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quinta-feira, 25 de março de 2010

Hitler e os bons leitores de Nietzsche

por Sheila Sacks

Se as regras não mudarem, em pouco tempo as vitrines das livrarias da Alemanha voltarão a exibir um best-seller da década de 1930 (12 milhões de livros editados até 1945), banido desde o final da 2ª Grande Guerra por força da derrocada nazista.

Previsto para entrar em domínio público em 2015, 70 anos após o suicídio de seu autor, o tresloucado e pernicioso livro Mein Kampf (Minha Luta) vai estar à solta, de volta à luz do dia em um arremedo de situação que jamais deveria se repetir se houvesse um mínimo de prudência a capitanear as ações das autoridades competentes. Afinal, ressuscitar um espectro macabro que o sentido comum já ajuizou que melhor seria permanecer socado em sua tumba é como dar de ombros a um passado medonho ou mesmo cutucar a fera com vara curta.

Por conta dessa escandalosa liberação, intelectuais germânicos já se movimentam para elaborar uma edição comentada do livro de Hitler, com um tipo de enfoque que classificam de abordagem científica, ou seja o de procurar explicações e justificativas para uma matança hedionda seletiva instituída por um estado supostamente civilizado. A provável publicação acadêmica imediatamente distinguida com a terminologia de crítica (uma espécie de palavra mágica que funciona como salvo-conduto) ganhou o aval do secretário geral do Conselho Central dos Judeus da Alemanha, Stephan Kramer, para quem é melhor colocar na praça esse arrazoado infame acrescido de análises psico-sócio-políticas à edição normal do texto.

No entanto, as duas alternativas são inquietantes e talvez o prudente seria questionar um pouco mais essa resolução administrativa que pode se constituir em uma bomba relógio ambulante pronta a explodir mais adiante. Comodidades à parte, a luz vermelha está acesa e é preciso estar atento e mobilizado para manter essa obra no limbo, tratando-a como uma exceção às normas vigentes devido ao seu excepcional caráter sórdido e nocivo. E nesse caso específico, a liberdade de expressão não deveria servir de desculpa para a circulação anarquista de apologias discriminatórias e preconceituosas que achincalhem povos e raças.

Um Nietzsche edulcorado para as multidões
No rastro dessas novidades pouco alvissareiras de um futuro próximo, a terra das fábulas e dos contos de fada dos irmãos Grimm também lançou no início de 2010 mais uma coletânea de textos que procura recriar as ideias filosóficas de Friedrich Nietzsche (1844-1900), enxergando pacifismo, tolerância, admiração aos judeus e até uma suposta guinada ao pensamento social de esquerda daquele que foi o filósofo inspirador da política sanguinária de Hitler. O organizador da obra Nietzsche-Lexikon, o alemão Cristian Niemeyer, selecionou mais de 400 artigos de uma centena de autores identificados por ele como “bons leitores” do filósofo, aqueles que na sua opinião buscam entender a sutileza das ideias de Nietzsche, “sem falseá-las com interpretações pessoais”.

Fazendo coro com outras pesquisas similares, Niemeyer exime Nietzsche de apadrinhar o nazismo e o fascismo e põe a culpa de sua má-fama à irmã do filósofo, que segundo ele se apoderou de seu acervo literário, adulterando textos, cartas, a autobiografia, enfim, zoneando seus pensamentos e sua obra.

Acometido de uma doença mental que o tirou de circulação a partir de 1889 e até a sua morte, onze anos depois, Nietzsche tornou-se conhecido e celebrado justamente por seus conceitos de supremacia de raça (super-homem), aniquilamento dos fracos, desprezo às massas e rejeição ao Estado social, à democracia, à religião. Conceitos firmados, explicados e desenvolvidos por Nietzsche muito antes de seu colapso mental e da alegada intromissão da irmã. Segundo ainda Niemeyer, uma das vantagens de se entender o filósofo é que essa compreensão “pode ajudar as pessoas a viver de uma maneira aberta num mundo sem deus”. Trocado em miúdos, a filosofia de Nietzsche funcionaria como um excitante elixir para todos que se julgam “para além do bem e do mal”, título, aliás, de um de seus livros mais ilustrativos, publicado em 1886.

Filósofo queria os judeus fora da Alemanha
No livro em questão, Nietzsche doutrinava:”Não se permita o ingresso de outros judeus na Alemanha! E que lhes sejam fechados principalmente o império do Oriente e também a Áustria, eis o que diz claramente a voz do instinto universal, da qual preciso ouvir o aviso.”

No entender do filósofo, a Alemanha no século 19 já tinha judeus em número suficiente para causar indigestão. “O alemão vai demorar muito para digerir a quantidade de judeus que atualmente está provido, como já o fizeram os italianos, os franceses, os ingleses, graças a sua digestão mais robusta.” E prosseguia, explicativo, dissertando sobre os dois tipos de moral que percebia serem bem característicos em diferentes indivíduos. Para ele existia a moral dos senhores e a moral dos escravos, sendo que essa última seria essencialmente utilitária. Nietzsche imputava aos judeus, “povo nascido da escravidão”, a iniciativa de levaram a cabo uma miraculosa inversão de valores, como a de transformar o pobre em santo e o forte em mau.

Nietzsche se insurgia contra o que ele denominava de “virtudes passivas” (humildade, resignação, prudência, paciência, segurança) e acusava os judeus pelo que chamava de “insurreição dos escravos” no campo da moralidade. Em oposição à moral dos fortes (a dos senhores nobres e aristocratas), o Judaísmo havia criado, por um ato de vingança espiritual, uma moral servil, de culpabilidade, ressentimento e pecado. Um “antimundo” para justificar o sofrimento dos fracos, doentes e oprimidos.

Dizia Nietzsche que “a religião tem a inestimável vantagem de tornar os homens vulgares satisfeitos da sua própria posição, proporcionar-lhes paz ao coração, enobrecer a sua obediência, confortá-los e contribuir para transfigurar a sua monótona existência”. E concluía que “o que pode ser desfrutado em comum, é sempre coisa de baixo valor”.

Ideias delirantes e degeneração psicológica
Para o cofundador do movimento sionista, o húngaro Max Nordau (1849-1923), a originalidade de Nietzsche consistia na inversão tola e pueril da maneira racional de pensar. Em sua obra “Degeneração” ( Entartung), publicada em 1892, o médico, escritor, jornalista e amigo de Theodor Herzl dedica um capítulo ao filósofo alemão, afirmando que seu escritos exibem uma série de ideias delirantes provenientes de ilusões da razão e de processos orgânicos patológicos, comparáveis aos manuscritos dos doentes mentais que os psiquiatras devem ler, não por prazer, mas para prescreverem a internação do autor em um hospício.

Segundo Nordau, que exerceu a psiquiatria em Paris, degenerados psicológicos combinam relativismo moral com egoísmo, carecendo de sentido moral para distinguir o bem do mal e não apresentando sentido de indignação diante do sofrimento das pessoas.

Outro respeitado escritor, filósofo, matemático e pacifista, o inglês Bertrand Russel (1872-1970), também questionava a sanidade de Nietsche, classificando os seus escritos de “meras fantasias de poder de um homem doente”. Prêmio Nobel de Literatura em 1950, Russel justificou essa aversão no épico História da Filosofia Ocidental: “Eu não aprecio Nietzsche porque os homens a quem ele admira são os conquistadores, cuja glória está na habilidade de motivar os homens a matar.”

Nesse sentido Hitler foi um aluno aplicado de Nietzsche que fazia troça do sofrimento alheio. Em um de seus aforismos afirmou que “é preciso ter grande força de imaginação para poder sentir compaixão”. Quanto aos grandes vilões da história, estão todos alforriados na visão de Nietzsche porque não se deve julgar o passado. “A injustiça da escravidão, a crueldade na sujeição de pessoas e povos não devem ser medidas pelos nossos critérios(...) Do mesmo modo a Inquisição tinha as suas razões.”

Hitler distribuía livros de Nietzsche para os soldados
Idolatrado pelo líder nazista, que se considerava a própria encarnação do super-homem (Übermench) do livro “Assim falou Zaratustra” (escrito entre 1883 e 1885), Nietzsche também era oferecido como leitura educativa aos soldados alemães. O veterano jornalista alemão Peter Scholl-Latour, de 86 anos, conta que os militares nazistas liam Zaratustra nas frentes de batalha para se sentirem mais motivados. Imbuídos da ideia de que eram seres superiores, posicionados muito além da moral vulgar das multidões, da gente comum, dos inferiores e débeis, julgavam-se senhores do mundo, uma nova raça de gigantes que imporia a sua vontade de poder sobre uma massa impotente e submissa.

Situação semelhante já ocorrera na Primeira Grande Guerra (1914-1918) e de acordo com outro grande admirador de Nietzsche e membro oficial do partido nazista, o filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976), “na Alemanha ou se era contra ou a favor de Nietzsche”. Aliás, esse envolvimento declarado de Heidegger com o nazismo ( escrevia discursos para Hitler e colaborou para a expulsão de professores judeus da Universidade de Freiburg, em 1933 ) motivou o filósofo francês Emmanuel Faye, 54anos, a propor a remoção das obras de Heidegger das bibliotecas de filosofia. Em seu livro Heidegger, l'introduction du nazisme dans la philosophie (2005), Faye afirma que a obra do alemão está seriamente comprometida com a doutrina nazista.

Fotos mostram culto do ditador nazista a Nietzsche

A admiração de Hitler por Nietzsche também foi destacada pelo jornalista e escritor norte-americano William Shirer (1904-1993) em sua majestosa obra Ascenção e Queda do III Reich: “ Frequentemente Hitler visitava o museu de Nietzsche em Weimar e demonstrava publicamente a sua veneração ao filósofo posando para fotos em que aparece fitando com admiração a imagem daquele que considerava um grande homem."

Em seu livro “Hitler as nobody knows him”, publicado em 1933 (meio milhão de exemplares vendidos até 1938) o fotógrafo pessoal de Hitler, o alemão Heinrich Hoffman, incluiu uma foto do ditador ao lado da escultura de Nietzsche com a seguinte legenda: “O führer em frente ao busto do filósofo alemão, cujas ideias fomentaram dois grandes movimentos populares: o Nacional Socialismo na Alemanha e o Fascismo na Itália.” Falecido em 1957, Hoffman detinha os direitos autorais sobre os retratos oficiais de Hitler usados em selos postais e escritórios do governo e foi em sua loja de material fotográfico que o líder nazista conheceu Eva Braun, ajudante de Hoffman. Amante de Hitler por quatorze anos, eles casaram-se algumas horas antes do suicídio de ambos, em 30 de abril de 1945.
Judaísmo é o oposto de tudo que Nietzsche propagou
Recentemente o rabino-chefe da comunidade judaica britânica, Sir Jonathan Sacks, de 62 anos, foi bastante incisivo em sua condenação aos conceitos do filósofo alemão.” Particularmente considero Nietzsche uma total antítese dos valores judaicos. Eu não vejo relevância no fato de que vez ou outra ele encontre coisas agradáveis para dizer sobre os judeus. Um homem que expressou desprezo pela compaixão e pela ajuda ao próximo; pela bondade, tolerância, perseverança, humildade e amizade, mostrou isso sim, o tempo todo, o que o Judaísmo não é.”

Liderando desde 1990 as Congregações Hebraicas Unidas da Commonwealth e autor de duas dezenas de livros de temática judaica traduzidos em vários idiomas (Teremos Netos Judeus?, A Dignidade da Diferença, Uma Letra da Torá), o rabino Sacks – alçado à categoria de lord em 2009 - radicaliza em se tratando de Nietzsche. “Li seus escritos para saber que o Judaísmo é oposição nessa batalha, agora e para sempre."

Citando a odisséia do Êxodo, o religioso lembra que há 33 séculos o Judaísmo se mostrou como uma voz revolucionária ao enfrentar o poder supremo do faraó para resgatar os indefesos. “As religiões do mundo antigo eram justificativas do status quo. Explicavam por que os ricos e poderosos tinham de ser ricos e poderosos. O Judaísmo mudou essa concepção. A liberdade começa quando partilhamos nosso pão com os outros. Em Pessach lemos: Este é o pão da aflição que nossos ancestrais comeram no Egito. Deixe que todos os famintos venham e comam.”

terça-feira, 16 de março de 2010

Nunca Mais


Em Jerusalém, o presidente Lula reacende a chama eterna no Memorial Yad Vashem – Museu do Holocausto, em memória aos seis milhões de judeus que foram exterminados pelos nazistas na 2ª Grande Guerra.

Repetir várias vezes “nunca mais” como sugeriu Lula, é o que já faz há seis décadas cada israelense, ao acordar todas as manhãs, em sua titânica luta para tornar perene a nação de Moisés.


Repetir várias vezes “nunca mais” é o que os judeus da Diáspora prometem para si mesmos em dezenas de idiomas, dia após dia, toda vez que o mundo se mostra radical e fundamentalista.

E que assim seja para todo o sempre:
Nunca Mais !

quarta-feira, 10 de março de 2010

Aécio coração de estudante


por Sheila Sacks
Aécio, Cabral e Lula, os caras do Brasil, com Sarkozy
publicado, na primeira versão, no Rio Total




Há 25 anos um infortúnio marcou o cenário político brasileiro. O mineiro Tancredo Neves, primeiro presidente civil eleito por um Colégio Eleitoral, depois dos chamados anos de chumbo iniciados com o golpe militar de 1964, é enterrado sob forte comoção nacional na cidade histórica de São João del-Rei.

Hospitalizado às pressas na véspera da posse, o veterano político, de 75 anos, - que foi deputado federal por seis vezes, senador, primeiro-Ministro, ministro da Justiça e governador de Minas – morreu de infecção generalizada, três meses depois de eleito, em 21 de abril de 1985.
Figura-chave, junto com Ulysses Guimarães, para a viabilização do retorno do Brasil à democracia, seu funeral foi transmitido ao vivo pelas TVs de todo o país e uma melodia deu o tom e o clima emocionado de despedida. Tratava-se da composição predileta de Tancredo Neves, obra do seu conterrâneo Milton Nascimento em parceria com Wagner Tiso, uma espécie de hino aos novos tempos de liberdade e justiça que assomavam no horizonte.

A canção de Minas que marcou o Movimento das Diretas Já

Composta em 1983, dois anos antes da morte de Tancredo, “Coração de Estudante” tornou-se a trilha sonora das “Diretas, Já”, movimento civil pelas eleições presidenciais livres que mobilizou milhões de brasileiros em passeatas e comícios em todo o país, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo nos idos de 1984. O processo culminou com a eleição indireta de Tancredo Neves, em 15 de janeiro de 1985, tornando-o o último mineiro a ser eleito presidente do Brasil.
Anos depois, a musa e trovadora argentina Mercedes Sosa, falecida em 2009, traduziu para toda a América Latina os inspirados versos da belíssima mensagem que carimbou uma época de ebulição e aspirações democráticas: “Corazón de estudíante, hay que cuidar de la vida, hay que cuidar de este mundo, comprender a los amigos, alegría y muchos sueños, iluminando los caminos. Verdes, planta y sentimiento, hoja, corazón, juventud y fe.”
Em 2007 Israel recebe a visita de um governador mineiro

Duas décadas depois da morte de Tancredo, uma venturosa coincidência traz o seu neto Aécio Neves, governador de Minas, ao solo sagrado de Israel em 2007, quando da comemoração dos 60 anos da decisão histórica das Nações Unidas que reconheceu o direito dos judeus a sua terra milenar.

Na sacada do Hotel King David, no coração de Jerusalém, Aécio falou de sua emoção em conhecer o país. Na entrevista transmitida pela TV Brasil, ele declarou: ”Tenho viajado e estimulado outros membros do governo a fazer o mesmo, mostrando o que Minas pode oferecer a investidores de todo o mundo. Aqui em Israel, estou conhecendo não apenas a história dos israelenses, mas a história da humanidade”.

Acompanhado de líderes empresariais e assessores, Aécio participou em Tel Aviv de um encontro com 40 empresários israelenses dos setores de informática, irrigação e de segurança. Visitou a indústria aeroespacial de Israel (IAI), a empresa de segurança Ness, a Bolsa de Diamantes e o Museu do Holocausto. “O Brasil é uma democracia estável como Israel e Minas aqui veio convidar empreendedores israelenses para serem parceiros no nosso desenvolvimento para mútuo benefício de nossos povos”, disse Aécio.

A visita de quatro dias a Israel foi vista na época por articulistas israelenses como a mais importante e sugestiva de uma autoridade brasileira nos últimos anos. Expressando publicamente a sua admiração por Shimon Peres e pelo estado de Israel, Aécio Neves cativou a todos que o conheceram em seus encontros com personalidades israelenses, o que levou o jornalista brasileiro Nahum Sirotsky, correspondente em Israel, a escrever um entusiástico artigo no portal IG intitulado “Aécio Neves conquista israelenses”.

Vale registrar que Tancredo Neves foi companheiro de ministério do diplomata Oswaldo Aranha, o brasileiro que presidiu a 2ª Assembléia da ONU em 1947 e se tornou peça decisiva na aprovação do documento. Foi no segundo governo Getúlio Vargas (1951-1954), exercendo o cargo de ministro da Justiça enquanto Oswaldo Aranha era ministro da Fazenda.

Aécio Neves é o governador com a melhor avaliação do país

O governador Aécio Neves, 50 anos, traz de berço o matiz democrático que caracterizou o comportamento e as ações de Tancredo Neves. Ele começou cedo na política, aos 22 anos, como secretário particular do avô. Ao assumir o governo de Minas pela primeira vez, em 2003, Aécio lembrou a frase de Tancredo Neves, feita em 1983, quando o avô foi empossado governador: “O primeiro compromisso de Minas é com a liberdade, porque este é um Estado que não se curva, não ajoelha, não rasteja”.
A inspiração vem dos inconfidentes e de Tiradentes, o grande mártir da independência do Brasil, nascido em Minas e enforcado em 1792, no mesmo dia e mês do falecimento de Tancredo. Está também expressa na bandeira do estado, com a frase “Libertas quae sera tamen (Liberdade ainda que tardia).

Neste 3 de março, editorial do jornal Estado de Minas criticou a “arrogância” de lideranças políticas que diante de um possível fracasso de candidaturas oposicionistas querem se valer do “reconhecimento nacional construído pelo governador Aécio Neves para colocar Minas a reboque”. E lança a pergunta: “Se o mais bem avaliado entre os governadores da última safra de gestores públicos é capaz de vitaminar uma chapa insossa e em queda livre, por que Aécio não é o candidato a presidente?”


Aécio faz parte de uma nova geração de políticos brasileiros – na qual se inclui o simpático e competente governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral - que preza os valores democráticos na condução de suas gestões e repudiam radicalizações ideológicas. Administradores afinados com as boas experiências internacionais e focados em programas e ações sociais positivas e integradas voltadas para a população de baixa renda, são isentos de preconceitos quando se trata de importar ideias e tecnologias que deram certo no ocidente desenvolvido. São políticos que sabem lidar com a globalização e que têm renovado o ambiente nacional com saudáveis e indispensáveis ares de modernidade.

Deputado federal por 4 vezes, ele foi eleito pela segunda vez em 2006 para o governo de Minas. Em todas as consultas realizadas por diferentes institutos de pesquisa, no decorrer das duas gestões, sua avaliação como governador atingiu índices positivos acima dos demais concorrentes. Na mais recente pesquisa, em dezembro de 2009, Aécio também aparece em primeiro lugar na pesquisa Datafolha sobre os melhores governadores do Brasil, recebendo a nota 7,5 em uma escala de 0 a 10. E mais: é um apaixonado pelo Rio de Janeiro.

Lula cogitou Aécio para ser seu sucessor

Segundo maior colégio eleitoral do país, Minas Gerais comemora os 100 anos de nascimento de Tancredo Neves neste ano de 2010. Para muitos, chegou a hora de um mineiro autêntico ocupar a presidência. Mantendo um ótimo relacionamento com o atual grupo da presidência da República, são conhecidas as manifestações de amizade e carinho do presidente Lula por Aécio que, antes da candidatura de Dilma Rousseff (mineira de nascimento mas com trajetória política feita no Rio Grande do Sul), teve o seu nome cogitado para a sucessão.
Foi em 2007, quando em entrevista a Folha de São Paulo o presidente Lula surpreendeu governistas e oposicionistas declarando apoio a uma eventual candidatura do governador de Minas à Presidência da República, desde que Aécio trocasse de partido. No mesmo ano o jornal francês Le Monde apontou o mineiro como um dos nomes fortes para a sucessão presidencial de 2010. Na matéria, o jornal destacava o perfil conciliador de Aécio e sua boa relação com o presidente Lula. Na ocasião, para aqueles já o viam como o sucessor de Lula, Aécio respondia que “ser presidente não é um plano de carreira, mas uma questão de destino”.

Concordando ou não, o mais provável é que a trajetória presidencial de Aécio está mesmo escrita nas estrelas, agora ou mais a frente. Essa percepção foi registrada pelo jornal Correio Braziliense, em meados do ano passado, na reportagem “Lula teme Aécio como a candidato à presidência”. Segundo a apreciação de cabeças coroadas do Planalto seria mais fácil um candidato governista vencer o governador de São Paulo, José Serra, do que derrotar Aécio, já que o crescimento do governador de Minas torna-se inevitável em função de sua capacidade de articulação e de suas boas relações com os partidos e a esquerda.
Minas, o gigante silencioso que decide

Do tamanho da França, o estado de Minas Gerais apresenta a terceira maior economia do país, depois de São Paulo e Rio de Janeiro, e é responsável por 18% das exportações brasileiras. Tem 20 milhões de habitantes ( o segundo mais populoso) distribuídos em 853 municípios. Foi lá que se instalou, em 1976, a maior fábrica de automóveis da Fiat fora da Itália, que emprega 20 mil trabalhadores e é responsável por 30% da venda de carros da marca em todo o mundo.
Aliás, os números da economia mineira impressionam: possui o segundo maior rebanho bovino do país, com 22,3 milhões de cabeças de gado; é o maior produtor de leite ( quase 30% da produção nacional), de café (49% ) e de feijão do país. É líder na produção de cimento e na área industrial produz 38% do aço nacional e 53% do ferro gusa. Somente a empresa Vale do Rio Doce, maior produtora de minério de ferro do mundo e que atua em Minas foi responsável, em 2009, pela extração de 238 milhões de toneladas do produto. Além do minério de ferro, Minas exporta o ferro-nióbio, minério de chumbo, ferro fundido bruto, laminados de ferro e aço, celulose, soja e granito.


Minas Gerais também é o maior produtor de ouro, gemas e diamantes do Brasil, daí o interesse do governador Aécio Neves em conhecer a Bolsa de Diamantes de Tel Aviv. O estado responde por 63% da exportação brasileira de ouro em barras, fios e chapas; 43% da exportação de gemas coradas e 72% da produção brasileira de diamantes. Empresas israelenses, há mais de dez anos, participam do crescimento econômico de Minas através de associações nas indústrias de café e na área tecnológica.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Cartoon: o alvo é Israel


por Sheila Sacks
Cresce o radicalismo no cartoon made in Brasil
publicado no Rio Total
http://www.riototal.com.br/coojornal/sheilasacks039.htm

No que já está se tornando fato corriqueiro, o site Brazil Cartoon abre mais uma vez espaço para promover a arte armada contra Israel, disponibilizando a veiculação de um catálago de charges maniqueístas e manipuladoras sobre a situação política no Oriente Médio. Organizado pelo Ministério de Informação da Síria e intitulado “Gaza em Chamas” (Gaza in fire), o álbum artificioso de cunho ideológico e focado na demonização do estado judeu, resulta de um tipo de estratagema espertamente utilizado pelos países muçulmanos autocráticos (que não permitem a liberdade de expressão sob o seu jugo), nesses tempos de hipocrisia e subversão da realidade: o da organização de concursos e exposições internacionais de “arte engajada”, reunindo “artistas” sensíveis à problemática mundial da pobreza, do meio ambiente, das injustiças e de outros senões sociais.

Para isso monta-se um júri de experts de países “amigos”, tais como o Irã, Brasil, Egito, China, Turquia e Itália, para citar alguns; despacham-se emails para as associações de cartunistas, principalmente para aquelas insanamente aferradas a conceitos e movimentos terceiro-mundistas que congregam tribos inquietas e sedentas por reconhecimento e prêmios; e grafitam-se algumas palavras de fúria, em tinta vermelha, do tipo “all for palestine” e “NO to israeli aggression” nos folhetos, cartazes e demais peças de propaganda. O resultado logo aparece: 303 cartunistas de 67 países prontos para sujeitarem a sua imaginação, talento e criatividade às amarras de um embuste ardilosamente preparado com uma única finalidade, o de transformar Israel em vilão do planeta.

Aliás, em relação a esse certame ocorrido em 2009, Brasil e Irã se destacaram pelo surpreendente número de cartunistas participantes – o primeiro com 39 e o outro com 42 – sobrepujando a China, a países africanos, árabes e do leste europeu, e a própria Síria, organizadora do evento. Uma enxurrada de “artistas” brasileiros teleguiados em sua indignação pela visão astuta e preconceituosa de uma mídia superficial e parcial em sua condenação a priori ao estado de Israel.

Mas, se o prêmio do melhor cartoon contra Israel não coube a um brasileiro, passou bem perto, premiando um cartunista argentino e sua charge-clichê: um keffiyeh (lenço branco e preto usado pelos palestinos) manchado de sangue. Percebe-se que a crescente proliferação desses eventos que supostamente visam estimular a criatividade e a arte são instrumentos dos mais engenhosos utilizados pela propaganda dos países árabes no sentido de inserir talentos dispersos e muitas vezes insatisfeitos pela limitação profissional em seus países de origem, no insensato jogo de brutalidade e ódio a Israel e aos judeus.


Ainda em 2009, no 17º Salão Universitário de Humor ocorrido em Piracicaba, interior de São Paulo, a charge vencedora teve como tema o Holocausto. No desenho muito bem elaborado, o papa está de costas e ajoelhado em frente a um quadro-negro, sendo obrigado pela professora, a ministra da Alemanha vestida de guarda nazista, a escrever dezenas de vezes a frase “Holocaust is real”. A ideia por trás da charge é abominável porque induz o espectador a acreditar que a civilização cristã representada pelo papa está de joelhos, subjugada à pressão do lobby judaico que na charge é comparável à coerção nazista.

Diante de mais essa faceta do antissemitismo, desta vez instalada no que se convencionou chamar de cartoon político, entrevistei em setembro de 2008 o professor Luiz Nazario, profundo conhecedor do assunto.


Cartoon: uma arte armada contra Israel
Publicado no site do Núcleo de Estudos Judaicos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

No limiar do ano judaico de 5769 cresce a legião de cartunistas brasileiros aliciada por regimes extremistas, beligerantes e antissemitas que utilizam a arte da caricatura e da charge como armas de incitação e convencimento. O “cartoon político” virou um campo de guerra, uma terra de ninguém onde artistas-milicianos se valem de todos os artifícios enganosos da propaganda e do imaginário racistas para degradar a identidade judaica e o estado de Israel. Eventos macabros como o concurso “Caricaturas do Holocausto” (2006) organizado pela Casa do Cartum do Irã, ou belicistas como o “Internacional Gaza Cartoon” (maio de 2008), com o tema “Morte em Gaza”, ganharam participação significativa de cartunistas brasileiros, alguns premiados em ambos os certames.

Esse fenômeno perturbador tem sido detectado pelo pesquisador, escritor e professor Luiz Nazario, 50 anos, doutor em História pela Universidade de São Paulo ( com a tese “O Papel do Cinema na preparação do Holocausto”) e profundo estudioso de temas que envolvem o nazismo, o antissemitismo e o terrorismo contextualizados nas áreas da propaganda, do cinema e da animação.

De família italiana, foi bolsista na Alemanha e em Israel, somando mais de 100 artigos publicados em jornais e revistas especializadas. É autor de 19 livros (o mais recente intitulado “Todos os Corpos de Pasolini”), ensina Cinema na Universidade Federal de Minas Gerais e coordenou o Grupo de pesquisa da Discriminação que desde 1997 coleta dados de atitudes e atividades de cunhos racista, antissemita e neonazista no país, para o relatório mundial “Anti-Semitism Worldwide”, publicado anualmente pela Universidade de Tel Aviv.

. A arte, como expressão imaginativa e criativa, estaria conceitualmente imune às amarras da ética filosófica tradicional (e suas normatizações em relação ao bem e ao mal)?
- Tenho me batido, em meus escritos sobre arte e ideologia, contra a ideia corrente de que o artista é um ser divino, acima do Bem e do Mal. Naturalmente, talentos específicos distinguem um artista de outros cidadãos que não possuem os mesmos talentos, mas esse privilégio não isenta o privilegiado da responsabilidade por suas ações. Se o artista é capaz de sintetizar numa imagem toda uma situação, sua síntese possui um poder de impacto que deve ser considerado. Ao engajar sua arte numa causa, o artista sabe – ou deveria saber – exatamente o que está em jogo. Nenhum artista é obrigado a engajar sua arte. Mas se ele engaja sua arte numa causa justa, por mais liberdade, paz, progresso, verdade, ele deve ser recompensado por prestar voluntariamente um serviço à humanidade. Da mesma forma, se ele engaja sua arte numa causa criminosa, por mais terror, guerra, miséria, mentira, ele deve ser punido por contribuir voluntariamente com a desumanidade. A forma dessa punição deve ser estabelecida pela sociedade. Claro que certas sociedades podem aproveitar-se dessa medida para punir os artistas que as incomodem, estabelecendo uma nova censura, um novo totalitarismo etc. Daí o receio de se estabelecer critérios de punição para artistas. Os artistas alemães contribuíram em massa com o regime nazista, desempenhando muito bem a parte que lhes coube na execução nacional do Holocausto. Nenhum deles foi punido por isso. E mesmo Leni Riefenstahl, tão próxima de Hitler, glorificando o regime nazista com seus filmes de propaganda, foi enfim reabilitada.

. É crível ao artista/cartunista no ato da criação sublimar suas ideologias e preconceitos?
- Como disse, o engajamento da arte é uma opção política do artista. Se um cartunista como Carlos Latuff dispõe-se a diabolizar os israelenses para tornar aos olhos do mundo a causa dos palestinos, que ele adotou, mais humana, ele sabe exatamente a que processos e técnicas sua arte precisa recorrer. Tendo o domínio de sua arte, ele expressa exatamente o que deseja expressar. Não pode alegar posteriormente inocência quanto a isso. Naturalmente, tal artista não quer ser visto como racista, e por isso ele se diz de esquerda, deprecia neonazistas e sustenta condenar, em sua arte, apenas um Estado imperialista que massacra palestinos. Mas ao concentrar a humanidade em apenas um dos lados do conflito, diabolizando o outro lado, assume, em sua arte, que todos os crimes podem ser cometidos contra o lado diabolizado.

. De que forma a arte do cartoon tem sido usada como uma arma subreptícia de guerra?
- O cartoon sempre foi usado como arma de guerra, desde a Primeira Guerra Mundial. Veja-se a animação O afundamento do Lusitânia (The Sinking of Lusitania, EUA, 1918), do cartunista Winsor McCay, com mais de 25 mil desenhos numa animação realista, enfatizando o peso dramático da mensagem dirigida contra a Alemanha, cujos submarinos haviam torpedeado e afundado aquele navio de passageiros, resultando em 1.195 vítimas civis, das quais 128 eram cidadãos norte-americanos. Na Segunda Guerra o uso do cartoon na propaganda contra o inimigo foi intensificado, tanto pelo Eixo quanto pelos Aliados. Mas nem toda propaganda de guerra (caricaturas, animações, filmes, etc.) é condenável. É preciso distinguir as propagandas que expressam pontos de vista humanos de solidariedade, amor à liberdade e defesa de uma causa justa das que expressam pontos de vista desumanos, ódio à liberdade, defesa de uma causa injusta. Há propagandas aliadas que, ao combater o racismo e a agressão do Eixo também se mostraram racistas e agressoras. Nenhuma causa deve servir de pretexto para o artista desafogar a própria bestialidade. O que ocorre atualmente no conflito Israel-Palestina é o uso internacional do repertório de clichês antissemitas da caricatura antissemita tradicional (dos séculos XIV-XIX), cujas fontes são os sermões da Igreja católica; e nazista (dos anos de 1920-1940), cujas fontes são Os protocolos dos sábios do Sião. Este uso não se faz mais contra o Judeu (isto é, contra o povo judeu), mas contra o Estado Judeu (isto é, contra todos os judeus que se identificam com este Estado). É como se o antissemitismo, após a criação de Israel, redimensionasse seu ódio ao Judeu para o ódio ao Estado Judeu. Nesta operação, os “antissionistas” esperam dividir o povo judeu entre sionistas e não-sionistas e ainda conquistar uma parcela deles para a causa da destruição da Israel. Algumas técnicas imagéticas dessas caricaturas: 1. Animalização dos judeus ortodoxos (pintados sob a forma de ratos, aranhas, serpentes, dragões etc.); 2. Diabolização das autoridades israelenses (Primeiros-Ministros com chifres e caudas de diabo, cercado de chamas do inferno; renomeação de Israel como “Israelixo” ou “Israhell” etc.); 3. Negação do Holocausto (associação de Auschwitz a um parque de diversões com inserção de uma roda gigante, por exemplo); 4. Dessacralização da Estrela de Davi (sistematicamente associada a suásticas, crimes, opressões e massacres); 5. Troca histórica de papéis em situações históricas diversas (substituição das tropas SS por soldados israelis, da suástica pela Estrela de Davi, de judeus vitimados no Holocausto por palestinos vitimados por Israel); 6. Pacifismo (associação da causa da destruição da Israel à Pomba da Paz, sempre ferida, mutilada, esmagada e morta por Israel, o “eterno perturbador da paz”, como Hitler, causador da guerra mais mortífera de toda a História, chamava os judeus); etc.

. Qual é o papel da globalização nesse contexto?
- A globalização deu à História a dimensão do tempo real, ou seja, tudo acontece em todo lugar ao mesmo tempo. O mundo, que sempre foi um, agora é mais um que nunca. Todos os internautas têm acesso a todas as informações de todos os lugares o tempo todo. Mas algumas verdades horríveis não são assimiladas e a má-fé cresce na mesma medida. Numa disciplina que leciono, Cinema e História, um aluno meu escolheu analisar o filme Paradise Now. Como poucos, ele percebeu que o homem-bomba palestino era santificado na cena do banquete, construída como na Santa Ceia, de Leonardo da Vinci. Mas ao mesmo tempo, recusou-se a perceber o sentido dessa santificação. Ele sabia o que eu pensava a respeito. Mas se ele concordasse comigo precisaria recusar a santidade da causa palestina, o que ele não estava preparado a aceitar, pois se os terroristas palestinos não forem santos, Israel não seria mais tão detestável. E ele precisava odiar Israel, precisava que Israel fosse o Mal para manter funcionando sua visão de mundo, inteiramente baseada na má-fé.

. Quais os fatores que favorecem, na sociedade brasileira atual, a disseminação do preconceito e a demonização de Israel?
- A ideia de que para ser cool, in, fashion, basta odiar os Estados Unidos (o Grande Satã) e Israel (o Pequeno Satã), e de que todo o resto virá automaticamente. Pensar dá muito trabalho, é mais fácil seguir o rebanho. E se a nova onda é um novo tipo de fascismo, é o que se terá no Brasil. Aliás, é o que já temos. Um novo fascismo de esquerda, com discriminação total a Israel e aos EUA. Escritores e artistas como Gore Vidal, José Saramago, John Le Carré, Jean Ziegler e Mikos Theodorakis ajudaram a dar, através de declarações raivosas contra Israel nas mídias de consumo, prestígio intelectual ao pathos antissemita. Mesmo escritores e artistas judeus precisam, agora, para fazer sucesso junto às mídias, mostrar-se contra Israel em certa medida, como o fez Susan Sontag, cujos ensaios admiro, em seus discursos políticos, incluindo o de agradecimento ao Prêmio Jerusalém, coletados recentemente em Ao mesmo tempo. Cineastas israelenses devem fazer como Amos Gitai: criticar Israel em filmes e entrevistas, ou não ganharão prêmios e retrospectivas em festivais internacionais de cinema. A obrigação de atacar os EUA e Israel generalizou-se. Não que os EUA e Israel sejam inatacáveis, mas quando se atacam apenas EUA e Israel, e não se atacam os Estados que efetivamente suprimem liberdades civis, acobertam terroristas, doutrinam crianças, perseguem minorias, inferiorizam mulheres, etc. então não se trata de críticas exprimindo uma visão humanista, mas de difamações propagando uma visão desumana.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Holocausto para os íntimos


por Sheila Sacks


O ano de 2010 se iniciou com a divulgação de dados preocupantes para o Judaísmo. Uma pesquisa encomendada pela Agência Judaica mostrou que 2009 acumulou mais agressões antissemitas que qualquer outro ano desde o término da 2ª Guerra Mundial, em 1945. Agressões estimuladas, em sua maioria, pelo conflito em Gaza (janeiro de 2009). Em paralelo, a consulta também revelou um detalhe perturbador: 42% dos entrevistados responderam que os judeus fazem uso das lembranças terríveis do Holocausto para levar vantagem. Segundo a agência espanhola EFE, a percepção de que “ os judeus exploram as perseguições do passado para extorquir dinheiro” chega a 75% entre os espanhóis e poloneses participantes da enquete.

Vale lembrar que em 2001, em uma das raras pesquisas de campo sobre o antissemitismo no Brasil, constatou-se que 89% dos brasileiros nunca tinham ouvido falar em Holocausto; 32% nem sabiam que houve extermínio em massa dos judeus pelos nazistas durante a 2ª Grande Guerra; e somente 5% dos entrevistados conheciam o significado de Auschwitz, Dachau e Treblinka. Realizada pelo Ibope por solicitação do Comitê Judaico Americano (AJC), a mesma consulta ainda registrou que, apesar do desconhecimento geral sobre o assunto, 35% dos brasileiros entrevistados acreditavam que “os judeus estavam explorando a lembrança do extermínio de seu povo pelos nazistas para objetivos próprios” (contra 46% que discordaram dessa afirmação).

Diante dessas amostras fica claro que uma parte da humanidade deseja varrer para debaixo do tapete a mais hedionda matança planejada de todos os tempos. Para essas pessoas é um tema incômodo de se lidar porque expõe publicamente e de maneira cruel as fraquezas, limitações e dubiedades morais do ser humano em determinados acontecimentos. Melhor seria, pensam, que esse assunto se mantivesse restrito a quatro paredes, a colóquios íntimos, a estudos acadêmicos, homenagens privadas e...só.

Mas, contrariando essa sinuosa corrente que trabalha para desvirtuar e descaracterizar as ações em prol da lembrança do Holocausto, fortalecem-se a discussão pública, o empenho de compartilhar essa experiência escabrosa com as gerações contemporâneas e a vontade férrea de um povo no sentido de que jamais se instale e se repita uma anormalidade institucional desse calibre em qualquer nação de nosso planeta. Ações educativas e esclarecedoras prosseguem em todos os rincões onde o sopro da vida anima e encoraja, malgrado às resistências, as insinuações perversas e a irritação daqueles para quem a existência humana não vale um vintém.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Somos todos irmãos camaradas

por Sheila Sacks
publicado no site da Federação Israelita do Rio Grande do Sul

(Na foto, nosso irmão de Uganda trilha as linhas da Torá; rei em sua crença milenar, majestade em suas vestes de oração, comovente em suas gastas havaianas. Sob o céu da África, ele reza)


Em sua recente visita a Israel, a jornalista catalã Pilar Rahola voltou a fustigar a esquerda mundial que nesta década tornou-se o bastião das maledicências contra o estado de Israel. Convidada para integrar o 3º Fórum Global para Combate ao Antissemitismo, realizado em dezembro de 2009 em Jerusalém, a combativa defensora da causa judaica acusou a esquerda de destruir a civilização quando perdoa ou permanece calada diante das ideologias totalitárias das “ditaduras islâmicas”. Também culpou a esquerda de trair a modernidade ao se apaixonar por déspotas do porte do “islamofaciscta” Ahmadinejad e do “demagogo perigoso” Hugo Chávez, favorecendo ainda a cultura do ódio no momento em que “aplaude” os terroristas do Hamas.

A posição anti-Israel da esquerda ocidental é classificada por Rahola como uma imensa derrota moral de quem já foi paladino da liberdade e “das esperanças utópicas da sociedade”. Lembrando que coube à esquerda, durante muito tempo, “monopolizar o conceito de solidariedade e progresso”, ela estranha que não haja manifestações, em grandes cidades como Paris e Barcelona, “contra a escravidão de milhões de mulheres muçulmanas ou contra o uso de crianças-bomba nos conflitos onde o Islã está envolvido”.

Antigo ódio em nova roupagem

A essa derrota moral da esquerda, contaminada e encurralada pelos germes da intolerância, mentira e preconceito, somam-se outras derrotas importantes que desfavorecem o estado judeu e enfraquece as sociedades, segundo Rahola. Elas se localizam nas áreas da mídia (que informa mal), do pensamento crítico (banalização dos valores da civilização), da ONU (palco de ódio a Israel), da economia (dependência energética) e do próprio Islã, atacado internamente pelo fundamentalismo. Em suma, uma derrota generalizada das forças sociais, políticas, econômicas e religiosas que regem as civilizações.

Frente a esse cenário desolador de representações distorcidas produzidas ao longo dos primeiros dez anos do século 21, Israel sobrevive como um “órfão” na visão da jornalista. “O pensamento intelectual e o jornalismo internacional renunciaram a Israel”, lamenta Rahola. E põe o dedo na ferida - utilizando-se de uma lingüística crua, sem os disfarces habituais que a polidez social recomenda – ao evidenciar o estado judeu, nesse contexto de ruína moral, como a encarnação de “um pária de nação entre as nações, para um povo pária entre os povos.” O antigo ódio vestido de nova roupagem servindo-se do descaso e da falta de um efetivo comprometimento dos governos com os valores da liberdade e da cidadania.

Sentimento de exclusão se amplia

Ainda que ao final da exposição a palestrante conclamasse as pessoas a não serem omissas e a jamais permanecerem sentadas vendo o mal triunfar, a frase impactante da forma como foi dita dificilmente seria repetida por israelenses ou pensadores de ascendência judaica de qualquer matiz ideológico para classificar a posição política de Israel e a situação dos judeus no mundo. Acredito que o pudor, o constrangimento e um mínimo de amor-próprio os impediriam desse autoflagelo público, quase um haraquiri psicológico.

Mas, despida de tais complexos de exceções que ainda fustigam as biografias dos judeus da diáspora e já batem à porta dos israelenses, a perspicaz jornalista em uma única sentença decretou a falência moral da humanidade. Afinal, que valores regulam uma civilização que por mais de dois milênios tem se mostrado, sistematicamente, impiedosa e implacável com um determinado grupo minoritário formado por seres humanos em tudo semelhantes aos demais do planeta?

Mitos medievais sobrevivem

A fidelidade a uma religião ancestral e o respeito aos seus costumes e tradições fazem parte de um conjunto de princípios e padrões que tendem a moldar positivamente a identidade de cada um. E quem faz a sociedade melhor são justamente os cidadãos de bem, quaisquer que sejam os seus credos. Portanto, de certo ponto de vista pode parecer um tremendo non sense que leis precisem ser instituídas para impor as populações um comportamento público de tolerância e compreensão em relação a determinadas minorias formadas por pessoas de bem.

Essa lógica perversa e irracional que perdura e não parece dar sinais de arrefecer justifica o patético título da conferência de Rahola: Judeus de seis braços (em uma tradução bem cuidada de Irene Walda Heynemann). Ou seja, nós judeus ainda somos percebidos pela humanidade como aberrações, tais quais as mulheres-macaco, os irmãos siameses e os homens-elefante que habitavam os picadeiros dos circos medievais.

Uma pena. Afinal, com tantas mentes iluminadas em todos os campos do conhecimento ainda não fomos capazes de descobrir alguma fórmula para extirpar essa chaga medonha da face da humanidade. Mas, apesar disso e talvez por isso mesmo seremos mais irmãos e camaradas neste ano de 2010. Com os olhos e ouvidos atentos, a mente lúcida, as mãos estendidas. Acreditando na amizade, no abraço, na solidariedade e na capacidade das pessoas se entenderem e se amarem sejam quais forem os seus destinos e as suas crenças.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Israel no Haiti

Quando a vida está por um fio, a única política é o socorro imediato

por Sheila Sacks

O estado de Israel mais uma vez se lança de imediato ao socorro da população do Haiti. Três dias após o terremoto que arrasou a capital do país caribenho (12.01.2010) , equipes médicas e de resgate já estavam em Porto Príncipe realizando cirurgias e salvando vidas. São dezenas de profissionais israelenses que se empenham em ajudar, da melhor forma possível, o sofrido povo da América Central. Hoje vivem 25 judeus no Haiti e o rabino Shimon Pelman, do Beit Chabad da vizinha República Dominicana, deslocou-se em um jipe para Porto Príncipe, horas depois da tragédia, para mobilizar associações judaicas de todo o mundo a se engajarem no socorro às vítimas do que está sendo considerada a maior fatalidade sísmica dos últimos 200 anos.

A Ideologia do Bem

Um dos grandes desastres naturais ocorridos no planeta - o terremoto que atingiu o Paquistão, a Índia e o Afeganistão, em outubro de 2005 – tornou mais visível a postura humanitária de Israel que vem se repetindo ao longo dos anos, em casos semelhantes. Pondo de lado divergências ideológicas, pontos de vista antagônicos e ausência de laços diplomáticos legais, o governo de Israel, em poucas horas, se organiza e mobiliza equipes especiais de resgate, equipamentos, material cirúrgico, suprimentos e grupos de ajuda para atender as nações castigadas pela tragédia. Israel oferece, principalmente, sua experiência em lidar com situações de risco e uma tecnologia avançada no socorro às vítimas inocentes, a maioria delas, crianças, mulheres e idosos.
Toda a ajuda possível
O caso do Paquistão é ilustrativo. O país, com a segunda maior população muçulmana do mundo, não mantém relações diplomáticas com Israel, mas logo que ocorreu a tragédia o ministro do Exterior, Silvan Shalom, enviou documento oficial ao ministro paquistanês, Khurshid M. Kasuri, oferecendo “toda a ajuda possível”, dada a larga experiência israelense em lidar com desastres e situações de difícil resgate. Passados seis dias, o jornal paquistanês Daily Times noticiou que o governo daquele país aceitaria o oferecimento de Israel, mas de forma indireta e não oficial, através da ONU, da Cruz Vermelha Internacional ou de um Fundo de Ajuda. Confirmando a notícia, o Paquistão enviou uma lista a Jerusalém destacando os itens mais necessários para o atendimento às vítimas: remédios, barracas, sacos plásticos, colchões, cobertores, alimentos não perecíveis, água potável, estojos de primeiros socorros e material para cirurgias. Diante do fato, o presidente da Organização Sionista norte-americana (ZOA), Morton Klein, expressou a sua indignação considerando-se - particularmente como judeu - “embaraçado e humilhado” pela atitude do Paquistão em recusar a ajuda oficial de Israel.

Já o porta-voz do consulado israelense em Los Angeles na época, Gilad Millo, resumiu de forma clara e precisa a posição humanitária de Israel, independente de governos e governantes: “Quando acontece um desastre desse porte nós só pensamos, em primeiro lugar, em salvar vidas”. E lembrou que Israel está sempre entre os primeiros países a oferecer ajuda aos povos assolados pela tragédia, pouco importando a coloração política, credos e localização geográfica.

Israel vai aonde é preciso

A Indonésia é outro exemplo. Em dezembro de 2004 o país com a maior população muçulmana do planeta foi atingido por um terrível maremoto que produziu cenas de terror, mortes e um estrago monumental. Apesar de não manter relações diplomáticas formais, Israel logo se pronunciou e despachou socorro às áreas afetadas pelo tsunami. O país recebeu 75 toneladas de suprimentos e remédios. Para o Sri Lanka, Israel enviou médicos do Departamento de Cirurgia e Traumatologia do Hospital Hadassah, de Jerusalém, e equipes do Maguen David Adom, o serviço médico de emergência de Israel. Dias depois, um avião da Força Aérea de Israel decolou com mais de 82 toneladas de alimentos, remédios, água mineral, geradores elétricos, barracas e cobertores a serem doados às vítimas.

Também a Tailândia e a Índia, atingidas pelo tsunami, receberam toneladas de suprimentos e foram atendidas por missões israelenses de busca e salvamento. O mesmo procedimento foi adotado por Israel, em 1999, frente aos dois terremotos que devastaram cidades da Turquia – país com população predominantemente muçulmana. Lá, em apenas uma intervenção, as equipes israelenses resgataram 12 sobreviventes e 140 corpos.

Acompanhando os trabalhos na Turquia, o representante da organização judaica norte-americana American Jewish Joint Distribution Committee (JOINT), Ami Bergman, disse que ficou impressionado com a atuação dos israelenses: “Eles são os mais organizados e têm a melhor tecnologia. E o mais importante é que não desistem até a última pedra ser removida”.
Tecnologia a serviço da vida

Especialistas em socorro internacional são unânimes em afirmar que as equipes de resgate de Israel são preparadas, de modo especial, a atender situações extremas em áreas de destruição. Por força de sua experiência em atentados terroristas à bomba, Israel desenvolveu uma avançada tecnologia para a retirada cuidadosa das vítimas dos escombros, sem a utilização de máquinas pesadas e tratores que são usados normalmente.

Desde 1953 – quando pela primeira vez Israel enviou pessoal da Marinha para ajudar a Grécia, abalada por um grave terremoto – o grupo especial de salvamento israelense já participou de mais de 5 mil operações de busca e resgate, tanto em Israel como em vários países do mundo. No continente americano, Israel enviou equipes médicas e suprimentos para o México - quando do terremoto de 1985 - , tendo o mesmo procedimento com Honduras, Nicarágua, Guatemala e El Salvador, em 1998, logo depois da passagem do furacão Mitch.
Em 1999, a Colômbia foi sacudida por um forte terremoto e Israel imediatamente despachou uma grande quantidade de remédios, alimentos e leite especial para bebês. Em 2001, quando El Salvador foi novamente abalado pela tragédia de um terremoto, o Ministério do Exterior de Israel enviou estoques de remédios e equipe médica para socorrer às vítimas. À época, o representante de Israel na ONU, Yehuda Lancry, disse que a ajuda a El Salvador refletia uma longa história de parcerias, cooperação e amizade entre as duas nações. Lembrou que El Salvador foi um dos poucos países do mundo que efetivamente tentou salvar os judeus europeus ameaçados pelo nazismo alemão. Destacou também a disposição, a experiência e a tradição humanitária de Israel de oferecer socorro emergencial a qualquer país do mundo assolado por desastres da natureza.

Ainda em 2001, um terremoto atingiu o oeste da Índia e outra vez Israel enviou uma missão de socorro com equipes médicas, material cirúrgico e grupos de enfermagem, totalizando 150 profissionais. Cinco aviões da Força Aérea de Israel partiram para o local transportando equipamentos e até um mini-hospital. Em dois dias, mais de 200 pessoas foram socorridas.

Em relação ao Irã, logo após o terremoto que matou 30 mil pessoas, em 2003, Israel também ofereceu ajuda oficial e o envio de pessoal, remédios e equipamentos. Mas, as autoridades iranianas rejeitaram o oferecimento por razões políticas e ideológicas. Mesmo assim, o então presidente de Israel, Moshe Katsav (nascido no Irã, em 1945), conclamou a população israelense a ajudar as vítimas iranianas com donativos individuais ou através de organismos internacionais.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Guerras: realidade versus razão - Um ano do conflito de Gaza


por Sheila Sacks

publicado no site Rio Total
Para que servem as guerras contra Israel? De pronto para escancarar que a realidade e a razão são departamentos distintos e que na maioria das vezes nem sequer estão relacionados. Também para distinguir e separar o mundo pressuposto das ideias, aparências e conjecturas filosóficas, do universo de experiências cruéis, assustadoras e muitas vezes, sem sentido, mas nem por isso menos eloquente em sua natural ausência de propósitos inteligíveis.

Há três séculos, o pensador iluminista Pierre Bayle (1647-1706) já concluía em seu “Dicionário Histórico e Crítico” que a história da civilização não é mais do que um relato dos crimes e infortúnios da raça humana. Observação conectada à assertiva de seu colega holandês, Baruch Spinoza (1632-1677), que prevenia os incautos sobre o desconcertante atributo da natureza: o de não se submeter às leis da razão humana. Dizia o sábio de Amsterdã na obra “Tratado Político” que “tudo o que, na ordem natural, possa nos parecer absurdo e mau, só tem esta aparência porque conhecemos as coisas apenas em parte, ignoramos tal ordem inteira e todas as ligações entre as coisas”. Quanto ao estado constituído e seus cidadãos, ele ajuizava: “Os homens não nascem civis, fazem-se”.

Gota d´água

A última guerra contra Israel, sob a batuta do Hamas, em janeiro de 2009, é a ilustração perfeita da eterna controvérsia que anima os discursos filosóficos, desde o grego Platão, 300 anos antes da Era Comum, na questão que diz respeito ao aparente e a realidade. Ou seja, a última instância de julgamento seria representada pelas ideias ou pela experiência? A pergunta está formulada no livro “O Mal no Pensamento Moderno” (2002), da  ensaísta norte-americana Susan Neiman, 55 anos, que também instiga o leitor com a provocativa afirmação de que “a preocupação que alimentou os debates (nesses séculos) sobre a diferença entre aparência e realidade não foi o medo de que o mundo pudesse, no final das contas, não ser como nos parecia, mas sim o medo de que fosse”.

Diante da explosão do embate em Gaza, iniciado em 27 de dezembro de 2008 - onde cabe citar novamente Neiman em sua perplexidade: como uma gota d´água torna-se a última? – e nas semanas que se seguiram, uma torrente de argumentos lógicos e racionais da parte das comunidades judaicas mundiais se solidificou em apurados e consistentes artigos em defesa da posição israelense. Também emotivos textos que se gostariam que fossem esclarecedores à opinião pública se aglomeraram nos turbulentos espaços virtuais da internet e, em menor número, ousaram se infiltrar nas ardilosas páginas dos jornais. Porém não surtiram o efeito desejado. O mundo se fez de surdo e um ano depois o estado de Israel permanece sob o bombardeio cerrado de grande parte da mídia.

Consenso cínico

Entretanto, desde 1982, quando da “Operação Paz para a Galileia” realizada por Israel no sul do Líbano, com a missão de deter os ataques terroristas da OLP (Organização para a Libertação da Palestina) ao seu território, todas as ações israelenses levadas a efeito com o intuito de barrar a escalada de provocações letais que desestabilizam o cotidiano e impõem o medo à sua população civil, são interpretadas e julgadas pela mídia internacional e políticos de diversas nações, sob um contexto irreal e insensato, que exclui dos agressores os sintomas exibidos de uma perene síndrome de guerra oriundos da semeadura do ódio, da cultura do terror, da doutrina da violência e da ideologia da intolerância. Um aprendizado invertido de humanismo e cidadania que, de maneira indecorosa, é atiçado e disseminado por lideranças fundamentalistas assentadas nas vizinhanças do estado judeu.

Desconsiderando os antecedentes históricos e as evidências contemporâneas de uma militarização focada na defesa e na preservação de seu berço nacional, da parte de Israel, em oposição a uma tática palestina de acúmulo de armamentos, centrada no ataque e na destruição de um país legalmente constituído, vai-se engendrando, astutamente, no âmago emocional da opinião pública mundial, uma espécie de consenso cínico e induzido em relação às ações israelenses, tendo como analogia a tragédia de horror do Holocausto. Assim, qualquer iniciativa de Israel no campo de defesa militar já nasce condenada a priori pela natural probabilidade, em seu decorrer, de produzir vítimas, principalmente civis e particularmente crianças, no lado agressor, o que se constituiria, segundo essas vozes espertas e trapaceiras, em um arremedo da estratégia da abominável máquina nazista que teve por objetivo suprimir o povo judeu do planeta.

Tal tentativa de estabelecer um vínculo comparativo entre as ações israelenses e a crueldade imposta por um regime político-ideológico que, entre outras aberrações, conduziu centenas de milhares de crianças às câmaras de gás, só pode ser entendida como um deboche ou uma provocação. “Pois os campos de extermínio não apenas fabricavam cadáveres, mas se destinavam à destruição prévia de almas”, explica Neiman, para quem todos os processos de humilhação, indignidade e de erradicação da identidade e da vontade humanas aos quais as vítimas eram submetidas, destinavam-se a destruir o próprio conceito de humanidade dentro delas. Uma situação diferente da que ocorre em combate, no enfrentamento e na resistência armada, quando “instantes heroicos capazes de triunfar à própria morte” se incorporam ao contexto.

Intenções e visões

Nesse cenário aberto à manipulação de jogos conceituais sobre males morais e culpabilidade, tema de especial valor e sempre presente na dialética judaica do século 20, observa-se que os fatos e as imagens tendem a se dissociar das argumentações e até torná-las irrelevantes, como ensinou a guerra de Gaza. Mas, mesmo assim, é preciso refletir na noção de “intencionalidade” que fomenta os atos de terror do Hamas. “Como os terremotos, os terroristas atacam aleatoriamente: quem sobrevive e quem morre dependem de contingências que não podem ser merecidas ou evitadas” (Neiman).

Contudo, a visão da calamidade, do sofrimento e da dor afeta e desestrutura o ser humano, não importando a cor e o credo, que sob o seu impacto recompõe naturalmente algumas referências ou exigências acerca de padrões para avaliação do aceitável e do justo. Em mentes sensíveis e criativas, o fenômeno se expande e adquire dimensões artísticas e literárias ilimitadas, transfigurando-se em filmes memoriais – o mea-culpa “Valsa com Bashir” -, odisseias rocambolescas e exposições apocalípticas, mas nem por isso desimportantes ou desmerecedoras de atenção e análise. É o caso do livro “The Yiddish Policemen's Union”, do norte-americano Michael Chabon, traduzido no Brasil sob o título “Associação Judaica de Polícia” (2009). No enredo, o estado de Israel foi derrotado em 1948 e os judeus sobreviventes do Holocausto foram viver provisoriamente no Alaska, de onde, 60 anos depois, são forçados a ir embora por uma decisão dos Estados Unidos.

Já na exposição futurista “Exodus 2048”, do israelense Michael Blum, o novo estado de Israel fica em Uganda, na África. A debandada da população de Israel, segundo o autor, se daria um ano antes, no final de 2047, e muitos israelenses, duas décadas depois, estariam em campos de refugiados na Holanda. A representação desses campos foi vista por centenas de visitantes no New Museum, em Nova York, em 2009.

Essas projeções lúgubres evocam, essencialmente, a simbologia medieval do judeu errante e sem pátria ainda recorrente no imaginário coletivo e que, de tempos em tempos, é reavivada de maneira irreverente e até desconcertante. Mas o fato é que a insurgência na literatura, nas artes e demais áreas do pensamento, nos momentos de crise e nas guerras contra Israel apresenta-se como um desafio de grandiosa proporção: o de testar, acintosamente, a incondicionalidade de um compromisso milenar assumido há mais de 3.300 anos, na aridez do deserto do Sinai, por um povo então recém liberto dos grilhões da escravidão. Vínculo posto à prova, mais uma vez em Gaza, há um ano, sem as sutilezas e manhas que floreiam os tempos de paz.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Meus Gloriosos Heróis


por Sheila Sacks

Se a década de 1940 marcou a história do século 20 pela barbárie do Holocausto ( ou Shoá, 'aniquilação', em hebraico), por sua vez também iluminou o mundo com personagens especiais, genuínos heróis de todas as épocas. Dois deles, Mordechai Anilevitch e Howard Fast merecem ser lembrados  quando mais uma vez celebramos a fé, a coragem e a liberdade na Festa das Luzes - Chanucá.

Líder da revolta do Gueto de Varsóvia, o jovem polonês Anilevitch tinha apenas 24 anos quando foi dizimado pela máquina nazista, em 1943. Já a salvo na Romênia, retornou à Polônia para organizar a resistência e mostrar ao mundo uma face judaica milenar, ancorada nos feitos e atos de nossos patriarcas e profetas. Membro do movimento sionista socialista Hashomer Hatzair, sua história de vida tem inspirando, ao longo dos tempos, gerações de jovens judeus a trilharem o caminho do idealismo, do amor à liberdade, do respeito e defesa dos valores tradicionais de nosso povo.

Também o escritor Howard Fast (1914-2003) era um jovem de 34 anos quando escreveu a versão literária sobre a luta e a resistência tenaz do sacerdote Matatias e de seus cinco filhos, tendo à frente Judá, o macabeu, diante da ordem arbitrária de um poder central que impunha o culto, as leis e os costumes gregos na terra de Israel. Um épico sobre a saga dos irmãos guerrilheiros de Modiin, belíssimo enredo de audácia e persistência vivido há mais de 2 mil anos - algo em torno de 165 antes da era comum – por uma geração aquinhoada com as bênçãos da fé, da firmeza e da devoção.

Um hino à liberdade e à coragem


A obra "Meus Gloriosos Irmãos" foi publicada em 1948 e tem a mesma idade do estado de Israel.
É um hino à liberdade e à coragem, tendo marcado a adolescência de milhares de jovens judeus em todo o mundo.

Era uma época particularmente difícil para os judeus,  do pós-holocausto e da fundação de uma nação. O livro de Fast foi um talismã dos mais importantes para muitos jovens que, militando em movimentos sionistas, deixaram o aconchego de seus lares e ignorando os apelos de pais preocupados se engajaram na luta pela terra prometida.

A determinação, a perseverança e a crença inabalável dos hashmoneus em seus objetivos encontravam semelhança e afinidade no heroísmo dos jovens da Haganá, durante aqueles anos difíceis. O escritor trouxe o bandeira de Judá para bem perto destes jovens audazes e sonhadores que liam e reliam aquelas páginas estimulantes, com o olhar e o coração em Sion.

Apesar do seu passado de militante comunista (foi preso em 1950) Fast sempre exaltou as suas raízes judaicas. Autor de mais de 80 livros traduzidos em 82 idiomas (dos quais 20 se transformaram em filmes ou seriados de TV, como 'Spartacus', de 1960), ele considerava o movimento dos kibutzim a mais importante experiência socialista do século.

Em carta ao jornalista e escritor anglo-israelense Daniel Gravon, ele conta que quando era jovem sonhava em atravessar a pé a Galileia e ir até o sul de Israel. Isto nunca aconteceu, mas em 1944, durante a 2ª Guerra Mundial, o escritor teve a oportunidade de ver, pela primeira vez, a cidade de Jerusalém e outras áreas de Israel. Ele estava a bordo de um avião militar, cujo destino era o Líbano. “Eu pedi ao piloto para que voasse em baixa altitude, e ele, de bom grado, atendeu ao meu pedido”, lembra Fast. “Nós passamos por Jerusalém e seguimos para o norte. Eu observava Israel , as áreas desertas e devastadas com alguns raros borrões verdes de um kibutz, ali e acolá. Trinta e cinco anos depois, quando retornei, a mudança era enorme.”

Mensagem permanece atual


Dois anos antes de falecer, Fast manifestou a sua tristeza por não ter condições físicas para mais uma vez visitar Israel. “Eu gostaria de retornar, mas receio que isso seja só mais um sonho. Afinal, faço 87 anos no próximo mês de novembro. Eu caminho devagar e me canso facilmente”.

Corria o ano de 2001 e Fast também revelou a sua preocupação com o destino de nossa civilização, depois do ataque de 11 de setembro, nos Estados Unidos. “Vivemos em um mundo que está ficando insano e percebo que as pessoas estão evitando viajar. Eu sinto que nunca mais verei Israel e isso, para mim, é um pensamento doloroso.”

É interessante notar que passadas tantas décadas desde a publicação de "Meus Gloriosos Irmãos", o livro continua a constar na bibliografia recomendada aos madrichim para ser utilizado nas atividades com crianças e jovens, durante o período de Chanucá. Apesar do contexto sócio-cultural ter sofrido mudanças radicais e a juventude atual em nada se assemelhar àquela dos anos 1940 e 1950 – quando inexistiam a globalização e a tecnologia digital -  o conteúdo da obra de Fast permanece irretocável em seu sentido mais profundo: o de transmitir valores como o heroísmo e a bravura que não se acovardam mesmo diante de inimigos poderosos.

Com o livro de Fast, a festa de Chanucá ganhou novo contorno e uma mensagem mais moderna e vibrante. O combate dos macabeus fundiu-se com a própria luta pelo nascimento e perpetuação do estado de Israel, que mesmo nos dias que correm ainda mantém-se em alerta  na defesa de sua cultura, de seu modo de ser, de sua religião e de sua liberdade.

Em tempo: a esses dois heróis de nossa história devo em grande parte o possível mérito do conto “Araguaia, meu amor”, premiado e incluído na coletânea "Escritos Revelados". De Anilevitch, o modelo de coragem solidária, e de Fast o exemplo de uma arte narrativa engajada e inspirada.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Araguaia, meu amor


por Sheila Sacks
do livro "Escritos Revelados"  ( conto vencedor do Concurso literário Moacyr Scliar 2009, do Centro Cultural Mordechai Anilevitch do Rio de Janeiro )

O email dizia pouco: “Cara Aniela. Foi bom revê-la. Me perdoe os dez anos de silêncio. Lino.” O homem de tez morena, cabelo grisalho e porte atlético fechou o notebook. A mensagem o remetia a um tempo que teimava em voltar nos momentos mais inoportunos. Em poucas horas estaria com a família no casamento da sobrinha, na aprazível costa espanhola. Tão diferente e tão longe daquelas matas molhadas e do chão de barro de Xambioá. Uma vila sertaneja, nos idos de 1974, que na semana do carnaval mudava de humor e de roupa, em animados bailes e blocos de rua.

E foi naqueles dias perdidos no tempo que o tenente Lino conheceu Aniela, menina de 17 anos, franzina, cabelo escorrido, rosto de anjo, gestos delicados e voz baixa. Ela chegara à localidade para passar o carnaval com os avós, o seu Zé e dona Maria, donos do armazém-bar que vendia fiado para o povo da região. Tenente Lino tinha 30 anos e estava noivo de uma professora no Rio de Janeiro. Mas ficou fascinado por Aniela logo que a viu. Os avós tentaram escondê-la, mas o tenente ia ao armazém várias vezes ao dia e se convidou para jantar na casa do seu Zé na terça-feira de carnaval.

Por sua vez Aniela também não conseguia esconder a atração que sentia pelo tenente. Conversavam no balcão do armazém e na varanda da casa sob os olhares preocupados de seu Zé e dona Maria. Finda a semana, Aniela partiu e o tenente deixou com ela um número de telefone. Esperou semanas, meses, pela ligação. Entretanto, isso jamais ocorreu.

2

Em Jerusalém a noite quente e abafada levou Aniela a abrir a janela. Em pé olhava o céu escuro, sem estrelas, que ameaçava desabar em sua cabeça. Há pouco havia recebido a mensagem do general em meio a um repentino mal-estar. A ansiedade que vez ou outra comprimia seu peito como uma dura couraça mostrou as garras e a fez ofegar. Lembrou do evento, há quase dez anos, no limiar do século 21, e do homem empertigado a sua frente, meia-idade, rosto magro, com sulcos profundos na testa e na face. A intensidade daquele olhar não deixava dúvidas quanto a descoberta. Por um momento Aniela sentiu vergonha dos cabelos tingidos e da maquiagem esmerada. Em um gesto mecânico de cumprimento suas mãos se tocaram e antes que alguma conversa pudesse ser iniciada ela pediu licença e se afastou.
3

No amplo salão da representação diplomática o grupo de militares se despedia de seus anfitriões após alguns dias de visita à feira de armamentos em Tel Aviv. O chefe da delegação, um austero coronel do exército, mostrava-se impaciente desde que a assessora de um dos adidos sul-americanos presentes à recepção passou por ele apressada. A mulher esplêndida, de pernas bem torneadas e vestido justo orientava os garçons, do outro lado da sala. Pouco antes, ao ser apresentada ao coronel, ela pareceu constrangida e não conversou. Apartou-se do grupo e desapareceu por um das portas do salão. Agora o militar percebia que ela vinha em sua direção e estranhamente a vista começou a embaçar. Embaralhando sentidos e sentimentos se deu conta que Aniela sorria, rosto de menina, pés soltos nas gastas sandálias japonesas, cabelos escorridos em um mal-amarrado rabo-de-cavalo. Respirou fundo e sentiu um fio de suor resvalar pela nuca. Bem perto, seus corpos quase se tocando, ela estendeu um papelzinho dobrado. Surpreso, magoado, desamparado, não se conteve e sussurrou: Aniela do Araguaia.

4

Estudar no colégio Pedro II deu a Aniela Rubinstein uma outra visão do mundo. Filha de uma chapeleira da comunidade judaica do Rio, ela e o irmão viviam meio que apartados de sua origem. Dona Eva, mãe de Aniela, evitava falar do passado. Dos pais, avós, irmãos e tios reduzidos a cinzas nos crematórios da Polônia. Escondida no porão da casa da professora de ginásio, Eva sobreviveu por milagre e pode dar à filha o nome de quem a acolheu. Anos depois, no navio norueguês que a transportou para a América do Sul, ela conheceu um violinista do campo de Dachau. Desembarcaram no Rio, casaram e foram morar no Estácio. Mas a tuberculose a deixou viúva e com duas crianças para alimentar.

Assim, quando Wilsão pediu a Aniela para que o ajudasse naquela missão, a resposta veio imediata. Sua idolatria juvenil por Che e Fidel e o gosto pela aventura levaram Aniela a mentir. Contou para a mãe que iria trabalhar como monitora em uma colônia de férias em Sacra Família e partiu para a região do Araguaia.
5

Sob o codinome Selma foi apresentada ao seu Zé e dona Maria, donos de uma vendinha naquele fim de mundo. Trazia um documento em linguagem cifrada para ser entregue ao grupo que lutava na selva. O trato era ficar alguns dias na casa do comerciante, aguardando a resposta, e depois sumir. Porém o tenente bonitão do destacamento da região não arredava o pé das redondezas do balcão. Puxava conversa com Selma a troco de nada. Ao seu Zé elogiou a beleza e a doçura de Selma, sendo informado que a jovem era a tal neta do Espírito Santo que chegou de surpresa para visitá-lo. Uma noite, o tenente apareceu na hora do jantar. A casa ficava nos fundos do armazém e quando a figura alta, fardada, assomou na varanda, todos engoliram em seco. Mas, sorridente, o tenente pediu licença para participar da janta, pegou o banquinho na cozinha e se sentou ao lado de Selma. Nestas alturas, os dois já estavam apaixonados.

Em cinco dias veio a resposta e Selma foi embora. Horas antes, o tenente deu um número de telefone e pediu para que Selma ligasse. Estaria no Rio em seis meses para uma licença. Selma prometeu telefonar. Na despedida chorou ao abraçar seu Zé e dona Maria. Semanas depois, em conversa com Wilsão em uma rua da Tijuca vem a saber da morte do casal de Xambioá, encontrado amordaçado e com tiros na cabeça. Preocupado, Wilsão diz que vai fugir do país e aconselha Aniela a fazer o mesmo.

6
A ordem superior era poupar os adolescentes. O tenente Lino pediu a seu informante para que seguisse os passos de Aniela no Rio. Após trinta dias, chegou o primeiro relatório: “A pessoa em questão pertence a um grupo de judeus que usam camisas de brim azul e se reúnem em uma casa de Botafogo. Fiz amizade com o vigia e soube que são comunas, mas não atuam no Brasil. Todo ano um punhado deles vai embora para a Palestina, para viver e trabalhar em fazendas coletivas, iguais às da Cortina de Ferro. A pessoa investigada também vai deixar o país. Em anexo estão as fotocópias dos passaportes dos comunas que vão viajar no meio do ano.”
O tenente leu duas vezes o documento com selo de confidencial antes de guardá-lo no cofre. Sentia-se traído pelos sentimentos. No fundo da alma tinha a convicção de que Aniela o amava e que iria telefonar. Esperava vê-la no Rio e talvez, com o tempo, abrir o jogo. Contar que sabia de sua missão e de sua falsa identidade. Explicar a bobagem em que se meteu por pura infantilidade.

Os dois meses seguintes foram difíceis para o tenente. Infectado pela malária teve que ser hospitalizado em Belém. De volta ao destacamento, um novo relatório com carimbo de urgente já o esperava. Leu avidamente o seu conteúdo, da primeira à última palavra: “Pegamos o Wilsão... e finalizando, os comunas judeus estão de partida. Preciso de uma diretriz. Quais são as ordens, tenente?”.
No dia seguinte, após uma noite mal-dormida, o tenente despachava a resposta: “Trabalho encerrado.”

7

O casamento da sobrinha na igrejinha medieval fez a esposa do general chorar. Padrinhos dos noivos, o enlace pegou a família de surpresa. Estudante de artes em Paris, a jovem namorava um colega espanhol. A gravidez inesperada acelerou a decisão de ambos de casar e conhecer a Malásia.

Depois da cerimônia, o general seguiu para a boate onde os recém-casados foram saudados por amigos alegres e poliglotas. O som vibrante da música empurrou os convidados para o centro da pista. O general, no canto do bar, imaginou Aniela lendo o email. Talvez em Tel Aviv, Jerusalém ou qualquer outra cidade daquela terra estrangeira. Sentiu uma vontade incontrolável de fumar. Na parafernália eletrônica de cores e ruídos ao seu redor, o general só ouvia mesmo o grito da angústia e da solidão que o mantinham cativo em suas teias satânicas. Pôs uma pastilha de hortelã na boca e saiu da boate. Lá dentro, a música do final da década de 1970 explodia estridente, repetindo-se em um coro de vozes cambaleantes: Please don’t go, don’t go, don’t go away, please don’t go, don’t go...

8

Amanhecia em Jerusalém e Aniela entrou na sala de trabalho entulhada de folhetos, cartazes e recortes de jornais. Na parede, a folhinha estampava o ano 2009 em relevo. Estava sozinha e resolveu responder ao general: “Certos encontros, ainda que breves, sobrevivem ao tempo e a lógica. Tive a certeza disso na festa do consulado. Compreendi que a minha vida sempre esteve em suas mãos, general Lino Sotero. No Araguaia, quando não me executou. No Rio, quando permitiu a minha partida. Em Tel Aviv, quando percebi tudo isso. De alguma forma devo a você a minha história.”
Yafa Navon, da ONG World No Wars – Mundo sem Guerras.
P.S. Ainda guardo o número de telefone. Que bobagem!

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Não é só Ahmadinejad que nega o Holocausto

por Sheila Sacks 

 Em 2006, a cidade de Munique viveu dias de glória com a realização do primeiro jogo da Copa do Mundo da Alemanha. Um estádio monumental – o Allianz Arena - que custou quase 400 milhões de dólares, serviu de cenário para a estréia do time da Casa. O antigo estádio olímpico, aquele do atentado aos atletas israelenses, em 1972, ficou apenas como palco de um movimentado concerto ao ar livre.

O escocês Kevin Macdonald, autor do premiado documentário “On Day in September” (Oscar da categoria, em 2000), que aborda o sequestro e a morte por um comando terrorista dos 11 atletas israelenses, justificou de maneira contundente o motivo que o levou a realizar o filme: “De alguma forma o Massacre de Munique foi uma transgressão inominável, a destruição de um ideal de paz e fraternidade”. Seu produtor, John Battsek, foi mais adiante: “A investigação para o documentário revelou uma história de mistério, conspiração, tragédia, inépcia e terror”. 

  Amigo de Hitler era presidente do Comitê Olímpico Internacional 

Frente a tal enunciado, comecemos com a performace do Comitê Olímpico Internacional. A entidade era presidida, em 1972, pelo norte-americano Avery Brundage (1887-1975), o mesmo que nas Olimpíadas Nazistas de Berlim, em 1936, havia rejeitado a proposta dos Estados Unidos de boicotarem a competição, em razão dos atletas judeus alemães estarem proibidos de participar. Brundage tinha sido presidente do Comitê Olímpico dos Estados Unidos, era um entusiasta do regime nazista e amigo de Hitler.

Nascido em Detroit, esse engenheiro e desportista que foi o único norte-americano a presidir o Comitê Olímpico Internacional, convenceu os seus patrícios a participarem da competição e, em troca, a sua empresa de engenharia recebeu um cheque em branco para construir a embaixada da Alemanha em Washington. Três décadas depois, em uma dessas coincidências lamentáveis, esse mesmo Brundage, na cerimônia realizada no dia seguinte à tragédia, preferiu se calar sobre o assassinato dos atletas israelenses. Em seu discurso apenas exaltou o espírito dos Jogos e anunciou que a festa não ia parar.

  Abu Mazen, da Autoridade Palestina, recolheu recursos para o massacre 

Há exatos dez anos, uma autobiografia intitulada “Palestine: From Jerusalém to Munich” revelou mais detalhes do ataque à Vila Olímpica. Publicada na França, em 1999, seu autor é Mohammed Oudeh (Abu Daoud), um dos mentores confessos do Massacre de Munique. 

No livro ele admite que o Setembro Negro era o nome-fantasia adotado pelos membros do Fatah, quando dos ataques terroristas. Daound também descreve como Yasser Arafat e o atual presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas (Abu Mazen) - o homem encarregado de levantar os recursos para a viabilização da operação – desejaram-lhe boa sorte e o beijaram no momento em que ele finalizou os preparativos para o ataque, que vitimou um total de 17 pessoas. 

  Tese de doutorado de Abu Mazen questiona o Holocausto 

Sobre Mahmoud Abbas, vale reproduzir um item de seu histórico escolar: em 1982, dez anos depois do atentado terrorista, ele concluiu seus estudos na Universidade de Moscou, obtendo o título de PhD em História Oriental. A tese de seu doutorado questiona e nega os números do Holocausto e inclui uma fantástica aliança entre nazistas e líderes sionistas, durante a II Guerra Mundial, com o intuito de exterminar todos os judeus da Europa. A fantasia mal-intencionada travestida de “investigação histórica” intitula-se “O Outro Lado: As secretas relações entre o Nazismo e o Movimento Sionista”.

 Ainda acerca do líder palestino, em 2003 a Organização israelense de Direitos Humanos Shurat Hadin Israel Law Center - que dá assistência jurídica aos judeus vítimas de atos terroristas e os representa nos fóruns internacionais - enviou cartas ao então presidente Bush e ao Chanceler Gerhard Schroeder, conclamando as autoridades norte-americanas e alemãs a abrirem uma investigação, em seus territórios, contra Mahmoud Abbas por suas comprovadas ligações com o Setembro Negro, principalmente na função de recolhedor de fundos para prover atos terroristas, como o de Munique. A ação teria consistência jurídica já que um dos atletas assassinados também tinha cidadania norte-americana e um policial alemão foi morto na operação. 

  Terroristas se abrigavam no centro islâmico de Munique

Em um artigo no Wall Street Jornal, em 2007, o jornalista Ian Jonhson, após consultar arquivos oficias nos Estados Unidos, Inglaterra, Suíça e Alemanha, afirmou que a cidade de Munique, há várias décadas, havia se tornado o centro irradiador de uma organização radical denominada Fraternidade Muçulmana (Muslim Brotherhood), banida do Egito por Gamal Abdel Nasser, nos anos 50. Quase todos os acusados de atos terroristas tinham, algum dia de suas vidas, passado por Munique e pelo seu centro islâmico. 

Essa intimidade entre a cidade alemã e os muçulmanos, segundo Jonhson, tinha se iniciado à época de Hitler, depois da invasão à União Soviética, quando o regime nazista deu uma guinada das mais espertas, transformando um milhão de soldados muçulmanos dos países da Cortina de Ferro, aprisionados em combate, em aliados e amigos do Reich. Inclusive uma dessas brigadas formada por muçulmanos foi destacada para a Polônia, onde teve participação ativa na aniquilação do Gueto de Varsóvia, em 1943. Depois da guerra, esses combatentes nazistas se instalaram em Munique e acolheram a organização Fraternidade Muçulmana de braços abertos, sendo responsáveis pela fundação, em 1958, do Centro Islâmico de Munique. 

Um ano depois, participantes do Congresso Muçulmano Europeu selaram o pacto de tornar a capital da Baviera um pólo de convergência para todos os muçulmanos residentes na Europa. Um dos cléricos (imam) mais atuantes do Centro Islâmico de Munique foi Nurredin N. Nammangani, nascido no Uzbakistão e que serviu nas fileiras de Hitler, mais especificamente na organização paramilitar SS. Durante décadas (faleceu na Turquia em 2002) ele mesclou religião e anti-semitismo em suas prédicas às centenas de colegiais e universitários muçulmanos de várias partes da Europa. Outros membros da cúpula do Centro de Munique citados na reportagem também tiveram ligações documentadas com os nazistas, de acordo com a pesquisa do jornalista norte-americano. 

 Para o historiador alemão Stefan Meining, o Centro Islâmico de Munique está na base de uma ampla rede que se ramificou silenciosamente pelo resto do mundo, a partir do fim da II Grande Guerra, difundindo um radicalismo a favor da “guerra santa”, que simplesmente não existia antes da II Guerra Mundial. O encontro da teoria nazista com o fundamentalismo religioso da Fraternidade Muçulmana foi o responsável pelo nascimento da figura híbrida e aterradora do terrorismo moderno, uma das grandes tormentas que o mundo ocidental tem enfrentado. “Se você quer entender a estrutura política do Islã, você tem que se debruçar sobre o que aconteceu em Munique”, alerta o historiador. 

  Islamismo antissemita tem origens nazistas

Outro estudioso alemão, o cientista político Matthias Kuntzel, também relaciona a Fraternidade Muçulmana com as ideologias extremistas da jihad (guerra santa) dos grupos Fatah, Hamas, Hezbollah e al-Qaeda. Em seu trabalho intitulado “O Islamismo antissemita e as suas origens nazistas”, Kuntzel destaca que até 1930 a doutrina islâmica tradicional não pregava o ódio aos judeus e nem falava em guerra santa. 

Posteriormente, a doutrina absorveu o marketing da propaganda nazista e antissemita européia, recebeu o apoio financeiro e estratégico de Hitler - que financiou as lideranças islâmicas ligadas à Fraternidade Muçulmana (fundada em 1920) - e promoveu atos de terror, morte e perseguição aos judeus no Egito e na Palestina, ainda sob o Mandato Britânico. Slogans do tipo “Judeus fora da Palestina e do Egito” e “Morte aos Judeus” eram parte do arsenal de intimidação da Fraternidade que, após ser expulsa do Egito, se transferiu para a capital da Baviera. 

  Até Bento XVI considera difícil conciliar o islamismo com a modernidade 

Em setembro de 2005, o Papa Bento XVI – que doutorou-se em Teologia pela Universidade de Munique - coordenou um seminário privado em sua residência de verão, em Castelgandolfo, com religiosos e estudiosos do Islamismo. O encontro gerou polêmica porque o jesuíta norte-americano Joseph Fessio, declarou, em entrevista, meses depois, que o papa tinha dito que o Islamismo e a modernidade (democracia) não eram conciliáveis. 

Imediatamente, dois outros participantes do seminário se apressaram em desmentir a afirmação, declarando que não foi bem isso que o Papa quis dizer. Segundo estas fontes, o Papa havia considerado a conciliação do Islamismo com a modernidade muito difícil, mas não impossível. É importante lembrar que o atual papa foi Arcebispo de Munique entre 1977 e 1981, e como tal fica difícil imaginar que não tenha tido contato com a liderança da Fraternidade Muçulmana do Centro Islâmico ou que não soubesse das atividades que lá ocorriam. 

Segundo o jornalista do Ásia Times, Spengler, pode parecer estranho que o Papa precise “sussurrar” quando demonstra concordância com a opinião dos muçulmanos tradicionais de que a profecia do Corão é imutável e que portanto não pode ser reformada. Diante disso, Spengler deduz que, se o Islamismo é incapaz de mudar, estamos todos caminhando para uma guerra de civilizações. 

  Experiência muçulmana em Munique se espalhou para outras cidades 

Por sua vez, o subdiretor do Instituto de Pesquisa de Contraterrorismo de Washington, Lorenzo Vidini, foi a partir de Munique que os muçulmanos conquistaram a Europa. O modelo pioneiro implantado em Munique, com uma rede de mesquitas, centros de apoio, grupos de estudos e organizações sociais espalharam-se pelo continente. “Enquanto resguardados por quatro paredes eles incitavam à guerra; para o mundo exterior o discurso era outro, com retórica moderada, e dessa forma, a Fraternidade ganhou força e aceitação política na Alemanha”. 

Hoje, o país tem 3,8 milhões de muçulmanos e estatísticas dão conta que, anualmente, 800 alemães se convertem ao Islamismo. Neste crescendo populacional também se inclui a comunidade judaica que, surpreendentemente, já atinge a cifra de 100 mil pessoas, constituindo-se a terceira maior da Europa. A queda do Muro de Berlim, em 1989, e a derrocada da União Soviética, em 1991, estimularam o êxodo. 

  Curso de Estudos Islâmicos e Judaicos promove o entendimento 

Com as fronteiras abertas, os judeus do Leste Europeu esqueceram a cautela e se instalaram na Alemanha, com uma sem-cerimônia que tem provocado arrepios em muitos historiadores e sobreviventes do Holocausto. Mas, não em todos. Um exemplo é o professor israelense Menahem Ben-Sasson, ex-reitor da Hebrew University, que deu aulas na Universidade de Munique. Especialista em História Judaica da época medieval islâmica, ele participou do programa promovido pela Allianz Group, uma das maiores seguradoras do mundo, com sede em Munique. O projeto patrocina o “Curso de Estudos Islâmicos e Judaicos”, alternando professores judeus e muçulmanos, a cada semestre.

Ben-Sassom conta que alguns colegas o criticaram quando ele resolveu aceitar o convite. Entretanto, o professor diz que se sentiu bem à vontade em seu trabalho e que inclusive usava a kipá quando transitava pelas ruas da cidade. Um avanço de tirar o chapéu, considerando que há pouco mais de sessenta anos, ser judeu em Munique era dispor de um passaporte para o inferno. Foi em seus arredores que funcionou o primeiro campo de concentração da Alemanha – Dachau – onde os judeus e outras minorias foram cobaias de abomináveis experiências ditas científicas.