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quarta-feira, 26 de maio de 2021

A identidade oculta de Cristóvão Colombo ou a história não oficial do descobridor do novo mundo

 / Sheila Sacks /

A pequena Vila de Cuba, situada na região de Alentejo, no sul de Portugal, pode guardar um segredo que ainda permanece submerso e parece estar longe de ser desvendado. Em meio a muita polêmica e até pesquisas de DNA de possíveis descendentes, passados mais de 500 anos da morte de Cristóvão Colombo, o mistério de sua origem continua. Para inúmeros historiadores portugueses, este pacato povoado de pouco mais de 3 mil habitantes, a 200 quilômetros de Lisboa, é o verdadeiro berço natal do descobridor das Américas.

O engenheiro Carlos Calado, presidente do Núcleo dos Amigos da Cuba (NAC) e da Associação Cristóvan Colon (ACC), defende a tese de que o navegante que ficou conhecido na história pelo nome de Colombo, era na realidade o português Salvador Fernandes Zarco, natural da Vila de Cuba – povoado cujas origens remontam ao século 13 - e que usava o pseudônimo de Cristóvão Colon. Essa certeza é tamanha que a Câmara Municipal local já registrou o navegador no seu panteão de notáveis e inaugurou, em 28 de outubro de 2006, o primeiro monumento em território português homenageando o grande almirante.

A estátua de bronze pesando mais de uma tonelada e com 2 metros e meio de altura foi instalada na praça principal, em frente ao Palácio da Justiça. Com a concordância de inúmeros historiadores portugueses que há anos se dedicam às pesquisas sobre Colombo dito e consagrado como genovês pela história oficial. A data confere com a descoberta da ilha de Cuba, em 1492, depois de sua chegada às Antilhas. Assim não seria por mero acaso o fato das primeiras ilhas em continente americano serem batizadas por Colombo de San Salvador (o verdadeiro nome do descobridor) e Cuba, sua terra natal.

Uma história não oficial

Dois anos antes da inauguração do monumento, atendendo ao convite do centro cultural da cidade, uma dupla de ilustres pesquisadores visitou a pequena Vila de Cuba, que abriu seu único teatro para um sarau muito especial. Lá estavam o médico e historiador português radicado nos Estados Unidos, dr. Manuel Luciano da Silva (fundador da Federação Luso-Americana e membro da Sociedade de Geografia de Lisboa), e o pesquisador Mascarenhas Barreto, autor do best seller "Cristóvão Colombo, Agente Secreto do Rei Dom João I" (1988). Eles apresentaram um resumo de seus trabalhos sobre o que é hoje popularmente noticiado como o Enigma Colombo. Em comum, a convicção da origem luso-judaica do descobridor do continente americano.

De acordo com Mascarenhas Barreto, Colombo trabalhava secretamente a favor do rei de Portugal, D.João II, quando foi a Castela no intuito de convencer a rainha da Espanha, Isabel, a financiar a sua expedição rumo às Índias, seguindo na direção do oeste ou pelo lado ocidental do Atlântico. O plano do soberano português era afastar os espanhóis das caravelas portuguesas e das rotas descobertas por Portugal que procuravam alcançar a Ásia através do Atlântico, pelo litoral africano. Tempos depois, já no reinado de D. Manuel I, essa alternativa se mostrou vitoriosa com Vasco da Gama que em 1498 alcançou o porto indiano de Calecute, estabelecendo pela primeira vez o caminho marítimo para as Índias.

Autor de “Columbus was 100% Portuguese” (1987), escrito originalmente em inglês e traduzido para a língua portuguesa somente 20 anos depois, o historiador Manuel da Silva conta que quando realizou a sua pesquisa na Biblioteca do Vaticano, em Roma, encontrou documentos relacionados com a descoberta da América em que aparece o nome de Colombo grafado em português antigo: Cristofõm Colon. “Devemos esclarecer”, alerta o pesquisador, “que o navegador fabricou o nome de Cristóvão Colon porque o seu nome verdadeiro era Salvador Fernandes Zarco".

A família Zarco

Mas, nacionalidades à parte, de onde viria o sobrenome Zarco, indaga o historiador, para responder em seguida: “Da mãe, Isabel Gonçalves Zarco, filha do navegador João Gonçalves Zarco, descobridor da Ilha da Madeira (1418), judeu sefaradita (originário da Península Ibérica), nascido na cidade de Tomar, onde ainda existe a sinagoga d’Arco ou do Zarco.”

Fruto de um amor proibido, já que o pai de Colombo era o Infante D. Fernando, Duque de Beja, irmão do rei D. Afonso V, Isabel Zarco foi dar à luz na Vila de Cuba (Colba, em português antigo e que significa ‘torre’), uma aldeia que ficava a 18 quilômetros ao norte do distrito de Beja. Alguns anos depois, Colombo foi levado pela mãe para a Ilha da Madeira, onde esta se casou com um nobre português. Quanto a Colombo, sua primeira esposa, Filipa Moniz de Perestrelo, filha do governador da ilha, também era de ascendência sefaradita.

Abrindo um pequeno parêntese, observamos que cinco séculos depois desse intrincado enredo familiar, onde se misturam nobres e os chamados cristãos-novos (judeus convertidos à força pela Inquisição), um outro Zarco, igualmente judeu e português, surge em cena, agora como o personagem do festejado livro “O Último Cabalista de Lisboa”(1996). 

O autor Richard Zimler, judeu norte-americano naturalizado português e radicado na cidade do Porto, revive os horrores de uma Lisboa de 1506 – data da morte de Colombo – assolada pela peste e pelo terrível pogrom (palavra russa para designar um ataque violento a pessoas, casas e lojas) que levou centenas de judeus às fogueiras. No centro da trama, o jovem Berequias Zarco, a cujo manuscrito datado de 1507 Zimler teve acesso quando de sua estadia em Istambul. Anos depois, Zymler retoma a saga da família Zarco nos livros “Meia-Noite ou o Princípio do Mundo” (2003), contando a história de John Zarco Stewart, e “Goa ou o Guardião da Aurora” (2005), onde o protagonista é Tiago Zarco.

Uma outra observação diz respeito à cidade de Tomar (no centro do país, a 140 quilômetros ao norte de Lisboa), onde nasceu o avô materno de Colombo, João Gonçalves Zarco. Conhecida como a Cidade dos Templários - porque as suas terras foram doadas à Ordem do Templo em 1159, que ali ergueram a sua sede - , especulações não faltam sobre o possível envolvimento de familiares de Colombo com os seguidores da Ordem e a participação de seus integrantes nos Descobrimentos. Em uma das cartas enviadas por Colombo à rainha Isabel, ele demonstra essa visão templária e profética ao anunciar que através das explorações marítimas seria possível libertar a cidade santa de Jerusalém do domínio do Islã, restaurar o Templo de Salomão e combater os muçulmanos na África e no Oriente.

Vale lembrar, que o templários foram o braço armado da Igreja e a conquista de Jerusalém pelos Cruzados ocorreu em 1099 e se estendeu até 1187. Em 1312, a Ordem dos Templários foi extinta pela mesma Igreja que a criou, com a alegação de que seus integrantes se afastaram dos dogmas do catolicismo. Perseguidos e levados à fogueira, os cavaleiros templários se dissolveram, muitos deles sendo absorvidos por ordens religiosas secretas. Na época de Colombo, Jerusalém estava sob o domínio árabe e assim permaneceu até 1917, quando passou para o mandato britânico.

Um detalhe que também aguça a curiosidade dos pesquisadores é a assinatura criptografada adotada por Colombo. Mascarenhas Barreto chegou a estudar por mais de 10 anos a Cabalá hebraica (tradição mística do Judaísmo) no intuito de decifrá-la.

Curiosamente, um descendente da família Zarco se fez presente na solenidade de inauguração do monumento a Colombo, na Vila de Cuba, alegando ser parente do navegador. Residindo em Lisboa, Henrique Zarco, acompanhado da esposa e filha, revelou que Cristóvão Colon era neto de seu 20° avô, João Gonçalves. “Somos parentes do lado da família de minha mãe”, afirmou. Ao jornal português Correio da Manhã, que reportou o evento, Zarco conclamou Portugal a lutar por esta verdade e mudar o curso da história.

Letras hebraicas

Mas, voltando às pesquisas do dr. Manuel da Silva, outro fato importante sobre a origem de Colombo apontado pelo historiador está contido nas 12 últimas cartas que o navegador escreveu para o filho Diogo Colon, em 1504. No alto das páginas, as duas letras iniciais da frase hebraica Baruch Hashem (B”H), Bendito seja D'us, não deixam dúvidas quanto a sua ascendência judaica. A descoberta foi feita por Simon Wiesenthal, em 1973, assinala dr. Silva. 

Conhecido como o caçador de nazistas pela sua busca incansável pelos genocidas remanescentes do III Reich, Wiesenthal também chama a atenção em seu livro “A missão secreta de Cristóvão Colombo: Velas da Esperança” sobre a data da partida da frota para as Índias: 03 de agosto. Na véspera expirava o prazo de expulsão dos judeus do território espanhol , segundo o decreto dos reis Fernando e Isabel. E, coincidentemente, Colombo exigiu que a tripulação estivesse a bordo antes da meia-noite do fatídico 02 de agosto de 1492. Entre os convocados estavam 40 “genoveses”, uma expressão que designava os judeus clandestinos que se refugiaram na Península Ibérica, um século antes, após sofrerem perseguições em Gênova.

Todas essas revelações surgidas nos últimos anos em decorrência de exaustivas investigações históricas têm provocado controvérsias apaixonadas e estimulado a aparição de textos considerados fantasiosos, apesar de muitos deles serem fruto de um profundo trabalho de pesquisa. 

No livro “Cólon, El Almirante sin Rostro” (2005), o escritor espanhol Mariano Fernandez Urresti reafirma que Colombo ainda é um perfeito enigma histórico. “Não se conhece o lugar onde ele nasceu, nem tampouco o lugar em que foi enterrado. Em 2003, quando uma equipe de pesquisadores abriu a sua suposta tumba na Catedral de Sevilha para realizar estudos de DNA dos restos mortais que deveriam estar lá, deparou-se com apenas 20% de um cadáver. Onde estaria o restante de seus ossos?” pergunta Urresti. Para Manuel Silva os restos mortais de Colombo podem estar em Santo Domingo, na República Dominicana, a ilha do Caribe citada no testamento de Colombo. Já o italiano Gianni Granzotto, autor de “Cristobal Colon”, assegura que os restos mortais de Colombo jamais saíram da Espanha. Estão no Convento de São Francisco, em Valadolid.

Mais indícios judaicos

Ainda em 2005, uma nova versão da vida do navegador, misturando ficção e história, foi apresentada pelo jornalista José Rodrigues dos Santos, da Rádio Televisão Portuguesa (RTP). O romance "Codex 632" segue a receita vitoriosa do "Código da Vinci", onde uma mensagem codificada é o ponto de partida para um enredo de mistério e aventura em cenários de cidades emblemáticas como Gênova, Sevilha, Tomar, Jerusalém e Rio de Janeiro. Baseado nas teorias que dão conta de que Colombo era judeu e tinha sangue nobre português, o livro sai em busca da verdadeira identidade e da real missão de Cristóvão Colombo, que o autor define como “os mais bem guardados segredos dos Descobrimentos”.

Outros indícios da origem luso-judaica de Colombo são as tábuas de declinação do sol, escritas em hebraico, utilizadas por Colombo na travessia do Atlântico. A relíquia, de autoria do matemático judeu Abraão Zacuto, pode ser vista no Museu Judaico de Nova Iorque e foi dada a Colombo pelo rei D.João II.

Igreja conhecia a origem de Colombo

O pesquisador dr. Manuel da Silva lembra que em dezembro de 1999, no último “Te Deum” solene na Basílica de São Pedro, no limiar do novo século, o Papa João Paulo II revelou que a descoberta da América foi para ele o principal acontecimento dos últimos mil anos, porque abriu uma nova era para a história da humanidade. Porém, estranhamente, o Papa não mencionou o nome do descobridor daquilo que considerou “o acontecimento que marcou o milênio”. Um evento que está registrado em quatro Bulas Papais editadas pelo Papa Alexandre VI, em 1493, sendo que em duas delas destacando o nome do navegador, conforme é possível conferir na Biblioteca do Vaticano.

Este relacionamento nebuloso entre a Igreja Católica e Colombo resultou em mais uma polêmica, desta vez empurrada pela declaração bombástica do doutor em Ciências Náuticas e capitão do Comando Marítimo da província espanhola de Torrevieja, Oscar Villar Serrano. Autor de inúmeros livros sobre navegação, clima e geografia, Villar Serrano publicou, em 2005, uma obra intitulada "Cristóbal Colón: el secreto mejor guardado", onde assegura que a Igreja não canonizou Colombo (o processo de beatificação foi proposto em 1866) por saber que ele era judeu.

Por ocasião do lançamento do livro, Villar assegurou que o mistério que envolve a origem de Colombo se deve basicamente à sua filiação judaica que ele procurou ocultar na busca de apoio dos reis católicos da Espanha ao seu empreendimento. Isso embora seus principais patrocinadores fossem judeus, desde o banqueiro da Coroa de Aragão, Luis Santángel, até a própria tripulação, majoritariamente judaica. Em entrevista à agência espanhola EFE, o autor cita as cartas de Colombo ao seu filho Fernando, onde o navegador recomenda comportamentos diferenciados, em público e na intimidade do lar (onde diz textualmente que entre nós, temos que conservar os nossos costumes). Villar também destacou que o irmão de Colombo morreu na fogueira em Valência (1493), justamente por ter ascendência judaica.

Novo mundo

Na América do Sul, em  2004, a centenária estátua de Colombo, instalada em uma das principais praças de Caracas, foi depredada e arrastada pelas ruas da capital venezuelana por partidários do então presidente Hugo Chávez. Manifestantes justificaram a depredação como sendo um protesto contra o colonialismo e a imposição histórica de uma farsa chamada Colombo. Outros monumentos que homenageavam Colombo e os descobrimentos também foram varridos do território venezuelano em anos posteriores.

 O fato é que as continuadas investigações históricas sobre o destemido navegante têm projetado um perfil surpreendente e diverso daquele disseminado pela história oficial, o que parece incomodar alguns grupos sociais e políticos e acirra preconceitos. Assim, o descobridor do novo mundo teria nascido Salvador Gonçalves Zarco, natural de Portugal, judeu sefaradita, nobre e templário.

Mas, apesar de todas as incertezas que cercam a identidade do grande almirante e a missão dos Descobrimentos, Colombo parece ter tentado enviar uma mensagem pessoal para a posteridade. Um ano antes de morrer, ele escreve “O Livro das Profecias”, um manuscrito que só foi dado a conhecer em 1984. Escondido até então na Biblioteca da Catedral de Sevilha, o documento foi apresentado com 14 páginas arrancadas. As profecias (que muitos julgam versar sobre o resgate de Jerusalém do controle muçulmano) sumiram com as páginas desaparecidas, permanecendo, porém, textos copiados do Velho Testamento, como os Salmos de David e as palavras de Isaías.