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terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A prática da democracia inocente

por Sheila Sacks

"Uma das vantagens deste mundo é que podemos odiar e ser odiados sem sequer nos conhecermos." (Alessandro Manzoni, poeta italiano do século 19)
publicado no "Observatório da Imprensa

Os vários comentários feitos pelo ex-presidente Lula no decorrer de seus dois mandatos sobre a ação da imprensa proporcionaram uma farta e prodigiosa munição aos articulistas e editorialistas de jornais influentes, mestres consagrados na exímia arte da esgrima linguística. A palavra escrita tem um poder de fogo que os profissionais do vernáculo, cientes dessa prerrogativa, buscam aperfeiçoar em diários e suados exercícios de arquitetura mental. Protegidos por estandes de vidro e armados com um teclado de laptop, eles têm a seu favor uma arena majestosa e ensolarada para a prática do tiro ao alvo. Afinal, a democracia é um campo aberto que favorece a exposição pública de pensamentos e opiniões e, por conseguinte, as réplicas e tréplicas de variados matizes.

Nas vésperas do pleito presidencial de 2010, uma reportagem de Lucas Abreu Maia publicada no jornal O Estado de S. Paulo e reproduzida pelo Observatório da Imprensa, em 21/9, revelava o grau de irritação de instituições representativas como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a ANJ (Associação Nacional dos Jornais) e a Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão), diante das declarações do então presidente Lula sobre o papel da imprensa. Sob o título "Entidades reagem a ataques de Lula", a matéria colocava na mesa a bazófia dita em tom magoado por um presidente empenhado em uma campanha de tudo ou nada, e emocionalmente arisco em suas colocações, resultado talvez do confronto diário com uma mídia beligerante em seu poder magnificente.

A gramática do óbvio


Desde a época de líder sindical, nos idos da década de 1970, Lula deu mostras de se sentir mais em casa e desbragadamente à vontade exorcizando os demônios em praça pública e em mangas de camisa. A tal da compostura que um cargo presidencial costuma exigir de seus ocupantes jamais inibiu o ex-presidente de soltar a voz em concorridos comícios eleitorais e soletrar o óbvio que habita no inconsciente coletivo. "Lula presidente surpreenderá a nação, pois adotará outra gramática do poder", escreveu o amigo e coordenador inicial do Programa Fome Zero, o frade dominicano, escritor e militante dos movimentos de Direitos Humanos Frei Betto, logo após a confirmação da vitória de Lula nas eleições de 2002.

Oito anos depois, em uma inauguração em Brasília com representantes da comunidade científica, Lula creditou o sucesso de seu governo à coragem de ter feito "o óbvio". Anteriormente, em um evento no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, o ex-presidente já havia sublinhado que "o óbvio é a única coisa que um governante tem que fazer". Uma deixa providencial para os caçadores de bordões sempre atentos e ávidos em desossar uma presa linguística de fácil digestão. Imediatamente, o Estadão pôs em campo o eficiente Rolf Kuntz para ministrar lições de "óbvio", convenientemente traduzido como sinônimo de bom senso, qualidade esta que, segundo o jornalista, faltou a Lula em muitas de suas realizações políticas. "Se o óbvio é o sensato, Lula fez o oposto do óbvio em parte de sua gestão" ("Lula e a política do óbvio", 29/12/2010).

Sem papas na língua

Ressuscitando os palanques e os comícios a céu aberto de sua militância sindicalista, Lula introduziu um novo estilo de impor sua presença na mídia, menos como primeiro mandatário e muito mais como porta-voz dos brasileiros.

Essa disposição de encarnar o protótipo do cidadão comum na correlação de alguns de seus pontos mais sensíveis, como o trabalho, a família e a paixão pelo futebol, alçou o ex-presidente a um inquestionável e extraordinário patamar de liderança e popularidade pessoais, criando-se um fenômeno surpreendente e, de certa forma, perturbador, aferido imediatamente pela sensível ótica da mídia e de outros setores elitistas do país, dadas as inevitáveis implicações que um possível culto à personalidade tende a introduzir em uma sociedade democrática.

Desabafos do tipo "Vamos derrotar alguns jornais e revistas que se comportam como se fossem um partido político" ou "Nós somos a opinião pública e nós mesmos nos formamos", expelidos de maneira atabalhoada em exacerbados comícios eleitorais durante a campanha da candidata do PT, Dilma Rousseff, foram prontamente revidados de forma coesa e emparelhada, no melhor estilo de artilharia pesada, visando à neutralização das declarações do então presidente.

Em editorial, O Globo deduziu das palavras de Lula um provável plano de cerceamento da liberdade da imprensa e "um entendimento autoritário da função dos meios de comunicação". Valendo-se de palavras afetadas e de sentenças pedantes de difícil compreensão, o jornal creditou os desabafos pessoais de Lula a uma espécie de complô da "vulgata ideológica dos intelectuais orgânicos do lulopetismo" e à "percepção lulista" de considerar a imprensa "um instrumento de manipulação da sociedade". No mesmo editorial ("Lula e a visão autoritária da imprensa", 21/9/2010), o ex-presidente foi apontado como déspota ("como se tomado pelo espírito do Rei Sol, um Luís 14 tropicalizado"), desequilibrado ("o presidente foi jogando às favas o equilíbrio"), insensato ("Lula radicaliza na insensatez") e burro ("tosca engenharia de raciocínio").

Já na reportagem do Estadão, o ex-presidente foi taxado de intolerante pelo presidente da OAB, Ophir Cavalcanti, que viu na atitude de Lula um ato "contra a liberdade de imprensa" e "um desserviço à Constituição e ao Brasil". Declarações essas que receberam considerável reforço, alguns dias depois, na entrevista do mesmo Cavalcanti veiculada pela Folha de S.Paulo ("Presidente da OAB condena ataques à imprensa", 25/9/2010). Avaliando o "clima de acirramento" pré-eleitoral da campanha, o presidente da OAB tocou no ponto nevrálgico da questão, responsável por todo o arsenal bélico arremessado sobre Lula. Disse ele: "Homens e pessoas não devem ter a mesma força que as instituições." Pensamento compartilhado pela Abert, que conclamou "as entidades representativas da liberdade de imprensa a ficarem sempre atentas". Indo mais fundo na reação conjugada da imprensa, a Anaj detectou em Lula um lamentável e preocupante desconhecimento em relação ao papel da imprensa nas sociedades democráticas.

Um "culto despropositado"

Passados alguns meses dessa contenda de viés mercadológico, a imprensa retornou ao tema, dias após a posse de Dilma Rousseff, desta vez utilizando-se do aguerrido esgrimista linguístico Demétrio Magnoli. Tendo como pretexto a análise dos discursos proferidos pela nova presidente, o articulista se sentiu a cavaleiro para desacatar o dirigente que se despedia, a quem chamou de "chefe de facção", pouco merecedor da "louvação desmedida" de Dilma. Repetindo o argumento-padrão adotado pelas empresas de comunicação – "Democracia é o regime das instituições, não dos líderes" –, Magnoli afunilou o conceito desse regime político, reduzindo-o a um embate maniqueista e interesseiro entre dois polos antagônicos: instituições e empresas, que seriam o lado bom da história, versus líderes populares, o aspecto negativo e de risco. Uma metáfora ardilosa, já que a democracia não exclui a presença carismática de autoridades políticas legalmente constituídas.

Desmerecer autênticas qualidades positivas, tais como a simplicidade, simpatia e o discurso caloroso – para citar alguns atributos pessoais que parecem acompanhar o ex-presidente –, pela possibilidade de as mesmas favorecerem "o culto despropositado" a um dirigente ou político na vida pública, é um ponto de vista que chega a ser ofensivo ao eleitor brasileiro que avança no caminho de sua maturidade política. A democracia não é um sistema frágil que possa ruir por conta de um presidente sem papas na língua que falou o que devia e o que não devia em discursos desaforados no decorrer de uma campanha eleitoral. A afirmação de que "o culto a Lula é uma ferida na alma da democracia" ("Dilma, interrompida", 06/01/2011, no Globo e Estadão) soa como artificial e forçada, já que a admiração por um político não se configura, no significado exemplar do termo, em adoração, veneração ou "culto".

Poder econômico e imprensa

Mas qual seria de fato o papel da imprensa nas sociedades democráticas do século 21? Retornando ao editorial de O Globo, a resposta do jornal a essa questão brigaria com "a visão maniqueista lulopetista da imprensa" para a qual a mídia precisa estar subordinada ao Estado. "É inconcebível para esses (lulopetistas) que a imprensa profissional – que precisa ser rentável para se manter independente, e o mais distante possível de verbas administradas pelos poderosos do momento – cumpra uma função pública, e disto têm consciência profissionais e acionistas das empresas de comunicação", assinalava o editorial.

Para o jornalista e sociólogo espanhol Ignacio Ramonet, autor do livro "A Tirania da Comunicação" (1999), com o avanço da globalização as grandes empresas de mídia juntaram todas as formas de comunicação em um mesmo saco, da cultura de massa à publicidade e informação. Um exemplo perceptível é a mudança ocorrida nos suplementos literários dos jornais, hoje travestidos em desembaraçados balcões de venda das editoras e livrarias, tornando difícil o leitor distinguir o que é processo de persuasão, marketing ou utilidade cultural.

Constituindo-se em grandes grupos que englobam a imprensa, rádio e TV (com suas linguagens e mensagens, antes distintas, agora misturadas e mercantilizadas), essas megaempresas acabam exercendo pressão sobre os governos no sentido de que não sejam cerceadas ou limitadas em seus negócios. Ramonet afirma que a mídia no Ocidente sobrepujou o poder do Estado, representado pelo Executivo, Legislativo e Judiciário, ficando abaixo apenas do poder econômico. Lembra ainda que, há algumas décadas, os meios de comunicação representaram no contexto democrático um recurso dos cidadãos contra os abusos desses três poderes, daí serem mencionados como um quarto poder.

Diretor da edição espanhola do jornal "Le Monde Diplomatique", Ramonet, de 67 anos, observa também que, à medida que a globalização se acelerou, a imprensa perdeu a sua função de reagir e resistir, de se impor como um "contrapoder", de ser, enfim, "a voz dos sem-voz". De acordo com o sociólogo, hoje a mídia seria de fato o segundo poder pela sua ação e influência, funcionando como um aparato ideológico da globalização. "O mais difícil de perceber não é a informação distorcida, mas a informação oculta", alerta. "Na atual fase de globalização assiste-se a um confronto brutal entre o mercado e o Estado, entre o setor privado e os serviços públicos, dando a impressão de que grupos econômicos planetários ou conglomerados de comunicação de dimensão continental são mais importantes, pelo peso de seus negócios, do que os governos e Estados."

Discursando na cidade de Barcelona, em agosto de 2010, depois de receber o Prêmio Antonio Asensio de Jornalismo, Ignacio Ramonet surpreendeu a plateia ao afirmar que o jornalismo atravessa uma "grave crise de identidade". Ao sentenciar que a imprensa escrita vive um dos momentos mais difíceis, Ramonet desmentiu aqueles que proclamam que "a informação circula mais livre, mais abundante e mais transparente do que nunca". Ao contrário do que muitos pensam, disse, "a massa de informação oculta supera o imaginável em muitos temas".

Deslizamentos na região serrana

Nem bem 2011 se iniciou e já se pôs em marcha o processo de desestruturação daquilo que muitos entendem como o "mito" Lula. Na recente tragédia na região serrana do Rio de Janeiro – um dos dez maiores deslizamentos do mundo nos últimos 111 anos, pela avaliação da ONU – achou-se imediatamente um culpado na figura do governo federal (gestão Lula), que somente liberou 39% dos R$ 425 milhões previstos para 2010 para prevenção de desastres, sendo que a região serrana nada recebeu ("Verba para prevenção fica no papel", O Globo, 13/01/2011). No final da matéria fica-se sabendo que foram destinados R$ 377 milhões ao Rio de Janeiro pelo Programa de Resposta aos Desastres e Reconstrução, o segundo maior volume de recursos federais, ficando apenas atrás de Pernambuco (R$ 380 milhões).

Porém, o que faltou dizer em meio a tantos números é que um presidente da República não tem a função de monitorar as mais de 5 mil prefeituras brasileiras em seus variados projetos, inclusive de contenção de encostas, nos procedimentos técnicos adequados para se habilitarem a pleitear verbas federais necessárias à execução das obras. Por incapacidade e falta de conhecimento, muitas prefeituras perdem a oportunidade de manter profícuas e permanentes parcerias técnicas com o governo federal e somente após alguma tragédia climática, sob o regime de calamidade pública, se lançam ao encalço das verbas emergenciais para remediar o irremediável.

Em outra reportagem, também em tom acusatório, a administração Lula é culpabilizada pelo "inchaço" de funcionários públicos na esfera federal ("No governo Lula, mais 82 mil servidores" – O Globo, 16/01/2011). Segundo os números apresentados, "pelo menos 82.749 funcionários civis foram incorporados à máquina do governo federal nos últimos oito anos". Dito isso e lendo um pouco mais, topa-se com os seguintes dados: "Os funcionários civis do Executivo na ativa passaram de 485.741 em dezembro de 2002 para 568.490 em novembro de 2010 (...) Em números absolutos, a maioria das contratações foi feita na área de educação: 49.286. Isso decorre da criação de universidades públicas e escolas técnicas." Enfim, dos 82,7 mil novos servidores contratados quase 50 mil foram professores e pessoal auxiliar. Um percentual que faz sentido, em se tratando de um país que vem sendo estimulado por todos os setores da sociedade a investir maciçamente em educação e treinamento.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Mahmoud Abbas vira estrela na posse de Dilma


por Sheila Sacks

A presença do presidente da Autoridade Palestina Mahmoud Abbas na posse da presidente Dilma Rousseff, em Brasília, no primeiro dia de 2011, recebeu tratamento vip da mídia brasileira. Fotos de ambos em caloroso aperto de mãos ganharam as primeiras páginas dos principais jornais do país (O Globo, Estado de São Paulo, Estado de Minas), superando a atenção dada a outras personalidades presentes ao evento, a saber: a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, o primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates, o príncipe de Astúrias, Felipe de Borbón, herdeiro da coroa espanhola, o primeiro-ministro da Coreia do Sul, Kim Hwang-Sik, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez e o primeiro-ministro da Bulgária, Boyco Borissov (Dilma é filha de búlgaro).

A foto também serviu de chamariz para uma ampla entrevista de quase uma página que O Globo fez publicar, encimada por um título provocador – Israel não acredita na paz” pinçado de uma das respostas do dirigente palestino acerca dos assentamentos judaicos em Jerusalém Oriental. Diante da insinuação do repórter Roberto Maltchik de que o governo de Israel não dava mostras de querer “congelar os assentamentos”, Abbas foi incisivo: “Esse não é meu problema. É problema deles. Se eles não se importam com nada, se eles não escutam ninguém, isso significa que eles não querem a paz. Eles não acreditam na paz. Então, quem pode pôr pressão neles? Só os Estados Unidos. Paralelamente, a comunidade internacional. Então, o governo Israel vai ficar isolado.”

Governo brasileiro doou terreno para a embaixada palestina

Mahmoud Abbas ficou 4 dias no Brasil e antes da posse de Dilma ele inaugurou a pedra fundamental da futura embaixada palestina em Brasília, a ser construída em um terreno de 15 mil metros quadrados doado pelo governo brasileiro. No início de dezembro de 2010, ainda no governo Lula, o Brasil reconheceu o Estado palestino “com as fronteiras de 1967” (antes da Guerra dos Seis Dias), que incluem a Cisjordância, Jerusalém Oriental e a faixa de Gaza. A decisão foi seguida pelos vizinhos Argentina, Paraguai e Uruguai, e outros países da região, como a Bolívia, Equador e Peru, já se manifestaram a favor desse reconhecimento.

Em Brasília, Abbas aproveitou para agradecer de viva voz o gesto do presidente uruguaio e ex-guerrilheiro tupamaro, José Mujica, e iniciou as negociações com o chileno Sebástian Piñera para que o Chile se junte ao grupo. Na entrevista ao Globo, um dia depois dos festejos da posse e minutos antes de ser recebido em audiência por Dilma Roussef, ele revelou que iria demonstrar a sua gratidão ao governo brasileiro, “que foi o primeiro no continente a reconhecer o Estado palestino”. Abbas ainda adiantou que o ex-presidente Lula visitará Ramallah nos próximos meses.

Acompanhando o encontro de Abbas com Dilma, o novo ministro brasileiro de Relações Exteriores, Antônio Patriota, contou aos jornalistas que o dirigente palestino convidou a presidente para uma visita à Cisjordânia. Segundo o ministro, o tom da reunião entre os dois líderes foi de “congraçamento”. Patriota, de 56 anos, que substitui o chanceler Celso Amorim (o ministro do Exterior que mais tempo ficou no cargo, cerca de 8 anos), foi embaixador em Washington e é casado com uma norte-americana naturalizada brasileira. De perfil discreto e disciplinado, caracteriza-se, segundo analistas, por ser um eficiente executor das diretrizes da diplomacia palaciana que deverão se manter inalteradas no quesito ideológico, em função da permanência do assessor internacional da Presidência do governo Lula, o gaúcho Marco Aurélio Garcia, 70 anos, ex-militante do partido comunista e um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores(PT).

Críticas à diplomacia brasileira são reveladas pelo Wikileaks

Formado em Filosofia e Direito, Marco Aurélio é professor licenciado de História da Universidade de Campinas (SP) desde que se instalou no Planalto, em 2003, como uma espécie de guru da Presidência para assuntos internacionais. Em 2007, em entrevista à revista política-literária Piauí, o assessor de Lula atacou Israel, classificando as ações de defesa do país contra atos terroristas de “crimes de guerra”, porque atingiam civis. Jactando-se de seus conhecimentos históricos, ele continuou no mesmo tom: "Se querem reconstituir a história, estou disposto a reconstituir. É a minha profissão. Israel apoiou durante todo o tempo o regime do apartheid na África do Sul. Apoiou todo o tempo a ditadura de Somoza, na Nicarágua, e a de Salazar, em Portugal. Não venham agora querer bancar os bacanas para o meu lado."
Recentemente, Marco Aurélio foi citado como simpatizante das Farcs (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) em documentos revelados pelo Wikileaks. A afirmação foi feita em 2009, pelo então embaixador colombiano em Brasília, Tony Jozame, em referência às reações contrárias do Brasil ao Acordo Militar de Cooperação de Defesa EUA-Colômbia. Em conversa com diplomatas americanos, Jozame disse ainda que “o Ministério de Relações Exteriores brasileiro é esquerdista, anti-ianque e ciumento da liderança de qualquer país da região”.

Enviado do Irã diz que aliança com o Brasil vai se ampliar

Outra figura que ficou na berlinda foi Mohammad Abbasi, assessor especial para assuntos da América Latina do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Apontado como um dos homens de confiança do líder iraniano, Abbasi esteve na posse de Dilma e veio com a missão de fortalecer e consolidar as boas relações entre o Brasil e o Irã. Falando ao jornal Folha de São Paulo, na véspera da posse, ele se mostrou otimista em relação à ampliação dos vínculos com o governo brasileiro, inclusive na área nuclear. Na entrevista realizada na Embaixada do Irã, em Brasília, o enviado de Ahmadinejad declarou que a sua presença na cerimônia da posse foi “uma maneira de enviar ao mundo a mensagem de que nossa aliança continua, e que haverá mais acordos entre nós”. Abbasi destacou o interesse do Irã em desenvolver uma cooperação bilateral com o Brasil no campo nuclear, já que ambos os países “conseguiram desenvolver cientificamente a capacidade do uso da energia nuclear de forma autônoma, para fins pacíficos”.

É importante assinalar que o comércio entre Brasil e Irã duplicou nos últimos sete anos, de US$ 500 milhões para US$ 1,23 bilhão. O Irã é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil no Oriente Médio, principalmente quando o assunto é o setor alimentício. Na visita que fez a Teerã, em maio de 2010, Lula anunciou uma linha de financiamento de 1 bilhão de euros, nos próximos cinco anos, para importadores iranianos de produtos brasileiros.

Países árabes são o terceiro maior parceiro comercial do Brasil

Em artigo publicado no jornal Valor Econômico (30.12.2010), o professor de economia Javier Santiso observa que em 2010 os países árabes foram o terceiro principal parceiro comercial do Brasil (depois da China e dos Estados Unidos), absorvendo mais de US$ 10 bilhões de exportações brasileiras,cerca de 11º do total exportado pelo Brasil. Ele lembra que a estimativa é de que existem cerca de 20 milhões de latino-americanos de origem árabe na América Latina, sendo sete milhões no Brasil (alguns calculam em 10 milhões). Países como Catar e Emirados Árabes Unidos, através de seus bilionários fundos de investimentos, estão adquirindo participações em bancos, ativos comerciais, hotéis, petróleo, gás, construção civil e particularmente no setor agroindustrial que esteja ligado à água, um bem escasso na península arábica. Santiso lembra que a América Latina concentra cerca de 30% do total das reservas mundiais de água, sendo 13% no Brasil. “Esse ouro azul esta se tornando tão precioso quanto o ouro negro.”

América do Sul e países árabes na nova geografia de poder

No balanço final sobre os seus oito anos à frente do Itamaraty, o chanceler Celso Amorim também destacou a intensificação dos laços comerciais com os países árabes. Convidado a falar na Comissão de Relações Exteriores do Senado, em dezembro último, ele anunciou para breve o fechamento de Acordo de Livre Comércio (ALC) do Mercosul com o Egito e adiantou que outros acordos serão feitos com a Síria e a Autoridade Palestina. Dentre as suas realizações ele citou a realização das “Três cúpulas América do Sul-Países Árabes (ASPA)” – um fórum de coordenação política e cooperação bi-regional implantado em 2005 por iniciativa do presidente Lula, reunindo 22 países árabes e 12 sul-americanos - , salientando que as relações do Brasil com o mundo árabe, no campo dos negócios, quadruplicaram nesse período.

Por sua vez, o novo ministro do Exterior, Antônio Patriota, no discurso de posse, defendeu “o acerto das opções dos últimos anos” em política externa, mas deu a entender que haverá “reconsiderações de certas ênfases”. Cuidadoso na escolha das palavras e meticuloso na adoção de mensagens cifradas endereçadas à Casa Branca e seus aliados, ele disse que o Brasil superou “o acúmulo de vulnerabilidades” econômicas e sociais que limitavam a sua ação internacional e hoje esta entre os novos pólos globais. Afirmando que “consensos de outras eras são cada vez mais questionados e os antigos formadores de opinião encontram dificuldade crescente para prevalecer suas ideias”, o Patriota de Dilma promete ser o clone melhor acabado do homem que de fato vem dando as cartas, há quase uma década, na política internacional brasileira. De seu pequeno e discreto gabinete em Brasília, Marco Aurélio, um ex-exilado político, definido como “idealista da esquerda” pela Wikipédia, continuará no seu afã de recriar um novo mapa geográfico de poder onde o Brasil teria reais condições de cutucar, nem que fosse com vara curta, o gigante do Ocidente.