Sheila Sacks /
Dias antes da passagem do Rosh Hashaná do ano
5780, que ocorreu no anoitecer de 29 de setembro de 2019, dois exemplos de
engajamento e perseverança em prol do estado de Israel - entendido como símbolo
fundamental da identidade judaica moderna - merecem ser citados e louvados,
cada um em seu segmento de atuação.
O primeiro trata-se de um artigo publicado no
“Jerusalem Post”, em 27 de setembro, pelo presidente das Federações Judaicas
dos Estados Unidos (The Jewish Federations of North America – JFNA), Eric D.
Fingerhut, em colaboração com Mark Wilf, do conselho de administração da
entidade. O outro diz respeito ao trabalho de monitoramento contra o
antissemitismo levado a efeito pela ONG UN Watch com sede em Genebra,
instituição vinculada ao Comitê Judaico Americano (AJC, na sigla em inglês).
Valores comuns
Em relação ao texto intitulado “5780- o ano
da unidade judaica”, os autores destacam os valores que unem os judeus de todo
o mundo que comungam uma história e cultura comuns, ainda que possam expressar
opiniões diferentes sobre questões políticas e religiosas.
O artigo faz uma reflexão acerca dos
acontecimentos que pontuaram o ano de 5779 no mundo e nos Estados Unidos, com
guerras, desastres ambientais e assassinatos ocorridos em algumas cidades
americanas, notadamente um atentado à sinagoga, nos arredores de San Diego, na
Califórnia, com um morto e três feridos, no último dia da comemoração de
Pessach.
Para os autores, o contexto mundial favorece
a polêmica e “há um esforço crescente de combinar essas tragédias para dividir
a comunidade judaica em linhas políticas e religiosas”. Mesmo assim, eles
admitem que “erros e declarações inúteis foram cometidos em ambos os lados do
oceano” originando manchetes profundamente enganadoras, sensacionalistas e
polarizadas.
Posicionamentos distintos de segmentos
judaicos, de acordo com o texto, têm sido exacerbados pelos órgãos de
comunicação e até por certos analistas sociais que propagam que o povo judeu
está experimentando uma ruptura, uma espécie de cisma. “Essas pessoas dizem que
judeus americanos e israelenses estão caminhando em direção a futuros
diferentes e desconectados”, observam.
Convergência e liberdade
Criticando o “sensacionalismo e a polarização
política que infectam as fontes (feeds) de nossas notícias”, o presidente da
JFNA culpa a mídia por “obscurecer a unidade implícita e duradoura do povo
judeu”, que se apresenta permanente, apesar das muitas discordâncias
existentes.
O artigo menciona que pesquisas recentes com
judeus americanos e israelenses mostram que apesar das diferenças de opinião
sobre questões políticas e religiosas, a grande maioria das duas comunidades
acredita que uma diáspora próspera, assim como um próspero estado de Israel, é
vital para um futuro a longo prazo do povo judeu.
“Os números apontam para uma convergência de
propósito, uma simbiose, ao contrário do que as manchetes insinuam”, reforça o
texto. Fingerhut e Wilf relembram o compromisso comum que caracteriza o povo
judeu, esteja ele na diáspora ou em Israel: “Estamos unidos por uma história e
cultura comuns. Nossos valores são baseados na Torá e em seu princípio imutável
de que todas as pessoas são criadas à imagem Divina. Esta é a força por trás de
nosso compromisso comum de tornar o mundo um lugar melhor para todos.”
Por conseguinte, advertem, “eventuais
diferenças de pontos de vista acerca de temas que mobilizam a opinião pública
não descaracterizam a identidade básica a qual todos os judeus estão
conectados”. Os dirigentes americanos assinalam que os judeus nos Estados
Unidos sempre estiveram na vanguarda dos principais acontecimentos da vida
nacional, promovendo, principalmente, a liberdade, assim como, por seu lado, os
israelenses brilham na ciência e na tecnologia. Para eles, “o som do shofar,
nas festividades do ano novo, tem essa missão de nos manter totalmente alertas,
conciliando os judeus de todas as origens, culturas e classes sociais”.
Não é por acaso que, após o toque do shofar,
é dita a frase: Hayom harat olam, hayom ya'amid bamishpat – “Hoje é o
aniversário do mundo, hoje o mundo está em julgamento”, prossegue o texto,
enfatizando o poder das imagens contidas na mensagem que, na visão dos autores,
significa que “no nascimento do mundo somos livres novamente para começar do
zero”.
Por último, o artigo destaca o encontro com o presidente de Israel, Reuven
Rivlin, de 80 anos, que acolheu em seu gabinete, na semana de Rosh Hashaná,
representantes de 146 federações judaicas americanas e de mais 300 comunidades
da rede. Em conjunto, o grupo arrecada e distribui perto de 3 bilhões de
dólares anuais para a educação e o engajamento às causas judaicas, serviços
sociais e apoio a Israel e ao judeus de todo o mundo. “O presidente
Rivlin”, disseram os autores, “tem sido como um shofar a nos lembrar
calorosamente que somos um povo unificado e não uniforme, com um destino comum
e uma responsabilidade comum de apoiar o florescimento do povo judeu e
construir um mundo melhor.
Combatendo o antissemitismo
Fundada em 1993 pelo advogado e ativista de
direitos civis Morris B.Abram, falecido em 2000, a ONG UN Watch cumpre sua
missão de acompanhar as ações da ONU em relação à promoção dos direitos
humanos, atuando igualmente no combate ao antissemitismo e aos que atacam o
estado de Israel nesse espaço internacional.
Foi o que fez, mais uma vez, durante o 42º
encontro do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (UNHRC, na sigla em
inglês), ocorrido entre 9 e 27 de setembro, em Genebra. No relatório
apresentado em 25 de setembro àquela corte, composta por 47 países-membros, a
UN Watch listou 10 exemplos recentes de incitamento ao terrorismo e ao
antissemitismo nas redes sociais (facebook) por parte de professores e
servidores administrativos da Agência das Nações Unidas de Assistência aos
Refugiados Palestinos – UNRWA (United Nations Relief and Works Agency).
Desde 2015, a UN Watch vem alertando àquele
Conselho, em relatórios separados, sobre as postagens antissemitas e de
promoção ao terrorismo provenientes do staff da UNRWA, cuja sede está situada
em Jerusalém Oriental. Foram apresentadas 90 mensagens de incitamento nas
páginas do facebook no período 2015-2017, além das 10 mais recentes incluídas
no relatório de 2019.
Criada em dezembro de 1949, a UNRWA tem
filiais na Síria, Gaza, Cisjordânia, Líbano e Jordânia, onde mantém centenas de
escolas e centros sociais. Também dispõe de escritórios de representação no
Cairo, Nova York, Washington e Bruxelas. A instituição emprega 30 mil pessoas,
na quase sua totalidade de palestinos. Durante o encontro em Bruxelas, a UNRWA
pediu às nações para que a ajudem a manter um orçamento de 1,2 bilhão de
dólares em 2019, reduzido com a saída dos Estados Unidos do Conselho, em junho
de 2018.
Segundo a agência são atendidos 5 milhões de
refugiados cadastrados com serviços nas áreas da educação (711 escolas),
saúde (143 unidades básicas) e promoção social (113 centros comunitários).
O diretor executivo da UN Watch, Hillel
Neuer, critica a atuação da UNRWA que permite que seus professores e
funcionários exaltem terroristas assassinos e genocidas antissemitas, sem
apresentar uma solução permanente para os chamados refugiados palestinos. “Isso
leva a anomalia de hoje existirem 2,2 milhões de palestinos na Jordânia, a
maioria com cidadania jordaniana, mas ainda classificados pela UNRWA como
refugiados”, observa.
Postagens glorificam o Hamas e
Hitler
No relatório apresentado em setembro, a UN
Watch destaca as mensagens de endosso e glorificação ao terrorista Abdullah
Barghouti, do Hamas, em prisão perpétua em Israel desde 2003, responsável por
dezenas de ataques a locais públicos que resultaram na morte de 67 israelenses
e de centenas de feridos. Também expõe as postagens de funcionários da UNRWA em
apoio a atentados contra os judeus, com o uso de facas e a utilização de
viaturas, exibindo fotos de Adolf Hitler e apresentando o líder nazista como
uma figura humanitária.
“Apesar da identificação dos responsáveis
pelas postagens”, adverte Neuer, “nenhum professor da UNRWA foi demitido.” A
agência afirma que realiza treinamento obrigatório de “neutralidade” com os
funcionários, porém os exemplos de incitamento ao terrorismo se sucedem. Neuer
aponta a postagem no facebook de um diretor-adjunto da UNRWA que publicou a
foto de uma criança com a faixa da Frente Popular para a Libertação da
Palestina na cabeça e portando um rifle, seguida da seguinte mensagem: “Ensine
seus filhos a sacar armas e rifles porque o que foi tomado pela força só pode
ser reconquistado pela força.”
A consultora jurídica da UN Watch, a advogada
Dina Rovner, conta que a sua equipe também encontrou uma postagem de um
professor assistente da UNRWA louvando atentados terroristas. Em forma de
poema, ele diz: ”Nossa masculinidade foi resgatada pela faca na mão de uma
garota. Nossa história está de volta. Uma faca golpeia um colono, um motorista
atropela o invasor.”
Rovner destaca que a UNRWA está ciente das
postagens de seus funcionários, mas pouco faz a não ser apaziguar os doadores
pressionados pelas denúncias apresentadas pela UN Watch. A advogada enfatiza que
se os principais países doadores de recursos aos palestinos, como a Alemanha,
Reino Unido, Canadá, Suécia e mais a União Europeia começarem a exigir dos
professores da UNRWA a mesma postura e prestação de contas que exigem de seus
próprios professores, “aí será possível enxergar uma mudança real”.
Status de refugiados
Ao contrário da UNRWA, o Alto Comissariado
das Nações Unidas para os Refugiados (UNHCR, na sigla em inglês), agência da
ONU que lida com o restante dos refugiados no mundo, se concentra claramente no
reassentamento e na reabilitação dos refugiados, focando na construção de novas
vidas e não mantendo serviços que sustentem um status quo de seis décadas. Um
trabalho que emprega de 5 a 6 mil funcionários locados em diversos países.
A observação é do diretor executivo da
instituição “Scholars for Peace in The Middle East (SPME) Asaf Romirowsky,
historiador especializado em temas sobre Oriente Médio e autor do livro
“Religion, Politics and the Origins of Palestine Refugee Relief” (2013), em
co-autoria com Alexander H.Joffe, historiador e arqueólogo. Na obra, os autores
examinam as origens da UNRWA, o ambiente político à época da guerra da
independência de Israel e a ideologia desta agência da ONU que vem perpetuando
o status de refugiados dos árabes-palestinos. Com isso a instituição
colabora para que o conflito nunca termine e igualmente se mantém
indefinidamente como uma agência internacional para refugiados palestinos.
Romirowsky é incisivo em sua análise sobre a
atuação pedagógica da UNRWA. “Engana-se quem pensa que crianças refugiadas
palestinas possam aprender valores universais de tolerância e respeito nas
salas de aula, dado o tipo de educação ao estilo Hamas ministrado pelos
professores da agência que enaltecem o jihadismo e o fundamentalismo”, alerta.
O SPME é uma organização internacional
sediada na Pensilvânia que reúne reitores e professores universitários das
principais faculdades americanas e europeias com a finalidade de promover a paz
nos campus e fomentar um discurso honesto sobre as questões do Oriente Médio.
Corrupção e apologia ao ódio
Em tempos recentes, denúncias de corrupção
levaram países, como a Suíça e a Bélgica, a suspenderem, em 2019, recursos para
a UNRWA. Falando no plenário do Conselho de Direitos Humanos da ONU, no
encontro em setembro, a editora canadense da “NGO Monitor”, Becca Wertman,
também se referiu às denúncias de corrupção na UNRWA e a falta de uma atitude
mais enérgica por parte dos países doadores em relação à prestação de contas da
instituição.
“Os países continuam investindo
recursos em instituições corruptas como o Hamas e a UNRWA que perpetuam o
conflito”, declarou. ”É preciso que os países parem de financiar grupos que
promovem a violência, o incitamento, o antissemitismo e o BDS (movimento de
boicote a Israel)”. Com sede em Jerusalém, a NGO Monitor é uma ONG que monitora
ONGs internacionais e suas agendas anti-Israel.
A ligação do Hamas com funcionários da UNRWA
é notória. Em outubro de 2017, as forças de defesa de Israel descobriram um
túnel embaixo de uma escola da agência, em Gaza. Na ocasião o governo
israelense acusou o Hamas de utilizar instalações da agência como “base de
terror” e as crianças como “escudos humanos”. Em junho de 2019, o Hamas
criticou a UNRWA por informar que encontrou parte de um túnel embaixo de duas
escolas da agência, também em Gaza, durante as obras realizadas no local. Anos
antes, em 2015, uma investigação independente da ONU revelou que grupos armados
palestinos escondiam armas em três escolas vazias administradas pela UNRWA.
Apesar desses flagrantes, em maio deste ano, na 30ª Sessão Ordinária da Cúpula da Liga Árabe, na
Tunísia, a comissária da União Europeia para política externa e segurança, Frederica
Mogherini, no discurso de abertura, elogiou o trabalho e o mandato da UNRWA na
Cisjordânia e Gaza, ignorando as denúncias comprovadas de incitamento ao
terrorismo, antissemitismo e corrupção. Disse ela: “As atividades da UNRWA são
essenciais não só para a vida de milhões de pessoas, mas também para preservar
a viabilidade da solução de dois estados. Compartilhamos exatamente as mesmas
visões e é vital neste momento que trabalhemos juntos.”
Nascida na Itália, ex-membro do partido comunista, Mogherini ressaltou
que o principal ponto de sua agenda é a relação Israel-Palestina. “Deixar os
palestinos sem um estado não é uma solução. E vou ser bem clara: a União
Europeia continuará a não reconhecer a soberania de Israel sobre os territórios
ocupados em 1967”, reforçou.
Mais recursos para a AP
O amparo da ONU à AP, todavia, não se restringe apenas à UNRWA. Outra importante
instituição, a UNDAF (United Nations Development Assistance Framewok), que
desenvolve parceria com países no campo de desenvolvimento social e
assistencial, também dá sustentação à Autoridade Palestina. Um termo de
cooperação entre a AP e a UNDAF assinado em junho de 2017, com o apoio das 21
agências da ONU que trabalham na região, inclusive a UNESCO e a UNICEF, traçou
um quadro de planos e estratégias envolvendo recursos de 1,3 bilhão de dólares
a serem investidos até 2022 para, segundo a UNDAF, “melhorar as perspectivas de
desenvolvimento e proteção social do povo da Palestina”.
O relatório de metas da UNDAF inclui como área principal de seu programa
de atenção à AP, “apoiar o caminho da Palestina para a independência”,
atendendo à “prioridade nacional do fim da ocupação e a conquista da
independência, através da mobilização nacional e internacional,
responsabilizando Israel pela atual situação”. A cerimônia do acordo foi
realizada em Ramallah, no gabinete do então primeiro ministro da AP, Al
Hamdallah, com a participação de várias agências da ONU.
Quase dois anos depois, em fevereiro de 2019,
em um vídeo replicado pelo Jerusalem Post, o presidente da Autoridade Palestina
(AP), Mahmoud Abbas, confirma que o dinheiro dos fundos e dos impostos financia
as famílias dos terroristas mortos ou presos em Israel. Ele admite que desde
1965 a Autoridade Palestina paga de 20 a 30 milhões de shekels mensais (em
torno de 8,5 milhões de dólares) para as famílias dos terroristas.
Ainda que a reação de Israel fosse reduzir em
5% o repasse de impostos ao governo de Ramallah, em outubro, depois de meses de
impasse, o governo israelense voltou a transferir recursos
para à AP com um depósito de 1,5 bilhão de shekels (431 milhões de dólares).