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quinta-feira, 26 de junho de 2025

América Latina: Assassinatos ao vivo de influenciadores é desafio para redes sociais

/  Sheila Sacks /

Em meio à análise do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as responsabilidades das redes sociais, os recentes assassinatos ao vivo de influenciadores digitais em países da América Latina, ocorridos em maio e junho, chamaram à atenção do jornal espanhol El Pais, que reportou o fato em sua edição on-line (23/6), destacando que as mortes ocorreram durante transmissões na rede TikTok.

Os três influenciadores eram jovens, um homem e duas mulheres, com milhares de seguidores, residindo na Venezuela, México e Colômbia, respectivamente. As circunstâncias das execuções, em transmissões ao vivo, indicam uma espécie de recado afrontoso dos criminosos aos seguidores das redes sociais e, principalmente, à sociedade em geral.

Ou seja, ninguém está a salvo, literalmente, de ser morto fazendo uma Live. Relativizar a situação considerando-a como fatalidade, vingança pessoal, homicídio ou feminicídio, dentro de um contexto de normalidade, é fechar os olhos para um fenômeno aterrador. Igualmente tachar o ocorrido como “ossos do ofício” de quem se propõe a ser influenciador, é a surrada saída fácil de  culpabilizar a vítima e limitar as investigações.

Terroristas também assassinavam ao vivo

Certamente, as redes sociais e as sociedades estão diante de um difícil desafio porque os assassinatos envolvem um tipo de criminalidade exibicionista e ultrajante em seus métodos selvagens. Só para lembrar que matar ao vivo utilizando um meio digital não é novidade. O grupo terrorista Al-Qaeda, de Bin Laden, já praticava esse crime no início do século 21, com alegações ideológicas e religiosas. 

Foi assim com relação ao jornalista americano Daniel Pearl (38 anos), do Wall Street Journal, sequestrado no Paquistão onde estava a trabalho, decapitado ao vivo em transmissão pela Internet e TV, em 2002. E, dois anos depois, em idêntico procedimento, com o técnico de comunicações Nicholas Berg, de 26 anos, também americano trabalhando no Iraque, que foi decapitado em vídeo assistido por milhões de pessoas em todo o mundo. Ambos eram judeus e, portanto, o recado dos terroristas foi duplo, abrangendo à população dos Estados Unidos e às comunidades judaicas.

Influenciadores agora são as vítimas

Com 76 mil seguidores, Gabriel Jesús Sarmiento Rodríguez gravou seu próprio assassinato quando homens armados invadiram sua casa em Aragua, na Venezuela e o mataram a tiros (Hombres armados asesinan a un ‘tiktoker’ venezolano durante una transmisión).

 Na gravação, segundo o jornal, “os gritos de uma mulher clamando por socorro podem ser ouvidos enquanto Sarmiento pede ajuda aos oficiais do Sebin (Serviço de Inteligência da Venezuela), repetindo várias vezes o endereço de sua casa”. Com 25 anos, ele denunciava nas redes sociais autoridades públicas, policiais e integrantes de gangues por corrupção e extorsão.

No México, a influenciadora Valeria Márquez, de 23 anos, com 100 mil seguidores, foi assassinada momentos antes de relatar em vídeo que iria receber uma entrega. Modelo e dona de um salão de beleza em Jalisco, ela foi morta a tiros pelo suposto entregador em seu local de trabalho. Suas postagens incluíam fotos usando roupas luxuosas ou no interior de iates e restaurantes. Segundo informação de uma amiga, Valeria sempre recebia presentes enviados ao salão e naquele dia, antes de ser baleada, lhe foi entregue uma sacola de uma rede de cafeterias e um bicho de pelúcia.

Também assassinada a tiros em frente a sua casa ao receber uma caixa de chocolates de um falso entregador, a influenciadora e modelo colombiana María José Estupiñán, conhecida como Mona, tinha 22 anos e mais de 55 mil seguidores. Ela residia na cidade de Cúcuta, no norte da Colômbia, e o crime ocorreu dois dias depois da morte da mexicana. Uma câmera de vídeo capturou o assassino correndo após o ataque e a voz desesperada da mãe da vítima ao vê-la caída no chão.

As execuções estão sendo investigadas pelas polícias locais como homicídio, no caso de Gabriel Jesús, e feminicídio em relação à Valéria e María José, já que ambas tinham contenciosos com seus ex-parceiros.

Influenciadores ou criadores de conteúdo?

No Brasil, influenciadores digitais já denunciaram perseguição, ameaças de morte e ataques de ódio. Em uma reportagem de 2024, a plataforma UOL divulgou que a estimativa é que existam 10 milhões de influenciadores no país. A saturação do mercado, com mais influenciadores do que marcas para promover, vem mudando o perfil desses profissionais. Agora muitos se denominam criadores de conteúdo e isso significa, muitas vezes, o envolvimento em “campanhas publicitárias que incentivam serviços ilegais ou controversos, como produtos inexistentes, esquemas de pirâmide ou apostas online”, observa a matéria do UOL.

Acerca da responsabilidade civil dos influenciadores digitais pela sua capacidade de indicar produtos e serviços de consumo, exercer grande poder de persuasão e promover mudanças comportamentais entre seus seguidores, especialistas em Direito consideram que para salvaguardar tais relações devem ser considerados aspectos legais do Código Civil; do Código de Defesa do Consumidor (influenciador como fornecedor de produto ou serviço); da legislação do CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), e do Marco Civil da Internet, estabelecido pela Lei nº 12.965/2014.

Um negócio de bilhões

De acordo com o relatório de referência Influencer Marketing Benchmark Report 2025, divulgado em abril pela plataforma Influencer Marketing Hub, no ano passado o marketing de influência impulsionou as mídias sociais a se tornaram o maior canal de publicidade do mundo, ultrapassando a busca paga. Em 2025, a perspectiva é de que o setor deva atingir US$ 32,55 bilhões em tamanho de mercado global, uma taxa de crescimento anual de mais de 30%, a partir de 2014, quando o tamanho do mercado do marketing de influência era estimado em US$ 1,4 bilhão.

O relatório também registra que a transmissão ao vivo surge como a principal estratégia de conteúdo e que o Brasil garante 15,8% de participação como líder global em influenciadores do Instagram.

  

terça-feira, 3 de junho de 2025

Papa Leão XIV quer fortalecer o diálogo inter-religioso e envia carta a rabinos

/  Sheila Sacks  /

Em carta ao rabino americano Noam Marans, datada de 8 de maio, dia de sua eleição como pontífice, o papa Leão XIV expressou sua intenção de fortalecer os laços da Igreja Católica com a comunidade judaica.

Marans é diretor de Assuntos Inter-religiosos do Comitê Judaico Americano (AJC, na sigla em inglês) e esteve com o novo papa no Vaticano, em 19 de maio, um dia depois de sua posse.

Na mensagem, o papa escreveu: “Confiando na assistência do Todo-Poderoso, comprometo-me a continuar e fortalecer o diálogo e a cooperação da Igreja com o povo judeu no espírito da declaração do Concílio Vaticano II Nostra Aetate”.

Igual mensagem o novo papa enviou para ao rabino-chefe de Roma, Ricardo Di Segni, comunicando sua eleição como novo pontífice e se comprometendo a fortalecer os laços entre as duas religiões, citando também a declaração conciliar Nostra Aetate.

Promulgada em 28 de outubro de 1965, sob o pontificado do papa Paulo VI, Nostra Aetate é um documento oficial que reformulou inteiramente o relacionamento da Igreja com a religião judaica. Otimista, Marans considerou um bom presságio para a relação entre católicos e judeus a eleição de um papa nascido nos Estados Unidos. Ele lembrou que o sucesso das relações católico-judaicas pós Nostra Aetate “é demonstrado mais claramente nos Estados Unidos do que em qualquer outro lugar”.

Em uma mesa redonda com jornalistas, ele falou da importância e do significado da iniciativa do papa que demonstrou uma atitude positiva quanto a essa questão logo no início de seu papado, “e não três anos depois, o que seria outra coisa”, segundo a sua opinião. O rabino informou ainda que recebeu uma carta personalizada do papa convidando-o para a missa de posse papal.

As informações foram divulgadas pelo site católico em inglês Crux (22/5/2025), sediado no Colorado, especializada em notícias sobre o Vaticano e a Igreja Católica.

Roma judaica

O tema também teve destaque no site Angelus, da comunidade católica de Los Angeles, que já a partir do título “Papa promete diálogo fortalecido com os judeus” reforça a disposição do papa Leão XIV para o diálogo com as lideranças judaicas (em 13/5/2025).

A matéria foca, essencialmente, na comunidade judaica de Roma e revela que o Leão XIV enviou uma mensagem pessoal ao rabino-chefe de Roma, Ricardo Di Segni, comunicando sua eleição como novo pontífice e se comprometendo a fortalecer os laços entre as duas religiões. Di Segni esteve presente no Vaticano na inauguração do pontificado, em 18 de maio, e disse que “acolheu com satisfação e gratidão as palavras que lhe foram dirigidas pelo novo papa.”

A comunidade judaica de Roma é a mais antiga do mundo ocidental, remontando ao século II, antes da Era Comum. Cerca de 27.300 mil judeus vivem na Itália, a maioria (15 mil) em Roma, de acordo com União da Comunidade Judaica Italiana (UCEI, na sigla em italiano).

A reportagem também lembra que em 2010, quando o Papa Bento XVI visitou a sinagoga de Roma, a equipe do Museu Judaico da cidade apresentou uma exposição de painéis decorativos feitos por artistas judeus dos séculos 17 e 18 que marcavam a inauguração dos pontificados dos papas Clemente XII, Clemente XIII, Clemente XIV e Pio VI.

Raízes espirituais

Em Israel, o jornal Jerusalem Post, em sua plataforma on-line, publicou um artigo assinado pelo embaixador Ilan Mor (24.5/2025), enaltecendo a vontade do novo papa de estreitar as relações com os judeus. Comentando a carta de Leão XIV ao rabino americano Mars, o embaixador escreve: “Esta carta inscreve-se na tradição de um ponto de virada histórico iniciado com a Nostra Aetate. Neste documento histórico, a Igreja Católica rejeitou explicitamente, pela primeira vez, a doutrina da culpa coletiva judaica pela crucificação de Jesus. Também enfatizou as profundas raízes espirituais do cristianismo no judaísmo e apelou ao diálogo respeitoso, tornando-se um divisor de águas na relação entre as duas religiões.”

Para o embaixador, o documento papal de 1965 não foi uma reavaliação apenas teológica, mas também uma resposta moral ao Holocausto e à necessidade de confrontar a culpa histórica, preparando o cenário para décadas de reaproximação.

O texto ressalta o estabelecimento de relações diplomáticas entre o Vaticano e Israel em 1993, a visita histórica do Papa João Paulo II a Israel, em 2000, e as visitas subsequentes de seus sucessores que aprofundaram esse relacionamento. Também cita outro trecho da carta do papa.  “Nestes tempos desafiadores, nós, como comunidades de fé, somos especialmente chamados a construir pontes em vez de erguer muros. Nossa herança compartilhada nos obriga ao respeito mútuo e ao diálogo sincero.”

Mor, que foi embaixador de Israel na Hungria e na Croácia, disse que o novo papa já anunciou a criação de uma comissão conjunta para desenvolver medidas concretas contra o aumento global do antissemitismo. Nos festejos de sua posse se encontrou com o presidente Isaac Herzog que o convidou para visitar Israel.

De acordo com o embaixador, tendo nascido e criado nos Estados Unidos, “uma sociedade onde a diversidade religiosa é uma realidade”, o novo papa entende o diálogo inter-religioso não como uma exceção, mas como a norma. “Essa perspectiva pode ajudar a aprofundar o intercâmbio judaico-católico em um mundo cada vez mais polarizado – não como um exercício teológico abstrato, mas como uma missão compartilhada no combate ao antissemitismo, ao racismo e à intolerância religiosa.”

Filho de sobreviventes do Holocausto, Mor, de 70 anos, transcreve as palavras de Leão XIV, sublinhando que “de Roma, um sinal foi enviado, não apenas ao mundo judaico, mas a todos os que acreditam no poder do diálogo, quando há vontade e compreensão”. Diz o papa: “A dignidade humana é indivisível. Quem denigre uma pessoa por causa de sua religião, origem ou crenças viola princípios fundamentais que são sagrados tanto para cristãos quanto para judeus.”

Comunidades unidas

Presente no primeiro encontro do novo papa com representantes de outras religiões, realizado no Vaticano (19/5), o rabino Mark Dratch, presidente do Comitê Judaico Internacional para Consultas Inter-religiosas (IJCIC, na sigla em inglês), se mostrou confiante no pontificado de Leão XIV. A plataforma Vaticano News, portal oficial de notícias da Santa Sé, reportou a audiência e as palavras do rabino. “Estamos ansiosos para desenvolver nosso relacionamento com o Papa Leão e fortalecer os laços entre as comunidades judaicas e católicas, não apenas no nível da liderança, mas também entre os fiéis de nossas congregações, para que as pessoas em nossas comunidades se conheçam e se apreciem mutuamente”, falou Dratch.

O religioso lembrou ainda que “desde a Nostra Aetate, a relação entre o mundo católico e o judaico evoluiu positivamente em várias direções, em termos de fraternidade, respeito e compreensão mútua”.

Por fim, mostra-se promissor, além de solidário e fraterno, o discurso de Leão XIV na celebração inaugural do meu ministério como Bispo de Roma, ao se dirigir aos representantes de outras igrejas e de outras religiões, conforme transcrição divulgada pelo Vaticano. O novo papa dirigiu uma saudação especial a quem chamou “de nossos irmãos e irmãs judeus”. Disse o papa: “Devido às raízes judaicas do cristianismo, todos os cristãos têm uma relação especial com o judaísmo. A Declaração conciliar Nostra Aetate sublinha a grandeza do patrimônio espiritual partilhado por cristãos e judeus, encorajando o conhecimento e a estima recíprocos. O diálogo teológico entre cristãos e judeus, que é sempre importante, eu tomo-o muito a peito. Mesmo nestes tempos difíceis, marcados por conflitos e incompreensões, é necessário prosseguir com coragem este nosso precioso diálogo.”