Por Sheila Sacks
Publicado no Observatório da Imprensa
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Em entrevista ao canal CNN, o
ex-presidente argentino e atual senador Carlos Menem, de 87 anos, disse acreditar
que o promotor Alberto Nisman não se suicidou e classificou seu assassinato de
escandaloso. Foi no programa “Perspectivas”, do jornalista Jonatan Viale,
apresentado em fevereiro.
Nisman, de 52 anos, levou um tiro na cabeça, no banheiro de seu apartamento, no bairro de Puerto Madero, em Buenos Aires, em 18 de janeiro de 2015, quatro dias depois de ter denunciado a então
presidente Cristina Kirchner e vários funcionários de seu governo de
acobertarem as autoridades iranianas acusadas de planejar o atentado à
Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA), em 1994, que matou 85 pessoas e deixou
300 feridos.
Na época do ato terrorista, Carlos Menem era o presidente do país e a execução do
atentado ficou a cargo do grupo xiita libanês Hezbollah, ligado ao Irã e um dos
seus braços armados.
O promotor assegurava que o acordo entre Irã e Argentina, selado
no governo da presidente Kirchner, em 2013, justamente para esclarecer o
atentado, na verdade foi uma farsa, já que importantes autoridades do então
governo de Mahmoud Ahmadinejad estavam envolvidas.
Tese de suicídio
Somente em dezembro de 2017, quase três anos após a morte do
promotor, o juiz Julian Ercolini reconheceu que existiam provas suficientes para
concluir que Nisman foi assassinado. Durante todo esse tempo, a tese de morte
duvidosa e suicídio mobilizou as investigações tanto policiais quanto no
âmbito da Justiça.
A juíza Sandra Arroyo Salgado, que foi casada com o
promotor, afirmou recentemente que a morte de Nisman deve ser considerada um
crime de lesa-humanidade como foi nominado o atentado à AMIA. Segundo a
magistrada, havia um duplo objetivo na morte do promotor: silenciar Nisman
(‘porque a única maneira de calá-lo era a morte’) e intimidar juízes,
promotores e quem tivesse a coragem de investigar o governo.
Ano passado, acompanhada das duas filhas, a juíza esteve em
Israel onde foi recepcionada pelo presidente Reuven Rivli e participou da
inauguração de um monumento em memória do promotor argentino. Antes, foi
recebida pelo Papa Francisco, em Roma, em um encontro no qual pediu ao sumo
pontífice para "continuar orando para encontrar a verdade".
Mas, apesar da repercussão internacional do assassinato, até agora ninguém foi
preso e o único indiciado é o técnico de informática Diego Lagomarsino que emprestou ao promotor a
pistola calibre 22, encontrada ao lado do corpo.
No final do ano passado, a Procuradoria argentina pediu uma pena de quatro anos de prisão para Menem por acobertar os iranianos durante o seu mandato.
No final do ano passado, a Procuradoria argentina pediu uma pena de quatro anos de prisão para Menem por acobertar os iranianos durante o seu mandato.
Em outro processo, o juiz Claudio Bonadio emitiu uma ordem de
prisão contra Cristina Kirchner (e o seu ex-chanceler Héctor Timerman, primeiro
judeu a chegar ao status de ministro do Exterior) pelo obscuro acordo com o Irã
e por “traição à pátria”.
Entretanto, por serem senadores e desfrutarem de imunidade
parlamentar, Menem e Cristina não podem ser presos.
Destruição de provas
Ainda em 2010, Carlos Menem foi processado por abuso de
autoridade, destruição de provas, falsidade ideológica e obstrução das
investigações. No mesmo processo foram incluídos o seu irmão Munir Menem (que
foi ex-embaixador na Síria), o juiz federal encarregado do caso, Juan José
Galeano, dois policiais responsáveis pelas investigações e dois ex-dirigentes
da secretaria de Inteligência (SIDE),
Nisman, promotor do caso, acusou Menem de ter ordenado a
ocultação de provas. O irmão do ex-presidente teria transmitido as ordens ao
juiz, aos policiais e aos integrantes do SIDE. Segundo Nisman, foram destruídas
54 fitas cassetes que eram consideradas fundamentais para a investigação.
O grupo também foi denunciado por bloquear a investigação da
chamada “pista iraniana”, uma das vertentes do processo. Relatório da
promotoria incrimina Menem por acobertamento das autoridades iranianas
responsáveis pela autoria intelectual e material do atentado, entre elas o
ex-presidente Ali Rafsanjani (1989-1997), o ex-ministro da Defesa Ahmad Vahidi
e o ex-conselheiro cultural na embaixada de Teerã, em Buenos Aires, Moshen
Rabbani.
Em 2002, reportagem do jornal The New York
Times obteve o testemunho secreto de um desertor iraniano que fugiu
para a Alemanha, identificado como Abdolghassem Mesbahi. Ele garantiu que foram
depositados 10 milhões de dólares em uma conta bancária de Menem, na Suiça,
para que este isentasse o Irã de qualquer participação no atentado.
Amigo de Menem
Em relação ao envolvimento do empresário sírio-argentino Alberto
Kanoore Edul, falecido em 2010, ele era suspeito, assim como seu filho, Alberto
Jacinto, de integrar a chamada “conexão local” que participou do ato
terrorista.
Amigo de Menem e de Rabbani, o empresário foi apontado como o
proprietário da van renault trafic, estacionada em frente ao prédio da AMIA, na
manhã de 18 de julho de 1994, uma segunda-feira, por volta das 10 horas. O
veículo carregado de 300 a 400 quilos de TNT (trinitrotolueno) explodiu em
plena via pública, derrubando o edifício de sete andares, que ficou em
escombros.
O prédio recebia obras de reforma e era comum a presença de caminhões no local para a remoção de entulhos. De acordo com o testemunho de Norberto Godoy, empregado da firma de Kanoore Edul, o empresário e o filho se mostraram interessados, dias antes do atentado, na compra de uma caminhoneta.
O prédio recebia obras de reforma e era comum a presença de caminhões no local para a remoção de entulhos. De acordo com o testemunho de Norberto Godoy, empregado da firma de Kanoore Edul, o empresário e o filho se mostraram interessados, dias antes do atentado, na compra de uma caminhoneta.
O empresário tinha vínculos jamais investigados com Rabbani e
segundo o depoimento de Carlos Gardiner, secretário da Câmara de Comércio
Árabe-Argentina, Edul transitava no interior da Casa Rosada como fosse um
funcionário do staff de Menen.
No julgamento, iniciado em 2015, que culminou com o pedido do
Ministério Público de quatro anos de prisão para Menem, outros envolvidos
também sofreram pedidos de prisão, entre eles, o ex-juiz encarregado do caso
AMIA, Juan José Galeano, (13 anos de prisão), o ex-chefe do Serviço de
Inteligência, Hugo Anzorreguy (6 anos), e o ex-líder da DAIA (Delegación de
Asociaciones Israelitas Argentinas), Rubén Beraja (1 ano).
O caso Beraja
Congregando 140 instituições judaicas, a DAIA tinha escritórios
no prédio da AMIA, na Avenida Pasteur, 633. Fundada em 1935, é a organização
representativa da comunidade judaica no país. Entre 1991 e 1998, Rubén Beraja
comandou a organização e foi durante um de seus mandatos que ocorreu o atentado
à AMIA.
Dono e ex-presidente do falido Banco Mayo, ele foi processado
pela Justiça por administração fraudulenta contra a administração pública, no
caso o Banco Central argentino. Também foi processado, junto com o ex-juiz
federal Galeano, de participação de uma oferta de 400 mil dólares a Carlos
Alberto Telleldín – o mecânico que teria preparado a van usada para explodir o
edifício – para desviar o rumo das investigações com falsas informações. Beraja, de 77 anos, sempre negou todas as acusações, inclusive a de que
mantinha uma estreita relação de amizade com o ex-presidente Carlos Menem.
Em 2015, a ex-mulher de Carlos Telleldín confirmou diante de um
tribunal federal que recebeu em 1996, em nome do marido, os 400 mil dólares do
governo de Menem para envolver policiais da província de Buenos Aires no atentado.
Disse, ainda, que foi ameaçada para não quebrar o pacto. Ano passado, Galeano
defendeu o citado pagamento afirmando, em juízo, que o objetivo não era obter
uma declaração falsa, mas obter informações verdadeiras.
Por seu lado, Telleldín, que ficou detido de 1994 a 2004,
assegura que não se arrepende de ter recebido o dinheiro, porque, segundo ele,
foi uma estratégia para demonstrar que o caso era uma farsa. Ele e mais 22
suspeitos de integrarem a “conexão local” foram absolvidos por um tribunal federal
em 2004.
Outras motivações
Editor da revista judaica independente “La Voz Y la Opinión”,
Daniel Schnitman tem uma visão diferente a respeito do que motivou o atentado.
Em sua opinião, a bomba não visava a AMIA, que é uma instituição
assistencial, que ajuda as pessoas. O alvo seria a DAIA, a representação
política da comunidade judaica, presidida por Beraja, então presidente da
Federação dos Bancos Cooperativos e dono do Banco Mayo. “Puseram a bomba contra
a DAIA por seus negócios escusos vinculados à lavagem de dinheiro”, afirma. “E
houve um interesse natural da comunidade de encobrir e afastar Bereja do palco
do atentado”, sustenta o jornalista.
Outra especulação apresentada logo após o atentado envolveria
neonazistas argentinos insatisfeitos com a abertura dos arquivos policiais
sobre os criminosos nazistas que se refugiaram no país depois da 2ª Guerra
Mundial. Semanalmente, às segundas, um grupo de pesquisadores se reunia no
prédio da AMIA para analisar os documentos, sob os auspícios do “Project Witness”
(Projeto Testemunho), uma organização voltada para a memória do Holocausto, com
sede no Brooklyn.
Um de seus integrantes, o escritor e sociólogo Carlos Escude, conta
que naquela fatídica segunda-feira o grupo decidiu não trabalhar em função das
férias escolares. “A bomba estava pronta para explodir justamente no dia em que
o grupo se reunia, afirma Escude. O material também não foi destruído porque
era guardado no escritório de um prédio adjacente.
Atualmente, Carlos Escude é diretor do “Centro de Estudios de
Religión, Estado y Sociedad – CERES”, ligado ao Seminario Rabínico Latinoamericano
'Marshall T. Meyer'.
Revelações de um ex-espião
Chefe de operações do Serviço de Inteligência do Estado
(SIDE, na sigla em espanhol) por mais de quatro décadas, Antonio
"Jaime" Stiuso fugiu para os Estados Unidos, em fevereiro de 2015,
semanas depois do assassinato de Nisman. Ele tinha sido exonerado do cargo por
Cristina Kirchner, em dezembro de 2014, e era um dos principais informantes nas
investigações de Nisman sobre a AMIA e o acordo Irã-Argentina. Sentindo-se
ameaçado, ele deixou o país, via Porte Alegre, e pediu asilo nos EUA.
Desde fevereiro de 2016, com um novo governo na Argentina
(Mauricio Macri assumiu em 10 de dezembro de 2015), Stiuso já retornou ao país
algumas vezes para prestar depoimentos. Em suas entrevistas ao La
Nacion e ao Clarín, ele tem afirmado que o governo de
Cristina mandou matar Nisman pelas provas que o promotor vinha apresentando à
Justiça de que o governo pactuou com o Irã a impunidade dos culpados. Revelou
que os Kirchner, tanto Cristina como seu marido Néstor – que foi presidente de
2003 a 2007 – mantinham um aparelhamento paralelo de inteligência para espionar
a oposição.
Com a morte de Nisman, a presidente resolveu extinguir o SIDE
que era comandado por Stiuso e criar a Agência de Inteligência Federal (AFI),
com a aprovação do Congresso. A alegação foi de que o órgão estava municiando
Nisman de informações falsas.
Documentário via Internet
No início de outubro de 2015, oito meses depois da morte de
Nisman, um documentário de 77 minutos dirigido pelo americano Matthew Taylor,
produtor de filmes para TV, estreou em Washington, no Newseum (museu dedicado
ao Jornalismo), e simultaneamente na Internet.
O filme “Los Abandonados” conta detalhes das investigações sobre
o atentado ao prédio da AMIA, as falhas nos processos ao longo de sucessivos
governos, as implicações com o governo do Irã, a denúncia de Nisman e seu
assassinato. Apresenta depoimentos de jornalistas, políticos, peritos, juízes,
procuradores e ex-integrantes do serviço de Inteligência.
Um dos entrevistados, o jornalista Hugo Alconada Mon, do
jornal La Nacion, afirma que o promotor foi vítima de uma
“fatwa”, uma ordem de Teerã para matá-lo, à medida que avançava na investigação
sobre a conexão iraniana.
Na época do seu lançamento, membros do governo da presidenta
Cristina Kirchner acusaram Taylor de estar ligado à direita americana (ele
realizou campanhas para o Partido Republicano) e ter seu filme financiado por
fundos abutres (empresas especializadas em comprar títulos de créditos
vencidos).
O chanceler Héctor Timerman também chamou os
participantes do filme de cúmplices de “holdouts” (especuladores financeiros).
Atualmente, padecendo de um câncer, Timerman obteve uma licença humanitária e
viajou no início de março para realizar um tratamento experimental nos EUA.
Mas, enquanto o mistério sobre a morte de Nisman permanece longe
de um desfecho, o enredo de um atentado, suas ramificações internacionais,
repercussões políticas e conseqüências pessoais estão na mira da gigante Netflix, com mais de 100 milhões de assinantes.
A produtora americana já
prepara, para 2018, uma minissérie que pretende refazer os últimos dias do
promotor, misturando realidade e ficção. Sob a direção do inglês Justin
Webster, as filmagens começaram em fevereiro na capital argentina.
Em tempo: Carlos Menem presidiu a Argentina de 1989 a 1999. Cristina Kirchner, de 2007 a 2015.