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quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Em Roma, uma sinagoga entre catedrais (a história de um atentado)

por Sheila Sacks

“Há mais de 900 igrejas cristãs em Roma, maiores e menores, católicas e protestantes” (‘The Churches of Rome: Major and Minor’, de Stuardt Clarke/2012).

Em 2004, por ocasião dos festejos do centenário do grande templo de Roma, o papa João Paulo II (1920-2005) enviou uma carinhosa mensagem à comunidade judaica romana, a mais antiga da Europa Ocidental, lembrando a presença milenar dos judeus naquela cidade, que remonta ao século 1 antes da Era Comum. Endereçada ao rabino-chefe de Roma, Riccardo Di Segni, o papa destacou “o profundo laço que une a Igreja com a Sinagoga”, lembrando que ambas as religiões “compartilham, em grande parte, das Escrituras Sagradas, da liturgia e de antiquíssimas expressões artísticas.”

No documento, publicado pelo site católico “Zenit”, João Paulo II se dirige aos judeus de Roma como seus “irmãos prediletos” na fé de Abraão, o patriarca, fazendo referência às figuras bíblicas de Isaac, Jacob, Sara, Rebeca, Raquel e Lia. “Veja como é bom, como é agradável os irmãos conviverem juntos – “Hineh ma tov uma na’im shevet achim gam yachad” (Salmo 133), assinala o pontífice em hebraico. Mais adiante, ele acrescenta que “o majestoso Templo Maior, na harmonia de suas linhas arquitetônicas, eleva-se há 100 anos sobre as margens do rio Tiber como testemunho de fé e de louvor ao Onipotente”.

Construída entre 1901 e 1904, a grande Sinagoga de Roma está instalada no antigo gueto judaico, na Via Catalana, ao lado do pitoresco bairro de Trastevere, e foi concebida pelos arquitetos Vicenzo Costa e Osvaldo Armanni. Faz parte do seleto grupo das 25 mais belas sinagogas do mundo, segundo a revista americana “Complex”, especializada em design e estilo.

Terror ataca

A relação entre João Paulo II e a sinagoga de Roma pontuou de forma singular e dramática a história do século 20. Em 1986, o sumo pontífice tomou a iniciativa de atravessar os portões do templo tornando-se o primeiro papa em quase dois mil anos a visitar uma sinagoga e chamar os judeus de “nossos amados irmãos mais velhos”.  Pondo de lado o protocolo, João Paulo II deu um abraço emocionado no então rabino-chefe Elio Toaff (atualmente com 99 anos), falando aos presentes, por várias vezes, em hebraico.  

A emblemática visita do papa funcionou como uma espécie de contraponto à tragédia que se abateu sobre a comunidade judaica de Roma, quatro anos antes, a mais chocante desde a Shoah (a palavra hebraica para o holocausto, significando calamidade), quando 1.259 judeus romanos foram deportados em trens pelas forças nazistas (em 16 de outubro de 1943) para as câmaras de morte de Auschwitz. A essa ferida jamais cicatrizada veio se juntar mais uma, desta vez representada pelo horrendo atentado terrorista que atingiu a sinagoga, em 9 de outubro de 1982, matando um menino de dois anos, Stefano Gay Taché, e deixando mais de três dezenas de feridos, muitos deles com gravidade.

Na ocasião, a imprensa relatou o banho de sangue que marcou aquela manhã de sábado, quando se realizavam as rezas do ”shabat” e se comemorava o término de “Sucot” (a festa das cabanas que lembra as tendas usadas pelos hebreus nos 40 anos que vagaram pelo deserto de Sinai, depois do êxodo do Egito). O “Diário ABC”, da Espanha, publicou na primeira página: “O templo estava repleto de crianças e adolescentes para uma benção especial naquele sábado. Pouco antes do meio-dia, dois homens se acercaram de uma das entradas da sinagoga e renderam o segurança. Eles entraram na sinagoga portando cinco granadas, conseguindo explodir duas. As pessoas começavam a sair naquele momento. Os terroristas sacaram de suas mochilas metralhadoras e iniciaram o tiroteio. Outros dois terroristas se uniram aos primeiros para completar a carnificina. Terminada a operação, abandonaram o lugar em dois automóveis”.

Sem punições



Em 2012, ao se completarem 30 anos da tragédia, o líder da comunidade judaica de Roma, Riccardo Pacifici, manifestou o seu desapontamento ao presidente Giorgio Napolitano, visto que o atentado, transcorrido tanto tempo, não tinha sido esclarecido e nem os culpados punidos. “Por que naquele dia, e somente naquele dia, não havia presença policial em frente à sinagoga?”, perguntou Pacifici em sua missiva ao presidente. 

Semanas antes do atentado, o rabino Toaff tinha protocolado uma solicitação ao Ministério do Interior para que reforçasse a segurança em torno da sinagoga durante os feriados judaicos de Rosh Hashaná (ano novo), Yom Kipur (dia do perdão) e Sucot, que acontecem em sequência, nos meses de setembro e outubro. Mas, o pedido não foi considerado, apesar do clima de antissemitismo reinante no país, estimulado principalmente pela imprensa e políticos que criticavam o governo de Israel pelo conflito com militantes da OLP no sul do Líbano.

A presença e o acolhimento em Roma do líder da OLP, Yasser Arafat (1929-2004), também estimulou os simpatizantes da causa palestina a se sentirem mais à vontade para atacar alvos judaicos, o que já havia ocorrido em junho daquele ano, com sindicalistas arremessando um caixão na frente da sinagoga.  Recebido como chefe de estado pelo então presidente Sandro Pertini (1896-1990), na residência oficial de Quirinal, Arafat teve igualmente um encontro no Vaticano com o papa João Paulo II em 15 de setembro, três dias antes das comemorações do Rosh Hashaná.

Ambiente hostil

No livro “Attentato alla sinagoga”, lançado em 2013, os autores Arturo Marzano, pesquisador do Departamento de História e Civilização do Instituto Universitário Europeu de Florença, e Guri Schwarz, professor assistente do Departamento de História da Universidade da Califórnia (UCLA), buscam os antecedentes políticos, sociais e históricos que estariam na raiz do ataque terrorista ao templo de Roma, concluindo que o conflito israelense-palestino foi o pivô da tragédia. Para os autores, a Guerra dos Seis Dias, em 1967, que resultou na fuga de milhares de palestinos para a Jordânia, Líbano, Síria e outros países fronteiriços, repercutiu negativamente de forma evolutiva contra Israel ao longo de duas décadas, atingindo os judeus da Diáspora.

Marzano e Schwarz também destacam o papel da imprensa italiana de esquerda que, em 1982, censurava sistematicamente as ações das forças de defesa de Israel instaladas no Líbano (cujo objetivo era impedir os ataques contínuos dos grupos da OLP contra o território israelense). O episódio nos campos de refugiados de Sabra e Shatila, em setembro daquele ano, quando cristãos maronitas libaneses mataram centenas de palestinos em represália ao assassinato do presidente eleito do país, Bashir Gemayel, morto em um atentado com carro-bomba que vitimou 26 pessoas, radicalizou ainda mais os discursos contra Israel que ocupava militarmente a área.

“Ecos dessas tensões contaminaram a sociedade civil”, avaliam os pesquisadores. “O maestro Daniel Oren (nascido em Israel e atual diretor do Teatro Municipal Guiseppe Verdi, em Salerno) foi insultado enquanto regia um concerto no Teatro San Carlo, em Nápoles; em Turim, um jovem foi surrado porque usava um colar com a estrela de David; e em 1º de outubro, uma bomba explodiu no escritório da comunidade judaica de Milão”. Em paralelo, um grupo de intelectuais judeus, tendo à frente o escritor e sobrevivente de Auschwitz, Primo Levi (1919-1987) – laureado em 1979 com o mais prestigioso prêmio literário da Itália (Premio Strega) pelo livro “A Chave Estrela” - assina um manifesto a favor da retirada de Israel do Líbano, gerando um profundo mal estar entre a comunidade judaica composta de 35 mil membros, a metade residente em Roma.

Comentando a obra de Marzano e Schwarz para o diário “Il Foglio”, o escritor e jornalista Guilio Meotti classificou o trabalho como uma “viagem sobre a desumanização de Israel” empreendida por jornalistas e intelectuais no período que antecedeu o atentado. No artigo intitulado “Pogrom Italiano” (25.05.2013), Meotti, que é o autor de “A New Shoah” (Um Novo Holocausto), um livro que conta as histórias pessoais de israelenses vítimas do terrorismo na Terra Santa, cita as palavras do psicanalista Antonio Semi, membro da Societá Psicoanalitica Italiana (SPI), estampadas na primeira página do jornal “Il Gazzettino”, de Veneza, logo após o ataque: “Se eu fosse judeu nos dias de hoje, na nossa Europa civilizada, eu teria medo.”

Reações iniciais


Também o renomado arquiteto Bruno Zevi (1918-2000), autor do projeto do pavilhão da Itália na exposição de Montreal em 1967 (Expo 67) - a maior feira mundial do século 20 -, foi a Câmara Municipal de Roma para tornar pública a revolta e a indignação que tomaram de assalto a comunidade judaica. Corajosamente, ele desautorizou a mídia na sua tentativa de se solidarizar com os judeus, usando o subterfúgio de dissociar o judaísmo do antissionismo. “Não vamos aceitar uma distinção maniqueísta entre judeus e israelenses. Nós pertencemos ao povo de Israel que inclui as comunidades espalhadas em todas as partes do mundo, começando com a mais antiga, a de Roma, e aquelas que retornaram à terra de seus antepassados.”

Professor universitário e autor de vários livros sobre arquitetura, Zevi foi um político atuante, eleito deputado para o parlamento de Roma (1987-1992). Precedendo seu discurso, publicado na íntegra pelo diário conservador “Il Tempo”, a juventude judaica lançou um duro manifesto acusando frontalmente a imprensa (inclusive citando ‘Il Corriere della Sera’, o jornal de maior circulação do país), o presidente da Itália, Sandro Pertini (1896-1990), e até João Paulo II, que abriu as portas do Vaticano para receber o líder de um movimento que agrupava terroristas (ao todo o papa se encontrou 12 vezes com Arafat).

O empresário Dario Coen era estudante na época e encabeçou o movimento. O folheto se iniciava ironicamente com a palavra “Grazie” (obrigado), em alusão à sistemática campanha dos principais jornais do país contra o estado de Israel, e a anuência de políticos e personalidades públicas a esse cenário de hostilidade. O manifesto destacava que Pertini e o ex-primeiro ministro Guilio Andreotti (1919-2013) receberam Arafat nas residenciais oficiais com honras de chefe de estado, uma afronta para os judeus italianos. E concluía, de forma peremptória: “Não precisamos de palavras de compaixão.”

Fuga e Impunidade

Mas, a indignação com o atentado sensibilizou toda a Itália e o então representante da OLP no país, Nemer Hammad (atualmente conselheiro político de Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestina - ANP) se apressou em negar qualquer ligação com o ataque terrorista. Porém, as investigações policiais apontaram para a organização terrorista “Junho Negro” comandada por Abu Nidal (1937-2002), uma facção radical da OLP. Os retratos-falados dos terroristas permitiram assegurar que pelo menos um dos atiradores, o palestino Abdel Osama al-Zomar, era conhecido pelas polícias dos países europeus como integrante do movimento Fatah-Conselho Revolucionário (Fatah-CR), de Nidal. Também o depoimento da namorada italiana de al-Zomar reforçou esse envolvimento.

Preso no norte da Grécia, ainda em 1982, quando dirigia um carro repleto de explosivos em direção à Turquia, al-Zomar passou 40 meses na prisão cumprindo pena por esse delito e também por esconder uma arma em sua cela. Em 1988, o governo grego autorizou a deportação do terrorista para a Líbia do ditador Muamar Kadafi (1942-2011), apesar de o governo italiano ter pedido a extradição do terrorista, três anos antes. Condenado à prisão perpétua na Itália, a Grécia quebrou o acordo de entregá-lo à polícia italiana e expulsou al-Zomar para “um país de sua escolha”, segundo as notícias da época. O terrorista, então com 27 anos, desapareceu na Líbia e até os dias atuais seu paradeiro é desconhecido.

Em entrevista ao “Corriere Della Sera”, em outubro de 2011, Gadiel Taché, de 33 anos, irmão do pequeno Stefano, morto no atentado à sinagoga, lamentava o pouco empenho demonstrado todos esses anos pelo governo italiano no sentido de exigir de Kadafi a extradição do terrorista e de outros membros do grupo. Ele, que ficou gravemente ferido no ataque, dizia esperar que com a morte do ditador líbio ocorrida naquele mês, as autoridades italianas intensificassem a petição junto ao novo governo de Trípoli e reconhecessem oficialmente o irmão como uma vítima do terrorismo e “parte da consciência histórica da Itália” (em 9 de maio de 2012, o presidente Giorgio Napolitano incluiu Stefano nessa categoria).

Revelações

Grades e guaritas cercam
a sinagoga de Roma
Quatro anos antes, em 2008, as declarações de um ex-presidente já tinham provocado perplexidade na comunidade judaica porque o político denunciou a existência de um compromisso extra-oficial entre o governo italiano e a OLP, nas décadas de 1970 e 1980, no sentido de preservar o país de ataques terroristas. Em troca, a Itália não interferiria em assuntos palestinos, fechando os olhos para as atividades da organização no país. Na entrevista, publicada pelo diário israelense “Yedioth Ahronoth”, em 03 de outubro de 2008, Francesco Cossiga (1928-2010), que presidiu a Itália de 1985 a 1992, falou ao correspondente Menachem Gantz sobre esse pacto conhecido como “Acordo Moro”, em alusão ao político Aldo Moro (líder do partido democrata cristão, cinco vezes primeiro-ministro e assassinado em 1978), figura central responsável pelo trato.

O “Acordo Moro” também foi reconhecido por Bassam Abu Sharif, assessor particular de Arafat e atual porta-voz de imprensa da OLP, em reportagem do “Corriere della Sera”, em agosto de 2008. Apelidado de “o rosto do terror” pela revista americana “Time”, Sharif era membro da Frente para Libertação da Palestina (FPL) e foi responsável por uma série de sequestros de aviões de passageiros em aeroportos europeus, nos anos 1970. Ele contou que as organizações palestinas operavam livremente em território italiano e por sua vez não atacavam alvos nacionais na Itália e fora do país, desde que não cooperassem com o estado de Israel.

O “acordo”, porém, não abrangia os judeus italianos e nem os alvos judaicos na Itália. Francesco Cossiga, que faleceu dois anos após a entrevista, acreditava que a política de preservar a Itália de ataques terroristas ainda continuava valendo. “A Itália tem um acordo com o Hezbollah”, afirmou o ex-presidente ao jornal, “e a UNIFIL (sigla em inglês para as ‘Forças Interinas das Nações Unidas no Líbano’ que atuam na região) fecha os olhos ao processo de rearmamento do grupo, desde que não sejam realizados ataques contra os seus contingentes”. O Hezbollah é uma organização islâmica extremista que age no Líbano, catalogada como terrorista pelos Estados Unidos e países europeus. Mantém estreita ligação com o Irã e a Síria e prega a eliminação do estado de Israel.

Ecumenismo e memória

Voltando ao papa João Paulo II, em 25 de janeiro de 1983, com a comunidade judaica ainda traumatizada pela tragédia na sinagoga, ocorrida três meses antes, João Paulo II promulga um novo Código Canônico que entre os seus itens mais importantes destaca o esforço que a Igreja deve consagrar ao ecumenismo. Documento especial enviado a Diocese de Roma orientava para que os sermões não contivessem “qualquer forma ou vestígio de antissemitismo”, recomendando também “uma redescoberta das nossas raízes judaicas”.

Anteriormente, João Paulo II já havia se reunido com delegados das conferências episcopais para normatizar as aulas de catolicismo, chamando a atenção para o comportamento a ser adotado. “Seria necessário conseguir que este ensino nos diferentes níveis de formação religiosa, na catequese dada às crianças e adolescentes, apresentasse os judeus e o judaísmo, não somente de maneira honesta e objetiva, sem nenhum preconceito e sem ofender ninguém, mas também, e mais ainda, com uma viva consciência da herança comum a judeus e cristãos” (Roma, 6 de março de 1982).

Quinze anos depois, com 78 anos, o papa faz uma espécie de mea-culpa, em nome da Igreja, publicando o documento intitulado “Nos Lembramos: Uma reflexão sobre a Shoah” (1998). Ele admite que a perseguição do nazismo contra os judeus pode ter sido facilitada por preconceitos antijudaicos presentes nas mentes e nos corações dos cristãos. João Paulo escreve: “No termo deste milênio, a Igreja católica deseja exprimir a sua profunda tristeza pela faltas dos seus filhos e das suas filhas em todas as épocas.” E prossegue: “A inumanidade com que os judeus foram perseguidos e massacrados neste século supera a capacidade de expressão das palavras. E tudo isto lhes foi feito só porque eram judeus.” Também reconhece o preconceito arraigado que se estende pelos séculos. “Em tempos de crise como carestias, guerras e pestes ou de tensões sociais, a minoria judaica foi muitas vezes tomada como bode expiatório, tornando-se assim vítima de violências, saques e até mesmo massacres.”

O documenta ressalta o “dever da memória” e conclama para um “futuro comum” entre judeus e cristãos. “Pedimos que a nossa tristeza pelas tragédias que o povo judaico sofreu no nosso século leve a novas relações com esse povo. Desejamos transformar a consciência dos pecados do passado em firme empenho por um novo futuro, no qual já não haja sentimento antijudaico entre os cristãos, nem sentimento anticristão entre os judeus, mas sim um respeito recíproco compartilhado, como convém àqueles que adoram o único Criador e Senhor e têm um comum pai na fé, Abraão.”

Vale lembrar que João Paulo II também foi vítima de um atentado terrorista na Praça de São Pedro, no Vaticano, em 13 de maio de 1981. O turco Mehmed Ali Agca atirou três vezes contra o sumo pontífice em meio à multidão que estava no local para saudar o primeiro papa polonês da história (teses conspiratórias surgiram ao longo do tempo envolvendo países do bloco soviético descontentes com a posição do papa favorável aos sindicalistas do movimento polonês “Solidariedade”, do líder Lech Walesa).

Sensação de medo

Desde 1984, e após 16 séculos, a Itália se tornou um estado de pluralismo religioso com o acordo entre a Santa Sé e a república italiana que aboliu o privilégio de o catolicismo ser uma “religião de Estado”. Com a instituição da liberdade religiosa, presente na Constituição, italianos e imigrantes de todos os credos ganharam mais segurança para praticarem a sua fé (atualmente a Itália abriga 1,5 milhão de muçulmanos). Entretanto, no caso específico da pequena comunidade judaica, qualquer visitante mais atento pode notar o temor e a insegurança que seus membros ainda sentem em relação à grande sinagoga de Roma.

Foi o que percebi ao me aproximar de uma família no antigo bairro judeu de Roma. A relutância em indicar a localização do templo e os olhares desconfiados dirigidos à sacola que eu portava, não deixavam dúvidas. No prédio, guardado por duas guaritas, o ingresso somente é autorizado após uma minuciosa revista. Enfim, uma sensação de medo que sobrevive à tragédia de 1982, resistindo ao tempo em sua inquietude por uma justiça que, efetivamente, não se concretizou.

Gadiel Taché, que viveu o pesadelo de perder o irmão e sofrer mais de trinta cirurgias, lamenta que um véu de silêncio ambíguo e estranho ainda acoberte o episódio. Anualmente, a comunidade judaica relembra a data fatídica e clama por esclarecimentos e a prisão dos envolvidos. Ao escolher um sábado, o “shabat”, o dia mais santificado da semana (‘Santificar o Shabat’ ou ‘Shamor et Yom HaShabat’, como determina o 4º mandamento), os terroristas premeditaram uma ação visando atingir uma simbologia sagrada e um grande número de fiéis. Porque como preceituava o rabino e teólogo Abraham Heschel (1907-1972), que perdeu a família na “Shoah”, os sábados são as catedrais do povo judaico.

E explicava a razão: “Durante os seis dias da semana, vivemos sob a tirania das coisas do espaço. O sábado nos coloca em sintonia com a santidade do tempo. Neste dia somos chamados a participar no que é eterno no tempo, a nos voltar dos resultados da criação para o mistério da criação, do mundo da criação para a criação do mundo.”

O sábado das orações e das bênçãos que, lamentavelmente, naquela manhã outonal, não ecoaram em toda a sua glória nos céus de Roma.