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segunda-feira, 19 de julho de 2010

Isaac Asimov e os vídeos da morte


Livros do escritor de ficção científica teriam inspirado mídia usada por terroristas

por Sheila Sacks

Em maio de 2002, um vídeo de pouco mais de três minutos chocou o mundo. Suas imagens mostravam o correspondente norte-americano Daniel Pearl, do Wall Street Journal, inicialmente vivo, e depois, decapitado. A internet e a TV foram os veículos utilizados pelos terroristas para difundir a mensagem da barbárie. O jornalista, de 38 anos, estava no Paquistão realizando uma reportagem quando foi seqüestrado e, antes de ser executado, o obrigaram a falar de suas raízes judaicas que motivaram a sentença. No vídeo, as mãos que seguravam a cabeça decepada de Pearl eram do paquistanês Khalid Sheik Mohammed (conhecido como KSM), o arquiteto dos ataques de 11 de setembro de 2001, e responsável pela produção e distribuição do vídeo. Capturado e preso, em 2003, KSM era o homem-forte da al-Qaeda que liderava as ações terroristas no Paquistão e no Kuwait, e partiu dele a ordem de matar o jornalista.

Dois anos depois do assassinato de Pearl, um outro vídeo de igual teor era exibido pela internet. As imagens mostravam o técnico de comunicações Nicholas Berg, de 26 anos, sendo obrigado a dizer os nomes de seus familiares, dos pais Michael e Susan e dos irmãos David e Sarah, antes de ser degolado. Norte-americano de origem judaica, Berg estava trabalhando em Bagdá quando foi raptado. As pistas sobre sua execução levaram ao terrorista nascido na Jordânia, Abu Musab al-Zarqawi, comandante das ações da al-Qaeda no Iraque e morto em junho de 2006.

Os grandes e o pequeno

A estratégia de utilizar gravações em vídeo para difundir ameaças, execuções e ações de terror, tem sido empregada, há mais de uma década, pelo saudita Osama bin Laden, 51 anos, o chefe supremo da organização terrorista al-Qaeda. Desde 1995 ele tem enviado dezenas de mensagens gravadas, transmitidas preferencialmente pela internet e a TV árabe al-Jazeera, convocando os árabes a atacarem as forças norte-americanas e os seus aliados, elogiando os bombardeios a alvos ocidentais e incentivando os homens-bomba a realizarem mais atentados. O modo de agir do terrorista mais procurado do mundo tem sido comparado, por alguns especialistas, ao desenvolvido por um personagem bastante conhecido dos leitores de ficção científica (Sci-Fi). Trata-se do matemático Hari Seldon, da trilogia conhecida como A Fundação, escrita por Isaac Asimov.

Concebida entre os anos de 1940 e 1950, a série de contos de Asimov, que depois se transformou na obra que é considerada um marco na literatura de Sci-Fi, tem como cenário um futuro distante (12000), habitado por Seldon, que cria uma ciência chamada psicohistória, capaz de prever comportamentos coletivos e, a partir daí, a queda do próprio Império Galáctico. Ele então despacha uma expedição para um lugar remoto onde estabelece um núcleo, A Fundação, do que seria o novo centro de poder. Face à força militar do Império, Seldon também grava mensagens de vídeo para serem transmitidas aos seus seguidores nos momentos críticos, mesmo depois de sua morte.

Num trecho do livro, o matemático explica a estratégia de luta da Fundação: Tivemos de desenvolver técnicas e métodos novos que o Império não pode imitar(...). Com todos os seus escudos nucleares, gigantes o bastante para proteger uma nave, uma cidade ou um planeta inteiro, nunca haviam sido capazes de criar algo que pudesse proteger a um único indivíduo(...). Toda a guerra é uma batalha entre esses dois sistemas, entre o Império e a Fundação, entre os grandes e o pequeno.

Modelos de estudo

Coincidentemente, o termo al-Qaeda significa A Base, em árabe, que tem conotação semelhante à palavra Fundação, na obra de Asimov. O sociólogo franco-iraniano Farhad Khosrokhavar, diretor da Escola de Altos Estudos de Ciências Sociais (EHESS), em Paris, e autor de vários trabalhos sobre o terrorismo-suicida, dá sua interpretação sobre o significado do nome da organização: Al-Qaeda significa a base de dados que foi posta em um sistema de informática com os nomes dos que iam lutar contra os soviéticos, no Afeganistão. Para o sociólogo a motivação política dos atos terroristas da al-Qaeda é bem maior do que a dimensão religiosa que muitos acreditam existir: Bin Laden conhece muito bem os EUA, jogou lá na Bolsa de Valores e, durante muitos anos, colaborou com a CIA (Central Intelligence Agency). O número dois, Al-Zawairi, era cirurgião e não um muçulmano tradicional. Também os que atacaram o World Trade Center, em Nova York, 15 deles, de um total de 19, eram da Arábia Saudita e da alta classe média. E os que são convocados para o trabalho subalterno, estes são freqüentemente ocidentais, que viveram e muitas vezes nasceram no Ocidente, como na França, Inglaterra ou mesmo nos EUA. Não são árabes no sentido de terem nascido em um país árabe. A sua educação foi no Ocidente.

Um pesquisador que tem estudado as semelhanças entre a al-Qaeda e A Fundação é o físico espanhol Juan José Miralles Canals, professor da Universidade de Castilla-La Mancha, em Toledo. Ele escreveu extenso artigo publicado na revista de informática Mundo Linux, intitulado Internet, Redes Complexas, Guerras de Quarta Geração e al-Qaeda. De acordo com o professor, o 11 de setembro formalizou o início da 4ª Guerra Mundial. A identificação da al-Qaeda com A Fundação oferece um modelo de estudo sobre um projeto de poder para a conquista do planeta, a partir de um núcleo inicialmente muito débil frente a uma força mais poderosa, registra Miralles.

Em surdina

Para o físico, alguns paralelismos entre as duas organizações são bem aparentes: 1) A ação é global; 2) O objetivo é a conquista do poder mundial; 3) A base física da organização fica em lugar remoto; 4) A religião funciona como instrumento para alcançar os objetivos; 5) A cada crise surge um vídeo com mensagens; 6) A internet é usada como uma rede condutora para alterar a percepção da realidade, manipular a inteligência, incutir medo e provocar desastres. Sobre este último item, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos já informou que foram encontrados computadores no Afeganistão, provavelmente relacionados com a al-Qaeda, com informações sobre interruptores digitais utilizados para o controle de energia elétrica, água, transporte e telecomunicações.

Segundo o diretor do Centro de Pesquisa de Informação da França (CF2R), Eric Dénéce, hoje é mais difícil de se penetrar nas estruturas da al-Qaeda do que no aparato soviético, à época da Cortina de Ferro. Especialista em Ciência Política e autor do livro al-Qaeda: a nova rede de terror, Dénéce revela que bin Laden formou a organização de maneira reticular, imitando os princípios da Internet, o que dá condições para melhor resistir aos ataques exteriores. A al-Qaeda não tem estrutura hierárquica, dispõe de menos elementos financeiros do que imaginamos e limita-se a comunicação de pessoas que estão sozinhas em um determinado momento. Os terroristas e os hackers (ciberpiratas) são recrutados pela internet para explodir alvos e provocar estragos nos sistemas. Em sua opinião, não há nada mais difícil do que lutar contra uma organização com um modelo deste tipo.

É o que a genialidade de Isaac Asimov, (1920-1992) já previa, há mais de cinqüenta anos. Ph.D em Bioquímica, Asimov nasceu na Rússia, de uma família judaica, e chegou aos Estados Unidos aos três anos. Aos 11 já escrevia contos e aos 15 ingressou na faculdade. Foi professor na Universidade de Boston e redigiu em torno de 500 obras sobre diversos temas. Mas, foi na ficção científica que ele conquistou a celebridade, inúmeros prêmios e milhões de leitores em todo o mundo. E no caso específico de A Fundação, Asimov se superou ao criar, de fato, duas Fundações: uma visível, que utilizava as ciências da física e atacava abertamente o Império, e a outra oculta e misteriosa, que trabalhava em surdina para exercer o domínio sobre as mentes de toda a Galáxia.