linha cinza

linha cinza

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Carisma de Lula vence eleição


por Sheila Sacks

Pelo terceiro pleito consecutivo para a escolha de quem vai governar o Brasil, a comunidade judaica aposta contra o Partido dos Trabalhadores (PT) e perde. Desde a primeira vitória do PT, em 2002, as federações israelitas e a mídia judaica online procuram dissociar a figura de Luiz Inácio Lula da Silva, líder máximo do PT, da cartilha básica de compromissos ideológicos do partido. Para isso se valem, periodicamente das declarações polidas da assessora pessoal do presidente, Clara Ant, ativista política e ex-integrante do movimento estudantil trotskista “Liberdade e Luta”, dos anos 1970.

Longe das esferas oficiais

Principal interlocutora do governo federal com a comunidade judaica, Clara Levin Ant, de 62 anos, tem a delicada função de prover de explicações plausíveis e baixar o nível da fervura todas as vezes que membros e representantes mais radicais do PT assumem posições ou adotam iniciativas mais contundentes - inclusive com a publicação de artigos na mídia - que possam, de alguma forma, repercutir negativamente sobre a comunidade de 120 mil brasileiros judeus, principalmente em relação à contenda entre Israel e seus vizinhos palestinos. Os esclarecimentos solicitados são feitos longe dos círculos oficiais e raramente ganham às páginas da grande imprensa, cabendo então aos informativos comunitários online veicularem de forma “equilibrada”, sem atiçar os ânimos, as inevitáveis justificativas. De preferência acrescidas de fotos exibindo os visitantes nos gabinetes palacianos. Uma visão que enche os olhos da comunidade judaica e reforça a impressão de que o governo esta sempre disposto a escutá-los, ainda que mantenha sua posição ideológica inalterável.

Nascida na Bolívia, filha de um imigrante judeu que se transferiu para São Paulo na década de 1950, Clara Ant formou-se arquiteta e depois optou pela política. Participou da fundação da CUT (Central Única dos Trabalhadores) – é de sua autoria o logotipo da organização -, elegendo-se deputada estadual pelo PT paulista em 1986. Acompanhando Lula desde 1998, quando o então ex-sindicalista concorreu pela terceira vez à presidência da República, Clara Ant tem sido bastante inteligente em sua blindagem à figura do presidente que apesar de não se desviar das diretrizes do partido, tanto na política interna como na externa, é visto pela comunidade judaica como um petista mais aberto e acessível. Ela poderá integrar o staff da presidente eleita Dilma Roussef para quem trabalhou ativamente na campanha, provavelmente exercendo idêntico papel de mediadora. Outras fontes apostam que a assessora poderá acompanhar o presidente Lula na criação de uma fundação voltada para ações sociais, como a de ajudar a combater a fome e a pobreza no mundo.

Vantagem de votos em Minas Gerais e Rio de Janeiro

Mas, mesmo contando com um espaço razoável nas agendas do Planalto, a comunidade judaica nesta eleição presidencial de 2010 - realizada em dois turnos, o primeiro em 3 de outubro e o segundo no dia 31 - votou no candidato da oposição representada pelo governador paulista José Serra. Maior colégio eleitoral do país, com 30 milhões de eleitores, São Paulo ficou nos meses que antecederam as eleições sob a batuta do vice-governador Alberto Goldman, judeu e ex-militante do Partido Comunista Brasileiro.

Confiante em uma vitória expressiva em seu estado, Serra e seus correligionários foram surpreendidos pelo desempenho eleitoral da candidata lulista. Sua vantagem nas urnas foi bem discreta com um placar de 54% contra 45% obtidos por Dilma. Já no segundo e terceiro maiores colégios eleitorais, Minas Gerais (15 milhões de eleitores) e Rio de Janeiro (11 milhões), Dilma alcançou 60% dos votos. Somando com as vitórias obtidas na maioria dos estados das regiões Norte e Nordeste, incluindo a Bahia (70% dos votos) e mais o Rio Grande do Sul (ambos os estados elegendo governadores petistas, Jacques Wagner – de mãe judia - e Tarso Genro – de avó judia), a indicada de Lula conquistou a posição única de se tornar a primeira mulher e ex-combatente (lutou contra a ditadura e permaneceu presa de 1970 a 1972) a se tornar presidente do Brasil.

Talvez por isso ou pela alegada simpatia do PT pelas FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), grupo gerrilheiro marxista-leninista classificado de narco-terrorista pela própria Colômbia, Estados Unidos, Canadá e União Européia, a organização tenha publicado mensagem de felicitações à Dilma, com “aplausos e reconhecimento” a sua vitória. No comunicado, eles afirmam que estão seguros de que a nova presidente do Brasil terá papel determinante “para alcançar a paz regional na irmandade dos povos do continente”.

Pela defesa da liberdade de religião e expressão

Em seu primeiro discurso, após os resultados das urnas, Dilma Roussef tratou de apaziguar os ânimos, comprometendo-se a zelar pela total liberdade de religião e de expressão. “Prefiro o barulho de uma imprensa livre ao silêncio das ditaduras” enfatizou em seu pronunciamento à nação, em 1 de novembro.

Entretanto, durante os meses que antecederam a eleição, o presidente Lula várias vezes se queixou das insistentes abordagens negativas sobre o seu governo por parte dos gigantes da mídia brasileira. Os jornais “O Globo”, “Estado de São Paulo”, “Folha de São Paulo”, “Estado de Minas”; as revista “Veja” e ‘Época”; e, principalmente, a rede Globo de rádio e TV, abriram amplos espaços para a veiculação de acusações contra assessores do governo, ligando-os às práticas de tráfico de influências e de malversação de dinheiro público. Os ataques continuados nos meios de comunicação ao seu governo e a sua candidata, apontada como inexperiente em gestão política, levaram o presidente Lula, em um comício na cidade paulista de Campinas, a comparar os veículos da imprensa a partidos políticos: “Nós vamos derrotar alguns jornais e revistas que se comportam como fossem partido político e não têm coragem de dizer que são partido político e têm candidato”, falou.

Críticas ao “Antiamericanismo primitivo”

Apesar do apoio dos grandes empresários por conta das centenas de obras nas áreas da construção civil e de infraestrutura (energia, estradas, saneamento, moradias, portos e aeroportos) que se espalham pelo país através da implantação do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), e que somente no Rio de Janeiro vêm injetando bilhões de dólares na urbanização das favelas e nas obras de modernização da cidade para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, uma outra parcela da elite empresarial brasileira tem dado mostras de sua insatisfação diante do que chamam de “antiamericanismo primitivo” praticado pelo governo comandado por Lula, incluindo aí a sua aproximação com a ditadura militar-religiosa do Irã que nega o Holocausto e com os governos de esquerda dos vizinhos Equador, Bolívia e Venezuela (os dois últimos romperam relações diplomáticas com Israel, no início de 2009, devido ao conflito em Gaza).

Em resposta às críticas dos descontentes, Lula gosta de assinalar que as pessoas ricas foram as que mais ganharam dinheiro no seu governo. O empresariado lucrou na área da construção civil, na indústria, no comércio em geral e em todas as áreas de negócios e investimentos que tiveram forte crescimento.

Em contrapartida, no rastro desse cenário econômico mais favorável, foram criados mais de 10 milhões de empregos formais e cerca de 20 milhões de pessoas saíram da linha da fome e da extrema miséria ajudadas principalmente por programas sociais como o Bolsa Família, que atende 12 milhões de famílias com a transferência direta de até 130 dólares mensais para cada uma, beneficiando um total de 46 milhões de pessoas.

Também o salário mínimo mensal cresceu mais de 50% e hoje equivale a 280 dólares, com a perspectiva de que em janeiro de 2011 chegue aos 300 dólares. O aumento nas oportunidades de emprego e a oferta de maior crédio possibilitaram a entrada de 30 milhões de pessoas na classe C. Já as classes A e B, as mais ricas, tiveram um acréscimo de 6 milhões de pessoas.

Diplomacia brasileira é o ponto de discórdia

Contudo, apesar do louvável e meritório trabalho de erradicação da miséria e inclusão social que tem favorecido milhões de brasileiros, associado às efetivas melhorias que as demais classes sociais também alcançaram no governo Lula, os judeus brasileiros, em sua maioria, sentem-se incomodados com a política externa brasileira que em anos recentes intensificou a aproximação com governos árabes totalitários que pregam a eliminação do estado de Israel. Adotando a causa palestina de um ponto de vista ideológico, a diplomacia brasileira tem ignorado o real contexto do Oriente Médio que obriga os israelenses a manter um contínuo estado de alerta e de defesa de sua integridade.

Em entrevista coletiva concedida a alguns jornalistas brasileiros que visitaram recentemente Israel, o presidente Shimon Peres afirmou que o Brasil precisa se decidir se é pró-Irã ou pró-EUA.“ É preciso fazer uma escolha”, acentuou. Ele exortou o Brasil a levar a sério as ameaças do líder iraniano Mahmoud Ahmadinejad a Israel, assim como sua pregação contra o Holocausto. Elogiando o presidente brasileiro, Peres disse que “a voz do Brasil deve ser ouvida” mas que a diplomacia brasileira deve se pautar por valores e não apenas pelo “puro poder”.

Na reportagem publicada em 10 de novembro no jornal Estado de São Paulo, Peres destacou que a convivência harmoniosa de árabes e judeus no Brasil é um exemplo para o mundo. Contou que ele e o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, ficaram impressionados ao se reunirem com o Comitê Olímpico brasileiro que prepara as Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro. “Eu vi que havia judeus e árabes trabalhando junto. Então eu disse a Abbas: Se eles conseguem, porque nós não?”

Em março de 2010, um dos mais importantes jornais de Israel, o Haaretz, já havia chamado Lula de “o profeta do diálogo” por suas intermediações em busca da paz no Oriente Médio.

A mulher que vai comandar um gigante econômico

O fato é que Dilma Vana Rousseff, uma economista de 62 anos, de pai nascido na Bulgária, e o seu vice, o deputado federal Michel Elias Temer Lulia, de 69 anos, filho de um imigrante libanês, assumem a partir de 1º de janeiro as rédeas de um país que de acordo com analistas estrangeiros caminha para ser a 5ª maior potência econômica mundial. Atualmente, o Brasil é a 8ª economia do mundo, com um PIB – Produto Interno Bruto (conjunto de todos os bens e serviços produzidos no país) de U$ 1,8 trilhão, sendo superado apenas pela Itália, Reino Unido, França, Alemanha e pelos líderes Estados Unidos, China e Japão. Daí que mesmo antes de ser empossada, a recém-eleita presidente do Brasil já figura na lista das pessoas mais influentes do mundo de acordo com a revista norte-americana Forbes. Das 68 personalidades mais poderosas entre 6,8 bilhões de habitantes do planeta, Dilma ocupa a 16ª posição, à frente de políticos como o presidente da França, Nicolas Sarkozy (19ª) e a secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton (20ª).

Com o aval incondicional do presidente Lula que após oito anos governando o país ainda desfruta de uma espantosa popularidade advinda da aprovação e da avaliação positiva de seu governo por 83% da população, a nova presidente também terá a seu favor um Congresso formado, em sua maioria (3/5 dos congressistas) por deputados e senadores eleitos pelos partidos de coalizão que apoiam o governo.

Em tempo e para refletir: dos 135 milhões de brasileiros aptos a votar (o país tem 190 milhões de habitantes), 29 milhões se abstiveram de votar (21% do eleitorado) e 7 milhões anularam o voto. Oitenta e cinco mil eleitores votaram no exterior.
Na apuração final, Dilma obteve um total de 55,7 milhões de votos (56% do eleitorado) contra 43,7 milhões (44%) de Serra, ganhando por uma diferença de 12 milhões de votos.