/ Sheila Sacks /
Em meio à análise do Supremo
Tribunal Federal (STF) sobre as responsabilidades das redes sociais, os recentes
assassinatos ao vivo de influenciadores digitais em países da América Latina, ocorridos em maio e junho, chamaram à atenção do jornal espanhol El Pais, que reportou o fato em sua edição on-line
(23/6), destacando que as mortes ocorreram durante transmissões na rede TikTok.
Os três influenciadores eram
jovens, um homem e duas mulheres, com milhares de seguidores, residindo na
Venezuela, México e Colômbia, respectivamente. As circunstâncias das execuções,
em transmissões ao vivo, indicam uma espécie de recado afrontoso dos criminosos
aos seguidores das redes sociais e, principalmente, à sociedade em geral.
Ou seja, ninguém está a
salvo, literalmente, de ser morto fazendo uma Live. Relativizar a situação considerando-a como fatalidade, vingança pessoal, homicídio ou feminicídio, dentro de um
contexto de normalidade, é fechar os olhos para um fenômeno aterrador. Igualmente
tachar o ocorrido como “ossos do ofício” de quem se propõe a ser influenciador,
é a surrada saída fácil de culpabilizar
a vítima e limitar as investigações.
Terroristas também assassinavam
ao vivo
Certamente, as redes sociais e as sociedades estão diante de um difícil desafio porque os assassinatos envolvem um tipo de criminalidade exibicionista e ultrajante em seus métodos selvagens. Só para lembrar que matar ao vivo utilizando um meio digital não é novidade. O grupo terrorista Al-Qaeda, de Bin Laden, já praticava esse crime no início do século 21, com alegações ideológicas e religiosas.
Foi assim com relação ao
jornalista americano Daniel Pearl (38 anos), do Wall Street Journal, sequestrado
no Paquistão onde estava a trabalho, decapitado ao vivo em transmissão pela
Internet e TV, em 2002. E, dois anos depois, em idêntico procedimento, com o
técnico de comunicações Nicholas Berg, de 26 anos, também americano trabalhando
no Iraque, que foi decapitado em vídeo assistido por milhões de pessoas em todo
o mundo. Ambos eram judeus e, portanto, o recado dos terroristas foi duplo,
abrangendo à população dos Estados Unidos e às comunidades judaicas.
Influenciadores agora são as vítimas
Com 76 mil seguidores, Gabriel
Jesús Sarmiento Rodríguez gravou seu próprio assassinato quando homens armados
invadiram sua casa em Aragua, na Venezuela e o mataram a tiros (Hombres armados
asesinan a un ‘tiktoker’ venezolano durante una transmisión).
Na gravação, segundo o jornal, “os gritos de
uma mulher clamando por socorro podem ser ouvidos enquanto Sarmiento pede ajuda
aos oficiais do Sebin (Serviço de Inteligência da Venezuela), repetindo várias vezes o
endereço de sua casa”. Com 25 anos, ele denunciava nas redes sociais
autoridades públicas, policiais e integrantes de gangues por corrupção e
extorsão.
No México, a influenciadora Valeria
Márquez, de 23 anos, com 100 mil seguidores, foi assassinada momentos antes de
relatar em vídeo que iria receber uma entrega. Modelo e dona de um salão de
beleza em Jalisco, ela foi morta a tiros pelo suposto entregador em seu local
de trabalho. Suas postagens incluíam fotos usando roupas luxuosas ou no
interior de iates e restaurantes. Segundo informação de uma amiga, Valeria
sempre recebia presentes enviados ao salão e naquele dia, antes de ser baleada,
lhe foi entregue uma sacola de uma rede de cafeterias e um bicho de pelúcia.
Também assassinada a tiros
em frente a sua casa ao receber uma caixa de chocolates de um falso entregador,
a influenciadora e modelo colombiana María José Estupiñán, conhecida como Mona,
tinha 22 anos e mais de 55 mil seguidores. Ela residia na cidade de Cúcuta, no
norte da Colômbia, e o crime ocorreu dois dias depois da morte da mexicana. Uma
câmera de vídeo capturou o assassino correndo após o ataque e a voz desesperada
da mãe da vítima ao vê-la caída no chão.
As execuções estão sendo investigadas
pelas polícias locais como homicídio, no caso de Gabriel Jesús, e feminicídio
em relação à Valéria e María José, já que ambas tinham contenciosos com seus
ex-parceiros.
Influenciadores ou criadores
de conteúdo?
No Brasil, influenciadores
digitais já denunciaram perseguição, ameaças de morte e ataques de ódio. Em uma
reportagem de 2024, a plataforma UOL divulgou que a estimativa é que existam 10
milhões de influenciadores no país. A saturação do mercado, com mais
influenciadores do que marcas para promover, vem mudando o perfil desses
profissionais. Agora muitos se denominam criadores de conteúdo e isso
significa, muitas vezes, o envolvimento em “campanhas publicitárias que
incentivam serviços ilegais ou controversos, como produtos inexistentes,
esquemas de pirâmide ou apostas online”, observa a matéria do UOL.
Acerca da responsabilidade
civil dos influenciadores digitais pela sua capacidade de indicar produtos e
serviços de consumo, exercer grande poder de persuasão e promover mudanças
comportamentais entre seus seguidores, especialistas em Direito consideram que
para salvaguardar tais relações devem ser considerados aspectos legais do
Código Civil; do Código de Defesa do Consumidor (influenciador como fornecedor
de produto ou serviço); da legislação do CONAR (Conselho Nacional de
Autorregulamentação Publicitária), e do Marco Civil da Internet, estabelecido
pela Lei nº 12.965/2014.
Um negócio de bilhões
De acordo com o relatório de referência Influencer Marketing Benchmark Report 2025, divulgado em abril pela plataforma Influencer Marketing Hub, no ano passado o marketing de influência impulsionou as mídias sociais a se tornaram o maior canal de publicidade do mundo, ultrapassando a busca paga. Em 2025, a perspectiva é de que o setor deva atingir US$ 32,55 bilhões em tamanho de mercado global, uma taxa de crescimento anual de mais de 30%, a partir de 2014, quando o tamanho do mercado do marketing de influência era estimado em US$ 1,4 bilhão.
O relatório também registra
que a transmissão ao vivo surge como a principal estratégia de conteúdo e que o
Brasil garante 15,8% de participação como líder global em influenciadores do
Instagram.