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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Cartoon: o alvo é Israel


por Sheila Sacks
Cresce o radicalismo no cartoon made in Brasil
publicado no Rio Total
http://www.riototal.com.br/coojornal/sheilasacks039.htm

No que já está se tornando fato corriqueiro, o site Brazil Cartoon abre mais uma vez espaço para promover a arte armada contra Israel, disponibilizando a veiculação de um catálago de charges maniqueístas e manipuladoras sobre a situação política no Oriente Médio. Organizado pelo Ministério de Informação da Síria e intitulado “Gaza em Chamas” (Gaza in fire), o álbum artificioso de cunho ideológico e focado na demonização do estado judeu, resulta de um tipo de estratagema espertamente utilizado pelos países muçulmanos autocráticos (que não permitem a liberdade de expressão sob o seu jugo), nesses tempos de hipocrisia e subversão da realidade: o da organização de concursos e exposições internacionais de “arte engajada”, reunindo “artistas” sensíveis à problemática mundial da pobreza, do meio ambiente, das injustiças e de outros senões sociais.

Para isso monta-se um júri de experts de países “amigos”, tais como o Irã, Brasil, Egito, China, Turquia e Itália, para citar alguns; despacham-se emails para as associações de cartunistas, principalmente para aquelas insanamente aferradas a conceitos e movimentos terceiro-mundistas que congregam tribos inquietas e sedentas por reconhecimento e prêmios; e grafitam-se algumas palavras de fúria, em tinta vermelha, do tipo “all for palestine” e “NO to israeli aggression” nos folhetos, cartazes e demais peças de propaganda. O resultado logo aparece: 303 cartunistas de 67 países prontos para sujeitarem a sua imaginação, talento e criatividade às amarras de um embuste ardilosamente preparado com uma única finalidade, o de transformar Israel em vilão do planeta.

Aliás, em relação a esse certame ocorrido em 2009, Brasil e Irã se destacaram pelo surpreendente número de cartunistas participantes – o primeiro com 39 e o outro com 42 – sobrepujando a China, a países africanos, árabes e do leste europeu, e a própria Síria, organizadora do evento. Uma enxurrada de “artistas” brasileiros teleguiados em sua indignação pela visão astuta e preconceituosa de uma mídia superficial e parcial em sua condenação a priori ao estado de Israel.

Mas, se o prêmio do melhor cartoon contra Israel não coube a um brasileiro, passou bem perto, premiando um cartunista argentino e sua charge-clichê: um keffiyeh (lenço branco e preto usado pelos palestinos) manchado de sangue. Percebe-se que a crescente proliferação desses eventos que supostamente visam estimular a criatividade e a arte são instrumentos dos mais engenhosos utilizados pela propaganda dos países árabes no sentido de inserir talentos dispersos e muitas vezes insatisfeitos pela limitação profissional em seus países de origem, no insensato jogo de brutalidade e ódio a Israel e aos judeus.


Ainda em 2009, no 17º Salão Universitário de Humor ocorrido em Piracicaba, interior de São Paulo, a charge vencedora teve como tema o Holocausto. No desenho muito bem elaborado, o papa está de costas e ajoelhado em frente a um quadro-negro, sendo obrigado pela professora, a ministra da Alemanha vestida de guarda nazista, a escrever dezenas de vezes a frase “Holocaust is real”. A ideia por trás da charge é abominável porque induz o espectador a acreditar que a civilização cristã representada pelo papa está de joelhos, subjugada à pressão do lobby judaico que na charge é comparável à coerção nazista.

Diante de mais essa faceta do antissemitismo, desta vez instalada no que se convencionou chamar de cartoon político, entrevistei em setembro de 2008 o professor Luiz Nazario, profundo conhecedor do assunto.


Cartoon: uma arte armada contra Israel
Publicado no site do Núcleo de Estudos Judaicos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

No limiar do ano judaico de 5769 cresce a legião de cartunistas brasileiros aliciada por regimes extremistas, beligerantes e antissemitas que utilizam a arte da caricatura e da charge como armas de incitação e convencimento. O “cartoon político” virou um campo de guerra, uma terra de ninguém onde artistas-milicianos se valem de todos os artifícios enganosos da propaganda e do imaginário racistas para degradar a identidade judaica e o estado de Israel. Eventos macabros como o concurso “Caricaturas do Holocausto” (2006) organizado pela Casa do Cartum do Irã, ou belicistas como o “Internacional Gaza Cartoon” (maio de 2008), com o tema “Morte em Gaza”, ganharam participação significativa de cartunistas brasileiros, alguns premiados em ambos os certames.

Esse fenômeno perturbador tem sido detectado pelo pesquisador, escritor e professor Luiz Nazario, 50 anos, doutor em História pela Universidade de São Paulo ( com a tese “O Papel do Cinema na preparação do Holocausto”) e profundo estudioso de temas que envolvem o nazismo, o antissemitismo e o terrorismo contextualizados nas áreas da propaganda, do cinema e da animação.

De família italiana, foi bolsista na Alemanha e em Israel, somando mais de 100 artigos publicados em jornais e revistas especializadas. É autor de 19 livros (o mais recente intitulado “Todos os Corpos de Pasolini”), ensina Cinema na Universidade Federal de Minas Gerais e coordenou o Grupo de pesquisa da Discriminação que desde 1997 coleta dados de atitudes e atividades de cunhos racista, antissemita e neonazista no país, para o relatório mundial “Anti-Semitism Worldwide”, publicado anualmente pela Universidade de Tel Aviv.

. A arte, como expressão imaginativa e criativa, estaria conceitualmente imune às amarras da ética filosófica tradicional (e suas normatizações em relação ao bem e ao mal)?
- Tenho me batido, em meus escritos sobre arte e ideologia, contra a ideia corrente de que o artista é um ser divino, acima do Bem e do Mal. Naturalmente, talentos específicos distinguem um artista de outros cidadãos que não possuem os mesmos talentos, mas esse privilégio não isenta o privilegiado da responsabilidade por suas ações. Se o artista é capaz de sintetizar numa imagem toda uma situação, sua síntese possui um poder de impacto que deve ser considerado. Ao engajar sua arte numa causa, o artista sabe – ou deveria saber – exatamente o que está em jogo. Nenhum artista é obrigado a engajar sua arte. Mas se ele engaja sua arte numa causa justa, por mais liberdade, paz, progresso, verdade, ele deve ser recompensado por prestar voluntariamente um serviço à humanidade. Da mesma forma, se ele engaja sua arte numa causa criminosa, por mais terror, guerra, miséria, mentira, ele deve ser punido por contribuir voluntariamente com a desumanidade. A forma dessa punição deve ser estabelecida pela sociedade. Claro que certas sociedades podem aproveitar-se dessa medida para punir os artistas que as incomodem, estabelecendo uma nova censura, um novo totalitarismo etc. Daí o receio de se estabelecer critérios de punição para artistas. Os artistas alemães contribuíram em massa com o regime nazista, desempenhando muito bem a parte que lhes coube na execução nacional do Holocausto. Nenhum deles foi punido por isso. E mesmo Leni Riefenstahl, tão próxima de Hitler, glorificando o regime nazista com seus filmes de propaganda, foi enfim reabilitada.

. É crível ao artista/cartunista no ato da criação sublimar suas ideologias e preconceitos?
- Como disse, o engajamento da arte é uma opção política do artista. Se um cartunista como Carlos Latuff dispõe-se a diabolizar os israelenses para tornar aos olhos do mundo a causa dos palestinos, que ele adotou, mais humana, ele sabe exatamente a que processos e técnicas sua arte precisa recorrer. Tendo o domínio de sua arte, ele expressa exatamente o que deseja expressar. Não pode alegar posteriormente inocência quanto a isso. Naturalmente, tal artista não quer ser visto como racista, e por isso ele se diz de esquerda, deprecia neonazistas e sustenta condenar, em sua arte, apenas um Estado imperialista que massacra palestinos. Mas ao concentrar a humanidade em apenas um dos lados do conflito, diabolizando o outro lado, assume, em sua arte, que todos os crimes podem ser cometidos contra o lado diabolizado.

. De que forma a arte do cartoon tem sido usada como uma arma subreptícia de guerra?
- O cartoon sempre foi usado como arma de guerra, desde a Primeira Guerra Mundial. Veja-se a animação O afundamento do Lusitânia (The Sinking of Lusitania, EUA, 1918), do cartunista Winsor McCay, com mais de 25 mil desenhos numa animação realista, enfatizando o peso dramático da mensagem dirigida contra a Alemanha, cujos submarinos haviam torpedeado e afundado aquele navio de passageiros, resultando em 1.195 vítimas civis, das quais 128 eram cidadãos norte-americanos. Na Segunda Guerra o uso do cartoon na propaganda contra o inimigo foi intensificado, tanto pelo Eixo quanto pelos Aliados. Mas nem toda propaganda de guerra (caricaturas, animações, filmes, etc.) é condenável. É preciso distinguir as propagandas que expressam pontos de vista humanos de solidariedade, amor à liberdade e defesa de uma causa justa das que expressam pontos de vista desumanos, ódio à liberdade, defesa de uma causa injusta. Há propagandas aliadas que, ao combater o racismo e a agressão do Eixo também se mostraram racistas e agressoras. Nenhuma causa deve servir de pretexto para o artista desafogar a própria bestialidade. O que ocorre atualmente no conflito Israel-Palestina é o uso internacional do repertório de clichês antissemitas da caricatura antissemita tradicional (dos séculos XIV-XIX), cujas fontes são os sermões da Igreja católica; e nazista (dos anos de 1920-1940), cujas fontes são Os protocolos dos sábios do Sião. Este uso não se faz mais contra o Judeu (isto é, contra o povo judeu), mas contra o Estado Judeu (isto é, contra todos os judeus que se identificam com este Estado). É como se o antissemitismo, após a criação de Israel, redimensionasse seu ódio ao Judeu para o ódio ao Estado Judeu. Nesta operação, os “antissionistas” esperam dividir o povo judeu entre sionistas e não-sionistas e ainda conquistar uma parcela deles para a causa da destruição da Israel. Algumas técnicas imagéticas dessas caricaturas: 1. Animalização dos judeus ortodoxos (pintados sob a forma de ratos, aranhas, serpentes, dragões etc.); 2. Diabolização das autoridades israelenses (Primeiros-Ministros com chifres e caudas de diabo, cercado de chamas do inferno; renomeação de Israel como “Israelixo” ou “Israhell” etc.); 3. Negação do Holocausto (associação de Auschwitz a um parque de diversões com inserção de uma roda gigante, por exemplo); 4. Dessacralização da Estrela de Davi (sistematicamente associada a suásticas, crimes, opressões e massacres); 5. Troca histórica de papéis em situações históricas diversas (substituição das tropas SS por soldados israelis, da suástica pela Estrela de Davi, de judeus vitimados no Holocausto por palestinos vitimados por Israel); 6. Pacifismo (associação da causa da destruição da Israel à Pomba da Paz, sempre ferida, mutilada, esmagada e morta por Israel, o “eterno perturbador da paz”, como Hitler, causador da guerra mais mortífera de toda a História, chamava os judeus); etc.

. Qual é o papel da globalização nesse contexto?
- A globalização deu à História a dimensão do tempo real, ou seja, tudo acontece em todo lugar ao mesmo tempo. O mundo, que sempre foi um, agora é mais um que nunca. Todos os internautas têm acesso a todas as informações de todos os lugares o tempo todo. Mas algumas verdades horríveis não são assimiladas e a má-fé cresce na mesma medida. Numa disciplina que leciono, Cinema e História, um aluno meu escolheu analisar o filme Paradise Now. Como poucos, ele percebeu que o homem-bomba palestino era santificado na cena do banquete, construída como na Santa Ceia, de Leonardo da Vinci. Mas ao mesmo tempo, recusou-se a perceber o sentido dessa santificação. Ele sabia o que eu pensava a respeito. Mas se ele concordasse comigo precisaria recusar a santidade da causa palestina, o que ele não estava preparado a aceitar, pois se os terroristas palestinos não forem santos, Israel não seria mais tão detestável. E ele precisava odiar Israel, precisava que Israel fosse o Mal para manter funcionando sua visão de mundo, inteiramente baseada na má-fé.

. Quais os fatores que favorecem, na sociedade brasileira atual, a disseminação do preconceito e a demonização de Israel?
- A ideia de que para ser cool, in, fashion, basta odiar os Estados Unidos (o Grande Satã) e Israel (o Pequeno Satã), e de que todo o resto virá automaticamente. Pensar dá muito trabalho, é mais fácil seguir o rebanho. E se a nova onda é um novo tipo de fascismo, é o que se terá no Brasil. Aliás, é o que já temos. Um novo fascismo de esquerda, com discriminação total a Israel e aos EUA. Escritores e artistas como Gore Vidal, José Saramago, John Le Carré, Jean Ziegler e Mikos Theodorakis ajudaram a dar, através de declarações raivosas contra Israel nas mídias de consumo, prestígio intelectual ao pathos antissemita. Mesmo escritores e artistas judeus precisam, agora, para fazer sucesso junto às mídias, mostrar-se contra Israel em certa medida, como o fez Susan Sontag, cujos ensaios admiro, em seus discursos políticos, incluindo o de agradecimento ao Prêmio Jerusalém, coletados recentemente em Ao mesmo tempo. Cineastas israelenses devem fazer como Amos Gitai: criticar Israel em filmes e entrevistas, ou não ganharão prêmios e retrospectivas em festivais internacionais de cinema. A obrigação de atacar os EUA e Israel generalizou-se. Não que os EUA e Israel sejam inatacáveis, mas quando se atacam apenas EUA e Israel, e não se atacam os Estados que efetivamente suprimem liberdades civis, acobertam terroristas, doutrinam crianças, perseguem minorias, inferiorizam mulheres, etc. então não se trata de críticas exprimindo uma visão humanista, mas de difamações propagando uma visão desumana.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Holocausto para os íntimos


por Sheila Sacks


O ano de 2010 se iniciou com a divulgação de dados preocupantes para o Judaísmo. Uma pesquisa encomendada pela Agência Judaica mostrou que 2009 acumulou mais agressões antissemitas que qualquer outro ano desde o término da 2ª Guerra Mundial, em 1945. Agressões estimuladas, em sua maioria, pelo conflito em Gaza (janeiro de 2009). Em paralelo, a consulta também revelou um detalhe perturbador: 42% dos entrevistados responderam que os judeus fazem uso das lembranças terríveis do Holocausto para levar vantagem. Segundo a agência espanhola EFE, a percepção de que “ os judeus exploram as perseguições do passado para extorquir dinheiro” chega a 75% entre os espanhóis e poloneses participantes da enquete.

Vale lembrar que em 2001, em uma das raras pesquisas de campo sobre o antissemitismo no Brasil, constatou-se que 89% dos brasileiros nunca tinham ouvido falar em Holocausto; 32% nem sabiam que houve extermínio em massa dos judeus pelos nazistas durante a 2ª Grande Guerra; e somente 5% dos entrevistados conheciam o significado de Auschwitz, Dachau e Treblinka. Realizada pelo Ibope por solicitação do Comitê Judaico Americano (AJC), a mesma consulta ainda registrou que, apesar do desconhecimento geral sobre o assunto, 35% dos brasileiros entrevistados acreditavam que “os judeus estavam explorando a lembrança do extermínio de seu povo pelos nazistas para objetivos próprios” (contra 46% que discordaram dessa afirmação).

Diante dessas amostras fica claro que uma parte da humanidade deseja varrer para debaixo do tapete a mais hedionda matança planejada de todos os tempos. Para essas pessoas é um tema incômodo de se lidar porque expõe publicamente e de maneira cruel as fraquezas, limitações e dubiedades morais do ser humano em determinados acontecimentos. Melhor seria, pensam, que esse assunto se mantivesse restrito a quatro paredes, a colóquios íntimos, a estudos acadêmicos, homenagens privadas e...só.

Mas, contrariando essa sinuosa corrente que trabalha para desvirtuar e descaracterizar as ações em prol da lembrança do Holocausto, fortalecem-se a discussão pública, o empenho de compartilhar essa experiência escabrosa com as gerações contemporâneas e a vontade férrea de um povo no sentido de que jamais se instale e se repita uma anormalidade institucional desse calibre em qualquer nação de nosso planeta. Ações educativas e esclarecedoras prosseguem em todos os rincões onde o sopro da vida anima e encoraja, malgrado às resistências, as insinuações perversas e a irritação daqueles para quem a existência humana não vale um vintém.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Somos todos irmãos camaradas

por Sheila Sacks
publicado no site da Federação Israelita do Rio Grande do Sul

(Na foto, nosso irmão de Uganda trilha as linhas da Torá; rei em sua crença milenar, majestade em suas vestes de oração, comovente em suas gastas havaianas. Sob o céu da África, ele reza)


Em sua recente visita a Israel, a jornalista catalã Pilar Rahola voltou a fustigar a esquerda mundial que nesta década tornou-se o bastião das maledicências contra o estado de Israel. Convidada para integrar o 3º Fórum Global para Combate ao Antissemitismo, realizado em dezembro de 2009 em Jerusalém, a combativa defensora da causa judaica acusou a esquerda de destruir a civilização quando perdoa ou permanece calada diante das ideologias totalitárias das “ditaduras islâmicas”. Também culpou a esquerda de trair a modernidade ao se apaixonar por déspotas do porte do “islamofaciscta” Ahmadinejad e do “demagogo perigoso” Hugo Chávez, favorecendo ainda a cultura do ódio no momento em que “aplaude” os terroristas do Hamas.

A posição anti-Israel da esquerda ocidental é classificada por Rahola como uma imensa derrota moral de quem já foi paladino da liberdade e “das esperanças utópicas da sociedade”. Lembrando que coube à esquerda, durante muito tempo, “monopolizar o conceito de solidariedade e progresso”, ela estranha que não haja manifestações, em grandes cidades como Paris e Barcelona, “contra a escravidão de milhões de mulheres muçulmanas ou contra o uso de crianças-bomba nos conflitos onde o Islã está envolvido”.

Antigo ódio em nova roupagem

A essa derrota moral da esquerda, contaminada e encurralada pelos germes da intolerância, mentira e preconceito, somam-se outras derrotas importantes que desfavorecem o estado judeu e enfraquece as sociedades, segundo Rahola. Elas se localizam nas áreas da mídia (que informa mal), do pensamento crítico (banalização dos valores da civilização), da ONU (palco de ódio a Israel), da economia (dependência energética) e do próprio Islã, atacado internamente pelo fundamentalismo. Em suma, uma derrota generalizada das forças sociais, políticas, econômicas e religiosas que regem as civilizações.

Frente a esse cenário desolador de representações distorcidas produzidas ao longo dos primeiros dez anos do século 21, Israel sobrevive como um “órfão” na visão da jornalista. “O pensamento intelectual e o jornalismo internacional renunciaram a Israel”, lamenta Rahola. E põe o dedo na ferida - utilizando-se de uma lingüística crua, sem os disfarces habituais que a polidez social recomenda – ao evidenciar o estado judeu, nesse contexto de ruína moral, como a encarnação de “um pária de nação entre as nações, para um povo pária entre os povos.” O antigo ódio vestido de nova roupagem servindo-se do descaso e da falta de um efetivo comprometimento dos governos com os valores da liberdade e da cidadania.

Sentimento de exclusão se amplia

Ainda que ao final da exposição a palestrante conclamasse as pessoas a não serem omissas e a jamais permanecerem sentadas vendo o mal triunfar, a frase impactante da forma como foi dita dificilmente seria repetida por israelenses ou pensadores de ascendência judaica de qualquer matiz ideológico para classificar a posição política de Israel e a situação dos judeus no mundo. Acredito que o pudor, o constrangimento e um mínimo de amor-próprio os impediriam desse autoflagelo público, quase um haraquiri psicológico.

Mas, despida de tais complexos de exceções que ainda fustigam as biografias dos judeus da diáspora e já batem à porta dos israelenses, a perspicaz jornalista em uma única sentença decretou a falência moral da humanidade. Afinal, que valores regulam uma civilização que por mais de dois milênios tem se mostrado, sistematicamente, impiedosa e implacável com um determinado grupo minoritário formado por seres humanos em tudo semelhantes aos demais do planeta?

Mitos medievais sobrevivem

A fidelidade a uma religião ancestral e o respeito aos seus costumes e tradições fazem parte de um conjunto de princípios e padrões que tendem a moldar positivamente a identidade de cada um. E quem faz a sociedade melhor são justamente os cidadãos de bem, quaisquer que sejam os seus credos. Portanto, de certo ponto de vista pode parecer um tremendo non sense que leis precisem ser instituídas para impor as populações um comportamento público de tolerância e compreensão em relação a determinadas minorias formadas por pessoas de bem.

Essa lógica perversa e irracional que perdura e não parece dar sinais de arrefecer justifica o patético título da conferência de Rahola: Judeus de seis braços (em uma tradução bem cuidada de Irene Walda Heynemann). Ou seja, nós judeus ainda somos percebidos pela humanidade como aberrações, tais quais as mulheres-macaco, os irmãos siameses e os homens-elefante que habitavam os picadeiros dos circos medievais.

Uma pena. Afinal, com tantas mentes iluminadas em todos os campos do conhecimento ainda não fomos capazes de descobrir alguma fórmula para extirpar essa chaga medonha da face da humanidade. Mas, apesar disso e talvez por isso mesmo seremos mais irmãos e camaradas neste ano de 2010. Com os olhos e ouvidos atentos, a mente lúcida, as mãos estendidas. Acreditando na amizade, no abraço, na solidariedade e na capacidade das pessoas se entenderem e se amarem sejam quais forem os seus destinos e as suas crenças.