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terça-feira, 4 de agosto de 2020

Os jardins dos mosteiros de Israel

Sheila Sacks / 

Reportagem recente publicada no jornal israelense Haaretz, um dos mais importantes do país, aborda um tema interessante e pouco conhecido pela sociedade local. Trata-se dos jardins dos mosteiros cristãos em Israel. São mais de 50 construções na Terra Santa, geralmente instaladas antes da Independência, em 1948, cercadas por muros e normalmente acessíveis aos peregrinos e caravanas de turistas cristãos.

O jornalista israelense especializado em turismo, Moshe Gilad, conta que ficou impressionado pela beleza e cuidado desses jardins ao ler a publicação “God's Gardens in the Holy Land” (Jardins de Deus na Terra Santa), de seu compatriota Ami Zoran. O livro, escrito em hebraico, traz fotos belíssimas e textos explicativos de 42 jardins de monastérios, muitos localizados em Jerusalém e arredores, como na região de Latrun, distante 25 quilômetros.  Outros estão situados às margens do Mar da Galileia, no monte Tabor, na cidade de Haifa (norte de Israel), em Jaffa, perto de Tel Aviv, e no deserto da Judeia, no sul do país.

Os jardins e suas histórias

Encantado com o livro, o jornalista resolveu visitar um convento perto do sítio arqueológico de Emmaus ( também conhecido como Emmaus-Nicópolis), entre a cidade de Jerusalém e a capital Tel Aviv, que pertence a uma ordem monástica francesa. Ele descreve a calma e frescura do jardim, em meio ao verão que se anuncia, as belas palmeiras e árvores da espécie chinaberry (cinamomo) – cujas sementes são usadas para a confecção de rosários e terços -, os bancos de madeira e o lago ornamental de peixinhos rodeado por buganvílias e hibiscos. Apesar de estar somente a 20 minutos de carro de sua residência, Gilad confessa que até então, jamais teve curiosidade de visitar o lugar.

Palco da vitoriosa batalha dos Macabeus (rebeldes hebreus) contra o Império Selêucida, no século II antes da Era Comum, a região de Emmaus é citada no primeiro livro dos Macabeus (Sêfer Hachitsonim, em hebraico), que narra as guerras então travadas na Terra Santa contra os sírios que lutavam para impor a cultura e os deuses gregos ( A palavra Macabeu deriva do acrônimo “Quem é como Tu dentre os fortes, Ó D’us” - Mi camocha bae-lim Hashem, em hebraico).

Pesquisa pessoal

Por sua vez, Zoran diz que a obra é fruto de uma pesquisa pessoal e surgiu também de seu hobby pela fotografia. A reportagem destaca que cada um dos mosteiros, com seus respectivos jardins, estão acompanhados das histórias das instituições religiosas, inclusive com fotos antigas. Um exemplo é o jardim do mosteiro beneditino do povoadode Abu Ghosh, nos arredores de Jerusalém.

Ajudado por um consultor de botânica da Universidade de Haifa, o autor do livro enfatiza a botânica de cada jardim. No caso do mosteiro de Emmaus, a planta é a samambaia espada. Segundo Zoran, “essa planta, originária da região de florestas tropicais da América do Sul, aparece como um símbolo de modéstia e humildade, por esconder sua beleza em locais ocultos e sombreados”.

Passeios de fim de semana

Atualmente, muitos mosteiros mantêm casas de hospedagem e abrem os seus jardins por mais tempo para a visitação pública. Com a pandemia de Covid-19, o turismo cristão diminuiu bastante e os israelenses, por sua vez, estão descobrindo esses sítios que oferecem uma espécie de refúgio arborizado em meio a construções antigas e muito bem cuidadas. Em alguns deles, como o mosteiro salesiano de Beit Jamal (Casa da Beleza, em árabe), no sopé das Colinas da Judeia, as edificações, como a Igreja de Santo Estêvão, são rodeadas por campos de oliveiras e outras plantas nativas dessa região bíblica. Além de amplas instalações ao ar livre que permitem que os visitantes possam usufruir um dia especialmente agradável, as freiras católicas da instituição mantêm uma lojinha para a venda de artigos de cerâmica, vinho, azeite e azeitonas, frutos de seu trabalho e de seu sustento.

A beleza do mosteiro de Beit Jamal (Vila Gamla, pela tradição cristã) foi mostrada no jornal Israel Hayom (Israel Hoje), publicação israelense distribuída gratuitamente, e  também disponível na Internet. A autora,Anat Schneider, visitou o local no fim de semana e pode constatar a presença de muitas famílias israelenses aproveitando a beleza da paisagem e lanchando nas acomodações ao ar livre. Já no caminho para o mosteiro, ela descreve a sensação de estar adentrando a um cenário bíblico, ladeado de oliveiras e outras plantas típicas da região, como nos tempos dos grandes patriarcas, dos profetas e reis que habitavam essas terras.

Desde 1988, o convento que existe dentro dos muros do mosteiro de monges salesianos é atendido pela Ordem “Monjas de Belém”, de freiras católicas da França e da Bélgica que vivem uma vida monástica. Para a surpresa dos visitantes, os cânticos das freiras que se ouviam do lado de fora do convento eram entoados em hebraico.   

Igreja bizantina

A reportagem prossegue informando da tradição de que Santo Estêvão está enterrado nesse local. Existia uma igreja bizantina em sua homenagem, mas foi destruída na conquista persa em 614 da Era Comum. Uma nova igreja foi erguida em 1932, sobre as ruínas da antiga, e seu interior é formado por inúmeros vitrais com passagens da liturgia cristã. O complexo de Beit Jamal abriga um convento e o mosteiro, além das Igrejas das Irmãs de Belém e de Santo Estêvão.

Beit Jamal fica perto da cidade de Beit Shemesh, a 30 quilômetros a oeste da cidade de Jerusalém. A cidade é mencionada, pela primeira vez, no Livro de Josué (Sefer Yehoshua, em hebraico), situada nas terras da tribo de Judá. Posteriormente,  aparece no Livro de Samuel (Sefer Shmuel, em hebraico), ambos inseridos no Livro dos Profetas (Neviim, em hebraico).

Vinhos kasher

Seguindo pela estrada que liga Jerusalém a Tel Aviv, no vale Soreq, a oito quilômetros de Beit Shemesh, o mosteiro Deir Rafat (também conhecido como Santuário de Nossa Senhora Rainha da Palestina), fundado em 1927, abriga uma vinícola e é administrado por freiras católicas. O texto destaca que no teto da igreja a palavra Ave Maria está escrita em 280 línguas, inclusive em hebraico. Aqui as religiosas também fazem trabalhos artesanais de cerâmica, esculturas de arte sacra e doces aromáticos. Produzem queijo, vinho, azeite e azeitonas. A extensão e a beleza dos vinhedos, apresentadas em fotos, impressionam e são comparadas às vinhas da região italiana da Toscana.

Em relação à produção dos vinhos, um superintendente israelense garante a qualidade kasher, ou seja, que a fabricação seja feita de acordo com as leis judaicas bíblicas de alimentação. Dessa forma, até os judeus ortodoxos podem adquirir os vinhos da vinícola do mosteiro.

O vale Soreq, onde se situa Deir Rafar, é citado no Livro dos Juízes (Sefer Shoftim, em hebraico) como a terra da tribo de Dan, umas das 12 tribos de Israel, fronteiriça ao território dos filisteus e onde Sansão (Shimshon, em hebraico) se encontrou com Dalila pela primeira vez.

Mosteiro trapista

A 15 minutos de carro de Deir Rafat, também às margens da rota Jerusalém-Tel Aviv, no cume do Vale Ayalon, do outro lado do sítio de Emmaus, assume a visão do Mosteiro Latrun (o Monastério dos Monges Silenciosos), local onde Josué venceu as batalhas para a conquista da Terra Prometida, em 1273 antes da Era Comum. No livro de Josué - o primeiro livro dos Profetas -  conta-se que a vitória de Israel era iminente, mas anoitecia e Josué pediu ao Senhor para que o Sol permanecesse em Gibeon e a Lua no Vale de Ayalon. Assim, o exército de Josué pode concluir e vencer a batalha ainda à luz do dia.

Único mosteiro trapista em Israel, o prédio foi erguido em 1890 e inicialmente serviu como convento carmelita. Na 1ª Guerra Mundial (1914-1918), a construção foi tomada pelos turcos otomanos que expulsaram os monges franceses. Depois da guerra, o prédio ficou bastante danificado e com o terremoto ocorrido na região, em 1927, sofreu mais danos. Em 1929, o mosteiro foi finalmente reconstruído. Os monges vivem da agricultura e dos vinhedos, produzindo 250 mil garrafas de vinho por ano, 80% das quais são vendidas na loja local.

Mais livros

O jornalista Moshe Gilad, ao final de sua matéria, recomenda a leitura de mais duas obras que abordam com profundidade o passado dessas construções e de seus belos jardins: a primeira leva o título “Into a Locked Garden – Monasteries in the Land of Israel” (Dentro dos Jardins fechados – Monastérios na Terra de Israel, em tradução livre) e foi publicada, em 2005, pela historiadora e professora de Museologia, Nirit Shalev-Khalifa. PhD em História da Arte pela Universidade de Tel Aviv, a israelense Shalev-Khalifa é curadora de documentação visual e de exposições do Instituto Yad Ben Tzi, em Jerusalém, que promove o estudo da herança cultural das comunidades judaicas no Oriente e nos países muçulmanos. Sua tese de mestrado, apresentada em 2010, versou sobre os murais, mosaicos e pinturas das igrejas e monastérios católicos na Terra Santa, no período de 1917 a 1948 (‘The Mural Cycles  in the Catholic Churches and Monasteries of de Holy Land’).

A segunda publicação é mais recente, de 2015, assinada por David Rapp e com fotografias de Hanan Isachar, ambos israelenses e judeus. “Churches and Monasteries in the Holy Land” (Igrejas e Mosteiros na Terra Santa) é um guia que visa tornar as instituições cristãs de Israel mais acessíveis aos israelenses. Fruto de uma pesquisa que durou cinco anos, o livro de 288 páginas é magnificamente ilustrado e descreve os tesouros artísticos que se encontram nesses santuários. Rapp é mestre em História da Arte, autor de mais dois livros sobre o tema (‘Igrejas de Jerusalém’ e ‘A Igreja da Natividade em Belém’), e Isachar é um renomado fotógrafo que ilustrou várias publicações sobre Israel e as liturgias cristãs, como o álbum “Lumières de Silence” (Luzes do Silêncio), sobre os ofícios religiosos no Mosteiro de Beit Jemal.

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Covid-19 : enquanto esperamos a cura


Sheila Sacks / 

E a chuva caiu sobre a terra por quarenta dias e quarenta noites (Bereshit - Gênesis 7:12); E a água prevaleceu sobre a terra cento e cinquenta dias ( 7:24).  

Quando o mundo efetivamente se deu conta da pandemia que avançava célere sobre as cidades, no início de março, um rabino aconselhou seus fiéis, pelas redes sociais, a utilizar a força da oração (tefilá, em hebraico) e indicou a leitura do Salmo 91.
O livro dos Salmos (Tehilim), compilado pelo rei David, mil anos antes da Era Comum (a.E.C.), é considerado o único livro do Tanach (Bíblia Hebraica) comparável à própria Torá (Pentateuco). É o que escreveu nos idos do século 19, o rabino Menachem Mendel, o terceiro da linhagem do movimento ortodoxo chassídico judaico Chabad – Lubavitch. Para o religioso, os Salmos é um dos 24 livros sagrados contendo a grandeza dos cinco livros de Moisés e igualmente a grandeza da prece, a chave sagrada para a conexão direta com o Criador.
Refúgio e fortaleza
Diz o Salmo 91, em alguns de seus 16 versículos: “91.1 Quem habita na morada do Altíssimo estará sempre sob Sua proteção; 91.2 Sobre o Eterno declarei: Ele é meu refúgio e minha fortaleza, meu Deus, em Quem deposito toda a minha confiança; 91.3 Ele te livrará do laço do caçador traiçoeiro e da peste que assola tenebrosamente; 91.5 Não temas o terror que campeia durante a noite, nem a flecha que busca seu alvo durante o dia; 91.6 Nem a peste que se propaga nas trevas, nem tampouco o destruidor que ataca ao meio-dia; 91.10 Nenhum desastre se abaterá sobre ti e nenhuma calamidade se aproximará de tua tenda; 91.11 Pois Ele encarrega Seus anjos de cuidarem de ti e de te protegerem por todos os caminhos.”
Os sábios afirmam que muitos salmos foram compostos e recitados várias gerações antes do rei David, mas coube a esse personagem ímpar da história judaica compilar os sagrados cânticos de louvor ao Senhor. O rabino Menachem Mendel, conhecido como Tsêmach Tsêdec ( título de sua principal obra, ‘ Planta da Justiça’), relata que durante toda a vida o rei David constantemente fazia a recitação dos salmos. “Em tempos de dificuldade e sucesso, como um fugitivo caçado ou como um rei vitorioso, no auge da realeza e grandeza, seus lábios nunca pararam de pronunciar louvores a D’us.”
Reforçando esse pensamento, o primeiro rabino chassídico, o Baal Shem Tov (o Mestre de Bom Nome, em hebraico), que viveu no século 18, na Polônia, já dizia que não é preciso ser um sábio do Talmud (coleção de livros que abrangem leis e rituais judaicos) para se chegar a D’us. A simples recitação, com inabalável fé, dos Salmos de David seria o mais elevado nível de ligação com o Divino. A oportunidade de todo o ser humano expressar suas súplicas e agradecimentos a D’us.
É nesse contexto atual de medo e insegurança, frente a uma doença de contágio alarmante, que cresce a força de outro salmo, o de número 23, que em seu versículo 4 , reitera a grandeza do Senhor: “Ainda que eu siga pelo vale das sombras da morte, nada temerei, pois Tu estarás comigo; Teu cajado e Teu bordão me darão apoio e conforto.”
Mãos abençoadas
Em um artigo no Portal Chabad, fica-se sabendo que existem 14 aparições da raiz hebraica para cura (refuá) nos Cinco Livros de Moisés. Diz o texto: “Catorze é o valor numérico da palavra para ‘mão’ em hebraico (yad). Isso alude à conexão temática entre cura e mão, sugerindo que há poder curativo nas mãos.”
Para os místicos, as epidemias e outras catástrofes da natureza, como terremotos, furacões e tsunamis, são sinais que o Divino envia ao mundo.  Perceber e interpretar essas severas mensagens do Todo Poderoso são desafios que tendem a se apresentar ininteligíveis para a maioria das pessoas.
 No caso de uma pandemia, isto é, de um vírus que se alastra por todo o planeta causando milhares de mortes, tende a prosperar uma plataforma paralela à da ciência e da medicina, onde o misticismo e a religiosidade têm espaços relevantes  em sua busca de explicações e interpretações acerca de tal catástrofe humana.
Face às repetidas recomendações médicas às populações da necessidade vital de lavar e higienizar as mãos várias vezes ao dia para se proteger deste novo vírus, o chamado Covid-19, rabinos lembram a milenar determinação da Torá de lavar as mãos (netilat Yadaym, em hebraico) antes das preces matinais diárias e das refeições.
O ato de lavar as mãos antes de comer é tão importante na religião judaica que seus sábios incluíram esta ação como uma das sete mitzvot (boa ação, em hebraico) rabínicas, ao lado de acender as velas de Shabat, ao anoitecer de sexta-feira.
Já na época do êxodo dos judeus do Egito, 1300 a.E.C., os sacerdotes (cohanim)  lavavam as mãos e também os pés antes de iniciarem os serviços diários no Tabernáculo (Mishkan, em hebraico), o santuário  móvel no deserto que abrigava a arca sagrada.  Ao verter água de uma vasilha especial sobre as mãos e os pés antes do serviço Divino, tais partes descobertas do corpo se santificavam (o corpo em si já estava santificado pelas vestes sacerdotais).
A importância de se manter as mãos lavadas e limpas está presente nos rituais tradicionais da religião judaica. Como explica o rabino Arieh Raichman, do Beitch Chabad de Manaus, “cada parte do corpo tem um componente espiritual, mas nenhuma parte é tão única quanto as mãos”. Ele cita a Cabalá ou Torat ha’Sod ( o ensinamento do secreto), que chama a atenção para o poder das mãos. “As forças negativas gostam de encontra-se onde há um potencial para uma grande elevação espiritual”, reforça o rabino, lembrando que a maioria das mitsvot é realizada com as mãos.
Misticismo e mistério
Ainda a respeito da singularidade das mãos, no livro de Isaías, um dos 48 profetas de Israel, está dito a respeito de D’us: “Minha Mão estabeleceu a Terra e Minha Direita alçou os Céus” (48:13). Esse versículo, segundo a interpretação dos antigos sábios, teria o significado de que D’us estendeu Sua Direita e criou os Céus e estendeu a Sua Esquerda e criou a Terra.
O Midrash, que trata das interpretações do conteúdo da Torá, explica que a mão direita indica luz e refere-se aos mundos superiores e que a esquerda alude ao termo “Terra”, onde a luz não se encontra de forma revelada, estando oculta ou escondida. 
 O mito da mão igualmente está presente em um pequeno livro do final do século 12, o Sefer ha-Bahir (Livro da Iluminação), surgido na Provença, Sul da França, um século antes da aparição do Zohar (O Livro do Esplendor), a espinha dorsal da Cabalá, a corrente mística do judaísmo.
O Bahir faz uma ligação das mãos com as sefirot (canais da emanação divina). Está escrito: “As mãos possuem 10 dedos, devido às 10 sefirot, de acordo com as quais céu e terra foram selados, em correspondência com as 10 palavras entre as quais estão contidos os 613 mandamentos (preceitos)”.
Também na Torá, na descrição da guerra dos hebreus contra a nação de Amelek (Êxodo 17:11 – Shemot, em hebraico) o poder das mãos fica evidente: “Aconteceu que, quando Moisés levantasse a mão, Israel prevaleceria e, quando pousasse a mão, Amalek prevaleceria.”  Moisés ficou até o por do sol com as mãos levantadas, ajudado por Aarão e Hur, e Israel venceu a batalha, a primeira depois do êxodo do Egito. “E ele disse: Porque há mão no trono do Eterno, que haverá guerra para o Senhor contra Amalek (inimigos de Israel), de geração em geração” (Êxodo 17:16).
O poder das mãos também é atestado pela guematria ou numerologia judaica, um método de análise dos valores numéricos das letras e palavras hebraicas. A palavra mão em hebraico (Yad - יד), como já foi dito, corresponde numericamente a 14, valor da soma de suas letras. O número de segmentos ósseos nos cinco dedos também corresponde a 14 e somadas ambas as mãos o resultado é 28, o valor numérico para a palavra Força (Koach – כוח ).
Sem esquecer que é reservada às mãos uma tarefa santificada. Até os dias atuais, a Torá é escrita à mão. Cada uma de suas 304.805 letras deve ser escrita no Rolo da Torá com tinta e pena sobre pergaminho, numa caligrafia especial, por um escriba habilitado.
Armas biológicas
Por outro lado, afastando-se do enfoque místico e caminhando em direção à ciência e a geopolítica, observa-se que a pandemia se revela como um aviso dramático para os  riscos das chamadas armas biológicas, que não distinguem religiões, ideologias e fronteiras. O uso e a manipulação de agentes biológicos (vírus, bactérias e toxinas) como o vírus da varíola e da febre amarela, as bactérias Bacillus anthracis (antraz), Brucellae, Yersinia pestis (peste bubônica) e ricina, citando alguns, se constituem numa ameaça real já por um longo tempo.
Antes mesmo da 2ª Guerra Mundial, exércitos aliados e as forças alemães e japonesas realizaram pesquisas com o intuito de desenvolver armas biológicas. Acidentes como o ocorrido na cidade russa de Sverdlovsk, em 1979, quando houve a dispersão acidental de  uma quantidade de Bacillus anthracis, na forma inalatória, de um centro de pesquisas militar soviético, causando 68 mortes, comprovam as experiências com substâncias mortais.
No livro “Biohazard – A verdadeira história do maior programa secreto de armas biológicas do mundo”, publicado no Reino Unido, em 1999, o russo Kanatjan Alibekov, também conhecido como Kenneth Alibek, médico, microbiologista e ex-diretor-adjunto do programa de armas biológicas da antiga União Soviética, demonstra que o país estava preparado para lançar um ataque biológico com o vírus da varíola sobre os Estados Unidos, no caso de uma guerra nuclear.
Em 2001, depois do ataque de 1/9, traços da bactéria antraz foram encontrados em cartas endereçadas à Casa Branca em uma agência postal. Dois carteiros morreram. À época, o presidente George W.Bush acusou a Al Qaeda pela correspondência contaminada.
Mais recentemente, em 2013, o serviço secreto americano interceptou cartas contendo ricina endereçadas ao então presidente Barak Obama e a políticos do país. A ricina, extraída da mamona,é uma substância tóxica de alto risco para os seres vivos, podendo ser letal.
Vale dizer que agentes biológicos - diferentemente dos químicos que tendem a afetar somente quem está na região do ataque – têm a capacidade de atravessar fronteiras e se irradiarem por vastas regiões. Especialistas assinalam que a produção de armas biológicas não necessita de grande aparato nem sofisticadas instalações, podendo ser facilmente oculta, transportada e disseminada. Uma facilidade que se estende à aquisição de insumos e ao acesso à biotecnologia, ferramentas básicas para se construir uma arma biológica de destruição em massa, muito mais barata que uma bomba atômica, com resultados semelhantes.
Armas químicas
Em 1995, a seita apocalíptica japonesa Aum Shinri Kyo matou 12 pessoas e feriu outras 50, em um atentado no metrô de Tóquio, usando o gás sarin. Na guerra civil na Síria há evidências de que tem sido usado o gás sarin nas populações pelo governo sírio. O Centro de Estudos para Não Proliferação James Martin (CNS, na sigla em inglês), que pesquisa e combate a disseminação de armas de destruição em massa (weapon of mass destruction – WMD) já denunciou a Síria como detentora de um dos maiores arsenais de armas químicas do mundo. A instituição americana afirma que o exército sírio possui diferentes tipos de agentes químicos, além do sarin, como o gás mostarda, gás cloro e o agente neurológico VX, um gás tóxico asfixiante.
No caso de grupos terroristas como o Estado Islâmico (ISIS, na sigla em inglês), com base no Iraque e atuando na província do Sinai, Al Qaeda (Iêmen e Somália), Hezbollah (Líbano) e o Hamas (Faixa de Gaza), a posse de armas químicas ou biológicas é sempre um motivo de preocupação, notadamente para o governo israelense.
Reportagem do jornal “The Jerusalem Post” , em fevereiro deste ano, traz o alerta de uma ex- funcionária da CIA, Trace Walder, sobre a possibilidade do uso de drones para desfechar ataques com armas químicas. “A maior ameaça que os EUA e Israel podem enfrentar são os enxames de drones armados com esses venenos químicos lançados pelo Irã ou pelo ISIS”, adverte.
A ex-agente afirma que grupos terroristas já podem ter em mãos armas químicas obtidas em países como Irã, Síria e, principalmente, a Coreia do Norte. Ela revela que desde os primórdios dos anos 2000, o fundador do Estado Islâmico e líder da Al Qaeda no Iraque, Abu Musab al Zarqawi (morto em 2006), estava interessado em adquirir armas químicas e biológicas como antraz e ricina. De acordo com Walder, a aplicação desses produtos, na atualidade, é muito fácil de ser feita tendo acesso a um drone. 
No início deste ano, o novo chefe do ISIS, Abu Ibrahim al-Hashimi al-Qurashi ( que substituiu Abu Bakr al-Baghdadi, morto na Síria, em outubro de 2019) pediu a seus militantes, na península do Sinai (Egito) e na Síria, que usem armas químicas contra Israel e os judeus, onde eles estiverem.
A posse de armas químicas pelo Hezbollah foi aventada, ainda em 2018, pelo ex-general sírio Zuhair al-Saqit em entrevista ao jornal israelense Maariv. O militar foi o responsável pelo desenvolvimento científico de armas químicas no país, mas em 2013 abandonou o exército e a Síria. Ele disse que o regime de Assad transferiu para o Hezbollah grande parte dos estoques dessas substâncias letais com o intuito de burlar órgãos internacionais de inspeção. Uma dessas armas é o gás cloro, um agente asfixiante cujo histórico se reporta à 1ª Guerra Mundial e que foi usado pelo governo de Assad contra civis nas cidades de Saraqeb, Duoma e Latamneh, segundo relatório de 2018 da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPCW, na sigla em inglês).
Na entrevista em questão, o ex-general também conta que cientistas, técnicos e militares iranianos estavam desenvolvendo, no território sírio, mísseis com ogivas químicas de alcance entre 5 e 35 quilômetros. E confirmou a cooperação síria com a Coreia do Norte, afirmando que na qualidade de oficial graduado do exército acompanhou oficiais norte-coreanos nas visitas às várias unidades para consultoria sobre o uso de armas químicas.
Em relação ao Irã, relatório da Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea), divulgado em março, denuncia que aquele país triplicou a quantidade de urânio enriquecido – um elemento químico radioativo -  desde novembro do ano passado, atingindo 1,1 tonelada em estoque (é preciso 1,6 tonelada de urânio de baixo enriquecimento para chegar à capacidade de produzir uma arma nuclear). Justamente nos meses em que o foco das autoridades e dos chefes das nações se voltam para o combate da pandemia.
Sinal vermelho
Para o pesquisador israelense Shaul Shay, do Instituto Internacional de Contraterrorismo (ICT, na sigla em inglês) e ex-chefe adjunto do Conselho de Segurança Nacional de Israel, a pandemia da Covid-19 serve como uma lição objetiva dos riscos das armas biológicas e também como alerta para possíveis ameaças de bioterrorismo.
Em 2017,na Conferência de Segurança de Munique, evento que se realiza anualmente nesta cidade alemã, com a participação de líderes mundiais, o magnata e filantropo Bill Gates, fundador da Microsoft, surpreendeu a plateia ao afirmar que “a próxima epidemia poderá se originar na tela do computador de um terrorista que pretenda usar a engenharia genética para criar uma versão sintética do vírus da varíola ou uma cepa supercontagiosa e mortal da gripe”.
O novo coronavírus surgiu na província chinesa de Wuhan que abriga laboratórios de alta tecnologia como o Instituto de Virologia Wuhan (WIV), fundado em 1956, que faz pesquisas nas áreas de microbiologia, biotecnologia e virologia. A instituição trabalha no isolamento de vírus de insetos e na produção de inseticidas virais. Segundo o site do laboratório, um de seus principais campos de pesquisa é o estudo patogênico de doenças infecciosas emergentes, com destaques para o coronavírus da síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS-Covid) e o vírus da influenza aviária.
O vírus foi identificado em novembro de 2019 e no mês seguinte houve a primeira manifestação da doença na província. Antes de ser demitido, em janeiro deste ano, o prefeito de Whuan admitiu que mais de 5 milhões de pessoas puderam deixar a cidade antes que as restrições de viagem fossem decretadas.Porém, o mais grave é que as autoridades chinesas ocultaram as notícias e os detalhes do surto de vírus por dois meses, favorecendo à transmissão global da doença.
A respeito, o rabino Abraham Cooper, diretor de ação social global do Centro Simon Wiesenthal, afasta qualquer relação da pandemia com algum tipo de provação ou de manifestação do Divino, como alguns místicos evocam. Para ele, ninguém pode culpar D’us, quando o assunto é a Covid-19.
“São pessoas que nos trouxeram para esse desastre do coronavírus”, diz. “E não precisamos procurar os céus para encontrar a verdade neste caso”, prossegue. No artigo para “The Media Line” (30.03.2020), agência americana de notícias online sobre o Oriente Médio, o rabino novaiorquino, de 70 anos, que assina a matéria juntamente com o reverendo Jonnnie Moore, é enfático ao proclamar, já no título: “Não culpe D’us, culpem Pequim e Teerã.”
Cooper e Moore – um líder evangélico de 37 anos, dos mais influentes do país, comissário da Comissão de Liberdade Religiosa Internacional dos Estados Unidos  (USCIRF, na sigla em inglês) - acusam o governo chinês de se armar de suprimentos médicos, importando milhões de máscaras cirúrgicas e respiradores, grande parte da reserva mundial, antes de o mundo ter consciência da extensão da doença. Igualmente denunciam o Irã, que permitiu que os peregrinos continuassem a viajar para a cidade sagrada de Qom, quando o vírus já estava sendo disseminado, contaminando outras nações do Golfo Pérsico.
Os dois líderes religiosos conclamam para que a China admita e assuma a sua responsabilidade nas fases que antecederam a pandemia, e culpam o Irã pela saída da ONG Médicos Sem Fronteiras do país e de perseguir e matar membros da seita Bah’ai por sua ligação espiritual com Israel. Ambos, Cooper e Moore, trabalham na promoção do diálogo inter-religioso em todo mundo, principalmente nos países do Oriente e da Ásia
De acordo com a BBC News, até 30 de março, quando o vírus já era uma calamidade que se alastrava pelo mundo, a companhia aérea iraniana Mahan Air manteve seus aviões operando normalmente em suas rotas para cidades da China,  e realizando viagens e voos adicionais para Beirute, Damasco, Bagdá, Abu Dhabi (Emirados Árabes),  Sanaa (Iêmen) e Najaf e Karbala (Iraque).
A rede britânica de notícias apurou que a companhia aérea mentiu quando alegou que seus voos eram humanitários. Foram centenas de voos no período, possivelmente transportando passageiros com coronavírus, inclusive pousando em Barcelona, Istambul, Dubai e Kuala Lampur (Malásia).
A Mahan Air teve seus voos proibidos na Alemanha e França no ano passado. Desde 2011 a companhia não opera nos Estados Unidos ( em contrapartida, iniciou voos diretos de Teerã a Caracas, na Venezuela, em 2019 ) devido a sua ligação com a Guarda Revolucionária do Irã (IRGC, na sigla em inglês), uma unidade do exército iraniano que dá suporte financeiro, técnico e logístico ao Hezbollah e outros grupos islâmicos terroristas, como o Hamas, a Jihad Islâmica, que atua na faixa de Gaza e na Cisjordânia, os rebeldes houthis, no Iêmen, e as milícias xiitas no Iraque, Síria e Afeganistão. Com mais de 150 mil funcionários ativos, essas ações no exterior são operacionalizadas pela temida Força Quds, uma unidade especial da IRGC.
Disseminação
Frente à flagrante desconsideração com a vida humana e a propagação de desinformação e ocultação de dados por parte de Pequim e Teerã, o rabino Cooper e o reverendo Moore reforçam a opinião de que esses dois regimes ditatoriais ajudaram a transformar a Covid-19 em uma tragédia global.  Eles também criticam a postura de silêncio do diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), o etíope Tedros Adhanom - que esperou até 11 de março para caracterizar a Covid-19 como pandemia -  e do secretário-geral das Nações Unidas (ONU), o português Antônio Guterres, que pediu às nações que suspendessem as sanções ao Irã por motivos humanitários.
O inevitável é que o mundo terá que conviver com a letalidade do novo coronavírus por um longo período. De acordo com o epidemiologista Michael Osterholm, autor do livro “Inimigo Mortífero: Nossa Guerra contra Germes Assassinos“ (em tradução livre), publicado em 2017, a Covid-19 é tão infecciosa quanto a gripe de 2018 (conhecida como gripe espanhola) que matou 50 milhões de pessoas e infectou cerca de 500 milhões, um terço da população mundial na época. Aquela pandemia foi causada pelo vírus H1N1, com genes de origem aviária.
O especialista calcula que nos próximos 16 a 18 meses (a entrevista foi realizada em 22 de abril) o vírus vai se mostrar ativo em todo o mundo, indo e vindo, em ondas, não descartando a hipótese de que no inverno de 2021, no hemisfério Norte, a pandemia venha mais forte. “Devemos lembrar que a atual pandemia é causada por um coronavírus e não um vírus da gripe como foi o caso em 1918. A história dirá se os dois agem da mesma maneira em termos de epidemiologia das doenças”, explica.
Fundador do Centro de Pesquisa e Política de Doenças Infecciosas da Universidade de Minnesota, Osterholm pondera que, por enquanto, não há outras ferramentas importantes para combater o vírus, exceto o distanciamento físico. Ainda que apareçam remédios eficazes, a transmissão do vírus continuaria, reforça o epidologista, já que os medicamentos apenas diminuiriam o impacto da pandemia em número de casos graves e mortes.
Mesmo que se lavem as mãos com sabão várias vezes ao dia e que o ambiente esteja descontaminado, tal fato não impede que o vírus possa infectar as pessoas, garante Osterholm. Isso porque o vírus pode estar no ar que compartilhamos e respiramos com pessoas infectadas. Quanto mais vezes a pessoa ir para espaços públicos, maior a possibilidade de trocar um pouco de ar com alguém que tem o vírus e não sabe. Registrando que pouca mais de três meses após a detecção do vírus, já havia mais de 4 milhões de pessoas infectadas e perto de 300 mil mortes.
Logo, a perspectiva de uma mudança substantiva, em curto período, no cenário de incertezas e dificuldades que se descortina para as nações e populações do planeta não passa de inocente quimera. Osterholm, inclusive, lança mão de uma frase de  Wilson Churchill, primeiro-ministro britânico durante a 2ª Guerra Mundial, para definir o momento atual : “Este não é o fim, nem sequer o começo do fim, mas, talvez, o fim do começo”.
A frase do estadista inglês foi dita em discurso proferido no centenário prédio da Mansion House, de Londres, em 1942, logo após os britânicos expulsarem as tropas alemães, do general Rommel, do Norte da África. Por certo, passaram-se mais de três anos para que a Alemanha nazista, enfim, se rendesse, em 08 de maio de 1945, encerrando uma trágica era de horror e mortes que marcou, de forma definitiva, a história contemporânea.

domingo, 15 de dezembro de 2019

Perseverar por Israel


Sheila Sacks / 

Dias antes da passagem do Rosh Hashaná do ano 5780, que ocorreu no anoitecer de 29 de setembro de 2019, dois exemplos de engajamento e perseverança em prol do estado de Israel - entendido como símbolo fundamental da identidade judaica moderna - merecem ser citados e louvados, cada um em seu segmento de atuação.

O primeiro trata-se de um artigo publicado no “Jerusalem Post”, em 27 de setembro, pelo presidente das Federações Judaicas dos Estados Unidos (The Jewish Federations of North America – JFNA), Eric D. Fingerhut, em colaboração com Mark Wilf, do conselho de administração da entidade. O outro diz respeito ao trabalho de monitoramento contra o antissemitismo levado a efeito pela ONG UN Watch com sede em Genebra, instituição vinculada ao Comitê Judaico Americano (AJC, na sigla em inglês).

 Valores comuns

Em relação ao texto intitulado “5780- o ano da unidade judaica”, os autores destacam os valores que unem os judeus de todo o mundo que comungam uma história e cultura comuns, ainda que possam expressar opiniões diferentes sobre questões políticas e religiosas.

O artigo faz uma reflexão acerca dos acontecimentos que pontuaram o ano de 5779 no mundo e nos Estados Unidos, com guerras, desastres ambientais e assassinatos ocorridos em algumas cidades americanas, notadamente um atentado à sinagoga, nos arredores de San Diego, na Califórnia, com um morto e três feridos, no último dia da comemoração de Pessach.

Para os autores, o contexto mundial favorece a polêmica e “há um esforço crescente de combinar essas tragédias para dividir a comunidade judaica em linhas políticas e religiosas”. Mesmo assim, eles admitem que “erros e declarações inúteis foram cometidos em ambos os lados do oceano” originando manchetes profundamente enganadoras, sensacionalistas e polarizadas.

Posicionamentos distintos de segmentos judaicos, de acordo com o texto, têm sido exacerbados pelos órgãos de comunicação e até por certos analistas sociais que propagam que o povo judeu está experimentando uma ruptura, uma espécie de cisma. “Essas pessoas dizem que judeus americanos e israelenses estão caminhando em direção a futuros diferentes e desconectados”, observam.

Convergência e liberdade

Criticando o “sensacionalismo e a polarização política que infectam as fontes (feeds) de nossas notícias”, o presidente da JFNA culpa a mídia por “obscurecer a unidade implícita e duradoura do povo judeu”, que se apresenta permanente, apesar das muitas discordâncias existentes.

O artigo menciona que pesquisas recentes com judeus americanos e israelenses mostram que apesar das diferenças de opinião sobre questões políticas e religiosas, a grande maioria das duas comunidades acredita que uma diáspora próspera, assim como um próspero estado de Israel, é vital para um futuro a longo prazo do povo judeu.

“Os números apontam para uma convergência de propósito, uma simbiose, ao contrário do que as manchetes insinuam”, reforça o texto. Fingerhut e Wilf relembram o compromisso comum que caracteriza o povo judeu, esteja ele na diáspora ou em Israel: “Estamos unidos por uma história e cultura comuns. Nossos valores são baseados na Torá e em seu princípio imutável de que todas as pessoas são criadas à imagem Divina. Esta é a força por trás de nosso compromisso comum de tornar o mundo um lugar melhor para todos.”

Por conseguinte, advertem, “eventuais diferenças de pontos de vista acerca de temas que mobilizam a opinião pública não descaracterizam a identidade básica a qual todos os judeus estão conectados”. Os dirigentes americanos assinalam que os judeus nos Estados Unidos sempre estiveram na vanguarda dos principais acontecimentos da vida nacional, promovendo, principalmente, a liberdade, assim como, por seu lado, os israelenses brilham na ciência e na tecnologia. Para eles, “o som do shofar, nas festividades do ano novo, tem essa missão de nos manter totalmente alertas, conciliando os judeus de todas as origens, culturas e classes sociais”.

Não é por acaso que, após o toque do shofar, é dita a frase: Hayom harat olam, hayom ya'amid bamishpat – “Hoje é o aniversário do mundo, hoje o mundo está em julgamento”, prossegue o texto, enfatizando o poder das imagens contidas na mensagem que, na visão dos autores, significa que “no nascimento do mundo somos livres novamente para começar do zero”.

Por último, o artigo destaca o encontro com o presidente de Israel, Reuven Rivlin, de 80 anos, que acolheu em seu gabinete, na semana de Rosh Hashaná, representantes de 146 federações judaicas americanas e de mais 300 comunidades da rede. Em conjunto, o grupo arrecada e distribui perto de 3 bilhões de dólares anuais para a educação e o engajamento às causas judaicas, serviços sociais e apoio a Israel e ao judeus de todo o mundo.  “O presidente Rivlin”, disseram os autores, “tem sido como um shofar a nos lembrar calorosamente que somos um povo unificado e não uniforme, com um destino comum e uma responsabilidade comum de apoiar o florescimento do povo judeu e construir um mundo melhor.

Combatendo o antissemitismo

Fundada em 1993 pelo advogado e ativista de direitos civis Morris B.Abram, falecido em 2000, a ONG UN Watch cumpre sua missão de acompanhar as ações da ONU em relação à promoção dos direitos humanos, atuando igualmente no combate ao antissemitismo e aos que atacam o estado de Israel  nesse espaço internacional.

Foi o que fez, mais uma vez, durante o 42º encontro do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (UNHRC, na sigla em inglês), ocorrido entre 9 e 27 de setembro, em Genebra. No relatório apresentado em 25 de setembro àquela corte, composta por 47 países-membros, a UN Watch listou 10 exemplos recentes de incitamento ao terrorismo e ao antissemitismo nas redes sociais (facebook) por parte de professores e servidores administrativos da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos – UNRWA (United Nations Relief and Works Agency).

Desde 2015, a UN Watch vem alertando àquele Conselho, em relatórios separados, sobre as postagens antissemitas e de promoção ao terrorismo provenientes do staff da UNRWA, cuja sede está situada em Jerusalém Oriental. Foram apresentadas 90 mensagens de incitamento nas páginas do facebook no período 2015-2017, além das 10 mais recentes incluídas no relatório de 2019.

Criada em dezembro de 1949, a UNRWA tem filiais na Síria, Gaza, Cisjordânia, Líbano e Jordânia, onde mantém centenas de escolas e centros sociais. Também dispõe de escritórios de representação no Cairo, Nova York, Washington e Bruxelas. A instituição emprega 30 mil pessoas, na quase sua totalidade de palestinos. Durante o encontro em Bruxelas, a UNRWA pediu às nações para que a ajudem a manter um orçamento de 1,2 bilhão de dólares em 2019, reduzido com a saída dos Estados Unidos do Conselho, em junho de 2018.

Segundo a agência são atendidos 5 milhões de refugiados cadastrados com serviços nas áreas da educação (711 escolas),  saúde (143 unidades básicas) e promoção social (113 centros comunitários).

O diretor executivo da UN Watch, Hillel Neuer, critica a atuação da UNRWA que permite que seus professores e funcionários exaltem terroristas assassinos e genocidas antissemitas, sem apresentar uma solução permanente para os chamados refugiados palestinos. “Isso leva a anomalia de hoje existirem 2,2 milhões de palestinos na Jordânia, a maioria com cidadania jordaniana, mas ainda classificados pela UNRWA como refugiados”, observa.

 Postagens glorificam o Hamas e Hitler

No relatório apresentado em setembro, a UN Watch destaca as mensagens de endosso e glorificação ao terrorista Abdullah Barghouti, do Hamas, em prisão perpétua em Israel desde 2003, responsável por dezenas de ataques a locais públicos que resultaram na morte de 67 israelenses e de centenas de feridos. Também expõe as postagens de funcionários da UNRWA em apoio a atentados contra os judeus, com o uso de facas e a utilização de viaturas, exibindo fotos de Adolf Hitler e apresentando o líder nazista como uma figura humanitária.

“Apesar da identificação dos responsáveis pelas postagens”, adverte Neuer, “nenhum professor da UNRWA foi demitido.” A agência afirma que realiza treinamento obrigatório de “neutralidade” com os funcionários, porém os exemplos de incitamento ao terrorismo se sucedem. Neuer aponta a postagem no facebook de um diretor-adjunto da UNRWA que publicou a foto de uma criança com a faixa da Frente Popular para a Libertação da Palestina na cabeça e portando um rifle, seguida da seguinte mensagem: “Ensine seus filhos a sacar armas e rifles porque o que foi tomado pela força só pode ser reconquistado pela força.”  

A consultora jurídica da UN Watch, a advogada Dina Rovner, conta que a sua equipe também encontrou uma postagem de um professor assistente da UNRWA louvando atentados terroristas. Em forma de poema, ele diz: ”Nossa masculinidade foi resgatada pela faca na mão de uma garota. Nossa história está de volta. Uma faca golpeia um colono, um motorista atropela o invasor.”  

Rovner destaca que a UNRWA está ciente das postagens de seus funcionários, mas pouco faz a não ser apaziguar os doadores pressionados pelas denúncias apresentadas pela UN Watch. A advogada enfatiza que se os principais países doadores de recursos aos palestinos, como a Alemanha, Reino Unido, Canadá, Suécia e mais a União Europeia começarem a exigir dos professores da UNRWA a mesma postura e prestação de contas que exigem de seus próprios professores, “aí será possível enxergar uma mudança real”.

Status de refugiados

Ao contrário da UNRWA, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (UNHCR, na sigla em inglês), agência da ONU que lida com o restante dos refugiados no mundo, se concentra claramente no reassentamento e na reabilitação dos refugiados, focando na construção de novas vidas e não mantendo serviços que sustentem um status quo de seis décadas. Um trabalho que emprega de 5 a 6 mil funcionários locados em diversos países.

A observação é do diretor executivo da instituição “Scholars for Peace in The Middle East (SPME) Asaf Romirowsky, historiador especializado em temas sobre Oriente Médio e autor do livro “Religion, Politics and the Origins of Palestine Refugee Relief” (2013), em co-autoria com Alexander H.Joffe, historiador e arqueólogo. Na obra, os autores examinam as origens da UNRWA, o ambiente político à época da guerra da independência de Israel e a ideologia desta agência da ONU que vem perpetuando o status de refugiados  dos árabes-palestinos. Com isso a instituição colabora para que o conflito nunca termine e igualmente se mantém indefinidamente como uma agência internacional para refugiados palestinos.

Romirowsky é incisivo em sua análise sobre a atuação pedagógica da UNRWA. “Engana-se quem pensa que crianças refugiadas palestinas possam aprender valores universais de tolerância e respeito nas salas de aula, dado o tipo de educação ao estilo Hamas ministrado pelos professores da agência que enaltecem o jihadismo e o fundamentalismo”, alerta.

O SPME é uma organização internacional sediada na Pensilvânia que reúne reitores e professores universitários das principais faculdades americanas e europeias com a finalidade de promover a paz nos campus e fomentar um discurso honesto sobre as questões do Oriente Médio.

Corrupção e apologia ao ódio

Em tempos recentes, denúncias de corrupção levaram países, como a Suíça e a Bélgica, a suspenderem, em 2019, recursos para a UNRWA. Falando no plenário do Conselho de Direitos Humanos da ONU, no encontro em setembro, a editora canadense da “NGO Monitor”, Becca Wertman, também se referiu às denúncias de corrupção na UNRWA e a falta de uma atitude mais enérgica por parte dos países doadores em relação à prestação de contas da instituição. 

 “Os países continuam investindo recursos em instituições corruptas como o Hamas e a UNRWA que perpetuam o conflito”, declarou. ”É preciso que os países parem de financiar grupos que promovem a violência, o incitamento, o antissemitismo e o BDS (movimento de boicote a Israel)”. Com sede em Jerusalém, a NGO Monitor é uma ONG que monitora ONGs internacionais e suas agendas anti-Israel.

A ligação do Hamas com funcionários da UNRWA é notória. Em outubro de 2017, as forças de defesa de Israel descobriram um túnel embaixo de uma escola da agência, em Gaza. Na ocasião o governo israelense acusou o Hamas de utilizar instalações da agência como “base de terror” e as crianças como “escudos humanos”. Em junho de 2019, o Hamas criticou a UNRWA por informar que encontrou parte de um túnel embaixo de duas escolas da agência, também em Gaza, durante as obras realizadas no local. Anos antes, em 2015, uma investigação independente da ONU revelou que grupos armados palestinos escondiam armas em três escolas vazias administradas pela UNRWA.

Apesar desses flagrantes, em maio deste ano, na 30ª Sessão Ordinária da Cúpula da Liga Árabe, na Tunísia, a comissária da União Europeia para política externa e segurança, Frederica Mogherini, no discurso de abertura, elogiou o trabalho e o mandato da UNRWA na Cisjordânia e Gaza, ignorando as denúncias comprovadas de incitamento ao terrorismo, antissemitismo e corrupção. Disse ela: “As atividades da UNRWA são essenciais não só para a vida de milhões de pessoas, mas também para preservar a viabilidade da solução de dois estados. Compartilhamos exatamente as mesmas visões e é vital neste momento que trabalhemos juntos.”

Nascida na Itália, ex-membro do partido comunista, Mogherini ressaltou que o principal ponto de sua agenda é a relação Israel-Palestina. “Deixar os palestinos sem um estado não é uma solução. E vou ser bem clara: a União Europeia continuará a não reconhecer a soberania de Israel sobre os territórios ocupados em 1967”, reforçou.

Mais recursos para a AP

O amparo da ONU à AP, todavia, não se restringe apenas à UNRWA. Outra importante instituição, a UNDAF (United Nations Development Assistance Framewok), que desenvolve parceria com países no campo de desenvolvimento social e assistencial, também dá sustentação à Autoridade Palestina. Um termo de cooperação entre a AP e a UNDAF assinado em junho de 2017, com o apoio das 21 agências da ONU que trabalham na região, inclusive a UNESCO e a UNICEF, traçou um quadro de planos e estratégias envolvendo recursos de 1,3 bilhão de dólares a serem investidos até 2022 para, segundo a UNDAF, “melhorar as perspectivas de desenvolvimento e proteção social do povo da Palestina”.

O relatório de metas da UNDAF inclui como área principal de seu programa de atenção à AP, “apoiar o caminho da Palestina para a independência”, atendendo à “prioridade nacional do fim da ocupação e a conquista da independência, através da mobilização nacional e internacional, responsabilizando Israel pela atual situação”. A cerimônia do acordo foi realizada em Ramallah, no gabinete do então primeiro ministro da AP, Al Hamdallah, com a participação de várias agências da ONU.

Quase dois anos depois, em fevereiro de 2019, em um vídeo replicado pelo Jerusalem Post, o presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmoud Abbas, confirma que o dinheiro dos fundos e dos impostos financia as famílias dos terroristas mortos ou presos em Israel. Ele admite que desde 1965 a Autoridade Palestina paga de 20 a 30 milhões de shekels mensais (em torno de 8,5 milhões de dólares) para as famílias dos terroristas.

Ainda que a reação de Israel fosse reduzir em 5% o repasse de impostos ao governo de Ramallah, em outubro, depois de meses de impasse, o governo israelense voltou a transferir recursos para à AP com um depósito de 1,5 bilhão de shekels (431 milhões de dólares).