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sexta-feira, 24 de junho de 2022

Espanha Sefarad: desterro e sofrimento

/ Sheila Sacks /

Em 21 de abril de 2024, um drama musical em um teatro de Lisboa reviveu um episódio de horror ocorrido há mais de 500 anos. Sob o título de "Rapto dos Inocentes", a ação se passa nas ilhas de São Tomé e Príncipe, na África, para onde foram levadas 2 mil crianças.


Espanha Sefarad: desterro e sofrimento

Em 1492, milhares de judeus sefarditas foram impelidos ao desterro para escapar das garras da Inquisição e da conversão forçada na Espanha. Infortunadamente, um ano depois, já em Portugal, 2 mil crianças, filhos desses judeus espanhóis, são arrancadas dos pais e levadas para uma ilha despovoada da África, infestada de serpentes peçonhentas, ratos do tamanho de coelhos e lagartos gigantes.

Para lembrar os 530 anos da expulsão dos judeus da Espanha e sua saga de sofrimento, uma escultura foi inaugurada, em 31 de março de 2022 no Porto de Cartagena, local da derradeira visão da Península Ibérica para aqueles judeus que partiam pelo mar em direção ao desconhecido.


Período de terror

Iniciada no século 12, a Inquisição atravessou os séculos como instrumento de perseguição, tortura e assassinatos. A Igreja Católica, através de seus tribunais e inquisidores saídos das fileiras das Ordens Dominicanas e Franciscanas, instalou um império de horror e perseguições contra grupos e comunidades não católicas da Europa e das Américas. Eram apontados como hereges, caçados, torturados e queimados vivos, por não seguirem os cânones religiosos estabelecidos pelos papas.

O astrônomo e matemático judeu Abrãao Zacuto (1450-1522), nascido em Salamanca, estima que 120 mil judeus espanhóis optaram pela fuga – ele mesmo um deles -  abandonando suas casas, seus bens e deixando para trás toda uma história pessoal e cultural estruturada por séculos. Despojados de seus pertences e de sua dignidade em uma diáspora dolorosa imposta por uma Igreja sectária e sem piedade que dominou a Europa na Idade Média e estendeu seus tentáculos em séculos posteriores. 

Na Espanha - a Sefarad para os judeus, palavra hebraica em alusão à Península Ibérica – a Inquisição foi estabelecida em 1478 e se tornou uma das mais cruéis do continente e além-mar, com milhares de execuções na fogueira, inclusive de conversos. Nos “autos da fé”, os condenados eram queimados vivos em atos públicos. Documentos apontam entre 130 a 150 mil processos de suspeita de heresia, com julgamentos sumários, conversões forçadas e sentenças de morte.

Em 31 de março de 1492, os reis Fernando II de Aragão e Isabel de Castela emitem a Ordem de Alhambra, documento que determina a expulsão dos judeus da Espanha e a obrigatoriedade da conversão ao catolicismo para aqueles que ficam no país. Mesmo assim, as perseguições continuaram e os conversos, denominados cristãos novos ou marranos, eram tratados com desconfiança pelo clero, autoridades e a própria sociedade.

A inquisição na Espanha foi extinta em 1834, mas somente em 1968 o governo espanhol revogou oficialmente o nefasto decreto abrindo a possibilidade, a partir de 2015, de descendentes de judeus sefarditas pleitearem a nacionalidade espanhola.

Deportação de 2 mil crianças


Em Portugal, para onde a grande maioria dos judeus sefarditas acorreu, o monarca D.João II (1455-1495) permitiu a entrada dos refugiados, mas com um salvo-conduto de oito meses. Ele faleceu em 1495 e o sucessor D.Manuel decretou a expulsão dos judeus no ano seguinte, estabelecendo a data de 5 de dezembro de 1497 como prazo final da retirada ou a conversão ao cristianismo.

Mas a estadia dos judeus fugidos da Espanha sob a coroa de D.João II teve momentos trágicos. Um dos mais abomináveis foi a deportação de duas mil crianças judias para a ilha de São Tomé, no Golfo da Guiné, a 300 quilômetros do continente africano, terra descoberta em 1470 sob seu reinado. As crianças, separadas à força de seus pais, a partir do porto de Lisboa, foram postas em barcos e enviadas à ilha despovoada repleta de animais selvagens. O donatário de São Tomé, Álvaro de Caminha, recebeu carta branca do rei para trazer escravos, degredados e os filhos dos judeus conversos que ainda viviam no reino. Uma ilha com área de 859 km2, menor que a cidade do Rio de Janeiro, e que no século 16 se torna o maior entreposto de escravos da África para o Brasil.

O relato da deportação das crianças foi narrado por Samuel Usque (1530-1596) em Consolação às Tribulações de Israel, provavelmente escrito em 1553. Judeu português fugido de Castela, Usque conta o desespero de pais e filhos diante da inevitável separação, com mães desconsoladas se jogando ao mar com suas crianças numa tentativa extrema de mantê-las perto de si.

“Quando essas crianças inocentes chegaram à selva de São Tomé, o que seria os seus túmulos, elas foram levadas à costa e deixadas ali sem compaixão. Quase todas foram engolidas pelos grandes lagartos da ilha e as que ficaram, pois escaparam dos répteis, morreram de fome e abandono.” Em um ano, apenas 600 crianças ainda se mantinham vivas.

Mais duas outras narrativas sobre esse período de dor são registradas por Salomão Ibn Verga (1460-1554) e Yosef Ha-Cohen (1496-1575). Judeu espanhol, Ibn Verga viveu em Portugal após a expulsão da Espanha e depois se refugiou na Itália. Ele é autor do livro Shebet Yehudá (Cetro de Judá) que descreve o deslocamento forçado dessas crianças à ilha de São Tomé, que juntamente com a ilha de Príncipe eram desabitadas. O relato apareceu pela primeira vez em 1550, na Turquia.

A crônica Shebet Yehuda contém ainda um relato de perseguições e descreve costumes judaicos em diferentes países.  No capítulo 59, está dito: “Quem não assistiu estas terríveis cenas de prantos, choros e gritos de mulheres, jamais haverá visto e escutado tamanha preocupação e desconsolo. Ninguém consola e ninguém protege ou defende.”  

Também nascido em Sefarad, Yosef Ha-Cohen escreveu o livro Emeq Ha-Baqa (Vale das Lágrimas), publicado em 1575. Expulso da Espanha, foi para Portugal e faleceu em Gênova. Ele narra em suas crônicas as agruras e o desespero dos judeus no porto de Lisboa. “Todas as mulheres choravam aos prantos, quando seus filhos lhes eram arrancados dos braços, enquanto seus maridos, amargurados e desesperados, arrancavam suas barbas à força.”

Outros relatos


Existem ainda relatos de cronistas não judeus da época, como o de Valentim Fernandes (1450-1519), nascido na Morávia e que trabalhou para a Coroa Portuguesa como impressor, editor e tradutor. Em 1506, ele escreveu: “Mandou o dito rei com esse capitão (Álvaro Caminha, o donatário da ilha), 2.000 meninos de 8 anos para baixo, que tomou aos judeus castelhanos e os mandou batizar, dos quais morreram muitos, porém pelo presente serão vivos entre machos e fêmeas bem 600.”

Sobre os ferozes lagartos, semelhantes a crocodilos, Valetim descreve literalmente: “Lagartos havia muitos e agora poucos, de doze côvados em longo. E comem homens e mulheres, vacas e bois e animalia. Estes lagartos não vão fora de água senão que sempre lhes fica o rabo na água doce. E qualquer animalia que toma logo dá com ela na água e dentro na água a mata e come. Empina-se sobre o rabo como um homem em pés.” 

Além dos lagartos, Valentim fala sobre ratos gigantes e enormes cobras que infestavam a ilha: “Cobras há nesta ilha muito peçonhentas de dois côvados de longo e de um braço de homem em gordo. E estão olhando os homens e não fogem deles. Estas cobras são negras de cor.“

O cronista-mor do reinado de D.João II, o português Rui de Pina (1440-1522), também secretário e embaixador do reino, narrou o episódio em suas crônicas: “Neste ano de 1493... o rei deu a Álvaro de Caminha a capitania da ilha de São Tomé de direito e herança; e quanto aos judeus castelhanos que não havia deixado seu reino dentro do prazo data, ordenou que, de acordo com a condição à sua entrada, todos os meninos e rapazes e meninas dos judeus sejam levados cativos. Depois de ter todos eles se tornaram cristãos, ele os enviou para a dita ilha com Álvaro de Caminha, para que ao ser isolados, teriam motivos para serem melhores cristãos, e [o rei] teria por essa razão para que a ilha seja melhor povoada, o que, como resultado, culminou em grande crescimento.”

Outra narrativa, desta vez de Garcia de Resende (1470- 1536), compilador e secretário particular do rei D.João II, repete o que já foi dito por Pina em relação à motivação do desterro das crianças: “Para serem apartados dos pais e de suas doutrinas e de quem lhes pudesse falar da lei de Moisés, fossem bons cristãos; e também para que, crescendo e casando, pudesse com eles povoar a ilha, que por esta causa daí em diante foi em crescimento.”

O erudito e mecenas judeu Isaac Abravanel (1437–1508), nascido em Lisboa, chamava a ilha de São Tomé de Ha-Timsahim, a ilha dos Lagartos, em alusão aos enormes répteis existentes no local e também para não pronunciar o nome de um santo católico.

De acordo com o historiador Elias Lipiner (1916-1998), estudioso da história luso-judaica e autor de livros sobre o tema (agraciado post mortem pelo governo de Portugal com a Comenda da Ordem do Mérito), Abravanel fala dessas criaturas semelhantes a crocodilos que chegavam a medir 10 metros. “Os lagartos saiam do mar para a ilha em busca de presa (...) e não obstante a luta dos homens contra eles com espadas, lanças, martelos e machados (...) eram capazes de devorar, por inteiro, um bezerro ou um menino.”

Sem rastros


No reinado de D.Manuel (1469-1521) que se seguiu ao de D.João II, a situação dos judeus que permaneceram em Portugal também foi difícil e dramática. O rei assina em dezembro de 1496 o Édito de Expulsão e dá um prazo de 10 meses para a saída dos judeus do reino. Mas, durante esse período, além de dificultar ao máxima a saída das famílias, quatro meses depois do édito determinou que os filhos menores de 14 anos de pais judeus fossem arrancados de seus pais, batizados e entregues a famílias católicas. O rastro dessas crianças perdeu-se no tempo.

Estima-se que dos 120 mil judeus que vieram da Espanha e mais os 75 mil judeus portugueses que viviam no país, somente 5 mil conseguiram escapar ( porque a maioria não podia pagar as taxas estipuladas pela Coroa), ficando o restante condenado à conversão. São os chamados cristãos novos ou marranos (convertido à força, do hebraico com castelhano, ‘mumrrano’, segundo Lipiner no livro ‘Santa Inquisição: terror e linguagem’).

A Inquisição teve seus primórdios em 1223, a partir da emissão de uma Bula Papal contra os hereges na França emitida pelo papa Gregório IX. Através dos séculos aterrorizou e perseguiu pessoas, e documentos falam em 300 mil condenações e 30 mil execuções.

Desde 2015, quando o Parlamento espanhol aprovou uma lei que concede cidadania a qualquer pessoa que possa provar pelo menos um ancestral judeu que tenha sido expulso durante a Inquisição, já foram aprovados 34 mil pedidos de cidadania espanhola. Atualmente vivem na Espanha 13 mil judeus.

Em Portugal, onde a Inquisição funcionou por 285 anos (1536-1821), já são 57 mil pedidos de cidadania portuguesa aprovados oriundos s de mais de 60 países. Lá a lei de cidadania também foi instituída em 2015.  Efetivamente cerca de 5 mil judeus residem em Portugal. 

Desterro inspira pesquisas

Em 2003, o diplomata e escritor Moshe Liba, nascido na Romênia e que emigrou para Israel após o Holocausto, editou o livro “Jewish Child Slaves in São Tomé” ( Crianças escravas judias em São Tomé), que reúne artigos, ensaios e documentos sobre as consequências sociais e culturais desse episódio escabroso da história. Seria uma possível miscigenação na formação da sociedade na ilha e vestígios de hábitos e tradições dos judeus sefarditas observados na população.

Primeiro embaixador de Israel em São Tomé, o livro – que teve a coautoria do pesquisador e professor Norman Simms -  é resultado de um seminário promovido na ilha ,em 1995, e que contou com a presença de estudiosos de vários países. Na ocasião, recepcionado pelo então presidente da República de São Tomé e Príncipe, Miguel Trovoada - que posteriormente foi representante especial das Nações Unidas para a Guiné-Bissau - Liba ouviu do político as seguintes palavras: “Embaixador, temos raízes comuns. As crianças judias trazidas aqui como escravos de Portugal foram os primeiros colonos desta ilha.”

Pelas pesquisas de Liba, apesar da falta de documentação do destino das crianças, ele observa que registros históricos assinalam que alguns conversos da ilha eram acusados de práticas judaicas. No livro “L’ancien Congo d’après les archives romaines (1518-1640)”, os historiadores J. Cuvelier e L.Jardin apresentam um documento de 1632 que em certo trecho afirma que ”a ilha (São Tomé) está infestada de novos cristãos que praticam os ritos judaicos quase abertamente”.

No texto assinado por Lipiner e incluído no livro (‘O Primeiro Batismo Compulsório Coletivo Ocorrido em Portugal), o autor faz uma diferenciação do status dos judeus na ilha, denominando-os de “cativos” e não “escravos”, apesar de não serem pessoas livres (Lipiner, nascido na Bessarábia, viveu muitos anos no Brasil e depois emigrou para Israel).

Liba relata ainda que em suas andanças na iIlha somente encontrou duas sepulturas judaicas (de Arão Gabai e Avraham Cohen) ao lado do cemitério de São Tomé, datadas do final de 1800, provavelmente de comerciantes que aportaram no local. Todavia, conversando com o bispo local, este disse que contam que as crianças foram enterradas nos arredores da igreja.

Por sua vez, Simms anota que no final do século 16, documentos registram a presença de cristãos novos vindos de São Tomé para se estabelecerem no Brasil nas plantações de açúcar. Pesquisador das raízes judaicas na África no período dos descobrimentos e autor de “Jewish Children of São Tomé”, ele especula que esses cristãos novos poderiam ser descendentes das crianças judias que habitavam a ilha. “Existe a probabilidade que na época do domínio holandês no Brasil, em meados do século 17 (1630 -1654), mais uma geração de cristãos-novos, descendentes dos ”Filhos de São Tomé”, tenha vindo se estabelecer na colônia, principalmente em Recife (Pernambuco).” Assim deixariam para trás a Coroa Portuguesa e a Inquisição para retornar ao Judaísmo ancestral.

Romances idealizam tragédia


Festejado pela crítica literária, o romance Órion do premiado escritor português Mário Claudio foi lançado em Lisboa, em 2003, e tem como tema central o rapto das crianças judias. A obra de ficção ambientada em São Tomé acompanha a trajetória de mais de meio século de sete “moços” (meninos e meninas) judeus trazidos à ilha, e que apesar do sofrimento e das adversidades enfrentadas mantêm sua ligação com o D’us de seus antepassados.

Por duas vezes ganhador do Grande Prêmio de Romance e Novela, da Associação Portuguesa de Escritores, Mário Cláudio usa uma linguagem lúdica e alegórica para descrever aquela fatídica manhã, na Praça da Ribeira, onde as crianças se reuniam.  “Era uma manhã de Abril, tão suave que mais parecia um agouro de acontecimentos festivos do que o limiar de um holocausto que se preparasse.”

Em 2010, é a vez do americano Paul Cohn publicar “Sao Tome- Journey to the Abyss-Portugal's Stolen Children” (São Tomé: Viagem ao Abismo - Crianças Roubadas de Portugal), que ganhou o título “Rapto em Lisboa”, na edição portuguesa. A história gira em torno de dois irmãos, um menino e uma menina, sequestrados com outras crianças de uma sinagoga em Lisboa e embarcados em uma caravela para São Tomé, a 4 mil milhas de Portugal.

Quatro anos depois, o escritor Orlando Trindade, natural de São Tomé, publica o livro “Os meninos judeus desterrados” (2014), tendo como fundo os primórdios da colonização da ilha e a chegada de centenas de crianças judias que, em sua maioria, não resiste as agruras da viagem e o ambiente inóspito. A narrativa segue um menino de seis anos que sobrevive à selva e às dificuldades.

Já na década de 1980, a escritora de livros infanto-juvenis Henye Meyer se inspira no triste episódio para escrever “The Exiles of Crocodile Island” (Os exilados da Ilha dos Crocodilos). Americana de nascimento, ela vive na Inglaterra e é autora de uma dezena de livros de temática judaica voltada para o público adolescente. De acordo com o resumo apresentado pela editora, o livro em questão narra a história de uma comunidade de crianças arrancadas de suas casas pela Inquisição e sua luta desafiadora para manter sua fé em um ambiente hostil. 

Sem saída


Ainda na área de pesquisa histórica, a festejada obra do escritor inglês de origem judaica Simon Schama (A História dos Judeus) publicada em 2013, também aborda o episódio das crianças levadas de Lisboa a São Tomé no reinado de D.João II. “Os judeus vindos de Espanha, sobretudo crianças, seriam sujeitos a uma conversão rápida e iriam cristianizar São Tomé, acasalados com os escravos africanos que também foram enviados para a ilha”, assinala.

Professor nas Universidades de Harvard e Columbia e residindo nos Estados Unidos, Schama igualmente cita outra ação envolvendo o rapto de crianças judias, desta vez em 1497, ordenada pelo sucessor D.Manuel. E ressalta que “nunca mais foram vistas”. Sobre Portugal da época, ele descreve: "Os judeus ficaram presos no que foi, na realidade, o primeiro campo de concentração, de onde não podiam fugir nem ter autorização para sair se não se convertessem.”

Para o pesquisador americano Robert Garfield, Ph.D. em Estudos Africanos e professor na Universidade DePaul, em Chicago, São Tomé, quando foi descoberta em 1470 pelos portugueses que procuravam o caminho das índias, era uma ilha incomum, longe da Europa, localizada no Golfo da Guiné e desabitada. Foi colonizada por portugueses condenados, crianças judias convertidas à força e escravos africanos. A mistura dessas culturas, segundo Garfield, “criou uma sociedade inteiramente nova dentro da ilha”.

Autor do livro “A Chave para Guiné: Uma História da Ilha de São Tomé 1470-1655”, publicado originalmente em 1992 e traduzido para o português em 2019, Garfield fala sobre uma sociedade que floresceu na ilha, formada por ricos plantadores de açúcar e dedicada ao comércio de escravos. Enfrentando motins e rebeliões, a ilha foi atacada e invadida por europeus e sua economia entra em colapso em pouco mais de quatro gerações.

O arquipélago de São Tomé e Príncipe também foi tema de um Colóquio Internacional promovido pelo Instituto Universitário de Lisboa que atraiu mais de 100 oradores, em 2012, para debater o colonialismo, o período pós-colonial, a diáspora, literatura, linguística e desenvolvimento da região.

Uma publicação sobre o Colóquio apresentou mais de três dezenas de artigos acadêmicos abordando os aspectos sociais, econômicos e culturais da ilha ao longo do tempo. Sobre o início a colonização de São Tomé, documentos citados indicam: “Vindos em 1493 com Álvaro de Caminha, chegaram também a São Tomé 2.000 meninos judeus, cujos pais vieram para Portugal, expulsos de Espanha pelos reis católicos. Era objetivo da Coroa que fossem convertidos ao cristianismo e que ajudassem ao povoamento. Do conjunto deles, de que nenhum excedia os oito anos, diria Pêro de Caminha, terem dado boa conta da missão que lhes fora cometida. A sua integração na restante da comunidade através do casamento, teria sido, contudo, problemática, Do contingente inicial, em 1505/1506, reduziu-se apenas a 600.”

Lembrando Valetim Fernandes como fonte, são apresentados os seguintes números em relação à população da ilha, passados mais de uma década após a chegada das crianças: “600 descendentes de judeus castelhanos; 200 moradores na povoação principal (na maioria degredados); 1.000 moradores em toda a ilha (sem esclarecer se os descendentes de judeus se encontram entre eles); 2.000 escravos a trabalhar; 5 a 6.000 escravos para resgate”.

A Jewish Virtual Library comenta que até 1600, as práticas judaicas ainda podiam ser observadas nas ilhas, mas que no século 18 a maior parte da herança judaica já não existia. Também conta que uma pequena comunidade foi estabelecida nos séculos 19 e 20 com a chegada de alguns comerciantes judeus de cacau e açúcar. Mas, hoje, não há judeus vivendo nas ilhas.


Atualmente, a República de São Tomé e Príncipe (a distância entre as ilhas é de 140 km) tem em torno de 215 mil habitantes, ficou independente em 1975 e a língua oficial é o português. A principal atividade econômica do arquipélago é a agricultura, com base na exportação de semente de cacau, e a pesca. Segundo o Banco Mundial, um terço da população vive abaixo da linha internacional da pobreza (US$1,90 por dia).

Texto escrito em 2022 e atualizado em 2025



terça-feira, 26 de abril de 2022

Perto da natureza: parques nacionais atraem 17 milhões de visitantes

 / Sheila Sacks /



O ecoturismo cresceu no país no ano passado superando o período de antes da pandemia que teve o seu pico, em 2019, quando 15,3 milhões de turistas visitaram unidades nacionais de conservação. Em 2021, esse número aumentou para 17 milhões. Os dados são do Ministério do Turismo.

O Parque Nacional da Tijuca, no Rio, foi a segunda área ambiental mais procurada, com 1,7 milhão de turistas, seguido pelo Parque Nacional de Jericoacoara (Ceará), com 1,6 milhão. Já a campeã de visitas foi a Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca, no litoral sul de Santa Catarina, que tem 130 km de costa marítima e abrange nove municípios. Os visitantes somaram 7 milhões, um recorde. O local leva esse nome porque a baleia franca, em sua rota migratória, passa pela região entre os meses de junho e novembro.



Entre os dez parques mais visitados contam ainda o Parque Nacional da Serra da Bocaina, entre as divisas de Rio e São Paulo; o Parque Nacional do Iguaçu, no extremo oeste do Paraná; a Reserva Extrativista Marinha do Arraial do Cabo, na Região dos Lagos do Rio; e a Área de Proteção Ambiental de Fernando de Noronha, arquipélago a 350 km da costa nordeste do país.

Geoparques



A novidade em 2022 é que desde 21 de abril o Brasil passa a contar com três geoparques reconhecidos pela Unesco (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. São eles: Caminhos dos Cânions do Sul - que atravessa os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul; Seridó, no Rio Grande do Norte (ambos aceitos este ano); e Araripe, no Ceará, este último o primeiro parque geológico das Américas aprovado pela Unesco, em 2006.

Os geoparque são áreas de relevância geológica reconhecidos internacionalmente, testemunhas importantes da evolução do planeta Terra. Com essa visão, a Unesco criou, em 2004, a Global Geoparks Network (GGN), uma rede internacional que hoje reúne 177 geoparques de 46 países formando um patrimônio geológico único em matéria de beleza, história e administração sustentável.



No caso dos geoparques Caminhos dos Cânions do Sul e Seridó, a decisão foi anunciada em 13 de abril, em Paris, na 214ª sessão do Conselho Executivo do órgão, e oficializada dia 21. Para a Unesco, os geoparques são os “territórios do futuro” porque geram oportunidades de renda e melhorias  nas comunidades.

Características



O geoparque sulista se caracteriza pelo bioma da Mata Atlântica, um dos ecossistemas mais ricos do planeta em termos de biodiversidade. Também apresenta grandes paleotocas (cavidades subterrâneas) do período pré-colombiano quem eram utilizadas por mega-animas já extintos como a preguiça gigante. Tem rios, dunas, lagos, cachoeiras, praias, trilhas, pousadas e toda a infraestrutura para atender o ecoturismo. A gralha azul é um dos símbolos da região.

Mas, o que mais impressiona, de acordo com a Unesco, são os cânions, os maiores da América Latina, que se estendem por 200 quilômetros. As escarpas foram formadas por processos geomorfológicos únicos durante a dissolução do supercontinente Gondwana, há cerca de 180 milhões de anos. Pesquisas geológicas postulam que Gondwana ( referência a uma região na Índia) foi um supercontinente que existiu há mais de 2oo milhões de anos antes de se dividir no que hoje são os continentes ou subcontinentes da África, América do Sul, Antártida, Índia e Austrália.



O Geoparque de Seridó fica no semiárido nordestino, tem 2.800 km2 e é composto por um bioma exclusivamente brasileiro: a Caatinga. Abriga 21 geossítios de interesse geomorfológico, paleontológico e arqueológico de mais de 500 milhões de anos e possui uma das maiores reservas de scheelita da América do Sul, um mineral estratégico usado em equipamentos de raio-x, motores de foguetes, revestimentos de mísseis etc.

O de Araripe, que se estende por uma área de 3.789 km2, é uma região importante para o registro geológico do período Cretáceo (entre 150 e 90 milhões de anos), com geossítios preservados de fragmentos de troncos e fósseis petrificados de aproximadamente 145 milhões de anos. Como, por exemplo, restos de pterossauros (variedade de réptil voador), dinossauros, tartarugas, peixes e vegetais.



O Brasil é o segundo país das Américas, depois do Canadá, a ter o maior número de geoparques internacionais. A China lidera o ranking global da Unesco, com 41 geoparques, seguida pela Espanha, com 15.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Covid-19 projeta um futuro de incertezas

  / Sheila Sacks /



Reportagem da agência britânica Reuters publicada em 7/2/2022 alerta para a situação mundial em relação à Covid-19. Sob o título Afrouxar restrições em regiões de Covid-Zero pode causar 2 milhões de mortes por ano ( em tradução livre do inglês), o correspondente em Xangai,  David Stanway, revela estudo produzido por cientistas chineses que aconselham o país a manter as restrições em relação à mobilidade das pessoas no sentido de conter o número de mortes pelos vírus.

Segundo os pesquisadores, especialistas em saúde pública, é necessário continuar com controles rígidos nos deslocamentos e aglomerações para impedir a propagação da variante Ômicron, mais infecciosa, concomitante ao empenho de desenvolver vacinas melhores para a prevenção de infecções.

Vacinas mais eficazes

A pesquisa reforça o entendimento de que a abolição de medidas isolacionistas poderia gerar milhões de mortes. A tese se baseia em estudos, gráficos e dados colhidos no Chile e na Grã-Bretanha quanto à eficácia inicial das vacinas usadas nos dois países: a CoronaVac, no Chile, e a Pfizer e Oxford/AstraZeneca, na Grã-Bretanha.

No início de fevereiro, em meio a recordes diários de mais de 30 mil casos diários, o Chile iniciou a quarta dose da vacina contra a Covid-19 para pessoas com mais de 55 anos. Cerca de 73% da população já está vacinada com as três doses. Em meados de 2020, o país conviveu por cinco meses com um plano rígido de isolamento social que fez despencar os casos do vírus, mas a partir da flexibilização viu o número de casos explodir.

O estudo dos cientistas chineses foi publicado no Boletim semanal do Centro de Controle e Prevenção de doenças da China (CCDC), uma estatal que cuida da gestão da saúde pública no país. Segundo a conclusão dos pesquisadores, a eficácia inicial das vacinas contra mortes provocadas pela Covid-19 foi de 86%; de 68% contra a doença sintomática e de apenas 30% em relação à infecção.

Assim, ainda que a taxa global de vacinação possa alcançar 95%, regiões como a China, que seguem o programa Covid-Zero, teriam mais de 234 milhões de infecções em um ano, incluindo 64 milhões de casos sintomáticos e 2 milhões de mortes. Isso se a mobilidade das populações fosse restaurada a níveis de 2019, antes da pandemia.

O estudo aponta que para reduzir a incidência da Covid-19 aos níveis de gripe, a eficácia das vacinas contra a infecção precisa ser aumentada de 30%  para 40%. Contra a doença sintomática a percentagem da eficácia subiria para o patamar de 90%. Os chineses afirmam que a chave para o controle da Covid-19 está no desenvolvimento de vacinas mais eficazes na prevenção das infecções.

O epidemiologista-chefe do CCDC, Wu Zunyou, advoga medidas abrangentes para controlar o coronavírus. “Antes pensávamos que a Covid-19 podia ser basicamente contida por meio de vacinas, mas agora parece que não há um método simples de controle”, avalia. A China é a única grande economia do planeta que prossegue na estratégia da Covid-Zero, monitorando com rigor os casos da doença, isolando cidades e populações. Na Nova Zelândia, apesar de alguns protestos, o governo também segue impondo medidas restritivas, e a Austrália Ocidental permanece fechada para a maioria dos não residentes.

Tragédia da Ômicron

Um dia depois da reportagem da Reuters, a Organização  Mundial de Saúde  (OMS) lamentou publicamente o meio milhão de mortes provocada pela variante Ômicron, desde que foi detectada,  no final de novembro de 2021, há quase três meses. Cento e trinta milhões de pessoas já foram infectadas e segundo a epidemiologista da OMS, Maria Van Kerkhove,  o número pode ser bem maior. “Ainda estamos no meio dessa pandemia e muitos países não alcançaram o pico da Ômicron”, disse.

Em sua atualização semanal, a OMS informou que  a Europa deteve 58% dos novos casos confirmados,  na primeira semana de fevereiro, e 35% das mortes registradas. O continente americano representou 23% dos novos casos e 44% das mortes.

“Em tempos de uma vacina eficaz, meio milhão de pessoas morrendo é mais do que trágico”, desabafou  Abdi Mahamud, gerente de incidentes da OMS. “Enquanto todos diziam que a Ômicron é mais leve, não percebiam que meio milhão de pessoas morria desde que a variante foi descoberta.”

Novas variantes



Para piorar a situação, a descoberta da variante Ômicron em cervos de cauda branca, no condado de Staten Island, em Nova York, desperta mais uma preocupação nos cientistas. A hipótese de que os animais (30 milhões nos Estados Unidos) possam ser hospedeiros dessa cepa de vírus aumenta a probabilidade de o vírus evoluir para novas variantes.

O microbiologista veterinário Suresh Kuchipudi, da Universidade Estadual da Pensilvânia, explica que quando há circulação do vírus em animais sempre aumenta a possibilidade de o vírus sofrer uma mutação completa e escapar da atual proteção vacinal. “Então teríamos de mudar a vacina novamente”, afirma.

Análises de amostras de sangue e nasais em 131 cervos revelaram que quase 15% tinham anticorpos contra o vírus. A descoberta sugere que os animais tiveram infecções anteriores por coronavírus e eram vulneráveis a repetidas reinfecções com novas variantes.

Convivendo com a pandemia

Em recente entrevista publicada no site da organização holandesa Cordaid, de ajuda humanitária global,  o vice-presidente da Coalizão para Inovações e Prevenção de Epidemias (CEPI, na sigla em inglês), Frederik Kristensen, faz um alerta: “É 100% certo que as pandemias farão parte do nosso futuro. As incertezas são: quando, com que frequência e com que gravidade.”

Ele avalia que devido ao aumento da densidade populacional, às mudanças ambientais e a nossa crescente capacidade de viajar pelo mundo, as pandemias voltarão a acontecer, e, portanto, é preciso desenvolver novas vacinas. A prioridade deve ser desenvolver uma vacina Covid-19 à prova de variantes e preparar vacinas contra duas dezenas de doenças com potencial epidêmico. 

Apesar de mais de dois anos de combate à Covid-19, Kristensen é cético em relação ao enfrentamento de possíveis novas epidemias: “O mundo está extremamente despreparado para enfrentar qualquer tipo de doença com potencial epidêmico”, declara.

Aqui no Brasil, 1.295 mortes em um único dia marcaram sinistramente a data de 9 de fevereiro de 2022. Foi o maior número de óbitos causado pela Covid-19, desde 29 de julho do ano passado, quando foram registradas 1.354 mortes. 

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Surtos e recuos (atualização em 7/3)

No início de março, a Organização Mundial de Saúde informou que na última semana de fevereiro foram relatados 10 milhões de novos casos e mais de 60 mil mortes provocadas pelo coronovírus. Apesar de uma redução de 8% na média de casos no continente das Américas, houve um aumento de 22% na região do Pacífico Ocidental (Austrália, entre outros, que reabriu as fronteiras) e de 4% na região do Mediterrâneo Oriental que engloba a Grécia e o Egito.  Na cidade de Hong Kong, depois de dois anos de controle rígido da pandemia (somente 12 mil casos registrados), a região vive um surto avassalador de Covid-19, com 200 mil casos nos últimos dois meses.

Com a flexibilização das medidas restritivas em vários países, inclusive no Brasil, o estudo de novas vacinas e medicamentos, e a suplementação das doses de reforços, é preciso acompanhar o comportamento viral da variante Ômicron ou das novas variantes que possam surgir. O virologista Jesse Bloom, especialista em evolução de vírus do Centro de Pesquisas Fred Hutch, em Seattle (Washington), falou à revista Nature, há poucos dias, sobre os dois cenários prováveis no futuro acerca da doença.

No primeiro, a Ômicron continuaria a evoluir, criando algum tipo de variante como Ômicron-plus, pior que as sub-linhagens BA.1 ( que responde para a maioria dos casos) e BA.2, dominante em países como Índia, Filipinas e Dinamarca. A segunda possibilidade seria o aparecimento de uma nova variante, como aconteceu com a Delta, Alpha e a Ômicron.

O fato é que a medida que entramos no terceiro ano da pandemia, oscilando entre surtos e recuos, muitos especialistas preferem a cautela e uma abordagem menos incisiva diante do explícito cansaço emocional das sociedades em relação à doença e a notória aspiração coletiva de um retorno gradual ao velho normal de antes da hecatombe de 2019.

 


 

 

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Holocausto, antissemitismo e inveja

 / Sheila Sacks / 



Há poucos dias, em 22 de janeiro, manchete do jornal Jerusalem Post anunciava que 2021 foi o ano mais antissemita da última década – “2021 was the most antisemitic year in the last decade”. Uma notícia dada às vésperas do Dia Internacional do Holocausto, celebrado anualmente em 27 de janeiro, e que reforça, ainda mais, o compromisso de todo o cidadão de bem de enfrentar e combater essa terrível chaga que ainda conspurca nossas sociedades.

Com base no relatório anual publicado pela Organização Sionista Mundial (World Zionist Organization) e a Agência Judaica(Jewish Agency), o jornal israelense destaca que os principais incidentes foram pichações, vandalismo, profanações e principalmente propaganda antissemita.

Em maio, de acordo com o jornal, foi o mês onde ocorreram muitas situações de tensão, com eventos de aglomerações e incitamento contra os judeus do tipo Nakba Day, Jerusalém Day e Al-Quds Day. Também houve um acirramento na escalada de violência provocado pela disputa judicial envolvendo palestinos em Sheikh Jarrah, além dos inúmeros tumultos judaico-árabes nas cidades mistas de Israel.

A Operação Guardiões dos Muros (Operation Guardian of the Walls) que combateu terroristas do Hamas e a Jihad palestina, em Gaza, igualmente causou reações antissemitas ao redor do mundo. Iniciada em 10 de maio, destruiu 100 quilômetros de túneis subterrâneos lotados de munição.  De Gaza, os terroristas lançaram mais de 4 mil foguetes contra cidades israelenses e civis, sendo que 90% deles foram interceptados pela sistema de defesa aérea do país.

Foi observado que a cada manifestação de grupos contrários a Israel e eventos de confronto entre israelenses e palestinos, houve um aumento expressivo de incidentes antissemitas em vários locais do planeta.

Pandemia e Holocausto

Em relação à pandemia de Covid 19, que se estendeu por todo ano de 2021, um fenômeno preocupante foi observado no relatório: manifestações em várias cidades da Europa comparando a vacinação obrigatória às políticas da Alemanha nazista durante o Holocausto. Nesses protestos muitas pessoas ostentaram estrelas amarelas para destacar a suposta comparação.

De acordo com o relatório, o uso desses símbolos cria um enfoque inquietante já sentido em várias ocasiões. A chamada “banalização do Holocausto”, ou a banalização do mal, cujo objetivo principal é apequenar as dimensões trágicas e a singularidade daquele que foi o maior e o mais horrendo massacre humano do século. Portador de uma importância histórica sem precedentes na cultura moderna.

A Europa continua sendo o continente onde ocorre grande parte dos eventos antissemitas, seguido pelos Estados Unidos, com 30% dos incidentes. Houve aumento significativo de antissemitismo no Canadá e na Austrália. Em Nova York duplicou os casos, totalizando 503 incidentes em 2021, assim como em Los Angeles, que viu subir em 59% a incidência desse tipo de preconceito.

Alemanha, com 1.850 incidentes, Reino Unido (1.308), França (583, um aumento de 75% em relação a 2020) e Áustria foram os países com mais casos de antissemitismo, inclusive envolvendo agressões físicas. 

O poder maligno da inveja



Coincidentemente, no início de janeiro, o site do rabino Sir Jonathan Sacks (1948-2020) republicou uma prédica intitulada “A estrutura de uma boa sociedade” - The Structure of the Good Society.

No texto, o rabino, nascido em Londres e agraciado com o título de Lord pela rainha Elizabeth II, analisa os comandos dos “Dez Mandamentos” outorgados a Moisés no Monte Sinai. Ele explica que a Torá os chama de  asseret ha-devarim , isto é, “dez enunciados”. Daí a tradução grega, Decálogo, que significa “dez palavras”.

Em sua explanação, os comandos estariam estruturados em três grupos de três, com um décimo separado dos demais. No terceiro grupo de três comandos – contra o adultério, o roubo e o falso testemunho – são estabelecidas as instituições básicas que sustentam a sociedade. Mas, o tópico que merece maior reflexão é sua abordagem sobre a proibição autônoma que envolve a inveja: “Não cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás a mulher do teu próximo, e seu servo, e sua serva, e seu boi, e seu asno, e tudo que seja teu próximo.”

Para o rabino Sacks, o maior desafio de qualquer sociedade é conter o fenômeno universal e inevitável da inveja, o desejo de ter o que pertence a outra pessoa. E ele lembra: “ Foi a inveja que levou Caim a assassinar Abel, fez Abraão e Isaac temerem por suas vidas porque eram casados com belas mulheres, levou os irmãos de José a odiá-lo e vendê-lo como escravo. É a inveja que leva ao adultério, ao roubo e ao falso testemunho.”

E prossegue: “Cada um de nós tem sua própria tarefa e suas próprias bênçãos, e cada um de nós é amado e estimado por Deus. Viva por essas verdades e haverá ordem. Abandone-os e haverá caos. Nada é mais inútil e destrutivo do que deixar a felicidade de outra pessoa diminuir a sua, que é o que a inveja faz. O antídoto para a inveja é, como bem disse Ben Zoma,  - regozijar-se com o que temos (Mishná Avot 4:1 ) - e não se preocupar com o que ainda não temos. As sociedades de consumo são construídas sobre a criação e intensificação da inveja, razão pela qual levam as pessoas a ter mais e desfrutar menos.”

Ao finalizar o texto, o rabino Sacks oferece aos leitores uma orientação espiritual descomplicada e ao alcance de todos. Diz ele: Trinta e três séculos depois de terem sido dados pela primeira vez, os Dez Mandamentos continuam sendo o guia mais simples e curto para a criação e manutenção de uma boa sociedade. Muitas alternativas foram tentadas, e a maioria terminou em lágrimas. O sábio aforismo permanece verdadeiro: quando tudo mais falhar, leia as instruções, conclui.

Nada mais adequado para a celebração deste 27 de janeiro de 2022, data que marca a libertação do campo da morte Auschwitz-Birkenau, há exatos 77 anos. Que as Dez Instruções iluminem as sociedades, os governos e todos aqueles que têm a responsabilidade pública de zelar pelos valores morais e manter as instituições livres e justas no respeito e defesa da liberdade de cada um.

Holocausto, Nunca Mais !


quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

De engenharia, trabalho e gente

/  Sheila Sacks / 



Poucos lembram, talvez porque a grande mídia não deu atenção ou repercussão ao fato. Pesquisando no Google, apenas algumas páginas específicas reportam o evento. No entanto, há mais de uma década, em dezembro de 2008, o Brasil sediou o maior encontro da engenharia mundial, a WEC 2008 (World Engineers Convention), que pela primeira vez tinha como base o continente americano. Isso por conta principalmente das obras do PAC -  o Programa de Aceleração do Crescimento, instituído em 2007 - que realizou, em um período de cinco anos, mais de 40 mil obras nas áreas da construção civil e infraestrutura em todo o território nacional. Foi o terceiro congresso da entidade, promovido anteriormente na Alemanha e na China. 

À época, a convenção reuniu, em Brasília, mais de 5 mil profissionais da construção civil de 39 países, empresários e autoridades públicas ligados ao setor. Sob o tema “Engenharia: Inovações com Responsabilidade Social”, os debates foram norteados pelas discussões sobre meio ambiente, mudanças climáticas e engenharia sustentável, com ramificações envolvendo a responsabilidade social, a ética, a inclusão e a inovação sem degradação ambiental.

Na Declaração de Brasília, emitida ao final do encontro, os participantes enfatizaram o papel da engenharia como motor da inovação tecnológica e sua vital importância no desenvolvimento humano, social e econômico sustentável. Uma engenharia voltada para o cidadão, no sentido de tornar as cidades mais justas e interativas e menos excludentes. Uma missão a quem cabe, de forma prioritária, à engenharia pública em seus projetos e execução de moradias populares, infraestrutura, urbanização e saneamento, construção e conservação de unidades públicas de ensino, saúde, segurança, cultura e lazer, entre outros exemplos de serviços voltados para o bem estar das sociedades.

 Mundo sustentável

Ocorrendo a cada quatro anos, a última edição da WEC, na Austrália, em 2019, manteve seu foco na sustentabilidade e na responsabilidade social (cidades sustentáveis), incorporando ao tema -  “Projetando um mundo sustentável: os próximos 100 anos” - as preocupações com as mudanças climáticas e os desafios na gestão de tecnologia de energias renováveis, objetivos alinhados com a agenda global da ONU para o desenvolvimento sustentável da década 2020-2030 (17 Goals to Transform Our World).

Segundo esse organismo mundial, até 2030 cerca de 60% da população do planeta (5 bilhões) estará vivendo nas cidades. Nesse quadro que se visualiza, uma das 17 metas a serem atingidas diz respeito ao desenvolvimento de cidades sustentáveis, inclusivas e seguras, com uma infraestrutura adequada em relação a itens fundamentais como coleta de lixo e redes de água, esgoto, energia, transporte etc. Hoje, as cidades ocupam apenas 3% das terras de nosso globo terrestre, porém são responsáveis por 60 a 80% do consumo de energia e 75% das emissões de carbono. São 3,5 bilhões de citadinos, sendo que mais de 820 milhões morando em favelas e locais insalubres. 

Em 2023, a 7ª edição da WEC será na cidade de Praga, na República Tcheca, com o tema "Engenharia para a Vida", uma abordagem sobre os desafios da tecnologia para o desenvolvimento sustentável da civilização.

 Gerenciando obras e expectativas




 Responsável pelo emprego direto de 2,4 milhões de brasileiros, em 2021, a Construção Civil, entendida em sua forma tradicional, costumeiramente atrai abordagens tecnológicas associadas às inovações e ao aperfeiçoamento de itens técnicos tendo em vista a própria natureza científica e matemática do serviço e a formação específica e especializada de seus profissionais. No campo do trabalho aplicado, a prioridade está centrada na escolha dos materiais, equipamentos e maquinário a serem utilizados nas edificações e que devem, virtuosamente, se conjugarem com a qualidade e a funcionalidade desejáveis, adequando-se ainda a uma planilha de custos e prazos previamente calculada. A meta final é a entrega da obra de acordo com o planejamento e a expectativa iniciais, fatores que se preservados até o concluir dos serviços vão garantir o sucesso da empreitada em termos técnicos e contratuais.

Diferentemente ao que ocorre nos projetos endereçados à área privada, focados preferencialmente na responsabilidade técnica do gestor, as obras no setor público incorporam a variante do compromisso socioeconômico da cidadania, um valor já percebido e cobrado pelas comunidades envolvidas. Se em tempos passados o responsável por uma obra de edificação pública tinha como única preocupação cumprir minimamente os requisitos técnicos e burocráticos que acompanham esse tipo de trabalho, alijando-se de qualquer ação participativa que pudesse ser interpretada como um comprometimento sociopolítico, hoje essa visão de gestor público está superada face à percepção de que atender bem o propósito coletivo é atribuição básica de uma empresa que gerencia obras com recursos governamentais.

Novos padrões

Essa mudança de ótica nas instituições públicas tem ocorrido sob a égide dos núcleos governamentais que atuam nas diversas esferas do poder público - federal, estadual e municipal – promovendo as boas práticas de gestão e  introduzindo modelos contemporâneos de administração que insiram conceitos, normas, condutas e valores  voltados à promoção social das populações.  É um novo paradigma de gestão organizacional, pautado no ícone da contínua aprendizagem e aprimoramento, que estimula a incorporação de padrões de cooperação, participação, confiança e de solidariedade.

Especialistas em gestão como Noel Tichy, 75 anos,  professor de comportamento organizacional da Universidade de Michigan (EUA) e autor de mais de 30 livros sobre o tema, considera de profunda importância motivar os funcionários com uma visão empolgante do trabalho que realizam. Exemplo desse modelo é relatado por Brian Dumaine, antigo editor da revista norte-americana “Fortune”, no artigo “Por que nós trabalhamos?”. Jornalista premiado e autor de artigos sobre liderança e investimentos, ele se vale de uma parábola para reafirmar a importância da noção de “missão” no cotidiano das tarefas. Citando três tipos de operários que executam o mesmo tipo de serviço – talhar uma pedra com um martelo e um cinzel – Dumaine conta que o primeiro se sente frustrado e irritado porque considera aviltante o trabalho que faz. O segundo, ao explicar que talha a pedra para um prédio, não parece nem zangado nem satisfeito. Já o terceiro cantarola feliz e, enquanto esculpe a pedra, responde com orgulho que está construindo uma catedral.

 Visão compartilhada

Dessa forma, a tradicional noção de capacitação técnica não seria o valor preponderante a atuar na condução do trabalho em uma empresa. O engenheiro aeroespacial Peter Senge, Ph.D. em administração organizacional pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA) e autor do best-seller “A Quinta Disciplina”, aponta o engajamento do profissional “em relação aos princípios, às diretrizes e ao futuro que a empresa pretende criar e alcançar”, como um fator decisivo na evolução sustentável e competitiva da organização. A essa disciplina apreendida pelo grupo funcional ele chama de “visão compartilhada”, que seria acrescida do raciocínio sistêmico (a quinta disciplina), indispensável na consecução dos objetivos traçados.

Em uma entrevista à revista norte-americana “HSM Management”, no final da década de 1990, Senge questiona alguns mitos corporativos como a excelência de programas de treinamento e a importância da tecnologia de informação. Para ele é preciso pensar no tipo de aprendizado que a tecnologia proporciona, já que uma pessoa pode até receber mais informações graças à tecnologia, mas se não possuir as capacidades necessárias para aproveitá-las, de nada adiantará, visto que a informação não cria aprendizado. ”Esse é um enorme mal-entendido que afeta muitas pessoas. A informação só pode nos ajudar a aprender alguma coisa que já entendemos.” Quanto aos programas de treinamento, Senge considera que poucos profissionais aprendem as coisas que são realmente importantes nesses programas. “O aprendizado ocorre no dia a dia, ao longo do tempo, e sempre acontece quando as pessoas estão às voltas com questões essenciais ou se vêm diante de desafios.“

 Responsabilidade social




Desde os anos 1970, o tema da responsabilidade social das empresas, em relação às comunidades onde estão inseridas, tem sido foco de debates e de uma extensa literatura. Nota-se que a filosofia desse conceito é abrangente, englobando problemas sociais, econômicos e ambientais como pobreza, desemprego, segurança no trabalho, poluição e desmatamento, além de aspectos legais e jurídicos referentes a desapropriações e remoção de moradores, para citar alguns. Porém, o entendimento mais comum do termo é aquele que traduz a responsabilidade empresarial como um comportamento socialmente responsável, do ponto de vista ético, praticado pelas organizações em suas atividades-fim.

Conhecidos teóricos da administração, como o filósofo e economista de origem austríaca Peter Drucker (1909-2005) e o americano Robert M. Grant, consultor e autor do livro “Análise da Estratégia Contemporânea”, traduzido em mais de 12 idiomas, destacam a necessidade de uma gestão de empresas voltada para a evolução da sociedade moderna, já que as empresas são importantes e influentes agentes sociais, e seus gestores são percebidos como lideranças pelas comunidades onde atuam.

Na obra “O Líder do Futuro” os autores Hesselbein, Goldsmith e Beckard enfocam o lado humanístico na condução empresarial. Para eles, o propósito de uma administração organizacional deve ser o de tornar eficazes os pontos fortes das pessoas e irrelevantes as suas fraquezas. O livro datado de 1996 advoga que as posturas serão mais úteis do que as habilidades e que as futuras lideranças vão flexibilizar as hierarquias, construindo um sistema de trabalho mais fluido: “O maior capital das empresas serão as pessoas que as compõem. Conseguir o comprometimento delas e colher o fruto de suas mentes criadoras deverá ser o grande desafio do século 21”.

 Carisma e oportunidades

Esse novo conceito de liderança se afasta do primitivo modelo de liderança carismática, onde não havia espaço para a argumentação ou contestação. Um tipo de comando criticado pelo próprio Drucker, o cultuado guru “inventor da gestão”, que aos 95 anos, em sua última entrevista à imprensa norte-americana (reproduzida pela revista “Exame” em fevereiro de 2006, sob o título “Liderança é Conversa Fiada”) questiona a fixação dos gestores executivos pela formação de líderes: “É um erro afirmar que as escolas de negócios formam líderes. Sua tarefa consiste em formar medíocres competentes para que realizem um trabalho competente Permita-me dizer com toda a sinceridade: não acredito em líderes. Toda essa conversa sobre líderes é uma bobagem muito perigosa. É tudo conversa fiada. Entristece-me constatar que, encerrado o século 20, com líderes como Hitler, Stálin e Mao, as pessoas ainda estejam em busca de quem as comande, apesar de todo esse mau exemplo. Acho que tivemos carisma demais nos últimos 100 anos."

Autor de dezenas de livros sobre práticas de administração de empresas, Drucker sempre acreditou que os bons resultados obtidos em uma gestão não advêm das soluções de problemas e sim de se saber explorar as novas oportunidades que se apresentam. Também alertava para a interpretação confusa dos gestores sobre os termos “eficácia – fazer a coisa certa – e eficiência – fazer certo as coisas”. Segundo o teórico “é difícil achar algo tão inútil quanto fazer com grande eficiência algo que simplesmente não deveria ser feito”. Mas mesmo assim, assinalava Druker, as ferramentas utilizadas - sobretudo conceitos contábeis e dados - estavam todas voltadas à eficiência. “O que precisamos é de um jeito de identificar áreas de eficácia (de possíveis resultados relevantes) e de um método para nos concentrarmos nelas”, recomendava.

 Aprender e desaprender

Em 1930, na obra “O Mal-Estar na Civilização”, o fundador da psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939), já especificava as três grandes forças causadoras da infelicidade no ser humano: o próprio corpo “condenado à decadência e à dissolução”; o mundo exterior “repressivo” e “ameaçador”; e os relacionamentos com os outros, essa última correspondendo a frustração mais difícil de se lidar e adequadamente rotulada de “a fonte social do sofrimento”.  Reconhecendo-se a importância das relações pessoais no contexto das organizações, torna-se um desafio para qualquer gestor desenvolver um clima de harmonia, integração e satisfação em sua comunidade funcional, face à diversidade dos “modelos mentais” inerentes a cada indivíduo.

No livro “A Força dos Modelos Mentais” (2005) os consultores norte-americanos Yoram Wind e Colin Crook explicam que esses processos cerebrais e emocionais - frutos de influências familiares, escolares, culturais e religiosas que se somam às experiências e vivências na fase adulta - moldam todos os aspectos da vida de uma pessoa e muitas vezes, no âmbito profissional, eles não acompanham ou não correspondem à realidade do momento, dificultando e limitando a evolução de uma carreira que poderia ser promissora. Caberia, pois, aos profissionais se reestruturarem, desfazendo-se de antigos referenciais e adaptando-se aos novos conceitos de competência e padrões de comportamento sinalizados pela empresa. “Daí a importância de aprender, desaprender e reaprender para construir nossos conhecimentos sob novos paradigmas”, desafiam Wind e Crook.

 Satisfação e identidade

 Mas, para Freud a insatisfação humana é um fato imutável porque “nascemos com um programa inviável que é atender aos nossos instintos, mas o mundo não o permite”. Ou seja, o homem, faça o que fizer, estará condenado a conviver com a frustração na vida privada e profissional. Logo, gerenciar atividades e serviços da mais alta complexidade e tecnologia empresarial como grandes obras de engenharia também é administrar expectativas pessoais que não devem ser desconsideradas ou minimizadas pelos gestores.

Em uma pesquisa na cidade de Pittsburgh, na Pensilvânia (EUA), na década de 1950, quando a localidade ainda era um grande pólo siderúrgico e o maior produtor de aço do mundo, o professor e psicólogo Frederick Herzberg, falecido em 2000, realizou entrevistas com 200 engenheiros e contadores de onze indústrias da região para descobrir os fatores que geravam satisfação e insatisfação no ambiente de trabalho. Percebeu que elementos relacionados com o conteúdo do trabalho (motivação), tais como o desenvolvimento do potencial intelectual, a possibilidade de crescimento profissional e a autorrealização, eram fortes indutores para a criação de um clima de satisfação entre os funcionários. Por outro lado constatou que o contexto físico e as condições de trabalho e de remuneração, mesmo apresentando ótimos padrões, não aumentavam o grau de satisfação entre os empregados, apesar de funcionarem como barreiras de contenção contra a insatisfação.

Esse estudo, compilado no livro “A Motivação para o Trabalho” (1959), serviu de base para outras centenas de observações e análises sobre modelos e teorias de administração produzidas ao longo do tempo que têm ajudado a redefinir o conceito de trabalho empresarial nas organizações públicas e privadas. Hoje, as empresas já incorporam às suas atividades econômicas e tecnológicas valores como o capital intelectual, o talento e a inovação, ferramentas insuperáveis na produção de ações que objetivem resultados promissores nos ambientes internos e externos em que atuam.

 Identidade e ação



Com essa opção pela gestão social, que se traduz por um gerenciamento mais participativo e solidário, focado no diálogo, no desenvolvimento das pessoas e no interesse público das comunidades, as empresas vão se aproximando, pouco a pouco e de forma extraordinária, da filosofia política de Hannah Arendt (1906-1975) – uma das mais cultuadas pensadoras do século 20 –, algo impensável há alguns anos. Isso porque para Arendt, autora de “A Condição Humana” (1958), a suposição de que a identidade de uma pessoa transcenda, em grandeza e importância, tudo o que ela possa fazer ou produzir, seria um elemento indispensável da dignidade humana. Juntamente com a assombrosa capacidade de agir do ser humano, da qual, segundo a filósofa, “se pode esperar o inesperado e o infinitamente improvável, independentemente da produção de coisas, porque cada homem é singular, de sorte que, a cada nascimento, vem ao mundo algo singularmente novo”.