linha cinza

linha cinza

terça-feira, 4 de agosto de 2020

Os jardins dos mosteiros de Israel

Sheila Sacks / 

Reportagem recente publicada no jornal israelense Haaretz, um dos mais importantes do país, aborda um tema interessante e pouco conhecido no âmbito judaico. Trata-se dos jardins dos mosteiros cristãos em Israel. São mais de 50 construções na Terra Santa, geralmente instaladas antes da Independência, em 1948, cercadas por muros e normalmente acessíveis aos peregrinos e caravanas de turistas cristãos.

O jornalista israelense especializado em turismo, Moshe Gilad, conta que ficou impressionado pela beleza e cuidado desses jardins ao ler a publicação “God's Gardens in the Holy Land” (Jardins de Deus na Terra Santa), de seu compatriota Ami Zoran. O livro, escrito em hebraico, traz fotos belíssimas e textos explicativos de 42 jardins de monastérios, muitos localizados em Jerusalém e arredores, como na região de Latrun, distante 25 quilômetros.  Outros estão situados às margens do Mar da Galileia, no monte Tabor, na cidade de Haifa (norte de Israel), em Jaffa, perto de Tel Aviv, e no deserto da Judeia, no sul do país.

Os jardins e suas histórias

Encantado com o livro, o jornalista resolveu visitar um convento perto do sítio arqueológico de Emmaus ( também conhecido como Emmaus-Nicópolis), entre a cidade de Jerusalém e a capital Tel Aviv, que pertence a uma ordem monástica francesa. Ele descreve a calma e frescura do jardim, em meio ao verão que se anuncia, as belas palmeiras e árvores da espécie chinaberry (cinamomo) – cujas sementes são usadas para a confecção de rosários e terços -, os bancos de madeira e o lago ornamental de peixinhos rodeado por buganvílias e hibiscos. Apesar de estar somente a 20 minutos de carro de sua residência, Gilad confessa que até então, jamais teve curiosidade de visitar o lugar.

Palco da vitoriosa batalha dos Macabeus (rebeldes hebreus) contra o Império Selêucida, no século II antes da Era Comum, a região de Emmaus é citada no primeiro livro dos Macabeus (Sêfer Hachitsonim, em hebraico), que narra as guerras então travadas na Terra Santa contra os sírios que lutavam para impor a cultura e os deuses gregos ( A palavra Macabeu deriva do acrônimo “Quem é como Tu dentre os fortes, Ó D’us” - Mi camocha bae-lim Hashem, em hebraico).

Pesquisa pessoal

Por sua vez, Zoran diz que a obra é fruto de uma pesquisa pessoal e surgiu também de seu hobby pela fotografia. A reportagem destaca que cada um dos mosteiros, com seus respectivos jardins, estão acompanhados das histórias das instituições religiosas, inclusive com fotos antigas. Um exemplo é o jardim do mosteiro beneditino do povoadode Abu Ghosh, nos arredores de Jerusalém.

Ajudado por um consultor de botânica da Universidade de Haifa, o autor do livro enfatiza a botânica de cada jardim. No caso do mosteiro de Emmaus, a planta é a samambaia espada. Segundo Zoran, “essa planta, originária da região de florestas tropicais da América do Sul, aparece como um símbolo de modéstia e humildade, por esconder sua beleza em locais ocultos e sombreados”.

Passeios de fim de semana

Atualmente, muitos mosteiros mantêm casas de hospedagem e abrem os seus jardins por mais tempo para a visitação pública. Com a pandemia de Covid-19, o turismo cristão diminuiu bastante e os israelenses, por sua vez, estão descobrindo esses sítios que oferecem uma espécie de refúgio arborizado em meio a construções antigas e muito bem cuidadas. Em alguns deles, como o mosteiro salesiano de Beit Jamal (Casa da Beleza, em árabe), no sopé das Colinas da Judeia, as edificações, como a Igreja de Santo Estêvão, são rodeadas por campos de oliveiras e outras plantas nativas dessa região bíblica. Além de amplas instalações ao ar livre que permitem que os visitantes possam usufruir um dia especialmente agradável, as freiras católicas da instituição mantêm uma lojinha para a venda de artigos de cerâmica, vinho, azeite e azeitonas, frutos de seu trabalho e de seu sustento.

A beleza do mosteiro de Beit Jamal (Vila Gamla, pela tradição cristã) foi mostrada no jornal Israel Hayom (Israel Hoje), publicação israelense distribuída gratuitamente, e  também disponível na Internet. A autora,Anat Schneider, visitou o local no fim de semana e pode constatar a presença de muitas famílias israelenses aproveitando a beleza da paisagem e lanchando nas acomodações ao ar livre. Já no caminho para o mosteiro, ela descreve a sensação de estar adentrando a um cenário bíblico, ladeado de oliveiras e outras plantas típicas da região, como nos tempos dos grandes patriarcas, dos profetas e reis que habitavam essas terras.

Desde 1988, o convento que existe dentro dos muros do mosteiro de monges salesianos é atendido pela Ordem “Monjas de Belém”, de freiras católicas da França e da Bélgica que vivem uma vida monástica. Para a surpresa dos visitantes, os cânticos das freiras que se ouviam do lado de fora do convento eram entoados em hebraico.   

Igreja bizantina

A reportagem prossegue informando da tradição de que Santo Estêvão está enterrado nesse local. Existia uma igreja bizantina em sua homenagem, mas foi destruída na conquista persa em 614 da Era Comum. Uma nova igreja foi erguida em 1932, sobre as ruínas da antiga, e seu interior é formado por inúmeros vitrais com passagens da liturgia cristã. O complexo de Beit Jamal abriga um convento e o mosteiro, além das Igrejas das Irmãs de Belém e de Santo Estêvão.

Beit Jamal fica perto da cidade de Beit Shemesh, a 30 quilômetros a oeste da cidade de Jerusalém. A cidade é mencionada, pela primeira vez, no Livro de Josué (Sefer Yehoshua, em hebraico), situada nas terras da tribo de Judá. Posteriormente,  aparece no Livro de Samuel (Sefer Shmuel, em hebraico), ambos inseridos no Livro dos Profetas (Neviim, em hebraico).

Vinhos kasher

Seguindo pela estrada que liga Jerusalém a Tel Aviv, no vale Soreq, a oito quilômetros de Beit Shemesh, o mosteiro Deir Rafat (também conhecido como Santuário de Nossa Senhora Rainha da Palestina), fundado em 1927, abriga uma vinícola e é administrado por freiras católicas. O texto destaca que no teto da igreja a palavra Ave Maria está escrita em 280 línguas, inclusive em hebraico. Aqui as religiosas também fazem trabalhos artesanais de cerâmica, esculturas de arte sacra e doces aromáticos. Produzem queijo, vinho, azeite e azeitonas. A extensão e a beleza dos vinhedos, apresentadas em fotos, impressionam e são comparadas às vinhas da região italiana da Toscana.

Em relação à produção dos vinhos, um superintendente israelense garante a qualidade kasher, ou seja, que a fabricação seja feita de acordo com as leis judaicas bíblicas de alimentação. Dessa forma, até os judeus ortodoxos podem adquirir os vinhos da vinícola do mosteiro.

O vale Soreq, onde se situa Deir Rafar, é citado no Livro dos Juízes (Sefer Shoftim, em hebraico) como a terra da tribo de Dan, umas das 12 tribos de Israel, fronteiriça ao território dos filisteus e onde Sansão (Shimshon, em hebraico) se encontrou com Dalila pela primeira vez.

Mosteiro trapista

A 15 minutos de carro de Deir Rafat, também às margens da rota Jerusalém-Tel Aviv, no cume do Vale Ayalon, do outro lado do sítio de Emmaus, assume a visão do Mosteiro Latrun (o Monastério dos Monges Silenciosos), local onde Josué venceu as batalhas para a conquista da Terra Prometida, em 1273 antes da Era Comum. No livro de Josué - o primeiro livro dos Profetas -  conta-se que a vitória de Israel era iminente, mas anoitecia e Josué pediu ao Senhor para que o Sol permanecesse em Gibeon e a Lua no Vale de Ayalon. Assim, o exército de Josué pode concluir e vencer a batalha ainda à luz do dia.

Único mosteiro trapista em Israel, o prédio foi erguido em 1890 e inicialmente serviu como convento carmelita. Na 1ª Guerra Mundial (1914-1918), a construção foi tomada pelos turcos otomanos que expulsaram os monges franceses. Depois da guerra, o prédio ficou bastante danificado e com o terremoto ocorrido na região, em 1927, sofreu mais danos. Em 1929, o mosteiro foi finalmente reconstruído. Os monges vivem da agricultura e dos vinhedos, produzindo 250 mil garrafas de vinho por ano, 80% das quais são vendidas na loja local.

Mais livros

O jornalista Moshe Gilad, ao final de sua matéria, recomenda a leitura de mais duas obras que abordam com profundidade o passado dessas construções e de seus belos jardins: a primeira leva o título “Into a Locked Garden – Monasteries in the Land of Israel” (Dentro dos Jardins fechados – Monastérios na Terra de Israel, em tradução livre) e foi publicada, em 2005, pela historiadora e professora de Museologia, Nirit Shalev-Khalifa. PhD em História da Arte pela Universidade de Tel Aviv, a israelense Shalev-Khalifa é curadora de documentação visual e de exposições do Instituto Yad Ben Tzi, em Jerusalém, que promove o estudo da herança cultural das comunidades judaicas no Oriente e nos países muçulmanos. Sua tese de mestrado, apresentada em 2010, versou sobre os murais, mosaicos e pinturas das igrejas e monastérios católicos na Terra Santa, no período de 1917 a 1948 (‘The Mural Cycles  in the Catholic Churches and Monasteries of de Holy Land’).

A segunda publicação é mais recente, de 2015, assinada por David Rapp e com fotografias de Hanan Isachar, ambos israelenses e judeus. “Churches and Monasteries in the Holy Land” (Igrejas e Mosteiros na Terra Santa) é um guia que visa tornar as instituições cristãs de Israel mais acessíveis aos israelenses. Fruto de uma pesquisa que durou cinco anos, o livro de 288 páginas é magnificamente ilustrado e descreve os tesouros artísticos que se encontram nesses santuários. Rapp é mestre em História da Arte, autor de mais dois livros sobre o tema (‘Igrejas de Jerusalém’ e ‘A Igreja da Natividade em Belém’), e Isachar é um renomado fotógrafo que ilustrou várias publicações sobre Israel e as liturgias cristãs, como o álbum “Lumières de Silence” (Luzes do Silêncio), sobre os ofícios religiosos no Mosteiro de Beit Jemal.