linha cinza

linha cinza

domingo, 6 de maio de 2018

O foco é o combate ao antissemitismo


Sheila Sacks /
    
Consulta a israelenses mostra que combate ao antissemitismo é prioridade. 
Presidente do Congresso Mundial Judaico diz que Israel precisa estreitar laços com a diáspora.         

Em abril, na semana da celebração dos 70 anos da criação do estado de Israel, a Organização Sionista Mundial (WZO, na sigla em inglês) divulgou uma pesquisa abrangente realizada com israelenses de variadas idades e condições sociais para saber, entre outros temas, quais seriam as ações prioritárias da instituição, segundo os entrevistados.

Para a surpresa de muitos, 47% dos israelenses consultados apontaram para o combate ao antissemitismo na diáspora. O incentivo à aliá (imigração judaica) -atividade básica da organização – veio em seguida, com a indicação de 43% dos consultados. Outros focos de atuação visariam promover a unidade entre as várias correntes do judaísmo (34%), fortalecer os ideais sionistas (29%) e reforçar a educação e língua hebraica (19%).

 O resultado da pesquisa mostra que a sociedade israelense está consciente acerca do crescimento do antissemitismo nos quatro cantos do mundo e da ameaça que tal flagelo representa para as comunidades judaicas.

Agressões e assassinatos

Exemplos recentes na Europa, notadamente na França, envolvendo agressões físicas a crianças e adolescentes judeus em vias públicas, pichações a lojas e restaurantes kasher, e dois brutais assassinatos de senhoras judias em seus apartamentos, são situações que assustam, desestabilizam e concorrem para um novo êxodo das populações judaicas, agora rumo ao estado de Israel.

A França tem a maior população judaica da Europa, com cerca de meio milhão de pessoas, atrás apenas de Israel e Estados Unidos. Em abril do ano passado, Sarah Halimi, de 65 anos, judia ortodoxa, médica aposentada, mãe de três filhos, foi espancada por um vizinho e jogada à rua da varanda do seu apartamento, localizado no terceiro andar, no distrito de Belleville, em Paris.  

Em março deste ano, Mireille Knoll, de 85 anos, sobrevivente do Holocausto, foi assassinada a facadas por dois homens que depois incendiaram o seu apartamento situado no bairro Bagneux, na capital francesa.  Ambos os crimes cometidos por muçulmanos e de comprovada conotação antissemita.

Em 2017 foram registrados 311 ataques racistas na França, sendo que um terço deles dirigidos contra judeus. Na Alemanha, estatísticas revelam que a média diária de incidentes com conotação antissemita é de quatro por dia! De acordo com um estudo encomendado pelo parlamento alemão, 80% dos que foram agredidos fisicamente relataram que os agressores eram de origem muçulmana.

Na Inglaterra, dados mostram que incidentes antissemitas atingiram um nível recorde em 2017, com 1.382 casos, conforme registro da organização “Community Security Trust”, que monitora o tema desde 1984. A maioria desses ataques ocorreu nas cidades de Londres e de Manchester, onde estão localizadas as duas maiores comunidades judaicas do Reino Unido. O relatório também apontou para um suposto antissemitismo no interior do partido trabalhista. Atualmente, vivem 260 mil judeus na Inglaterra.

Diáspora mudou

Convidado pela terceira vez para presidir a 7ª Conferência Anual do jornal The Jerusalem Post, o presidente do Congresso Mundial Judaico (World Jewish Congress – WJC) Ronald S. Lauder, conclamou Israel a buscar aliados na diáspora e estreitar seus laços com as novas gerações judaicas. O evento realizado em Nova York, no final de abril, reuniu jornalistas, lideranças políticas israelenses e americanas, empresários e representantes comunitários.

Lauder, que trabalhou no Pentágono e foi embaixador americano na Áustria durante a administração de Ronald Reagan, disse que o estado de Israel deve entender que precisa do apoio da diáspora. Com a ressalva de que a diáspora mudou, com muitos jovens não apoiando totalmente Israel. Segundo Lauder, Israel não tem investido suficientemente na divulgação de sua história e está sendo atropelado pelos que fazem campanha contrária fomentando o antissemitismo.

O discurso de Lauder se reveste de importância, não somente pelo cargo que ocupa  como presidente de uma organização que congrega comunidades judaicas em mais de cem países, mas também pela sua trajetória pessoal e profissional. Dias antes, ele foi agraciado com o prêmio de “Trajetória de Vida” ( ‘Lifetime Achievement Award’ ) concedido pela “Federal Enforcement Homeland Security Foundation”, uma instituição que apoia policiais feridos ou mortos em ação. Na ocasião, foi elogiada a sua carreira no serviço público e o seu constante e firme apoio à categoria dos policiais.

Propaganda do mal

A parte central da fala de Lauder aborda uma questão crucial que no seu entender o governo israelense não tem dado a devida atenção. Trata-se do montante de recursos, cada vez maior, que os opositores de Israel investem em propaganda para denegrir mundialmente a imagem do país.

Para neutralizar essa situação dramática, que colabora para o aumento do antissemitismo, Israel também precisaria dirigir mais recursos para as áreas de publicidade, propaganda e relações públicas externas, em um trabalho de convencimento e de hasbará (‘explicação’, em hebraico).

Para Lauder, Israel precisa mudar a sua imagem e atrair aliados em todos os países, tendo em mente, porém, que as comunidades judaicas se transformaram. “O problema é que a diáspora, hoje, não é mais a mesma diáspora de minha geração ou da geração de meus pais”, acentua. “Minha geração acredita em Israel 100%. Nosso vínculo com Israel é inquebrantável. Mas, muitos da geração mais jovem estão voltando às costas para Israel. Precisamos nos perguntar por que estão fazendo isso e o que podemos fazer para reverter essa situação?”

Educação deficiente

A falha na elaboração de uma educação judaica que promova o orgulho de pertencer ao povo judeu aliada ao investimentos insuficientes por parte de Israel, para uma política pública consistente e combativa voltada para a divulgação de sua história e de seus valores, podem explicar esse avanço no clima de animosidade que atinge em cheio as comunidades da diáspora.


Acredito que estamos desapontando a atual geração de duas maneiras”, analisa. “A primeira é a educação e nossa falha de contar a verdadeira história de Israel. Não estamos fazendo o suficiente para educar os jovens sobre o que significa ser judeu e sobre a grandeza de Israel.” A segunda diz respeito “ao monopólio religioso que existe hoje em Israel” e que afasta toda uma geração de jovens judeus seculares, avalia Lauder.

“Precisamos nos lembrar de que somos um povo. Do mais ortodoxo ao mais secular, do mais liberal ao mais conservador, somos irmãos e irmãs unidos por um objetivo comum: a sobrevivência e a prosperidade de Israel e do povo judeu.”

Desinformação como arma

Mas, por outro lado, Israel também precisa direcionar recursos substanciais para contar a sua história. As diversas plataformas midiáticas e as redes sociais na internet são alimentadas diariamente com informações falsas e distorcidas da realidade, as chamadas fake news. Organizações e grupos regiamente pagos executam um trabalho profissional de desinformação que induz a visões pervertidas sobre a nação judaica.

De acordo com Lauder, enquanto Israel vem gastando cada vez menos em relações públicas, seus opositores estão gastando muito mais. “Eles dedicam milhões de dólares ao treinamento de agentes anti-Israel na arte da persuasão e da propaganda. E enviam esses agentes altamente treinados a universidades, para espalhar mentiras e mais mentiras sobre Israel, para fazer com que os judeus pareçam maus e para inflamar o antissemitismo”, explica.

“Hoje, mais do que nunca, eles são bem-sucedidos. Estão convencendo nossos jovens de que Israel é um estado pária, um estado perverso, o estado do apartheid. O que Israel faz em resposta? Nada! Refuta essas mentiras? Não! Fica em silêncio. Permite que nossos inimigos o definam. Se não fizermos alguma coisa, correremos o risco de perder toda uma geração de judeus para a propaganda anti-israelita e para o ódio”, conclui.

Em defesa de Israel

Um fato destacado por Lauder, em seu discurso, serviu como exemplo para ilustrar o ambiente recorrente de ódio contra Israel verificado entre jovens nas universidades. Ele contou que dias antes, em uma palestra na Universidade de Syracuse (Nova York), o cônsul israelense daquela cidade, Dani Dayan (cujas credenciais para embaixador no Brasil não foram aceitas pelo governo de Dilma Rousseff), teve sua palestra interrompida por manifestantes do movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções), que carregavam cartazes difamatórios e gritavam impropérios.

Dayan é um defensor dos assentamentos israelenses na Judeia e Samaria e foi presidente do Conselho Yesha - de assentamentos judaicos na Cisjordânia - entre 2007 e 2013.  “Foi um ultraje”, afirmou Lauder, que disse ter ficado perturbado por ninguém ter se levantado para defender Israel.

"Permitam-me fazer uma pergunta”, conclamou. “Se a pessoa molestada, em vez de ser um líder judeu, fosse um líder negro? Ou um líder muçulmano? Ou de qualquer minoria? Então isso seria notícia de primeira página. Mas quando é um judeu, um israelense, ninguém se levanta e se manifesta. A cumplicidade é assustadora. O silêncio é ensurdecedor”, lamentou.

sexta-feira, 20 de abril de 2018

O negócio lucrativo do terror

Por Sheila Sacks 

A revista Forbes, conhecida por suas listas de ricos e famosos, publicou no início do ano uma lista sobre as 10 organizações terroristas mais ricas do mundo. Parece piada de mau gosto, mas a informação é relevante na medida em que desvenda uma face pouco conhecida da estrutura do terror. Ainda assim, a notícia não ganhou espaço na mídia internacional e a repercussão ficou perto de zero.

O preocupante é que três desses grupos terroristas vips estão nas portas do estado de Israel: o movimento xiita libanês Hezbollah, que encabeça a lista, com arrecadação de 1,1 bilhão de dólares; o Hamas, grupo palestino que comanda a Faixa de Gaza, com rendimento anual de 700 milhões de dólares ( terceiro da lista); e a Jihad Islâmica na Palestina, com recursos de 100 milhões de dólares (oitavo da lista). Seus líderes têm mansões luxuosas na Europa e se locomovem em jatinhos particulares.

Com o dinheiro proveniente do narcotráfico (revelado pela operação 'Cassandra', do governo americano), tráfico de armas, lavagem de dinheiro, falsas organizações assistenciais, negócios imobiliários e o continuado apoio financeiro e logístico do Irã (terceiro maior produtor de petróleo da Opep), os três grupos criminosos têm um denominador comum: o terrorismo contra Israel. Uma fato inegável que a comunidade mundial prefere ignorar.

Completam essa lista vexatória os grupos Talibã (800 milhões de dólares), Al-Qaeda (300 milhões), ISIS ou Estado Islâmico (200 milhões), Partido dos Trabalhadores do Curdistão (180 milhões), Kata’ib Hezbollah (150 milhões), Lashkar-e-Taiba (75 milhões) e Real IRA (50 milhões).

Terrorista é produto final

Sem dúvida causa estranheza que a mídia mundial tenha passado ao largo da informação, se mostrando avarenta em seus espaços em relação à notícia que foi pontualmente divulgada por alguns sites.

É fato que o terrorismo vai muito além da figura individual de quem pratica o ataque. Esta é apenas o produto final de um mecanismo diabólico que promove o ódio, a vingança e o desrespeito à vida humana. Existe toda uma engrenagem, por trás do sujeito que mata, envolvendo logística, propaganda e, principalmente, a captação de recursos, ponto fundamental que requer atenção permanente dos governos democráticos para uma eficaz oposição a esse tormento contemporâneo.

Contudo, a realidade percebível é diferente. Caprichos ideológicos populistas e de mercado interferem continuadamente no combate a esses grupos por parte das diferentes nações que, mesmo padecendo com atentados violentos, esbarram na falta de vontade política de seus governantes no sentido de apontar publicamente os países implicados com o terrorismo e assumir sanções diplomáticas.

Recursos para organizações

Também colabora para esse ambiente propício a ações violentas a proliferação de instituições formalmente constituídas, de natureza e objetivos diversos, financeiramente acolhidas por recursos difusos e imprecisos que apoiam e propagam narrativas distorcidas da realidade.

São organizações não governamentais (ONGs), pseudossociais e assistenciais que recebem verbas milionárias e que, centradas em dados partidários e sem o devido contraditório, se dispensam do consciente cuidado na averiguação e na veracidade dos fatos, por uma inqualificável lealdade aos seus financiadores.

Um prato cheio para a mídia apressada e parcial que, além de veicular esses falsos enredos, tecem opiniões sociopolíticas acusatórias. Assim sendo, com a informação real subjugada a uma ficção de insinuações, provocações e meias-verdades, fomenta-se o clima de revolta e raiva contra as comunidades judaicas, notadamente, na Europa.

Informações desvirtuadas

Se no momento do ato terrorista o espanto da sociedade e a mobilização policial acontecem sob os holofotes da mídia, em pouco tempo essa agitação recua a níveis toleráveis, abrindo espaço, mais uma vez, para o retorno das simulações e do envenenamento diário e acumulativo das informações desvirtuadas.

No caso específico do estado de Israel, essa tática de desinformação levada a cabo por líderes palestinos e seus aliados tem se revelado producente nos quatro cantos do mundo justamente por conta da participação, voluntária ou acidental, dos órgãos de comunicação. As iniciativas do governo israelense visando desbaratar e conter ações terroristas são sistematicamente condenadas por várias plataformas de comunicação sob a argumentação de que as populações civis são as mais atingidas.

Mas, tratando-se de populações manipuladas e usadas como escudos humanos por suas lideranças polítco-religiosas, ativamente engajadas nos processos dos ataques terroristas - educando, incentivando e guiando suas crianças e seus jovens, filhos e netos, na doutrina do ódio e do confronto violento -, é crível supor que inexiste uma sociedade civil, nos padrões normais, nessas regiões. E é com essa anomalia que as forças de defesa de Israel precisam lidar cotidianamente.
Uma situação complicada e dramática em termos de geopolítica e de estratégia militar e da qual seus adversários tiram proveito mercadológico e político, lançando mão de ardis de marketing e ilícitos de toda a ordem para injetarem fortunas em organizações que, de forma astuciosa ou de modo violento, pregam a destruição do estado de Israel.
Acordo beneficiou Hezbollah
A reportagem da Forbes de Israel – “Hezbollah: a mais rica das organizações terroristas” -  afirma que seis meses após o acordo nuclear do Irã (firmado com os EUA, Grã-Bretanha, França, Rússia, China e Alemanha, em 14 de julho de 2015), a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) retirou todas as sanções econômicas impostas àquela república islâmica, beneficiando sobejamente o Hezbollah, que começou a ganhar mais recursos e apoio militar de Teerã.
Dos 200 milhões de dólares recebidos anualmente, o grupo terrorista libanês pulou para um orçamento de 1,1 bilhão de dólares. Equipamentos de guerra e de inteligência e todo um sistema que inclui milhares de mísseis e foguetes fornecidos pelo governo iraniano se somam às cifras bilionárias.
Nunca é demais lembrar que a exportação do petróleo corresponde a 80% da renda do Irã e, com o retorno de dezenas de petroleiros ao Estreito de Ormuz, o desbloqueio dos ativos e a reconexão com o sistema bancário mundial, em menos de um ano as exportações voltaram a sua capacidade anterior como as sanções jamais tivessem ocorridas.

Aliado do Irã na guerra civil da Síria, o Hezbollah já enviou, desde 2013, mais de 9 mil combatentes, um terço de seu efetivo, para lutar ao lado do regime de Assad. Em três décadas essa milícia local se transformou em um importante braço militar de Teerã, atuando também no Iraque e no Iêmen.
O general Herzi Halevi, chefe do centro de Inteligência Militar de Israel (Aman), afirma que é fundamental interromper esses enormes fluxos de recursos que fluem dos países para as organizações terroristas. Ele explica que apesar de alguns sucessos pontuais, o mundo ainda não ativou mecanismos internacionais suficientes para cortar o contato entre países e essas corporações criminosas.

domingo, 25 de março de 2018

A pergunta que não quer calar: quem matou Nisman?


Em entrevista ao canal CNN, o ex-presidente argentino e atual senador Carlos Menem, de 87 anos, disse acreditar que o promotor Alberto Nisman não se suicidou e classificou seu assassinato de escandaloso. Foi no programa “Perspectivas”, do jornalista Jonatan Viale, apresentado em fevereiro.
Nisman, de 52 anos, levou um tiro na cabeça, no banheiro de seu apartamento, no bairro de Puerto Madero, em Buenos Aires, em 18 de janeiro de 2015, quatro dias depois de ter denunciado a então presidente Cristina Kirchner e vários funcionários de seu governo de acobertarem as autoridades iranianas acusadas de planejar o atentado à Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA), em 1994, que matou 85 pessoas e deixou 300 feridos.
Na época do ato terrorista, Carlos Menem era o presidente do país e a execução do atentado ficou a cargo do grupo xiita libanês Hezbollah, ligado ao Irã e um dos seus braços armados.
O promotor assegurava que o acordo entre Irã e Argentina, selado no governo da presidente Kirchner, em 2013, justamente para esclarecer o atentado, na verdade foi uma farsa, já que importantes autoridades do então governo de Mahmoud Ahmadinejad estavam envolvidas.
Tese de suicídio
 Somente em dezembro de 2017, quase três anos após a morte do promotor, o juiz Julian Ercolini reconheceu que existiam provas suficientes para concluir que Nisman foi assassinado. Durante todo esse tempo, a tese de morte duvidosa e suicídio mobilizou as investigações tanto policiais quanto no âmbito da Justiça.
 A juíza Sandra Arroyo Salgado, que foi casada com o promotor, afirmou recentemente que a morte de Nisman deve ser considerada um crime de lesa-humanidade como foi nominado o atentado à AMIA. Segundo a magistrada, havia um duplo objetivo na morte do promotor: silenciar Nisman (‘porque a única maneira de calá-lo era a morte’) e intimidar juízes, promotores e quem tivesse a coragem de investigar o governo.
Ano passado, acompanhada das duas filhas, a juíza esteve em Israel onde foi recepcionada pelo presidente Reuven Rivli e participou da inauguração de um monumento em memória do promotor argentino. Antes, foi recebida pelo Papa Francisco, em Roma, em um encontro no qual pediu ao sumo pontífice para "continuar orando para encontrar a verdade".
Mas, apesar da repercussão internacional do assassinato, até agora ninguém foi preso e o único indiciado é o técnico de informática Diego Lagomarsino que emprestou ao promotor a pistola calibre 22, encontrada ao lado do corpo.
 No final do ano passado, a Procuradoria argentina pediu uma pena de quatro anos de prisão para Menem por acobertar os iranianos durante o seu mandato.
Em outro processo, o juiz Claudio Bonadio emitiu uma ordem de prisão contra Cristina Kirchner (e o seu ex-chanceler Héctor Timerman, primeiro judeu a chegar ao status de ministro do Exterior) pelo obscuro acordo com o Irã e por “traição à pátria”.
Entretanto, por serem senadores e desfrutarem de imunidade parlamentar, Menem e Cristina não podem ser presos.
Destruição de provas
Ainda em 2010, Carlos Menem foi processado por abuso de autoridade, destruição de provas, falsidade ideológica e obstrução das investigações. No mesmo processo foram incluídos o seu irmão Munir Menem (que foi ex-embaixador na Síria), o juiz federal encarregado do caso, Juan José Galeano, dois policiais responsáveis pelas investigações e dois ex-dirigentes da secretaria de Inteligência (SIDE),
Nisman, promotor do caso, acusou Menem de ter ordenado a ocultação de provas. O irmão do ex-presidente teria transmitido as ordens ao juiz, aos policiais e aos integrantes do SIDE. Segundo Nisman, foram destruídas 54 fitas cassetes que eram consideradas fundamentais para a investigação.
O grupo também foi denunciado por bloquear a investigação da chamada “pista iraniana”, uma das vertentes do processo. Relatório da promotoria incrimina Menem por acobertamento das autoridades iranianas responsáveis pela autoria intelectual e material do atentado, entre elas o ex-presidente Ali Rafsanjani (1989-1997), o ex-ministro da Defesa Ahmad Vahidi e o ex-conselheiro cultural na embaixada de Teerã, em Buenos Aires, Moshen Rabbani.
Em 2002, reportagem do jornal The New York Times obteve o testemunho secreto de um desertor iraniano que fugiu para a Alemanha, identificado como Abdolghassem Mesbahi. Ele garantiu que foram depositados 10 milhões de dólares em uma conta bancária de Menem, na Suiça, para que este isentasse o Irã de qualquer participação no atentado.
Amigo de Menem
Em relação ao envolvimento do empresário sírio-argentino Alberto Kanoore Edul, falecido em 2010, ele era suspeito, assim como seu filho, Alberto Jacinto, de integrar a chamada “conexão local” que participou do ato terrorista.
Amigo de Menem e de Rabbani, o empresário foi apontado como o proprietário da van renault trafic, estacionada em frente ao prédio da AMIA, na manhã de 18 de julho de 1994, uma segunda-feira, por volta das 10 horas. O veículo carregado de 300 a 400 quilos de TNT (trinitrotolueno) explodiu em plena via pública, derrubando o edifício de sete andares, que ficou em escombros. 

O prédio recebia obras de reforma e era comum a presença de caminhões no local para a remoção de entulhos. De acordo com o testemunho de Norberto Godoy, empregado da firma de Kanoore Edul, o empresário e o filho se mostraram interessados, dias antes do atentado, na compra de uma caminhoneta. 
O empresário tinha vínculos jamais investigados com Rabbani e segundo o depoimento de Carlos Gardiner, secretário da Câmara de Comércio Árabe-Argentina, Edul transitava no interior da Casa Rosada como fosse um funcionário do staff de Menen.
No julgamento, iniciado em 2015, que culminou com o pedido do Ministério Público de quatro anos de prisão para Menem, outros envolvidos também sofreram pedidos de prisão, entre eles, o ex-juiz encarregado do caso AMIA, Juan José Galeano, (13 anos de prisão), o ex-chefe do Serviço de Inteligência, Hugo Anzorreguy (6 anos), e o ex-líder da DAIA (Delegación de Asociaciones Israelitas Argentinas), Rubén Beraja (1 ano).
O caso Beraja
Congregando 140 instituições judaicas, a DAIA tinha escritórios no prédio da AMIA, na Avenida Pasteur, 633. Fundada em 1935, é a organização representativa da comunidade judaica no país. Entre 1991 e 1998, Rubén Beraja comandou a organização e foi durante um de seus mandatos que ocorreu o atentado à AMIA.  
Dono e ex-presidente do falido Banco Mayo, ele foi processado pela Justiça por administração fraudulenta contra a administração pública, no caso o Banco Central argentino. Também foi processado, junto com o ex-juiz federal Galeano, de participação de uma oferta de 400 mil dólares a Carlos Alberto Telleldín – o mecânico que teria preparado a van usada para explodir o edifício – para desviar o rumo das investigações com falsas informações. Beraja, de 77 anos, sempre negou todas as acusações, inclusive a de que mantinha uma estreita relação de amizade com o ex-presidente Carlos Menem.
Em 2015, a ex-mulher de Carlos Telleldín confirmou diante de um tribunal federal que recebeu em 1996, em nome do marido, os 400 mil dólares do governo de Menem para envolver policiais da província de Buenos Aires no atentado. Disse, ainda, que foi ameaçada para não quebrar o pacto. Ano passado, Galeano defendeu o citado pagamento afirmando, em juízo, que o objetivo não era obter uma declaração falsa, mas obter informações verdadeiras.
Por seu lado, Telleldín, que ficou detido de 1994 a 2004, assegura que não se arrepende de ter recebido o dinheiro, porque, segundo ele, foi uma estratégia para demonstrar que o caso era uma farsa. Ele e mais 22 suspeitos de integrarem a “conexão local” foram absolvidos por um tribunal federal em 2004.
Outras motivações
Editor da revista judaica independente “La Voz Y la Opinión”, Daniel Schnitman tem uma visão diferente a respeito do que motivou o atentado.
Em sua opinião, a bomba não visava a AMIA, que é uma instituição assistencial, que ajuda as pessoas. O alvo seria a DAIA, a representação política da comunidade judaica, presidida por Beraja, então presidente da Federação dos Bancos Cooperativos e dono do Banco Mayo. “Puseram a bomba contra a DAIA por seus negócios escusos vinculados à lavagem de dinheiro”, afirma. “E houve um interesse natural da comunidade de encobrir e afastar Bereja do palco do atentado”, sustenta o jornalista.
Outra especulação apresentada logo após o atentado envolveria neonazistas argentinos insatisfeitos com a abertura dos arquivos policiais sobre os criminosos nazistas que se refugiaram no país depois da 2ª Guerra Mundial. Semanalmente, às segundas, um grupo de pesquisadores se reunia no prédio da AMIA para analisar os documentos, sob os auspícios do “Project Witness” (Projeto Testemunho), uma organização voltada para a memória do Holocausto, com sede no Brooklyn.
Um de seus integrantes, o escritor e sociólogo Carlos Escude, conta que naquela fatídica segunda-feira o grupo decidiu não trabalhar em função das férias escolares. “A bomba estava pronta para explodir justamente no dia em que o grupo se reunia, afirma Escude. O material também não foi destruído porque era guardado no escritório de um prédio adjacente.
Atualmente, Carlos Escude é diretor do “Centro de Estudios de Religión, Estado y Sociedad – CERES”, ligado ao Seminario Rabínico Latinoamericano 'Marshall T. Meyer'. 
Revelações de um ex-espião
Chefe de operações do Serviço de Inteligência do Estado (SIDE, na sigla em espanhol) por mais de quatro décadas, Antonio "Jaime" Stiuso fugiu para os Estados Unidos, em fevereiro de 2015, semanas depois do assassinato de Nisman. Ele tinha sido exonerado do cargo por Cristina Kirchner, em dezembro de 2014, e era um dos principais informantes nas investigações de Nisman sobre a AMIA e o acordo Irã-Argentina. Sentindo-se ameaçado, ele deixou o país, via Porte Alegre, e pediu asilo nos EUA.
Desde fevereiro de 2016, com um novo governo na Argentina (Mauricio Macri assumiu em 10 de dezembro de 2015), Stiuso já retornou ao país algumas vezes para prestar depoimentos. Em suas entrevistas ao La Nacion e ao Clarín, ele tem afirmado que o governo de Cristina mandou matar Nisman pelas provas que o promotor vinha apresentando à Justiça de que o governo pactuou com o Irã a impunidade dos culpados. Revelou que os Kirchner, tanto Cristina como seu marido Néstor – que foi presidente de 2003 a 2007 – mantinham um aparelhamento paralelo de inteligência para espionar a oposição.
Com a morte de Nisman, a presidente resolveu extinguir o SIDE que era comandado por Stiuso e criar a Agência de Inteligência Federal (AFI), com a aprovação do Congresso. A alegação foi de que o órgão estava municiando Nisman de informações falsas.
Documentário via Internet
No início de outubro de 2015, oito meses depois da morte de Nisman, um documentário de 77 minutos dirigido pelo americano Matthew Taylor, produtor de filmes para TV, estreou em Washington, no Newseum (museu dedicado ao Jornalismo), e simultaneamente na Internet.
O filme “Los Abandonados” conta detalhes das investigações sobre o atentado ao prédio da AMIA, as falhas nos processos ao longo de sucessivos governos, as implicações com o governo do Irã, a denúncia de Nisman e seu assassinato. Apresenta depoimentos de jornalistas, políticos, peritos, juízes, procuradores e ex-integrantes do serviço de Inteligência.
Um dos entrevistados, o jornalista Hugo Alconada Mon, do jornal La Nacion, afirma que o promotor foi vítima de uma “fatwa”, uma ordem de Teerã para matá-lo, à medida que avançava na investigação sobre a conexão iraniana.
Na época do seu lançamento, membros do governo da presidenta Cristina Kirchner acusaram Taylor de estar ligado à direita americana (ele realizou campanhas para o Partido Republicano) e ter seu filme financiado por fundos abutres (empresas especializadas em comprar títulos de créditos vencidos).
O chanceler Héctor Timerman também chamou os participantes do filme de cúmplices de “holdouts” (especuladores financeiros). Atualmente, padecendo de um câncer, Timerman obteve uma licença humanitária e viajou no início de março para realizar um tratamento experimental nos EUA.
Mas, enquanto o mistério sobre a morte de Nisman permanece longe de um desfecho, o enredo de um atentado, suas ramificações internacionais, repercussões políticas e conseqüências pessoais estão na mira da  gigante Netflix, com mais de 100 milhões de assinantes.
A produtora americana já prepara, para 2018, uma minissérie que pretende refazer os últimos dias do promotor, misturando realidade e ficção. Sob a direção do inglês Justin Webster, as filmagens começaram em fevereiro na capital argentina.

Em tempo: Carlos Menem presidiu a Argentina de 1989 a 1999. Cristina Kirchner, de 2007 a 2015.



quinta-feira, 15 de março de 2018

Das fake news às falsas histórias


Por Sheila Sacks                        

Publicado no "Observatório da Imprensa" 


Se as fake news (notícias falsas) são um fenômeno recente, as fake histories (histórias falsas) se perdem no tempo. Isso porque de todas as ciências humanas, a história é a mais indefinida em seus intentos, a mais limitada em seus meios, aquela que menos admite métodos rigorosos e a que tem mais dificuldade em superar seus erros e enganos.

A frase do historiador Pierre Daunou tem mais de 200 anos e reflete séculos de narrações tidas como verdadeiras, mas que efetivamente não passam de versões mentirosas dos fatos, falsos testemunhos, documentos forjados e criações históricas.

A história em xeque

Sobre essa coleção de erros humanos em que se apoia a historiografia, o historiador François Dosse, autor de “História em Migalhas”, reconhece que a história ainda é frequentemente considerada fonte de corrupção. “As mentiras são mais fascinantes do que a verdade”, dizia Umberto Eco. “E nem todas as verdades são para todos os ouvidos”. Para o escritor italiano, “os jornais mentem, os historiadores mentem, a televisão hoje mente”.

Também George Orwell, autor de “1984” e “A Revolução dos Bichos”, era um cético em relação à ciência histórica. Considerava que “em tempos de embustes universais, falar a verdade é um ato revolucionário”.

Mas, em se tratando de um historiador, a busca pela verdade deve ser a sua primeira e única obrigação. Isso porque a partir de suas narrativas, indivíduos e povos poderão ser assolados por vicissitudes e barbáries, “igualmente cometidas pelos brutos e pelos civilizados, ignorantes e instruídos, cínicos e devotos, egoístas e heróicos”. Vasculhar os escaninhos da história e não se render às narrativas oficiais já é uma forma de combater esse tipo de mazela milenar.

Caso Dreyfus

O caso do capitão Dreyfus, ocorrido em 1894, é emblemático. Envolvido em uma trama que o levou à prisão e a ser expulso das Forças Armadas francesas, o militar foi vítima de uma fake history que arruinou a sua vida pessoal e profissional.

Acusado de espionagem a favor da Alemanha, ele foi julgado sumariamente por alta traição e condenado ao degredo perpétuo na Ilha do Diabo, na Guiana Francesa. Anos depois, comprovou-se que as provas secretas contra  Dreyfus eram um embuste. Ele recebeu o indulto em 1899, mas somente em 1906 o julgamento espúrio foi cancelado.

Entretanto, se passou um século para que sua inocência fosse oficialmente reconhecida pelo exército da França. Isso se deu em 1995, quando o general Jean-Louis Mourrut, chefe do “Service Historique de l`Armée de Terre” (atual ‘Service historique de la Défense’ – SHD) classificou, publicamente, o caso Dreyfus  de “uma conspiração militar, fundada parcialmente em documento falso que resultou na deportação de um homem inocente”.

O falso como verdadeiro

Com o intuito de mostrar os procedimentos ardilosos de pessoas sem escrúpulos que movidas pelo ódio e ambições políticas inventam mentiras e as transformam em supostas verdades, Umberto Eco escreveu “O Cemitério de Praga”, publicado em 2010.

Tendo como base fatos e personagens verídicos que participaram da elaboração e da disseminação de “Os Protocolos dos Sábios de Sião”, o autor reconstrói o século 19 através de uma narração polêmica, que recebeu críticas do Vaticano e do rabinato de Roma.

Eco narra o nascimento e a evolução desse abjeto complô, criado com a finalidade de atribuir aos judeus uma fictícia conspiração para dominar o mundo. 

Os falsos documentos forjados pela polícia secreta do Czar Nicolau II, em 1897, foram utilizados por Hitler em sua política de extermínio, incluindo-os em “Mein Kampf”, apesar de o jornal  britânico The Times, em 1921, já ter desmascarado a farsa.

Ainda assim, o magnata Henry Ford levou os Protocolos, na tradução inglesa, para os EUA, publicando-os em forma de livro. Por sua vez, o rei Faisal, da Arábia Saudita, costumava oferecer os Protocolos, em sua versão árabe, às autoridades que visitavam o país.

Em uma de suas entrevistas aos jornais italianos, Umberto Eco ressaltou o perigo que se esconde nas chamadas “conspirações falsas”, pelo seu alto grau de manipulação e dada à dificuldade em desmenti-las. ”A característica de uma conspiração verdadeira é que ela é invariavelmente descoberta”, analisa. “Hitler e o nazismo propagaram a falsa conspiração dos judeus como verdadeira e tiraram proveito dos Protocolos.”

O poder da mentira

Mas, por que as pessoas ainda consomem essa farsa? Será por ignorância? Por curiosidade? Os Protocolos, afinal, seguem sendo oferecidos e vendidos em uma dezena de idiomas, em formato de livro, com circulação livre na internet.

Juíza em Israel por mais de 30 anos, Hadassa Ben-Itto investigou o embuste durante seis anos e em 1998 publicou “A Força da Mentira”, traduzido para o português no ano passado. “Escrevi esse livro como um desafio a todos aqueles que inadvertidamente permitem que essa e outras mentiras similares sejam espalhadas e provoquem danos contínuos”, explica.

Em sua opinião o conceito de “liberdade de expressão” não deveria acobertar mentiras. “Uma mentira deliberada não é uma ideia”, reforça. “Ela pode facilmente se transformar em uma arma perigosa e como tal deve ser banida, assim como outras armas que têm o potencial de causar assassínios em massa e destruição.”

Uma perspectiva diferente daquela defendida pela filósofa Hannah Arendt que questionava o fato de estudiosos do tema centrarem o foco, basicamente, no processo de falsificação. Na sua percepção, o mais importante, nos tempos atuais, seria descobrir o porquê do reiterado interesse das pessoas por uma declarada mentira, já devidamente desmistificada, cujo poder de perenidade surpreende e assusta.