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sexta-feira, 19 de junho de 2009

Nas memórias da Guerra no Líbano


por Sheila Sacks
ainda a dor, o silêncio e a saudade por aqueles que se foram.

As ruas de Israel estão desertas.
O dia acorda, escova os dentes e se apresenta.
Mas ninguém comenta, ninguém se prepara, se enfeita, festeja.
O dia hoje não é presente,
é armadilha de gente.

As ruas de Israel estão desertas.
Nem o passarinho postado no galho desmente.
No alto, encravado como uma espinha de face amarela,
o sol se aponta e desponta:
broto, girassol, cogumelo.

As ruas de Israel estão desertas.
Não se vê crianças, jovens, velhos.
O dia já se vestiu e de capacete e fuzil
faz da continência
usual gesto.
Pelas ruas,
solitário pedestre,
só o quente vento das dunas
aparece.

As ruas de Israel estão desertas.
Do riso das crianças,
nem sombra,
da alegria dos jovens,
nem traço.
Em casa o choro é guardado
no armário do quarto.
No templo a reza é amuleto
que vale dobrado.
Outra vez, filho pródigo,
o flagelo da guerra
está de volta.

As ruas de Israel estão desertas.
Do canto, da dança,
nem lembrança.
O som agora é outro,
haja ouvido para tanto.
Da veste colorida, fantasia,
fita na testa,
nem vestígio.
No figuro da guerra não cabem
camiseta, tênis, chinelo.

As ruas de Israel estão desertas.
Quanta tristeza, quanta dor!
Foram-se meus meninos levados,
inquietos rapazes das praças e bares.
Garotos alegres que enchiam de risos
as noites e esquinas dos bairros.

As ruas de Israel estão desertas.
Só restou, marcado nas pedras,
o silêncio pesado das coisas passadas.
Psiu... falem baixo,
quero ouvir nas calçadas,
o som da saudade.

As ruas de Israel estão desertas.
Do outro lado da terra,
o locutor de paletó e gravata
fala de uma guerra de tanques e aviões.
Usa jargão de jornal, impessoal,
mas eu sei que soldado
tanto é filho como pai.

As ruas de Israel estão desertas.
Nos gabinetes e salões
a diplomacia fervilha em debates e sanções,
sem ao menos entender
que hoje, como antes,
carbono do que foi,
do que era,
meus meninos estão na guerra.


(A Yanir Gandelsman, que não voltou - 1982)

domingo, 14 de junho de 2009

Massada Again



A fortaleza de Massada foi o último foco de resistência contra os romanos e caiu em 73 da Era Comum, três anos após a queda de Jerusalém.
Desde o início do século XX, Massada é considerada um símbolo nacional do heroísmo judaico.



Todos os dias a caminho de casa,
sem cerimônia me caçam, me roubam,
me tiram pedaços, me deixam sem nada.
Também em casa tampouco escapo ao cerco fechado.
No meio da sala fico parado, bem desvairado,
pois até a cabeça me querem levar.
Na rua, no cinema, no bar,
em todo o lugar se instalam.
E onde estiverem preparam o laço:
sou o novilho ferrado.
A situação é tal que outra saída não há.
Vou subir a montanha, fazer de Massada
retiro e morada.


Nem à noite permitem descanso.
A máquina não pára, não quebra,
prossegue.Tem saúde de ferro.
Não adoece, nunca fica de nariz entupido.
Trabalha dia e noite sem protesto
e não faz passeata nem greve.
Desse jeito eu estou perdido,
não aguento, não dá.
Esse progresso entranhado,
etiquetado e carimbado,
resiste a perdas e danos.
Preciso subir a montanha, tentar me salvar,
fazer de Massada retiro e morada.

Assim dominado, amordaçado,
dessa ordem instalada preciso escapar.
A bebida, o fumo e a droga são,
disso tudo, festivos arautos.Quando a máquina abocanha
mente e alma convertidas,
tanto faz para quem fica a carcaça
e o laço de fita.
De tamanha e feroz fera só a fuga me resta.
Enfrentar tal luta a céu aberto é suicídio na certa.
Vou repetir o trajeto do intrépido zelote,
me livrar do relógio e de todo acessório.
Em Massada só chega o liberto, o forte.
No topo da rocha buscarei a resposta,
ainda que uma vida para tanto
seja tão pouca.