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quinta-feira, 29 de abril de 2021

Judeus no Irã: vidas em segredo


/ Com menos de 10 mil pessoas, a comunidade judaica naquele país vive apartada de temas atuais e históricos dos judeus da Diáspora como o estado de Israel e o holocausto /

Sheila Sacks /

Dois depoimentos recentes ajudam a desvendar com um pouco mais de nitidez o ambíguo comportamento da comunidade judaica no Irã, país muçulmano de maioria xiita, com uma população aproximada de 82 milhões de habitantes. Os textos foram postados na Internet nas proximidades da celebração de Purim, que em 2021 ocorreu em 25/26 de fevereiro. A festa de Purim (da palavra hebraica pur, que significa sorteio) comemora a salvação dos judeus da Pérsia pela ação da rainha Ester, há 450 antes da Era Comum (AEC).

De nacionalidades diferentes, os autores vivem hoje nos Estados Unidos e no Canadá, e apesar das perspectivas e focos diferentes em suas abordagens, ambos mantêm em comum a observação crítica acerca do comportamento social dos judeus iranianos, bastante arredio, desconfiado e distante das preocupações e do ativismo coletivo das comunidades judaicas de outros países.

Purim entre quatro paredes

Nascida na antiga cidade de Shiraz, no sudoeste do Irã, Aylin Sedigh emigrou para os Estado Unidos aos doze anos, no final da década de 1990. Ela mantém um blog na plataforma de notícias The Times of Israel onde escreve basicamente sobre suas lembranças de infância naquele país e o cotidiano dos judeus originários de países muçulmanos, os chamados “mizrahim” (orientais).


Relembrando Purim, Sedigh conta que durante a festividade sua família tinha o cuidado de manter as janelas fechadas para que os sons e a visão da celebração não alcançassem os ouvidos e olhares curiosos dos vizinhos. Aos dez anos, visitou o mausoléu que abriga os túmulos da rainha Ester e de seu primo Mordechai, na cidade de Hamadan (ou Hamedan, antiga Shushan, citada no relato da ‘Meguilá Ester’). À época, o mausoléu já tinha sido reformado, visto que até a década de 1970 as tumbas ficavam escondidas em um local de difícil acesso, em meio a becos estreitos e tortuosos (a reforma foi feita pelo monarca Xá Reza Pahlavi, deposto em1979, para a celebração dos 2.500 anos da monarquia iraniana. Durante a obra foi encontrado um rolo da Torá, de 300 anos).

De acordo com Sedigh, o cemitério judeu de Hamadan foi durante séculos o local de peregrinação mais importante para os judeus iranianos,  e histórias sobre os milagres da rainha Ester eram ouvidas por toda a parte. Até muçulmanos, cristãos e mulheres da seita bahá’í visitavam o túmulo, orando à rainha por milagres na concepção de filhos, afirma a autora.

Durante o período escolar, ela assinala que procurava não chamar a atenção para a sua pessoa e sua crença, e que o uso em público  por todas as meninas do véu cobrindo a cabeça a ajudava se manter despercebida.

- Guardei minhas crenças para mim mesmo enquanto estava na escola. A cobertura tradicional para a cabeça era um requisito para todas as mulheres em público e os homens não usavam seus yarmulkes (solidéu ou kipá, em hebraico) nas ruas.

Ritual das seis velas

Outra lembrança dos seus tempos no Irã diz respeito a uma cerimônia anual na primavera quando o pai reunia a família e acendia seis velas, pedindo um minuto de silêncio, em memória dos judeus que morreram. Um ritual sem perguntas e sem explicações, segundo Sedigh. “Morei no Irã até os 12 anos e nunca ouvi falar de Holocausto”, confessa. “Fui saber sobre o Holocausto quando já residia nos Estados Unidos, ao assistir o filme ‘A Lista de Schindler’, de Spielberg”.


Mas, Sedigh também conta que observava o pai, todas as noites, mexendo no rádio para escolher a melhor frequência para escutar as notícias transmitidas por Israel na língua farsi (idioma persa). “No Irã dos clérigos muçulmanos (aiatolás), essa era a única maneira de obter notícias autênticas, diferentes das versões transmitidas pela rede de TV iraniana”, explica.

Ainda que guarde boas recordações de férias de verão desfrutadas em família nas areias e águas cristalinas do Mar Cáspio, a rotina não era fácil. “Crescendo no Irã, na década de 1980, a existência cotidiana era repleta de medo, ansiedade e incerteza. Havia ameaças de guerra mortal com o vizinho Iraque e escassez de alimentos, água e eletricidade”, relembra. “Mesmo na praia existia o risco de um carro da patrulha aparecer e aqueles que não estivessem vestidos conforme a lei islâmica serem punidos.”

Ambiente hostil

A iraniana Sedigh confessa que tem sentimentos confusos em relação ao país em que nasceu e lembra que milhares de judeus mizrahi foram forçados a abandonar seus lares “na escuridão da noite”, fugindo de um ambiente hostil e de risco, deixando tudo que possuíam para trás.

-Deixei o Irã no final de 1990.  É um país repleto de belezas naturais, com uma cultura maravilhosa e uma comida deliciosa. Mas também é um país que, após a revolução islâmica de 1979, mostrou um total desprezo para seus cidadãos judeus e para o estado de Israel.

Ainda assim, Sedigh admite que a cultura iraniana teve uma grande influência em seu desenvolvimento moral e social. Ela diz que a modéstia, a honra e a reputação ( ‘aberu’, na língua persa), é o bem mais valioso de uma garota persa, um princípio fundamental na tradição iraniana. “Mesmo depois que minha família emigrou para os Estados Unidos, fui criada em uma casa tradicional persa moldada pelo aberu. Isso criou uma cultura de respeito e nos ensinou a honrar nossos idosos.”

Mas, o grande exemplo e a mais importante heroína para as mulheres mizrahi, de acordo com Sedigh, é a rainha Ester, vista como uma judia persa forte e assertiva que certamente superou muitas barreiras. “A história de Purim se passa em Shushan, uma antiga cidade do Irã. Como tantos feriados judaicos, Purim é a celebração da sobrevivência dos judeus e, neste caso, foi uma judia, a rainha Ester, que salvou o povo judeu, graças ao seu ágil raciocínio e planos bem traçados”, assinala. Ela lembra que Esther foi instada por Mordechai a esconder sua identidade judia e se casar com um homem não judeu,  “algo que seria considerado tabu entre a comunidade judaica”.

- Dentro dos limites de uma cultura muito tradicional em que as mulheres eram encorajadas a ficar em segundo plano, a rainha Ester saiu das normas culturais com as quais foi criada para salvar seu povo,conclui.

Viagem ao Irã

Vivendo no Canadá, o americano Dan Brotman é atualmente diretor executivo da Federação Judaica da cidade de Windsor, em Ontário. Em artigo publicado no site do jornal South African Jewish Report (25/2), ele conta sua visita ao Irã, ocorrida há dois anos, quando trabalhava em organizações judaicas na África do Sul. Brotman passou dez dias viajando pelo país em uma excursão de turismo e assinala que até a Revolução Islâmica viviam no Irã cerca de 100 mil judeus.

Apesar da agenda lotada de passeios a pontos turísticos e históricos, como por exemplo, a visita ao túmulo do rei Ciro, o grande, que libertou os judeus do cativeiro babilônico em 538 AEC, ele conseguiu que o guia muçulmano o ajudasse a encontrar o endereço de uma sinagoga. Era uma sexta-feira e Brotman estava na cidade de Isfahan, a 340 quilômetros de Teerã. “Ao pôr do sol, eu e Mohammad caminhamos pelas ruas em busca do edifício onde estaria instalada a sinagoga Mullah Jacob”, relata. Coincidentemente, ao pedirem informações a um garoto que passava na rua, o menino respondeu que estava indo para a sinagoga. “Sigam-me, estou indo para lá, agora, para rezar”, disse.


Brotman chegou à sinagoga e deixou os sapatos na entrada, seguindo o costume local. “Fui inicialmente recebido com olhares de poucos amigos, já que os estrangeiros devem obter permissão oficial do governo antes de visitar qualquer instituição judaica.” Ele encontrou um jovem que falava inglês e ambos conversaram sobre a situação dos judeus no Irã. Brotman também percebeu que a grande estrela de Davi que ficava do lado de fora da sinagoga, símbolo do judaísmo e do estado de Israel, estava coberta.

Autorização para visitas

Devido a sua insistência e a colaboração do guia, a empresa de turismo conseguiu obter a autorização para que Brotman pudesse visitar instituições judaicas, durante um dia, após o término da excursão. “Levei meu passaporte para os escritórios da Comunidade Judaica de Teerã, a organização oficial que representa os judeus iranianos. O administrador do escritório me entregou uma carta de apresentação em persa que eu deveria levar a cada instituição judaica que visitasse naquele dia.”

De posse do documento, Brotman iniciou seu roteiro. Inicialmente conversou com o presidente da comunidade judaica, que julgou muito reservado.  Conheceu um dos quatro restaurantes kasher da capital –  que não tinha identificação e nem mezuzá no umbral da porta -  e foi à sinagoga Abrishami, a maior do Irã, localizada na Rua Felestin (Palestina). Nesta rua ficava a embaixada de Israel e com o rompimento das relações diplomáticas o prédio foi entregue à Organização para a Libertação da Palestina e a via foi rebatizada. A rua Palestina também abriga um monumento  em homenagem à Intifada ( agitação, em árabe) como são conhecidos os movimentos  dos palestinos contra Israel.


Ao final do dia, antes de seu retorno à África do Sul, Brotman se encontrou com um membro da comunidade judaica, Arash Abaie, professor de cultura judaica em uma universidade de estudos das religiões, a “University of Religions and Denominations”, situada na cidade de Qom, a 140 quilômetros da capital. Brotman convidou o professor para falar sobre a coexistência judaica - muçulmana no Irã, a história persa-judaica e os locais de peregrinação judaica no Irã. Semanas depois, com o apoio dos centros judaicos de Joanesburgo e da Cidade do Cabo, Abaie foi à África do Sul para as palestras.

Sabendo que a tragédia do Holocausto não é ensinada nas escolas iranianas e é uma espécie de tema proibido para os judeus iranianos devido à posição negacionista dos aiatolás, Brotman levou Abaie para visitar o Centro do Holocausto e Genocídio  de Joanesburgo e  encontrar sobreviventes dessa hecatombe.


Ao final do artigo, Brotman classifica de “memorável” a viagem ao Irã porque, segundo ele, permitiu conhecer e interagir com uma comunidade isolada do resto do mundo judaico. E se declara disposto a empreender uma segunda viagem, desta vez para conhecer Hamadan, onde estão as tumbas da rainha Ester e Mordechai, e Shush, onde fica a tumba de Daniel, o profeta judeu que saiu ileso da cova dos leões.

Ataque à tumba de Ester

Em maio do ano passado (2020), foi noticiado  pela própria agência estatal de notícias do Irã, a IRNA, que houve uma tentativa de arrombamento da tumba de Ester e Mordechai. Depois, a mídia judaica confirmou que tentaram atear fogo no túmulo, mas os danos foram pequenos.  Meses antes, a milícia estudantil Basij, da cidade de Hamedan, ameaçou destruir o local e construir o “consulado da “Palestina”, em reação às sanções econômicas do governo Donald Trump, que em 2018  se retirou do acordo nuclear com o Irã e intensificou as medidas restritivas contra o país.


O movimento Basij é uma milícia paramilitar formada por jovens iranianos, criada em 1979 pelo aiatolá Ruhollah Khomeini,  e que recebe ordens da Guarda Revolucionária.  Somam 100 mil combatentes oficiais e mais de 10 milhões de voluntários. É considerada uma organização terrorista pelos Estados Unidos. Vale dizer que a religião judaica é considerada um religião legal no Irã e, portanto, em teoria, o governo tem o dever de proteger as propriedades judaicas. Diferente da seita persa Bahá’í, por exemplo, fundada em 1844, uma fé não reconhecida pelas autoridades iranianas.  Com o templo-sede localizado na cidade israelense de Haifa, seus 300 mil adeptos residentes no Irã são perseguidos e acusados de infiéis, sendo que muitos líderes já foram condenados e executados.

A tentativa de incêndio ocorreu em 14 de maio, no 72º aniversário da criação do estado de Israel. Em 2008, o governo iraniano havia declarado a tumba como patrimônio histórico, mas a proteção governamental foi retirada em razão de distúrbios e protestos de estudantes contra Israel. O túmulo da rainha Ester foi mencionado pela primeira vez por um viajante medieval judeu, Benjamim de Tudela, em 1100. Acredita-se que o mausoléu foi construído em 1600.

Cartilha de ódio

Ainda em fevereiro deste ano, duas semanas antes da Festa de Purim e quando se completaram 42 anos da Revolução Islâmica, a Liga Antidifamação (ADL, na sigla em inglês) publicou um estudo abrangente sobre a  continuada difusão do antissemitismo, da intolerância e da violência no currículo escolar iraniano em mais de quatro décadas.  Um dos exemplos específicos é o que instrui os alunos a gritar “Morte a Israel” nas salas de aula. Os livros oficiais ensinam ainda que os judeus sempre conspiraram contra o Islã e que a nação israelense deve ser eliminada.

Os alunos também são incitados, através dos livros didáticos do currículo oficial, a glorificar o terrorismo com a doutrinação sistemática do ódio e de mensagens xenófobas e extremistas.  Eles aprendem que as sanções lideradas pelos Estados Unidos contra o Irã fazem parte de um ”plano satânico” para eliminar as crenças religiosas dos muçulmanos e que seus cientistas nucleares são uma benção para a grande jihad (guerra santa).

De acordo com David Weinberg, diretor de assuntos internacionais da ADL e autor do relatório, os livros escolares iranianos foram atualizados no ano passado, com a inclusão de uma teoria conspiratória contra a mídia ocidental que estaria exagerando os efeitos da Covid-19 para esvaziar as cerimônias de comemoração de mais um aniversário da Revolução Islâmica, que atrai milhões de iranianos.

Somando-se às mentiras da cartilha do ódio, o governo iraniano patrocinou em 2020 mais um concurso internacional de charges para promover a negação do Holocausto, com a apresentação de mais de 800 cartuns disseminando a intolerância, o preconceito e o antissemitismo. Desenhos que reforçam estereótipos, falsas narrativas, demonizam líderes ocidentais e o estado de Israel, glorificam a violência e o terrorismo.

Weinberg chama a atenção para mais essa enxurrada de provocações que precisam ser enfrentadas de forma adequada pelas nações democráticas.

A ADL é uma organização judaica americana de alcance mundial, fundada em 1913, com sede em Nova York, voltada para o monitoramento e combate às ações de intolerância, preconceito, discriminação ou ódio em qualquer lugar do planeta. Sua missão é denunciar essas ações e garantir justiça para todos aqueles que se sintam prejudicados.

Acusações de espionagem

Instalada em 11 de fevereiro de 1979, a Revolução Islâmica transformou a monarquia persa pró-Ocidente na República Islâmica do Irã, uma teocracia comandada pelos aiatolás.  Três meses depois, o presidente da Associação Judaica do Irã, Habib Elghanian, foi executado por um pelotão de fuzilamento, sob a acusação de ser um “espião sionista”. Empresário bem sucedido, todos os seus bens foram confiscados pelo novo regime.  A sinagoga Abrishami, já citada, inaugurada em 1965, teve o terreno doado por Elghanian.


Em 1999, outros 13 membros da comunidade judaica de Shiraz também foram acusados de espionagem a favor de Israel e dos Estados Unidos, entre eles, um rabino, professores, comerciantes e até um jovem de 16 anos. Condenados a longas penas de prisão, eles foram soltos, gradativamente,  após uma campanha internacional a favor de sua libertação. Destino diverso do  empresário Ruhollah Kadkhodah Zadeh, que foi enforcado pelas autoridades após ser acusado de ajudar os judeus iranianos a emigrar.

Tais fatos somados a perseguições e atos de antissemitismo ocasionaram a fuga de 90% dos judeus iranianos do país, deixando para trás bens estimados em 1 bilhão de dólares, patrimônio privado inteiramente confiscado pelo regime dos aiatolás.

Recentemente, o jornal The Jerusalem Post revelou que judeus iranianos que visitam parentes em Israel podem ser presos quando de seu retorno. Isso porque o Irã considera tal fato uma ofensa criminal. Em 2020, o parlamento daquele país intensificou ações legais contra judeus iranianos que visitam ou mantêm contatos com Israel. Segundo a reportagem (24.03.2021),  já são três judeus presos por esse motivo identificados por organizações de direitos humanos , sendo que um deles, de 65anos, foi solto temporariamente. Em janeiro último, uma mulher de 50 anos, também foi libertada, após permanecer presa por um período não revelado, devido a uma viagem a Israel.

Estada vigiada

Em 2016, uma jornalista sueca de ascendência judaica, Annika Hernroth-Rothtein,  passou 20 dias no Irã e conversou com vários judeus da comunidade local. Especializada em temas do Oriente Médio, a jornalista foi acompanhada em toda a sua estadia por um tradutor muçulmano, funcionário do governo. Até no jantar festivo de Shabat , ele esteve presente ao seu lado como convidado da família judaica.

Rotthein faz algumas observações interessantes nos artigos que escreveu sobre a viagem. Ela destaca que pela constituição iraniana, no seu parágrafo 13,  os judeus são livres para realizar os ritos e cerimônias religiosas “dentro dos limites da lei”, ou seja, estão regidos pela lei islâmica. E cita a insultuosa  lei da herança que estabelece que todos os bens da família serão herdados pelo judeu que se converter ao Islã.

Por ser uma religião reconhecida pelo governo, a comunidade judaica tem um representante no parlamento iraniano. No seu encontro com o então representante da comunidade judaica, Yoram Haroonian, este fez, de imediato, um discurso sobre as milenares raízes judaicas na Pérsia, razão pela qual, segundo ele, tornaria a vida judaica no Irã diferente de qualquer outra na Diáspora.


Haroonian lembrou que são mais de 2.700 anos de vivência conjunta, desde a conquista da Babilônia pelo rei persa Ciro.   “Os judeus do Irã são leais ao regime e, na verdade, fomos os primeiros a ser voluntários na guerra contra o Iraque”, ressalta. “Somos judeus iranianos e isso significa que somos iranianos em primeiro lugar e somos também leais, em primeiro lugar, a esse país, enquanto permanecemos fiéis à Torá.”

No Shabat, conversando reservadamente com a mãe de Haroonian, a jornalista quis saber se os judeus iranianos têm permissão para visitar Israel ou mesmo fazer aliá (emigrar). Ela explicou que quando algum judeu deixa o país, mesmo temporariamente, ele precisa dar como garantia todos os seus bens e geralmente somente um visto é concedido por família. Dessa forma, raramente alguém se aventura em viajar para Israel porque o preço é muito alto para quem fica no país.

O resultado é que o Irã tem o maior número de agunot  do  mundo , revela outra convidada do Shabat (o termo agunot se refere às mulheres judias separadas de seus maridos, mas sem permissão para o divórcio ). No caso do Irã, são homens que deixam  a esposa e a família para fugir da opressão de um regime teocrático que tem como fonte de legislação a Sharia (lei islâmica). Uma lei, por exemplo, que proíbe e pune com a morte o relacionamento amoroso entre pessoas de religiões diferentes.  

Ano passado, Rothtein publicou o livro “Exílio : Retratos dos judeus da Diáspora”, fruto de suas viagens ao Irã, Tunísia, Marrocos, Cuba, Colômbia,Sibéria, Finlândia e Uzbequistão.

Liberdade para rezar

Ampliando o leque de  informações sobre essa pequena e intrigante comunidade, vale reportar uma reportagem publicada em 2018 pelo jornal americano USA Today, um dos mais lidos  dos Estados Unidos. Na ocasião, o presidente do Comitê Judaico de Teerã, Homayoun Sameyah Najafabadi, perguntado sobre as ocupações mais comuns, disse que a maioria dos judeus no Irã são lojistas, embora existam médicos, como ele próprio, engenheiros, professores e outras profissões (os judeus são proibidos de seguir a carreira militar ou serem juízes).  O rabino Nejat Golshirazi, por sua vez, saudou o ambiente social em que vivem: “Temos todas as instalações de que precisamos para nossos rituais e podemos dizer nossas orações com muita liberdade. Nunca temos problemas”, assegura. “A maioria muçulmana no Irã nos aceita”, completa Najafabadi.

Em 2015, o presidente Hassan Rouhani atendendo  a um antigo  pleito da comunidade  reconheceu o sábado judaico (shabat) como feriado para os judeus,  permitindo que fiquem em casa e as crianças não frequentam a escola.  Porém, os judeus não têm permissão para serem diretores de escolas judaicas que são dirigidas por muçulmanos.  


A mesma reportagem apresenta o depoimento  de um judeu iraniano  que deixou o país em 1987, ainda adolescente, e que dá aulas sobre política iraniana em um centro escolar na cidade der Hertzlia, no norte de Tel Aviv.  Meir Javedanfar revela que em 2007, o Comitê Judaico de Teerã recusou uma oferta do governo israelense de ajudar cada família remanescente no Irã em 60 mil dólares para sair do país. E quanto à importância dos judeus na sociedade iraniana, ele avalia que " o governo dos aiatolás não está muito preocupado com seus judeus, desde que eles não se envolvam na política e não digam nada de positivo sobre Israel".