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Com menos de 10 mil pessoas, a comunidade judaica naquele país vive apartada de
temas atuais e históricos dos judeus da Diáspora como o estado de Israel e o
holocausto /
Sheila
Sacks /
Dois
depoimentos recentes ajudam a desvendar com um pouco mais de nitidez o ambíguo
comportamento da comunidade judaica no Irã, país muçulmano de maioria xiita,
com uma população aproximada de 82 milhões de habitantes. Os textos foram
postados na Internet nas proximidades da celebração de Purim, que em 2021
ocorreu em 25/26 de fevereiro. A festa de Purim (da palavra hebraica pur, que significa sorteio) comemora a salvação dos judeus da
Pérsia pela ação da rainha Ester, há 450 antes da Era Comum (AEC).
De
nacionalidades diferentes, os autores vivem hoje nos Estados Unidos e no
Canadá, e apesar das perspectivas e focos diferentes em suas abordagens, ambos
mantêm em comum a observação crítica acerca do comportamento social dos judeus
iranianos, bastante arredio, desconfiado e distante das preocupações e do
ativismo coletivo das comunidades judaicas de outros países.
Purim entre quatro
paredes
Nascida
na antiga cidade de Shiraz, no sudoeste do Irã, Aylin Sedigh emigrou para os Estado Unidos
aos doze anos, no final da década de 1990. Ela mantém um blog na plataforma de
notícias The Times of Israel onde
escreve basicamente sobre suas lembranças de infância naquele país e o
cotidiano dos judeus originários de países muçulmanos, os chamados “mizrahim”
(orientais).
Relembrando Purim, Sedigh conta que durante a
festividade sua família tinha o cuidado de manter as janelas fechadas para que
os sons e a visão da celebração não alcançassem os ouvidos e olhares curiosos
dos vizinhos. Aos dez anos, visitou o mausoléu que abriga os túmulos da rainha
Ester e de seu primo Mordechai, na cidade de Hamadan (ou Hamedan, antiga Shushan,
citada no relato da ‘Meguilá Ester’). À época, o mausoléu já tinha sido
reformado, visto que até a década de 1970 as tumbas ficavam escondidas em um
local de difícil acesso, em meio a becos estreitos e tortuosos (a reforma foi
feita pelo monarca Xá Reza Pahlavi, deposto em1979, para a celebração dos 2.500
anos da monarquia iraniana. Durante a obra foi encontrado um rolo da Torá, de
300 anos).
De acordo com Sedigh, o cemitério judeu de Hamadan
foi durante séculos o local de peregrinação mais importante para os judeus
iranianos, e histórias sobre os milagres
da rainha Ester eram ouvidas por toda a parte. Até muçulmanos, cristãos e
mulheres da seita bahá’í visitavam o túmulo, orando à rainha por milagres na
concepção de filhos, afirma a autora.
Durante o período escolar, ela assinala que
procurava não chamar a atenção para a sua pessoa e sua crença, e que o uso em
público por todas as meninas do véu
cobrindo a cabeça a ajudava se manter despercebida.
-
Guardei minhas crenças para mim mesmo enquanto estava na escola. A
cobertura tradicional para a cabeça era um requisito para todas as mulheres em
público e os homens não usavam seus yarmulkes (solidéu ou kipá, em hebraico)
nas ruas.
Ritual
das seis velas
Outra lembrança dos seus tempos no Irã diz respeito
a uma cerimônia anual na primavera quando o pai reunia a família e acendia seis
velas, pedindo um minuto de silêncio, em memória dos judeus que morreram. Um
ritual sem perguntas e sem explicações, segundo Sedigh. “Morei no Irã até os 12
anos e nunca ouvi falar de Holocausto”, confessa. “Fui saber sobre o Holocausto
quando já residia nos Estados Unidos, ao assistir o filme ‘A Lista de
Schindler’, de Spielberg”.
Mas, Sedigh também conta que observava o pai, todas
as noites, mexendo no rádio para escolher a melhor frequência para escutar as
notícias transmitidas por Israel na língua farsi (idioma persa). “No Irã dos
clérigos muçulmanos (aiatolás), essa era a única maneira de obter notícias
autênticas, diferentes das versões transmitidas pela rede de TV iraniana”,
explica.
Ainda que guarde boas recordações de férias de
verão desfrutadas em família nas areias e águas cristalinas do Mar Cáspio, a
rotina não era fácil. “Crescendo no Irã, na década de 1980, a existência
cotidiana era repleta de medo, ansiedade e incerteza. Havia ameaças de guerra
mortal com o vizinho Iraque e escassez de alimentos, água e eletricidade”,
relembra. “Mesmo na praia existia o risco de um carro da patrulha aparecer e
aqueles que não estivessem vestidos conforme a lei islâmica serem punidos.”
Ambiente
hostil
A iraniana Sedigh confessa que tem sentimentos
confusos em relação ao país em que nasceu e lembra que milhares de judeus
mizrahi foram forçados a abandonar seus lares “na escuridão da noite”, fugindo
de um ambiente hostil e de risco, deixando tudo que possuíam para trás.
-Deixei o Irã no final de 1990. É um país repleto de belezas naturais, com uma
cultura maravilhosa e uma comida deliciosa. Mas também é um país que, após a
revolução islâmica de 1979, mostrou um total desprezo para seus cidadãos judeus
e para o estado de Israel.
Ainda assim, Sedigh admite que a cultura iraniana
teve uma grande influência em seu desenvolvimento moral e social. Ela diz que a
modéstia, a honra e a reputação ( ‘aberu’, na língua persa), é o bem mais
valioso de uma garota persa, um princípio fundamental na tradição iraniana. “Mesmo
depois que minha família emigrou para os Estados Unidos, fui criada em uma casa
tradicional persa moldada pelo aberu.
Isso criou uma cultura de respeito e nos ensinou a honrar nossos idosos.”
Mas, o grande exemplo e a mais importante heroína
para as mulheres mizrahi, de acordo com Sedigh, é a rainha Ester, vista como
uma judia persa forte e assertiva que certamente superou muitas barreiras. “A
história de Purim se passa em Shushan, uma antiga cidade do Irã. Como tantos
feriados judaicos, Purim é a celebração da sobrevivência dos judeus e, neste
caso, foi uma judia, a rainha Ester, que salvou o povo judeu, graças ao seu
ágil raciocínio e planos bem traçados”, assinala. Ela lembra que Esther foi
instada por Mordechai a esconder sua identidade judia e se casar com um homem
não judeu, “algo que seria considerado tabu
entre a comunidade judaica”.
- Dentro dos limites de uma cultura muito
tradicional em que as mulheres eram encorajadas a ficar em segundo plano, a
rainha Ester saiu das normas culturais com as quais foi criada para salvar seu
povo,conclui.
Viagem
ao Irã
Vivendo no Canadá, o americano Dan Brotman é
atualmente diretor executivo da Federação Judaica da cidade de Windsor, em
Ontário. Em artigo publicado no site do jornal South African Jewish Report (25/2), ele conta sua visita ao Irã, ocorrida há dois anos, quando
trabalhava em organizações judaicas na África do Sul. Brotman passou dez dias viajando
pelo país em uma excursão de turismo e assinala que até a Revolução Islâmica
viviam no Irã cerca de 100 mil judeus.
Apesar da agenda lotada de passeios a pontos
turísticos e históricos, como por exemplo, a visita ao túmulo do rei Ciro, o
grande, que libertou os judeus do cativeiro babilônico em 538 AEC, ele
conseguiu que o guia muçulmano o ajudasse a encontrar o endereço de uma
sinagoga. Era uma sexta-feira e Brotman estava na cidade de Isfahan, a 340
quilômetros de Teerã. “Ao pôr do sol, eu e Mohammad caminhamos pelas ruas em
busca do edifício onde estaria instalada a sinagoga Mullah Jacob”, relata.
Coincidentemente, ao pedirem informações a um garoto que passava na rua, o
menino respondeu que estava indo para a sinagoga. “Sigam-me, estou indo para
lá, agora, para rezar”, disse.
Brotman chegou à sinagoga e deixou os sapatos na
entrada, seguindo o costume local. “Fui inicialmente recebido com olhares de
poucos amigos, já que os estrangeiros devem obter permissão oficial do governo
antes de visitar qualquer instituição judaica.” Ele encontrou um jovem que falava
inglês e ambos conversaram sobre a situação dos judeus no Irã. Brotman também
percebeu que a grande estrela de Davi que ficava do lado de fora da sinagoga,
símbolo do judaísmo e do estado de Israel, estava coberta.
Autorização
para visitas
Devido a sua insistência e a colaboração do guia, a
empresa de turismo conseguiu obter a autorização para que Brotman pudesse
visitar instituições judaicas, durante um dia, após o término da excursão. “Levei
meu passaporte para os escritórios da Comunidade Judaica de Teerã, a
organização oficial que representa os judeus iranianos. O administrador do
escritório me entregou uma carta de apresentação em persa que eu deveria levar
a cada instituição judaica que visitasse naquele dia.”
De posse do documento, Brotman iniciou seu roteiro.
Inicialmente conversou com o presidente da comunidade judaica, que julgou muito
reservado. Conheceu um dos quatro
restaurantes kasher da capital – que não
tinha identificação e nem mezuzá no umbral da porta - e foi à sinagoga Abrishami, a maior do Irã, localizada
na Rua Felestin (Palestina). Nesta rua ficava a embaixada de Israel e com o
rompimento das relações diplomáticas o prédio foi entregue à Organização para a
Libertação da Palestina e a via foi rebatizada. A rua Palestina também abriga
um monumento em homenagem à Intifada (
agitação, em árabe) como são conhecidos os movimentos dos palestinos contra Israel.
Ao final do dia, antes de seu retorno à África do
Sul, Brotman se encontrou com um membro da comunidade judaica, Arash Abaie, professor de cultura judaica em
uma universidade de estudos das religiões, a “University of Religions and Denominations”, situada na cidade de Qom, a 140 quilômetros
da capital. Brotman convidou o professor para falar sobre a coexistência
judaica - muçulmana no Irã, a história persa-judaica e os locais de
peregrinação judaica no Irã. Semanas depois, com o apoio dos centros judaicos
de Joanesburgo e da Cidade do Cabo, Abaie foi à África do Sul para as
palestras.
Sabendo que a tragédia do Holocausto não é ensinada
nas escolas iranianas e é uma espécie de tema proibido para os judeus iranianos
devido à posição negacionista dos aiatolás, Brotman levou Abaie para visitar o
Centro do Holocausto e Genocídio de
Joanesburgo e encontrar sobreviventes
dessa hecatombe.
Ao final do artigo, Brotman classifica de
“memorável” a viagem ao Irã porque, segundo ele, permitiu conhecer e interagir
com uma comunidade isolada do resto do mundo judaico. E se declara disposto a
empreender uma segunda viagem, desta vez para conhecer Hamadan, onde estão as
tumbas da rainha Ester e Mordechai, e Shush, onde fica a tumba de Daniel, o
profeta judeu que saiu ileso da cova dos leões.
Ataque
à tumba de Ester
Em maio do ano passado (2020), foi noticiado pela própria agência estatal de notícias do
Irã, a IRNA, que houve uma tentativa de arrombamento da tumba de Ester e
Mordechai. Depois, a mídia judaica confirmou que tentaram atear fogo no túmulo,
mas os danos foram pequenos. Meses antes,
a milícia estudantil Basij, da cidade de Hamedan, ameaçou destruir o local e
construir o “consulado da “Palestina”, em reação às sanções econômicas do
governo Donald Trump, que em 2018 se
retirou do acordo nuclear com o Irã e intensificou as medidas restritivas
contra o país.
O movimento Basij é uma milícia paramilitar formada
por jovens iranianos, criada em 1979 pelo aiatolá Ruhollah Khomeini, e que recebe ordens da Guarda
Revolucionária. Somam 100 mil
combatentes oficiais e mais de 10 milhões de voluntários. É considerada uma
organização terrorista pelos Estados Unidos. Vale dizer que a religião judaica
é considerada um religião legal no Irã e, portanto, em teoria, o governo tem o
dever de proteger as propriedades judaicas. Diferente da seita persa Bahá’í,
por exemplo, fundada em 1844, uma fé não reconhecida pelas autoridades
iranianas. Com o templo-sede localizado
na cidade israelense de Haifa, seus 300 mil adeptos residentes no Irã são
perseguidos e acusados de infiéis, sendo que muitos líderes já foram condenados
e executados.
A tentativa de incêndio ocorreu em 14 de maio, no
72º aniversário da criação do estado de Israel. Em 2008, o governo iraniano
havia declarado a tumba como patrimônio histórico, mas a proteção governamental
foi retirada em razão de distúrbios e protestos de estudantes contra Israel. O
túmulo da rainha Ester foi mencionado pela primeira vez por um viajante
medieval judeu, Benjamim de Tudela, em 1100. Acredita-se que o mausoléu foi
construído em 1600.
Cartilha
de ódio
Ainda em fevereiro deste ano, duas semanas antes da
Festa de Purim e quando se completaram 42 anos da Revolução Islâmica, a Liga
Antidifamação (ADL, na sigla em inglês) publicou um estudo abrangente sobre a continuada difusão do antissemitismo, da
intolerância e da violência no currículo escolar iraniano em mais de quatro
décadas. Um dos exemplos específicos é o
que instrui os alunos a gritar “Morte a Israel” nas salas de aula. Os livros
oficiais ensinam ainda que os judeus sempre conspiraram contra o Islã e que a
nação israelense deve ser eliminada.
Os alunos também são incitados, através dos livros
didáticos do currículo oficial, a glorificar o terrorismo com a doutrinação
sistemática do ódio e de mensagens xenófobas e extremistas. Eles aprendem que as sanções lideradas pelos
Estados Unidos contra o Irã fazem parte de um ”plano satânico” para eliminar as
crenças religiosas dos muçulmanos e que seus cientistas nucleares são uma
benção para a grande jihad (guerra santa).
De acordo com David Weinberg, diretor de assuntos
internacionais da ADL e autor do relatório, os livros escolares iranianos foram
atualizados no ano passado, com a inclusão de uma teoria conspiratória contra a
mídia ocidental que estaria exagerando os efeitos da Covid-19 para esvaziar as
cerimônias de comemoração de mais um aniversário da Revolução Islâmica, que
atrai milhões de iranianos.
Somando-se às mentiras da cartilha do ódio, o
governo iraniano patrocinou em 2020 mais um concurso internacional de charges
para promover a negação do Holocausto, com a apresentação de mais de 800
cartuns disseminando a intolerância, o preconceito e o antissemitismo. Desenhos
que reforçam estereótipos, falsas narrativas, demonizam líderes ocidentais e o
estado de Israel, glorificam a violência e o terrorismo.
Weinberg chama a atenção para mais essa enxurrada
de provocações que precisam ser enfrentadas de forma adequada pelas nações
democráticas.
A ADL é uma organização judaica americana de
alcance mundial, fundada em 1913, com sede em Nova York, voltada para o
monitoramento e combate às ações de intolerância, preconceito, discriminação ou
ódio em qualquer lugar do planeta. Sua missão é denunciar essas ações e
garantir justiça para todos aqueles que se sintam prejudicados.
Acusações
de espionagem
Instalada em 11 de fevereiro de 1979, a Revolução
Islâmica transformou a monarquia persa pró-Ocidente na República Islâmica do
Irã, uma teocracia comandada pelos aiatolás. Três meses depois, o presidente da Associação
Judaica do Irã, Habib Elghanian, foi executado por um pelotão de fuzilamento,
sob a acusação de ser um “espião sionista”. Empresário bem sucedido, todos os
seus bens foram confiscados pelo novo regime.
A sinagoga Abrishami, já citada, inaugurada em 1965, teve o terreno
doado por Elghanian.
Em 1999, outros 13 membros da comunidade judaica de
Shiraz também foram acusados de espionagem a favor de Israel e dos Estados
Unidos, entre eles, um rabino, professores, comerciantes e até um jovem de 16
anos. Condenados a longas penas de prisão, eles foram soltos,
gradativamente, após uma campanha
internacional a favor de sua libertação. Destino diverso do empresário Ruhollah Kadkhodah Zadeh,
que foi enforcado pelas autoridades após ser acusado de ajudar os judeus
iranianos a emigrar.
Tais fatos somados a perseguições e atos de
antissemitismo ocasionaram a fuga de 90% dos judeus iranianos do país, deixando
para trás bens estimados em 1 bilhão de dólares, patrimônio privado
inteiramente confiscado pelo regime dos aiatolás.
Recentemente, o jornal The Jerusalem Post revelou que judeus iranianos que visitam
parentes em Israel podem ser presos quando de seu retorno. Isso porque o Irã
considera tal fato uma ofensa criminal. Em 2020, o parlamento daquele país
intensificou ações legais contra judeus iranianos que visitam ou mantêm
contatos com Israel. Segundo a reportagem (24.03.2021), já são três judeus presos por esse motivo identificados
por organizações de direitos humanos , sendo que um deles, de 65anos, foi solto
temporariamente. Em janeiro último, uma mulher de 50 anos, também foi
libertada, após permanecer presa por um período não revelado, devido a uma
viagem a Israel.
Estada
vigiada
Em 2016, uma jornalista sueca de ascendência
judaica, Annika Hernroth-Rothtein, passou
20 dias no Irã e conversou com vários judeus da comunidade local. Especializada
em temas do Oriente Médio, a jornalista foi acompanhada em toda a sua estadia
por um tradutor muçulmano, funcionário do governo. Até no jantar festivo de
Shabat , ele esteve presente ao seu lado como convidado da família judaica.
Rotthein faz algumas observações interessantes nos artigos
que escreveu sobre a viagem. Ela destaca que pela constituição iraniana, no seu
parágrafo 13, os judeus são livres para
realizar os ritos e cerimônias religiosas “dentro dos limites da lei”, ou seja,
estão regidos pela lei islâmica. E cita a insultuosa lei da herança que estabelece que todos os
bens da família serão herdados pelo judeu que se converter ao Islã.
Por ser uma religião reconhecida pelo governo, a
comunidade judaica tem um representante no parlamento iraniano. No seu encontro
com o então representante da comunidade judaica, Yoram Haroonian, este fez, de
imediato, um discurso sobre as milenares raízes judaicas na Pérsia, razão pela qual, segundo ele, tornaria a vida judaica no Irã diferente de qualquer outra na
Diáspora.
Haroonian lembrou que são mais de 2.700 anos de
vivência conjunta, desde a conquista da Babilônia pelo rei persa Ciro. “Os
judeus do Irã são leais ao regime e, na verdade, fomos os primeiros a ser
voluntários na guerra contra o Iraque”, ressalta. “Somos judeus iranianos e
isso significa que somos iranianos em primeiro lugar e somos também leais, em
primeiro lugar, a esse país, enquanto permanecemos fiéis à Torá.”
No Shabat, conversando reservadamente com a mãe de
Haroonian, a jornalista quis saber se os judeus iranianos têm permissão para
visitar Israel ou mesmo fazer aliá (emigrar).
Ela explicou que quando algum judeu deixa o país, mesmo temporariamente, ele
precisa dar como garantia todos os seus bens e geralmente somente um visto é
concedido por família. Dessa forma, raramente alguém se aventura em viajar para
Israel porque o preço é muito alto para quem fica no país.
O resultado é que o Irã tem o maior número de agunot do mundo , revela outra convidada do Shabat (o
termo agunot se refere às mulheres
judias separadas de seus maridos, mas sem permissão para o divórcio ). No caso
do Irã, são homens que deixam a esposa e
a família para fugir da opressão de um regime teocrático que tem como fonte de
legislação a Sharia (lei islâmica). Uma lei, por exemplo, que proíbe e pune com
a morte o relacionamento amoroso entre pessoas de religiões diferentes.
Ano passado, Rothtein publicou o livro “Exílio :
Retratos dos judeus da Diáspora”, fruto de suas viagens ao Irã, Tunísia,
Marrocos, Cuba, Colômbia,Sibéria, Finlândia e Uzbequistão.
Liberdade
para rezar
Ampliando o leque de informações sobre essa pequena e intrigante comunidade,
vale reportar uma reportagem publicada em 2018 pelo jornal americano USA Today, um dos mais lidos dos Estados Unidos. Na ocasião, o presidente
do Comitê Judaico de Teerã, Homayoun Sameyah Najafabadi, perguntado sobre as
ocupações mais comuns, disse que a maioria dos judeus no Irã são lojistas,
embora existam médicos, como ele próprio, engenheiros, professores e outras
profissões (os judeus são proibidos de seguir a carreira militar ou serem
juízes). O rabino Nejat Golshirazi, por
sua vez, saudou o ambiente social em que vivem: “Temos todas as instalações de
que precisamos para nossos rituais e podemos dizer nossas orações com muita liberdade.
Nunca temos problemas”, assegura. “A maioria muçulmana no Irã nos aceita”,
completa Najafabadi.
Em 2015, o presidente Hassan Rouhani atendendo a um antigo pleito da comunidade reconheceu o sábado judaico (shabat) como feriado para os judeus, permitindo que fiquem em casa e as crianças não frequentam a escola. Porém, os judeus não têm permissão para serem diretores de escolas judaicas que são dirigidas por muçulmanos.
A mesma reportagem apresenta o depoimento de um judeu iraniano que deixou o país em 1987, ainda adolescente, e que dá aulas sobre política iraniana em um centro escolar na cidade der Hertzlia, no norte de Tel Aviv. Meir Javedanfar revela que em 2007, o Comitê Judaico de Teerã recusou uma oferta do governo israelense de ajudar cada família remanescente no Irã em 60 mil dólares para sair do país. E quanto à importância dos judeus na sociedade iraniana, ele avalia que " o governo dos aiatolás não está muito preocupado com seus judeus, desde que eles não se envolvam na política e não digam nada de positivo sobre Israel".