabes de Brasília em visita oficial ao Rio, em maio deste ano. A agência, através de sua correspondente, participou e reportou os encontros da missão diplomática no Palácio Laranjeiras, com o governador Sergio Cabral, e no Palácio da Cidade, com o prefeito Eduardo Paes. Também por ocasião da viagem do presidente Lula à Arábia Saudita, a agência esteve presente nos principais eventos naquele país.

Maior diálogo

Em edição bilíngue, inglês e português, a Anba se tornou um canal de comunicação necessário ao diálogo entre brasileiros e árabes, e fonte de consulta para a mídia nacional, já que desfruta de acesso irrestrito a todas iniciativas e programações instituídas pelas comunidades árabes no Brasil e no mundo. Contando com uma equipe de 15 profissionais, a agência sediada em São Paulo também mantém cooperação com agências noticiosas de outros países. Para o jornalista Eduardo Ribeiro, um dos responsáveis pelo portal de Comunicação Mega Brasil, a agência Anba, cujas iniciais significam, no idioma árabe, notícia, surgiu no vácuo da grande imprensa. Além de valorizar o intercâmbio comercial entre o Brasil e os países árabes, o objetivo da iniciativa foi o de fugir do filtro das grandes agências ocidentais e trabalhar a notícia a partir das fontes primárias, com o apoio das agências de notícias e jornais árabes.

Exemplos dessa postura podem ser observados no teor das reportagens. Em uma delas fica-se sabendo que, de acordo com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o Brasil negociou em 2008 mais jogadores (81) com os clubes árabes do que com países como Itália (53) e Espanha (34). Em uma única transação de jogador brasileiro para um clube dos Emirados Árabes a cifra envolvida chegou a 38 milhões de reais. Outra notícia dá conta que a cidade de Beirute foi escolhida pela UNESCO como a capital mundial do Livro de 2009, com direito à homenagem dos Correios Brasileiros que já editou um selo postal comemorativo.

A visita do ministro de Relações Exteriores do Egito ao presidente Lula, em julho, também recebeu detalhada cobertura da Anba que registrou, na época, o pedido do dirigente brasileiro ao governo egípcio no sentido de um apoio eficaz à candidatura do Rio de Janeiro para a sede das Olimpíadas de 2016. A matéria sobre uma firma brasileira de abate bovino que cumpre a lei halal muçulmana mostrou que a empresa fechou uma parceria milionária com o maior grupo da África do Sul que controla 500 empresas do ramo. Segundo a agência, nos 112 países com presença de muçulmanos, estimados em 2 bilhões de pessoas, a movimentação de produtos halal gira em torno de 150 bilhões de dólares, somente no setor de alimentos.

Zenit

Mas a Anba não está sozinha. A agência internacional de notícias Zenit é mais um exemplo interessante no ramo da comunicação. Sob o slogan “O Mundo visto de Roma”, ela é constituída por profissionais e voluntários católicos baseados em diversos países que abordam os mais diferentes assuntos da atualidade sob o prisma cristão. A cobertura jornalística das atividades do Papa e as matérias exclusivas sobre questões relevantes nos âmbitos religioso, social e político são publicadas nos idiomas espanhol, inglês, francês, alemão, italiano, árabe e português.

Criada em 1997, as notícias da Zenit são republicadas em mais de 20 mil meios de comunicação, entre jornais, rádios, TVs, portais, boletins etc. Tem 520 mil assinantes cadastrados em seu correio eletrônico e centenas de milhares que consultam diariamente o seu site.

Boa Hora

Ainda que a comunidade judaica seja bem menor do que outras comunidades existentes no Brasil, notadamente a de descendentes árabes, fatos positivos que vêm ocorrendo poderão contribuir para futuras ações, principalmente na área da Comunicação Social. Com a chegada da companhia aérea israelense El Al ao Brasil, a reinstalação do Consulado israelense em São Paulo e a implantação do Consulado Honorário de Israel no Rio de Janeiro, a comunidade judaica brasileira vive um momento auspicioso. Sua importância e influência observadas nos variados segmentos da vida nacional é um dado real que atesta o progresso e a maturidade de uma coletividade que, embora pequena quantitativamente, excede em qualidades individuais.

O jornalismo comunitário ativamente praticado na comunidade judaica é hoje uma expressão sócio-cultural valiosa e ocupa uma posição de destaque, concorrendo para o fomento, a preservação e a união dos valores tradicionais e religiosos que tendem a se perder ou se diluir na grande sociedade. Também nesse nicho a coletividade judaica brasileira está bem servida, com informativos variados de federações, associações, clubes, sinagogas, escolas, grupos etc. São dezenas de boletins que semanalmente chegam às casas dos membros da coletividade via internet, aos quais se juntam mais informações oriundas de centenas de blogs que repercutem as notícias da grande mídia.

Entretanto, frente aos desafios de uma mídia profissional globalizada, muitas vezes amparada por múltiplos apêndices desestabilizantes que favorecem o crescimento subterrâneo de movimentos extremistas e as ações persuasivas calcadas em visões radicais, torna-se previdente e pertinente a implantação de um órgão de difusão externa com status informativo reconhecido, apto para funcionar como parceiro e fonte nesse segmento. Uma agência de notícias Brasil-Israel que se faça presente por meio de profissionais qualificados nos atos e eventos oficiais federais, estaduais e municipais que tenham correlação com a comunidade judaica e o Estado de Israel. Que seja ainda base de apoio para as centenas de blogs que militam nessa faixa. E no caso de reportagens e artigos relevantes publicados em outros idiomas, que os mesmos sejam democratizados pela agência através do instrumento da tradução, disponibilizando-os para todos os interessados, de profissionais da mídia a leitores em geral.

Enfim, que a agência atue como um polo de informação e formação inserido formalmente na grande rede virtual noticiosa nacional e internacional.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

As fronteiras da notícia


por Sheila Sacks

Ainda sobre a liberdade de imprensa e a parcialidade da notícia

A organização francesa Repórteres Sem Fronteiras (RSF) divulgou em outubro o ranking anual de liberdade de imprensa que classifica as nações de acordo com a situação observada em seus territórios.

No relatório “Worldwide Press Freedom”, elaborado a partir de questionários respondidos por jornalistas, juristas, ativistas de direitos humanos e organizações parceiras de cinco continentes, é destacada a importância de um ambiente de paz, mais do que a prosperidade econômica, para a garantia da liberdade de imprensa.

E foi justamente o conflito armado em Gaza, no início do ano, o que motivou a RSF a rebaixar Israel na classificação mundial em 2009. Para a ONG a guerra é a maior ameaça e o pior cenário para a prática do livre exercício de veiculação de notícias. Em 2008, Israel ocupava o primeiro lugar entre os países do Oriente Médio a garantir as liberdades individuais e a integridade física dos profissionais de jornalismo, situação essa impossível de se manter quando em cenários conturbados por combates e atos de terrorismo, cerceados por normas e segredos militares. A guerra, que vitimou 3 jornalistas e deixou 20 feridos na área conflagrada, foi o principal argumento para a organização retirar 47 pontos de Israel e empurrá-lo para a 93ª colocação.

Vale lembrar que 127 jornalistas morreram em zonas de guerra em todo o mundo, em 2007, e nenhum em território israelense. Ano passado, das 68 mortes em serviço, 70% ocorreram no Iraque.

Simplismo e imediatismo difundem notícias parciais

Mas mesmo com uma guerra em seus calcanhares, Israel se mantém uma democracia exemplar que não pressiona ou amordaça os jornalistas. A quantidade de correspondentes estrangeiros que trabalha livremente em suas cidades - em torno de 400 - é bem acima da existente em países sob tensão contínua. Porém, já é lugar-comum a publicação de notícias e artigos maniqueístas sobre o sensível binômio “israelenses versus palestinos”, enfocado sob o prisma simplista e repetitivo de uma confrontação de forças desiguais.

O fato é que a notícia tem suas limitações e um caráter variável e até subjetivo. Isso porque mesmo se pressupondo que uma notícia seja verdadeira em relação à realidade de uma determinada ocorrência, no instante de sua veiculação ela já se torna parcial e, em alguns casos, até injusta, porque exclui o seu histórico e antecedentes. O imediatismo da notícia não contempla passado nem futuro, apenas o presente. Assim, a causa inicial, mãe de toda a insensatez, erva daninha cultivada com maestria pelos apologistas do terror – varrer Israel do mapa – raramente é mencionada. Perdido o status de novidade, o âmago da questão virou uma espécie de lenda urbana ou um pormenor démodé a ser mantido fora das fronteiras da notícia.

No entanto, países como a Síria e Irã não desistem de enviar armamentos para grupos terroristas visando à destruição de Israel, como as toneladas de morteiros, granadas e mísseis encontradas pela marinha israelense, na semana passada, escondidas entre a carga civil de um navio mercante, a 160 quilômetros da costa de Israel.

Mídia imita e repete o que a sociedade deseja ouvir

O filósofo francês Paul Virilio, de 77 anos (Cibermundo: a política do pior), afirma que a mídia contemporânea é o único poder que tem a prerrogativa de editar suas próprias leis, ao mesmo tempo em que sustenta a pretensão de não se submeter a nenhuma outra. Segundo ele, o neutro não existe, sobretudo no domínio da notícia. Isso porque o jornalismo constrói percepções de realidade quando seleciona, destaca, descarta etc o que será apresentado ao receptador. É um jogo de sedução, afirma o jornalista e estudioso de mídias, Régis Debray, que foi amigo pessoal de Fidel Castro e Che Guevara nos anos 1960. As mídias em suas mensagens imitam o pensar e o falar dos que recebem as notícias e vice-versa, em um tipo muito singular de mimetismo. Dessa forma, a mídia, como um todo seria sempre o reflexo de uma sociedade, repercutindo o que se escuta e o que se lê e homogeneizando pensamentos.

Nesse contexto, a repetição surge como um engenhoso mecanismo de persuasão e substituição de valores. “A repetição nada muda no objeto que se repete, mas muda alguma coisa no espírito que a contempla”, escrevia sabiamente, no século 18, o autor do “Tratado da Natureza Humana”, o filósofo escocês David Hume. Sendo Israel o objeto da notícia, constata-se que, lamentavelmente, a mídia repetitiva e corrosiva não tem dado trégua. Muito menos algum crédito às sucessivas tentativas de acordos de paz ensejadas por Israel ao longo desses 61 anos de história.

A metáfora da paz não deve sobrepujar a realidade do terror

Destino melhor, porém, teve o presidente norte-americano Barak Obama que em poucos meses à frente do país foi agraciado com o prêmio Nobel da Paz, sem ter apresentado nenhum resultado concreto nesse segmento, até por exiguidade de tempo.

Para o professor e cientista político Candido Mendes, a homenagem “premia um novo estado de consciência internacional”. “Um prêmio explosivo”, avaliou o brasileiro, não tanto pela láurea ter sido instituída pelo sueco Alfred Nobel, conhecido como o pai da dinamite, mas pelo espanto “saudável” que suscitou em muitos. Entretanto, a retórica do voto de confiança nas boas intenções de um político, pelo menos aqui no Brasil soa mais como conversa fiada. Uma espécie de oratória de probabilidades ou um exercício de futurologia um tanto descabido. No campo do jornalismo seria como uma notícia sem o fato real que lhe dê base e substância. Uma anomalia.

Mas, se o prêmio de Obama foi explosivo no sentido figurado, o que se ouviu no 20° Colóquio da Academia da Latinidade, realizado no Cairo, há pouco mais de dez dias, é nitroglicerina pura. Na presença de intelectuais, sociólogos, filósofos, historiadores e políticos da França, Espanha, Itália, Portugal, Egito, Argélia, Brasil e outros, a professora Mia Bloom, da Universidade de Geórgia (EUA) e autora do livro “Morrendo para matar: a sedução do terror suicida”, falou sobre o aumento da participação de mulheres nos atentados suicidas no Iraque e em outras regiões, como Sri Lanka e Turquia. Antes restrito aos homens muçulmanos, foi constatado que desde 2008 organizações nacionalistas, movimentos religiosos e grupos terroristas como a al-Qaeda veem se utilizando cada vez mais de mulheres-bomba, com melhores resultados letais, porque elas muitas vezes ficam a salvo de revistas. E a tendência, no futuro, inclui a arregimentação de crianças.

A palestra da professora norte-americana na Academia da Latinidade – instituição criada há dez anos para funcionar como uma ponte de entendimento nas relações do Ocidente com o Oriente, principalmente com o mundo muçulmano - ocorreu dois dias depois de um dos piores atentados à bomba em Bagdá, assumido pelo braço iraquiano da al-Qaeda, que matou 135 pessoas e feriu mais de 600.

Enfim, mais um alerta assustador com base em dados reais e que como tantas outras manifestações sérias e conscientes, lamentavelmente, tende a permanecer estacionado nos meios acadêmicos, à margem da notícia e do grande público.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Quem tem medo da notícia?


por Sheila Sacks

O Brasil galgou 11 posições no ranking mundial de liberdade de imprensa em 2009, de acordo com a pesquisa anual realizada pela ONG francesa Repórteres Sem Fronteiras (RFS) em 175 países, e divulgada em 20 de outubro. Está na 71ª colocação, melhor situado que a Venezuela (124ª) e Cuba (170ª), mas ainda bem abaixo de nossos vizinhos Uruguai (29ª), Chile (40ª) e Argentina (47ª). O relatório "Worldwide Press Freedom", elaborado a partir de questionários respondidos por jornalistas, juristas, ativistas de direitos humanos e organizações parceiras de cinco continentes, classifica a guerra como a maior ameaça e o pior cenário para a prática do livre exercício de veiculação de notícias. Dinamarca e Finlândia receberam a melhor pontuação.

Para a RSF, a paz, mais do que a prosperidade econômica, garante a liberdade de imprensa. Daí, a queda abrupta de Israel, perdendo 47 posições, face ao conflito armado em Gaza, ocorrido no início deste ano. Em 2008, Israel ocupava o primeiro lugar entre os países do Oriente Médio a garantir as liberdades individuais e a integridade física dos profissionais de jornalismo, situação essa impossível de se manter quando em cenários conflagrados por combates e atos de terrorismo, cerceados por normas e segredos militares. A guerra, que vitimou três jornalistas e deixou 20 feridos, foi o principal argumento para a organização baixar a pontuação de Israel em 2009. Mas, mesmo ocupando a 93ª posição na tabela da RSF, abaixo dos Emirados Árabes (86ª) e Kuwait (60ª), a democracia israelense se mantém bem distante de regimes autocráticos como o do Irã – bombardeado com a 172ª colocação e ladeado pela Coreia do Norte, China, Birmânia, Eritreia e Cuba.

Retirada da publicidade oficial

Em recente declaração, Ahmadinejad acusou a mídia de ser "uma arma pior do que a nuclear" quando nas mãos de países ocidentais. Opinião revelada após a sua reeleição, em meados de 2009, face aos intensos protestos da população. O resultado do pleito colocou o país em uma autêntica crise e instaurou uma paranóia com relação aos jornalistas e blogueiros. A constatação é da RSF, diante das notícias de que o número de jornalistas fugindo do Irã é o maior desde a Revolução Islâmica, em 1979. Seis jornais foram fechados, muitos jornalistas estão presos e mais de 2 mil perderam seus empregos.

Em 2007, denunciando um aumento de censura online no mundo, a RSF já havia acusado o Irã, a Tunísia e o Egito de promoverem a prisão de inúmeros blogueiros e o encerramento forçado de vários sites noticiosos. Portanto, não é de se admirar que três jornalistas oriundos de nações muçulmanas (Somália, Tunísia e Azerbaijão) tenham sido agraciados pelo Committee to Protect Journalists (CPJ), com sede em Nova York, com o prêmio internacional de Liberdade de Imprensa 2009. Os três profissionais (Mustafá Abdinur, Naziha Réjiba e Eyulla Fatullayev) atuam com muita dificuldade em seus países, sofrendo perseguições por parte das autoridades, sendo que o último amargou oito anos de prisão.

Por ocasião do Dia Mundial da Imprensa, em 3 de maio, a Unesco soltou um comunicado lembrando que a censura ainda faz parte do dia-a-dia de muitos países e que os jornalistas continuam a ver a sua profissão e a própria vida, em muitos casos, ameaçadas. Desde 2003 foram registradas 170 mortes de jornalistas em serviço e segundo a organização "nunca foi tão perigoso ser jornalista". Para o presidente da Sociedad Interamericana de Prensa (SIP), o jornalista colombiano Enrique Santos Calderón, a imprensa ainda é assombrada pela atitude hostil de líderes de estado intolerantes e pela violência contra os jornalistas e a mídia. Em países da América Latina, como a Venezuela, Argentina, Equador, Nicarágua, Bolívia e Uruguai, a crítica a ações do governo não é bem-vinda, afirma Calderón. "Qualquer posição contrária à oficial é rejeitada, pressionada e punida. Entre os métodos utilizados para silenciar os opositores está a redução ou a retirada completada da publicidade oficial. No sentido contrário, aqueles que apóiam as políticas governamentais recebem benefícios."

"Compromisso em ouvir opiniões"

A propósito, o orçamento oficial para publicidade e propaganda do governo brasileiro nos meios de comunicação em 2009, aprovado pelo Congresso, foi de meio bilhão de reais. Valor esse que já dobrou, se contabilizados os gastos de publicidade de empresas públicas, como a Petrobrás e o Banco do Brasil, que têm receitas próprias para a área. A novidade é a democratização dessas verbas, desde o ano passado distribuídas para mais de 5 mil veículos de comunicação em todo o país, entre emissoras de rádio, TVs, jornais e revistas. O governo Fernando Henrique, que se utilizou praticamente dos mesmos recursos, considerando a correção monetária, não tinha mais que 500 beneficiados.

Ainda em relação ao Brasil, a RSF considerou que o país avançou com o fim da Lei de Imprensa (instituída à época da ditadura) decretada em 1° de maio deste ano. Também mereceram elogios os esforços do governo Lula para ampliar o acesso à informação, ainda que não estejam banidos os atos de violência contra os meios de comunicação, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, e a censura prévia em alguns estados brasileiros, onde as autoridades dominam a mídia local.

Em 29 de setembro, é um fato a registrar, o presidente Lula foi homenageado pela Associação Internacional de Radiodifusão pelo trabalho em defesa da liberdade de expressão. Congregando 17 mil emissoras de rádio e TV nas Américas e na Europa, a instituição, representada aqui no Brasil pela Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert), considerou Lula "um exemplo para os governantes", classificando-o como um político democrata, pelo seu espírito de convivência "com uma imprensa independente e com o contraditório". Dias antes, Lula já tinha sido laureado, em Nova York, por sua defesa das instituições democráticas no Brasil. O prêmio de Serviço Público, concedido pelo Centro Internacional Woodrow Wilsom para Acadêmicos, tem a finalidade de homenagear "indivíduos que servem com distinção na vida pública e demonstram compromisso especial em ouvir sempre opiniões informadas e pontos de vista ponderados em sua atividade".
Declaração acolhida como heresia

Em 2006, falando no programa Observatório da Imprensa, na TV Brasil, o presidente Lula já enfatizava a importância da mídia em sua trajetória política: "Eu nasci para o mundo político graças à liberdade de imprensa. No momento em que o movimento sindical ainda era pouco difundido na imprensa brasileira, no ano de 1975, fiz parte de um conjunto de dirigentes sindicais que chamou a atenção de uma parte da imprensa brasileira". Anteriormente, Lula tinha posto a sua assinatura na Declaração de Chapultepec, um documento elaborado em 1994, no México, pela Sociedad Interamericana de Prensa para difundir a importância da liberdade da imprensa.

Composto de 10 itens que condenam a censura e o cerceamento ao livre exercício do jornalismo, o documento vinha subscrito por 44 chefes de Estado e por dezenas de entidades internacionais. De início, o documento assinala, em seu primeiro parágrafo, que não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão e de imprensa. E que toda pessoa tem direito a buscar e receber informação, expressar opiniões e divulgá-las livremente. Destaca ainda que nenhum meio de comunicação ou jornalista deve ser penalizado por difundir a verdade, criticar ou fazer denúncias contra o poder público.

No início do ano, uma declaração do presidente Lula publicada na revista Piauí eriçou a imprensa e melindrou os jornalistas. Entrevistado, ele falou que não tinha mais o hábito de ler jornal de manhã para não perder o humor logo cedo, já que tinha problema de azia. E disse ainda que raramente assistia TV. Acolhida como uma heresia, volta e meia a mídia rememora a frase de Lula quando pressente um provável movimento do governo no sentido de limitar ou minimizar alguma informação.

Plágio em trabalhos acadêmicos

Entretanto, hoje a conceituação de notícia, à parte a sua intenção de agradar ou desagradar, é bem diferente daquela do início do século passado, quando o termo era definido como "algo que sei hoje, mas que não sabia ontem". A notícia atualmente é "aquilo que entendo hoje, mas que já conhecia desde ontem" (Folha de S.Paulo). E ao se entender a notícia, muitas delas podem, sim, provocar azia e mal-estar também no público leitor.

Dois exemplos recentes e ilustrativos. Primeiro a notícia para lá de esdrúxula e de certa maneira bastante embaraçosa para qualquer sociedade que prioriza a educação: nas inscrições para concurso de varredor de rua e recolhedor de lixo na cidade do Rio de Janeiro, que não exigem curso fundamental completo, verificou-se que 50 ostentavam o grau de doutorado, 24 de mestrado, 86 de pós-graduação e mais de mil tinham curso superior completo. Todo esse estudo para se habilitar ao cargo de gari e a um salário mensal de pouco mais de 700 reais, já incluídos os benefícios sociais.
A outra notícia, veiculada dias depois, abordava o crescimento da utilização do plágio nos trabalhos acadêmicos para a obtenção dos graus de mestrado e doutorado. Na fraude, os plagiadores só se dão ao trabalho de trocar título e alternar parágrafos. Muitos se servem de sites da internet e dos serviços de firmas de redação de monografias, dissertações e teses para ludibriar e assim garantir o cobiçado canudo. A apropriação indevida de trabalhos e teses alheias foi detectada em faculdades conceituadas, como a Federal Fluminense (UFF) e a Universidade de Brasília (UnB).

Conclusão: notícia ruim é somente aquela que não vem a público.