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sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Lula, o embaixador do Brasil


por Sheila Sacks 

Primeiro foram os balangandãs e a brejeirice de Carmem Miranda, a pequena notável, que nos anos de 1940 encantaram a América romântica dos musicais da Metro e da Fox. Depois foi a vez de Pelé, o camisa 10, tornar-se o rei do futebol e deslumbrar o mundo com seus dribles e jogadas nos campos da Europa. Já na era globalizada surge Paulo Coelho, o mago, cujos livros de autoconhecimento e de simbologias espirituais são traduzidos em mais de 60 idiomas e se vendem aos milhões até em praças editoriais da Malásia e da Macedônia.

Agora, nesta primeira década do século 21, um novo ícone made in Brazil vem emergindo na mídia mundial, angariando simpatia e marcando presença nos mais variados encontros de cúpulas do planeta. Posando ao lado de líderes das mais diferentes tendências políticas, exibindo trajes típicos dos locais visitados e presenteando os seus anfitriões com camisas autografadas da seleção brasileira de futebol, o presidente Lula tem roubado a cena em todos os eventos mundiais dos quais participa. Seu jeito simples e bonachão amolece qualquer protocolo e provoca sorrisos e empatia, já que ele é capaz de colocar a nossa tão amada camisa canarinho tanto nas mãos de Barack Obama quanto na de Dai Bingguo, da China, e também apoiar um protesto do Greenpeace pela salvação da Amazônia, no mesmo palco em que é condecorado com o prêmio da Unesco pela busca da paz.

Saída à francesa

Tais procedimentos à margem dos padrões convencionais dos cerimoniais levaram o presidente dos Estados Unidos a afirmar, em tom de brincadeira, em um encontro dos países do G-20 (nações em desenvolvimento) em Londres, que Lula é “o político mais popular da Terra”. Para em seguida se valer da expressão “this is the guy” (esse é o cara), deixando os ingleses um tanto confusos, já que o termo “guy” também pode ser entendido como bizarro. Mas, o presidente dos EUA não encerrou por aí as suas gentilezas. Dias depois da premiação de Lula, ocorrida em Paris, Obama se encontrou novamente com o presidente brasileiro, desta vez na Itália, para as reuniões do G-8 ( países mais ricos) e G-5 ( países emergentes), e pediu a Lula para que este intercedesse junto ao Irã, no sentido de que aquele país não utilize energia nuclear para fins bélicos. Um pedido meio esquisito, tratando-se do presidente da mais poderosa nação do mundo e cuja diplomacia possui outros meios para valer a sua vontade. A solicitação, aliás, soou mais como uma censura velada ao atual matiz da política exterior brasileira – que tem priorizado o fomento de relações com países fora do eixo Europa-Estados Unidos – e uma espécie de recado enviesado para que o Brasil saia de cima do muro e se posicione mais claramente em relação a uma das principais dores de cabeça do Ocidente: o Irã nuclear.

Observe-se que as recentes viagens de Lula às nações islâmicas do Cazaquistão (país que tem a maior reserva de urânio do mundo), Líbia (como convidado de honra de Muamar Kadafi, há 40 aos no poder, na Cúpula dos Países Africanos) e emirado de Catar (15% das reservas de gás natural do planeta), local da 2ª Cúpula América do Sul-Países Árabes, se de um lado renderam boas fotos e foram pródigas na produção de imagens favoráveis à personalidade carismática de nosso presidente, também ocasionaram alguns fatos constrangedores, como o da sua saída à francesa no início do banquete em Doha, para evitar ser fotografado ao lado do companheiro de mesa, o ditador do Sudão, Omar al-Bashir, indiciado dias antes por “crimes de guerra” pelo Tribunal Penal Internacional de Haia.

O Presidente das multidões

Quanto ao público interno, tudo leva a crer que cada vez mais se consolida a posição de Lula como o presidente das multidões, título análogo ao exibido pelo cantor carioca Orlando Silva, o cantor das multidões, que brilhou nas décadas de 1940/50. Colabora para isso o jeitão despojado associado a um tempero lingüístico muito pessoal, que não só colore e apimenta as entrevistas e eventos políticos como também incorpora o coletivo, dando cara e voz ao cidadão-urbano de salário achatado - o peão, o operário e o empregado em geral – que, não obstante a sua classe social se mantém atento e informado sobre o que ocorre no Brasil. Uma exposição de 80 fotos ( pinçadas de um total de mais de 2 milhões, informa o jornal O Globo) montada no Rio de Janeiro focaliza esse aspecto da personalidade de Lula, sempre cercado por uma multidão que quer abraçá-lo ou cumprimentá-lo como fosse um amigo de longa data ou uma pessoa da família. “Há uma projeção de cada brasileiro na imagem de Lula”, constata o curador da mostra, Ricardo Van Steen. Opinião que a última pesquisa do Ibope (junho/2009) confirma ao atribuir 80% de aprovação à figura do presidente.

Mas, sem dúvida, o maior abre alas da política social de Lula continua sendo o programa Bolsa-Família, que oferece mensalmente a 11 milhões de brasileiros uma ajuda de custo em dinheiro que varia de 60 a 180 reais. Esse projeto de complementação de renda familiar e redução da pobreza, que pode alçar o presidente brasileiro à chefia do Banco Mundial em 2011 ou levá-lo a um outro posto internacional, foi um dos trunfos de Lula na conquista do prêmio Félix Houphouët-Boigny, da Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura (Unesco). Uma láurea que o júri concedeu ao brasileiro “por sua atuação na promoção da paz e da igualdade de direitos”. Na ocasião foi lembrado que um terço dos premiados até hoje – 23 personalidades mundiais -, posteriormente receberam o Nobel da Paz, como os ex-presidentes Nelson Mandela (África do Sul) e Jimmy Carter (Estados Unidos). Um caminho, portanto, que Lula já começa a percorrer em sua trajetória de cidadão do mundo e embaixador honorário do Brasil, por vocação e mérito. Ainda que muita gente duvide.