/ Sheila Sacks /
... e os seus dias serão cento e vinte anos (Gênesis 6:3)
Em recente artigo no jornal britânico The Guardian, o economista e professor da London Business School, Andrew John Scott, alerta que as economias das nações devem estar preparadas para a mudança demográfica que já está ocorrendo no mundo.
Autor do livro "The Longevity Imperative: Building a Better Society for Healthier, Longer Lives" (O Imperativo da Longevidade: Construindo uma Sociedade Melhor para Vidas Mais Longas e Saudáveis), publicado em 2024, Scott afirma que os sistemas de saúde, educação e, principalmente, de trabalho precisam ser revistos diante desse novo cenário. Em dezembro de 2020, a Assembleia Geral das Nações Unidas já havia declarado o período de 2021 a 2030 como a Década do Envelhecimento Saudável, com destaque para quatro iniciativas: mudar a forma de ver o idoso; capacitar e integrar; prover serviços de saúde integrados; e promover cuidados de longa duração.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) já fez um alerta de que o avanço da idade média das populações representa um desafio direto ao crescimento global e à estabilidade fiscal de muitos países. Em seu mais recente relatório “Panorama Econômico Mundial” (World Economic Outlook - WEO), divulgado em abril, a instituição considerou o momento atual crítico, apontando para uma desaceleração do crescimento global.
Segundo o Fundo, as políticas precisam ser calibradas para reduzir os desequilíbrios internos e externos, com a criação de reservas financeiras que promovam o envelhecimento saudável. Projeções indicam que o envelhecimento pode reduzir a taxa de crescimento global em até 0,6% ao ano, pressionando os sistemas previdenciários. Um impacto nos gastos públicos que se somadas às guerras e crises climáticas poucas economias irão suportar.
Um exemplo é a Ucrânia em guerra que precisará de investimentos aproximados de 486 bilhões de dólares na próxima década para a recuperação e reconstrução do país, assim estima o FMI. Nos Estados Unidos, os desastres climáticos causam prejuízos de 150 bilhões de dólares, em média, anualmente. No Brasil, as inundações do Rio Grande do Sul, no ano passado, custaram aos cofres públicos 112 bilhões de reais, conforme dados do governo federal.
Faixa de cem anos cresce
De acordo com a ONU, a faixa etária que mais cresce atualmente é justamente a que abrange as pessoas de 100 anos. “Em 1950, estimava-se que havia 14 mil pessoas centenárias, enquanto hoje são quase 750 mil, com projeção de quase 4 milhões até 2054”, escreve o economista inglês, também autor do best-seller “The 100-Year Life” (2021), com mais de 1 milhão de exemplares publicados em 15 idiomas. Por sua vez, órgãos especializados como The American Academy of Actuaries, nos Estados Unidos, e Office for National Statistics, na Inglaterra, afirmam que 1 em cada 6 americanos irão viver até os 100 anos, e que a maioria dos bebês ingleses vão passar dos 90 anos.
Scott observa que “o número de anos que provavelmente viveremos aumentou mais do que o número de anos que provavelmente permaneceremos saudáveis”, e balancear essa equação é fundamental para uma existência longa e proveitosa. Para isso, em princípio, é necessário seguir as receitas de bom senso já conhecidas pela maioria das pessoas, mas nem sempre levadas a sério, como boa alimentação e sono, mais exercícios e respeitar as recomendações médicas.
Mas, a autodisciplina não é tudo. Na avaliação de Scott, “felizmente, envelhecer bem está se tornando uma indústria, e podemos esperar apoio do progresso tecnológico e científico e de mudanças nas políticas governamentais”. Se em séculos anteriores doenças como a peste, varíola e cólera, por exemplo, matavam as pessoas ainda jovens, agora, a principal causa das doenças e mortes está relacionada ao envelhecimento.
Diante desse cenário que se avizinha, governos precisam se preparar para os anos extras que as pessoas vão acumular. Um desafio que já pauta as agendas de administradores, empresas e serviços públicos responsáveis em atender as demandas dessa parcela da população. E uma das preocupações mais visíveis e discutidas se concentra no pagamento de aposentadorias e pensões para os trabalhadores diante da perspectiva concreta de maior longevidade.
Então, viver mais pode exigir trabalhar mais para manter o mesmo padrão de qualidade de vida. Scott acredita que somente aumentar a idade da aposentadoria, como muitos países estão procedendo, não resolveria o problema. “Precisamos de mudanças que nos ajudem a trabalhar por mais tempo, e não apenas nos obriguem a fazê-lo”, considera.
Ele acredita que é preciso criar uma estrutura de trabalho mais flexível, com mudanças e transições de carreira mais frequentes no sentido de que a ocupação vai prolongar nossa vida profissional e não sobrecarregá-la. O objetivo seria oferecer um tempo para requalificar e melhorar a saúde, cuidar da família, alternando entre trabalho em tempo integral, meio período ou, simplesmente, sem jornada.
Para isso é preciso ter em mente a “compreensão da biologia do envelhecimento”, que são os processos que diminuem lentamente os componentes físicos do nosso corpo. “Desacelerar esses processos reduziria substancialmente a diferença entre a expectativa de vida saudável e a expectativa de vida”, reforça. Mesmo assim, mudanças amplas nos esperam no futuro em relação aos sistemas de saúde, porque atualmente o foco é intervir quando uma doença já está em um estágio de afetar negativamente nossa vida.
Ciência na vanguarda
Com a ascensão da Inteligência Artificial (IA) e do big data (processo de análise e interpretação de um grande volume de dados), a gerociência estará mais presente e atuante na identificação e prevenção de doenças, rastreando suas genéticas e acelerando na inovação dos medicamentos.
Hoje, chegar aos 115 anos é um feito que entra no livro dos recordes. A britânica Ethel Caterham, nascida em 1909, ao completar essa idade em 2025, e após a morte da freira brasileira Inah Canabarro Lucas, em 30 de abril, aos 116 anos, recebeu o título da pessoa mais velha do mundo pela Gerontology Research Group, organização que pesquisa para Guinness World Records. Ela atribui sua longevidade a maneira como encara as situações. “Com calma, nos altos e baixos, e fazer o que gosta”.
Mas, somente uma atitude serena e positiva diante da vida não é garantia de longevidade. Em março de 2024, a então mulher mais velha do mundo, Maria Branyas Morera, ao comemorar seus 117 anos, disse que “a sorte e a boa genética” a tinham levado a esse patamar de idade. Alguns meses depois de ela falecer, cientistas divulgaram que realmente a genética ajudou em sua longevidade.
Um estudo do microbioma e do DNA de Branyas, conduzido ainda em vida, determinou que “os genes que ela herdou permitiram que as suas células se sentissem e se comportassem como se fossem 17 anos mais jovens”. Também foi pesquisado que, no seu caso, as bactérias presentes no intestino e que são fundamentais para a boa saúde correspondiam as de uma criança. “Os microrganismos são essenciais para determinar não apenas a composição metabólica do nosso corpo, mas também a inflamação, a permeabilidade intestinal, a cognição e a saúde óssea e muscular", explicam os cientistas no estudo realizado. Foi observado também que Branyas ingeria yogurte três vezes ao dia.
Políticas inclusivas
Um dos países que mais têm investido em ambientes favoráveis aos idosos é o Japão, que tem a maior população centenária do mundo. Somam 95.119 pessoas, de acordo com o censo do país divulgado em outubro de 2024, um aumento de 2.980 em relação ao ano anterior, a maioria composta de mulheres (83%).
A política a favor do idoso, informa a plataforma Nipon.com, teve início no século passado, em 1963, com a promulgação da Lei de Bem-Estar Social para Idosos. Na época, havia 153 japoneses centenários. Esse número ultrapassou mil, em 1981, e chegou a 10 mil em 1998, e desde então vem aumentando continuadamente.
Em dezembro do ano passado a BNN Blomberg divulgou que as maiores corretoras de valores do Japão estavam aumentando os salários e benefícios para os trabalhadores que atingiam a idade da aposentadoria, com intuito de reter as pessoas capacitadas. Se, em anos passados, funcionários com mais de 60 anos enfrentavam uma queda acentuada no salário ao serem readmitidos, além de serem relocados para funções menos importantes, agora a situação melhorou. A reportagem citava bancos e instituições financeiras japonesas que estavam promovendo ou planejavam implementar vantagens salariais de até 40%, ampliando benefícios sociais com foco nos funcionários de mais de 60 anos.
Na Inglaterra, pessoas que trabalharam mais de 30 anos em escritórios fechados prosseguiam ativas, mas de outra maneira. Reportagem mostrou que atualmente exercem atividades de guardas florestais em parque públicos, agentes comunitários em programas sociais ao ar livre, recepcionistas em fazendas recebendo colegiais e gestores de zoológicos, entre outras atividades. Todos se declarando mais felizes em seus novos empregos (The Guardian, 18/5/2025).
Sem reserva financeira
No Brasil, uma série de reportagens da Gazeta do Povo, de Curitiba, sobre o envelhecimento populacional no país, revelou o despreparo da sociedade quando se trata de matéria financeira. A baixa capacidade de poupança (14,5% do PIB no fim de 2024) e de investimentos financeiros (apenas 37% dos brasileiros afirmaram que realizaram aplicações financeiras), segundo o IBGE, é agravada pela apuração de que 82% das pessoas não aposentadas ainda não iniciaram uma reserva financeira para a velhice. Se, em 2023, a intenção de poupar para a velhice era de 58% dos entrevistados, em 2024, o percentual baixou para 53%.
Lembrando que em duas décadas a proporção da população de idosos no Brasil duplicou, saltando de 8,7% para 15,6% e que a estimativa do IBGE é que atinja 38% (pessoas acima dos 60 anos) em 2070.
Para piorar, reportagem recente na mídia revelou que mais de 70 milhões de brasileiros, o equivalente a 42% de pessoas adultas no país, estão inadimplentes (Veja Negócios, em 18/5/2025).
Aposentadoria baixa
Informação divulgada pelo próprio INSS mostra que 70% dos pagamentos previdenciários feitos pelo instituto são de até um salário-mínimo (R$ 1.831), totalizando 28,5 milhões de pessoas. Valor muito aquém do necessário para uma sobrevivência digna. Os que ganham acima do mínimo somam 12,2 milhões e o teto previdenciário só atinge 10,6 mil (R$ 8.157,41). No total, o INSS paga 40,7 milhões de benefícios previdenciários e assistenciais.
Outro registro preocupante diz respeito à produtividade no trabalho. Dados do FGV Ibre apontam que entre 1981 e 2024 o aumento da produtividade foi de 0,5% ao ano, e que nos últimos cinco anos foi ainda menor (0,3%).
Prosseguindo nesse ritmo, o país terá de fazer malabarismos para continuar a pagar aposentadorias e prover o SUS de recursos, garantem os especialistas. Em 2024, as despesas com a previdência somaram R$ 938,5 bilhões, quase 30 bilhões a mais do que foi planejado. Para 2025, o governo já projeta um déficit de R$ 328 bilhões.
Nos Estados Unidos, em 2024, a despesa previdenciária que beneficia 68 milhões de pessoas atingiu a cifra de 1.52 trilhão de dólares, 22,4% do orçamento federal. Dados da União Europeia de 2023 atestam que os gastos com proteção social chegaram a 3.309 bilhões de euros, variando de 8,1% a 25% do PIB (produto interno bruto) dos países que compõem o bloco.
Já a despesa total da previdência brasileira está em 14,5% do PIB, incluindo INSS (8%), programas sociais e pagamento de servidores públicos e militares. A percentagem, de acordo com analistas, equivalente a de países que têm uma população idosa três vezes maior, como a França, Portugal e Grécia.