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quarta-feira, 18 de julho de 2018

Os beduínos do Neguev e a marcha do ódio em Londres



não bastassem os conflitos com grupos terroristas e os embates com movimentos antissemitas como o BDS, Israel também precisa enfrentar distúrbios promovidos pelos beduínos no Neguev, no sul do país.
portando fuzis M-16, de fabricação americana, atirando para o alto de seus carros, na estrada que atravessa o deserto de Neguev, em comemoração a um casamento. A polícia israelense deteve os participantes para interrogatório por porte de armas ilegais e baderna.
forças israelenses realizaram uma operação policial na cidade beduína de Bir Hadag e apreenderam rifles e dois jipes roubados do Exército. Também prenderam dois beduínos acusados de vender armas roubadas de bases militares para um traficante de armas palestino na Cisjordânia.
Radicalização
Existem 210 mil beduínos árabes-israelenses vivendo no Neguev. Sua principal cidade é Rahat, com 70 mil habitantes. Entre 1968 e 1989, Israel construiu sete cidades voltadas para os beduínos, porém mais da metade deles vivem em dezenas de aldeias, sem infraestrutura, consideradas ilegais pelo governo israelense.
Embora representem pouco mais de 2% da população de Israel, os beduínos ocupam 10% das terras do país, lembrando que o deserto do Neguev corresponde a 60% do território israelense. Historicamente sem ideologias e geralmente hospitaleiros, nos últimos anos a ala jovem dos beduínos tem se radicalizado com a infiltração do Movimento Islâmico e com a cooptação de ONGs e de ativistas no incitamento por disputa de terras.
Para o pesquisador da cultura árabe da Universidade Bar-Ilan, Mordechai Kedar, a mentalidade beduína é totalmente diferente do modo de pensar do homem moderno e geralmente eles rejeitam qualquer tipo de imposição do Estado. Um exemplo é o que vem ocorrendo na aldeia Umm al-Hiran, considerada pela Suprema Corte de Israel instalada em área ilegal. Há mais de um ano o governo tem feito negociações para a relocação de seus habitantes que insistem em não acatar a decisão judicial.
 A marcha do ódio
No segundo domingo de junho, as ruas centrais de Londres foram tomadas por centenas de muçulmanos que em passeata empunharam as bandeiras do Hezbollah, a milícia terrorista xiita do Líbano financiada pelo Irã,  na manifestação anual do que eles chamam de “Quds Day” – Dia de Jerusalém ( Quds é o nome árabe de Jerusalém).

 A data, celebrada todos os anos na última sexta-feira do Ramadã, foi inventada pelo aiatolá Khomeini do Irã, em 1979, para incitar o ódio a Israel. Além dos países árabes, capitais europeias como Londres e Berlim, e cidades como Toronto, no Canadá, e Nova York, entre outras, abrigam essas marchas desde 2012. Manifestantes enrolados em bandeiras do Hezbollah pedem a “libertação” de Jerusalém, uma terceira intifada (revolta armada) e a destruição do estado de Israel.

Incitação à violência
 
É um festival de slogans antissemitas, gritos, xingamentos, gestos grosseiros, incitamento à violência e apoio a grupos terroristas, afirmam as federações judaicas do Reino Unido. Nos discursos são cometidos flagrantes delitos de incitação ao ódio racial e religioso.

Este ano a passeata na capital britânica foi alvo de protesto de manifestantes pró-Israel que levaram bandeiras de Israel para os arredores da marcha. “O Quds Day  tem origem no antissemitismo e, ao longo dos anos, o desfile em Londres tem se tornado cada vez mais agressivo, proclamando o seu apoio a organizações terroristas como o Hezbollah e o Hamas”, disseram.

Uma petição com mais de 8 mil assinaturas pedindo a proibição de bandeiras do Hezbollah foi ignorada pela prefeitura londrina, que permitiu a livre exibição do símbolo da organização terrorista na manifestação. “É inaceitável que bandeiras do Hezbollah sejam expostas no Reino Unido neste tipo de derramamento anual de ódio”, reagiu publicamente o “Community Security Trust” (CTS), uma instituição  que cuida da segurança e proteção da comunidade judaica local.
Em Berlim, a passeata ocorreu no sábado e uma bandeira do Hezbollah foi confiscada pela polícia.

quinta-feira, 5 de julho de 2018

O discurso inútil sobre Theresienstadt


Sheila Sacks /

 “Eis que há muito tempo fala-se sobre a terra e os três quartos do que se diz passam despercebidos” (Maurice Merleau-Ponty, filósofo)

Em 2013, um ciclo de conferências reuniu pensadores brasileiros e franceses em torno de uma proposta de análise dos vários aspectos e particularidades que envolvem o silêncio – assumido, deliberado e, em certa medida, transgressor -, frente à tagarelice exacerbada do mundo contemporâneo. Isso porque a modernidade vem impondo uma aceleração forçada ao tempo e com isso uma consequente prosa contumaz, superficial, eivada de obviedades e enganos.

Essa hiperatividade da linguagem “prosaica”, que no entendimento do francês Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) “limita-se a tocar, por signos convencionais, significações já instaladas na cultura” (A Prosa do Mundo/1963) tem sido estimulada até por conta do fenômeno da “tirania da visibilidade” (sou visto, logo existo), uma marca das sociedades globalizadas assentadas nas redes virtuais, no consumo dirigido, na descartabilidade e no efêmero. Hoje, praticar o silêncio tornou-se “out”.

Memórias-padrão

Mesmo assim, ainda que os ambientes de clonagens linguísticas e pensamentos triviais se multipliquem, o silêncio continua sendo um mecanismo de resistência ao alcance de qualquer pessoa e um item fundamental à maturação e à reflexão, duas coordenadas que balizam o tempo da razão, da criação e da arte.

No filme “Oblivion” (2013), o diretor e autor da HQ (história em quadrinhos) que inspirou a película, Joseph Kosinski, 44 anos, realiza um exercício futurista e apresenta um mundo pós-guerra nuclear onde clones com memórias idênticas são induzidos a acreditar em supostas verdades que se comprovam posteriormente falsas.

Uma drástica antevisão do porvir que tem a sua correspondência no mundo atual, com os seres humanos cada vez mais tendendo às memórias coletivas uniformes, oriundas das massivas mensagens dos chamados “dispositivos midiáticos”, compreendendo o termo dispositivo como qualquer mecanismo que seja capaz de governar a vida, conforme enunciado pelo filósofo italiano Giorgio Agamben, 76 anos, no livrete “O que é um dispositivo” (2006).

De mártires e heróis

Nessa maré de mesmice, a garimpagem de quem por dever de ofício segue o rastro da notícia se dá no pormenor, nas entrelinhas e até no não dito. As conexões se formam na aparente linguagem coloquial, distraída e inconsequente – as tais palavras ditas ao léu - que muitas vezes perversamente encobre uma verdade, difunde uma mentira ou confunde com manobras diversionistas.

Um bom exemplo desses discursos inúteis, de palavras vãs e frases roubadas de contextos extemporâneos é o que marca o personagem do documentário “O Último dos Injustos” (Le Dernier des Injustes), do cineasta francês Claude Lanzmann, falecido neste 5 de julho, aos 92 anos.

O filme, bastante festejado pelos críticos quando de sua pré-estreia no festival de Cannes, em maio de 2013,  foi indicado ao César 2014, o maior prêmio do cinema francês.

Figura central do filme de Lanzmann, o ex-rabino de Viena Benjamim Murmelstein (1905-1989), à época das filmagens, em 1975, com 70 anos, conversa animadamente com o cineasta, então com 50 anos, em uma rua de Roma, nas cenas finais do documentário.

Presidindo o conselho judaico do campo de concentração de Theresienstadt (Terezin, em tcheco, cidade a 62 quilômetros de Praga), na Tchecoslováquia, de fins de 1944 a meados de 1945, o entrevistado tinha entre as suas funções a de se reportar periodicamente ao planejador daquele suposto “gueto modelo” – uma farsa inominável -, o tenente-coronel das forças nazistas e responsável pela logística de extermínio de milhões de judeus, Adolf Eichmann (1906-1962). Lanzmann guardou por mais de quarenta anos a entrevista, omitindo-a do longo documentário “Shoah”, exibido em 1985, alegando que na ocasião o contexto era outro.

No bate-papo em questão, em determinado momento o austríaco Mumelstein cita uma frase do prêmio Nobel de Literatura, Isaac Bashevis Singer (1902-1991): “Fomos todos mártires, mas nem todos os mártires foram santos”, diz ele em flagrante intuito de legitimar para a posteridade o seu polêmico comportamento durante a Shoah,  replicando a citação que, da forma como é apresentada, suscitaria dúvidas também quanto à conduta daqueles que, como ele, sobreviveram aos campos da morte.

O campo de Theresienstadt funcionou de 1941 a 1945, e aproximadamente 140 mil judeus europeus passaram por esse “gueto murado”, sendo que 33 mil morreram no local devido as péssimas condições existentes e 88 mil foram deportados e mortos em Auschwitz e Treblinka. Quinze mil crianças também viviam no gueto e menos de cem foram encontradas quando da libertação do campo. No todo, pouco mais de 17 mil prisioneiros escaparam com vida. Segundo o historiador e filósofo Gershom Scholem (1897-1982) os sobreviventes de Theresienstdt consideravam Mumelstein um traidor que merecia ser enforcado.

A escolha de cada um

Em contraponto a esse enganoso colóquio romano entre o elogiado cineasta e o “ex-representante” do campo de concentração nazista, 
registre-se uma outra conversa, quarenta anos depois, desta vez reunindo dois policiais, individualistas e sem apego às regras, no interior de uma carro em movimento no estado americano da Virgínia. A cena inserida no capítulo final da primeira temporada da série de TV “True Detective” (uma criação do roteirista Nic Pizzolatto), foi acompanhada por mais de 3,5 milhões de espectadores em uma noite invernal de 2014.

Rememorando o passado e os fatos que impactaram negativamente as suas vidas pessoais e profissionais ao longo de mais de duas décadas de parceria na polícia, o detetive Rust Cohle, personagem de Matthew McConaughey, é incisivo na sua afirmação ao colega Marty (Woody Harrelson) acerca das responsabilidades e das consequencias das ações de ambos. Ele diz de forma peremptória ao companheiro: “Todos têm uma escolha, Marty. Todos têm uma escolha.”

Enfim, o personagem central do “Último dos Injustos” teve sim uma escolha e a exerceu. Mas, diferente do detetive Cohle - que não procurou se justificar ou se poupar-, Mumelstein usou da arrogância para fundamentar a sua defesa. Maculou a frase de Singer no ilusório afã de se pôr a salvo do julgamento da história. 

Melhor faria se optasse pelo pudor do silêncio já que “as palavras sabem de nós aquilo que ignoramos delas”, como bem assinalou o poeta René Char (1907-1988), figura chave da moderna literatura francesa e herói da resistência armada contra os nazistas.


Texto atualizado e escrito originalmente em 2014