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domingo, 31 de março de 2013

Manhã de verão

Por Sheila Sacks

(Ser poeta é despir as palavras das imagens e sons cotidianos  e vesti-las de sentidos e sensações  extemporâneos)


Cá estou eu olhando o sol e não sendo poeta

vejo o sol.

Cá estou eu frente ao mar e não sendo poeta

digo mar.

Cá estou eu pisando na areia e não sendo poeta

tropeço.

Os banhistas se assustam e murmuram:

insolação.


Abro os olhos.

O céu é uma coroa dourada de franjas escarlates.

Delírio? Molham a minha boca.

“Pressão baixa”, arriscam.

Mãos suaves e cuidadosas me fazem sentar.

De quem são?

Uma imagem borrada se aproxima e sorri.



De repente me dou conta. Cadê meus óculos, camarada?

Afundo os dedos na areia, apalpo, reviro, remexo,

em vão. Deixa pra lá, me aconselham.



Desconfiada, impotente, sentindo a alma ferida,

choro. Inutilmente.

Não sou poeta. Sou míope, balbucio.

Um dos banhistas levanta o polegar em sinal de apoio.

- Também nós, cara pálida, não somos poetas.

Falei poeta?

-Ei, vocês! Tenham dó. Me devolvam os óculos!