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segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Rio ganha seu Museu do Holocausto em área turística

 

/ Sheila Sacks  /


O monumento localizado no Morro do Pasmado, em frente à enseada de Botafogo, estará aberto à visitação pública a partir de 27 de janeiro

Em setembro do ano passado (2021), com as obras do Museu praticamente concluídas e o Monumento em Memória às Vítimas do Holocausto já inaugurado  pelo então prefeito Marcelo Crivella, o Ministério Público Federal  ingressou com um pedido de liminar   para interromper os serviços no local até o término da perícia judicial que estava em curso. 

A ação, movida pela associação de moradores do bairro, alegava que o Morro do Pasmado, em Botafogo,  era um bem tombado pelo  Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)  e sob proteção cultural da Unesco, e, portanto, não caberiam obras que pudessem alterar  a paisagem. O questionamento se fazia presente principalmente em relação ao obelisco de quase 20 metros de altura, representando os 10 Mandamentos, e ao projeto de paisagismo da encosta mesclando plantas nativas da Mata Atlântica com outras espécies.

No entanto, ainda em 2018, o Iphan já tinha emitido parecer concluindo que o Morro do Pasmado não estava inserido “em área de entorno do bem tombado”, que abrange os morros do Pão de Açúcar, Corcovado, Babilônia, Cara de Cão e da Urca. Também a Câmara Municipal do Rio já tinha aprovado uma lei de cessão do espaço, por 30 anos, para a construção do Museu, e a prefeitura, por sua vez,  concedida  a devida licença para as obras

Dias depois, amparados por decisão judicial , os serviços de conclusão das instalações internas do prédio não foram interrompidos e seguiram normalmente.



Na abertura do Museu, inicialmente restrita a convidados, esteve presente o prefeito do Rio, Eduardo Paes, que se manifestou em rede social sobre o evento: “Lembrar para que jamais se repita! O Rio se torna mais uma cidade do mundo a contar com um Memorial do Holocausto. Estive hoje na inauguração do espaço que foi erguido em memória das milhões de vítimas do Nazismo durante a Segunda Guerra.”

Igual sorte não teve o Museu Judaico de Lisboa cuja construção teve que ser deslocada para longe do local original, depois de mais de quatro anos de luta judicial com a Associação do Patrimônio e População de Alfama.  Projetado para ser construído no histórico bairro de Lisboa, onde existiu na Idade Média um populoso núcleo judeu, o museu agora será erguido no distrito de Belém, a uma quadra do Rio Tejo. Porém existe a promessa da construção de um Memorial no Largo de São Miguel, em Alfama.

Mais sobre o tema:

Memorial do Holocausto no Rio terá árvores da Mata Atlântica e bosque de Oliveiras

Museu Judaico de Lisboa: de Alfama para a freguesia de Belém


 

 

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Araguaia, meu amor - Da série Histórias que Mamãe Contava

/ Sheila Sacks /



O e-mail dizia pouco: “Cara Aniela. Foi bom revê-la. Me perdoe os dez anos de silêncio. Lino.” O homem de tez morena, cabelo grisalho e porte ereto fechou o notebook. A mensagem o remetia a um tempo que teimava em voltar nos momentos mais inoportunos. Em poucas horas estaria com a família no casamento da sobrinha, na aprazível costa espanhola. Tão diferente e tão longe daquelas matas molhadas e do chão de barro de Xambioá. Uma vila sertaneja, nos idos de 1974, que na semana do carnaval mudava de humor e de roupa, em animados bailes e blocos de rua.

 

E foi naqueles dias perdidos no tempo que o tenente Lino conheceu Aniela, menina de 17 anos, franzina, cabelo escorrido, rosto de anjo, gestos delicados e voz baixa. Ela chegara à localidade para passar o carnaval com os avós, o seu Zé e dona Maria, donos do armazém-bar que vendia fiado para o povo da região. Tenente Lino tinha 30 anos e estava noivo de uma professora no Rio de Janeiro. Mas ficou fascinado por Aniela logo que a viu. Os avós tentaram escondê-la, mas o tenente ia ao armazém várias vezes ao dia e se convidou para jantar na casa do seu Zé na terça-feira de carnaval.

 

Por sua vez Aniela também não conseguia esconder a atração que sentia pelo tenente. Conversavam no balcão do armazém e na varanda da casa sob os olhares preocupados de seu Zé e dona Maria. Finda a semana, Aniela partiu e o tenente deixou com ela um número de telefone. Esperou semanas, meses, pela ligação. Entretanto, isso jamais ocorreu.

 

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Em Jerusalém, a noite quente e abafada levou Aniela a abrir a janela. Em pé olhava o céu escuro, sem estrelas, que ameaçava desabar em sua cabeça. Há pouco havia recebido a mensagem do general em meio a um repentino mal-estar. A ansiedade que vez ou outra comprimia seu peito como uma dura couraça mostrou as garras e a fez ofegar. Lembrou do evento, há quase dez anos, no início dos anos 2000, e do militar empertigado a sua frente, meia-idade, rosto magro, com sulcos profundos na testa e na face. A intensidade de seu olhar não deixava dúvidas quanto a descoberta. Por um momento Aniela sentiu vergonha dos cabelos tingidos e da maquiagem esmerada. Em um gesto mecânico de cumprimento suas mãos se tocaram e antes que alguma conversa pudesse ser iniciada ela pediu licença e se afastou.


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No amplo salão da representação diplomática o grupo de militares se despedia de seus anfitriões após alguns dias de visita à feira de armamentos em Tel Aviv. O chefe da delegação, um austero coronel do exército, mostrava-se impaciente desde que a assessora de um dos adidos sul-americanos presentes à recepção passou por ele apressada. A mulher esplêndida, de pernas bem torneadas e vestido justo orientava os garçons, do outro lado da sala. Pouco antes, ao ser apresentada ao coronel, ela pareceu constrangida e não conversou. Apartou-se do grupo e desapareceu por um das portas do salão. Agora o militar percebia que ela vinha em sua direção e estranhamente a vista começou a embaçar. Embaralhando sentidos e sentimentos se deu conta que Aniela sorria, rosto de menina, pés soltos nas gastas sandálias japonesas, cabelos escorridos em um mal-amarrado rabo de cavalo. Respirou fundo e sentiu um fio de suor resvalar pela nuca. Bem perto, seus corpos quase se tocando, ela estendeu um papelzinho dobrado. Surpreso, magoado, desamparado, sussurrou pra si mesmo: Aniela do Araguaia.


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Estudar no colégio Pedro II deu a Aniela Rubinstein uma outra visão do mundo. Filha de uma chapeleira da comunidade judaica do Rio, ela e o irmão viviam meio que apartados de sua origem. Dona Eva, mãe de Aniela, evitava falar do passado. Dos pais, avós, irmãos e tios reduzidos a cinzas nos crematórios da Polônia. Escondida no porão da casa da professora de ginásio, Eva sobreviveu por milagre e pode dar à filha o nome de quem a acolheu. Anos depois, no navio norueguês que a transportou para a América do Sul, ela conheceu um violinista do campo de Dachau. Desembarcaram no Rio, casaram e foram morar no Estácio. Mas a tuberculose a deixou viúva e com duas crianças para alimentar.

 

Assim, quando Wilsão pediu a Aniela para que o ajudasse naquela missão, a resposta veio imediata. Sua idolatria juvenil por Che e Fidel e o gosto pela aventura levaram Aniela a mentir. Contou para a mãe que iria trabalhar como monitora em uma colônia de férias em Sacra Família e partiu para a região do Araguaia.

 

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Sob o codinome Selma foi apresentada ao seu Zé e dona Maria, donos de uma vendinha naquele fim de mundo. Trazia um documento em linguagem cifrada para ser entregue ao grupo que lutava na selva. O trato era ficar alguns dias na casa do comerciante, aguardando a resposta, e depois sumir. Porém o tenente bonitão do destacamento da região não arredava o pé das redondezas do balcão. Puxava conversa com Selma a troco de nada. Ao seu Zé e dona Maria elogiou a beleza e a doçura de Selma e como ela falava bem e entendia de tudo.  A casa ficava nos fundos do armazém e quando no início da noite a figura alta, fardada, assomou na varanda, todos engoliram em seco. Seu Zé se apressou a apresentar o rapaz barbudo que comia com eles como um sobrinho da capital que estava de passagem pelo local. De bom humor, o tenente cumprimentou o estranho e pediu licença para participar da janta. Pegou sem cerimônia o banquinho na cozinha e se sentou ao lado de Selma. Nestas alturas, os dois já estavam apaixonados.

 


Em cinco dias veio a resposta e Selma foi embora. Horas antes, o tenente deu um número de telefone e pediu para que Selma ligasse. Estaria no Rio em seis meses para uma licença. Selma prometeu telefonar. Na despedida chorou ao abraçar seu Zé e dona Maria. Semanas depois, em conversa com Wilsão em uma rua da Tijuca, vem a saber da morte do casal de Xambioá e do rapaz barbudo, encontrados amordaçado e com tiros na cabeça. Atordoado, Wilsão diz que vai fugir do país e aconselha Aniela a fazer o mesmo.


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A ordem superior era poupar os adolescentes. O tenente Lino pediu a seu informante para que seguisse os passos de Aniela no Rio. Após trinta dias, chegou o primeiro relatório: “A pessoa em questão pertence a um grupo de judeus que usam camisas de brim azul e se reúnem em uma casa de Botafogo. Fiz amizade com o vigia e soube que são comunas, mas não atuam no Brasil. Todo ano um punhado deles vai embora para a Palestina, onde vivem e trabalham em fazendas coletivas iguais às da Cortina de Ferro. A pessoa investigada também vai deixar o país. Em anexo estão as fotocópias dos passaportes dos comunas que viajam no meio do ano.”

 

O tenente leu duas vezes o documento com carimbo de confidencial antes de guardá-lo na pasta. Sentia-se traído pelos sentimentos. No fundo da alma tinha a convicção de que Aniela o amava e que iria telefonar. Esperava vê-la no Rio e talvez, com o tempo, abrir o jogo. Contar que sabia de sua missão e de sua falsa identidade. Explicar a bobagem em que se meteu por pura infantilidade.

 

Os dois meses seguintes foram difíceis para o tenente. Infectado pela malária teve que ser hospitalizado em Belém. De volta ao destacamento, um novo relatório com carimbo de urgente já o esperava. Leu avidamente o seu conteúdo, da primeira à última palavra: “Pegamos o Wilsão... e finalizando, os comunas judeus estão de partida. Preciso de uma diretriz. Quais são as ordens, tenente?”.

No dia seguinte, após uma noite mal dormida, o tenente despachava a resposta: “Trabalho encerrado.”


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O casamento da sobrinha na igrejinha medieval fez a esposa do general chorar. Padrinhos dos noivos, o enlace pegou a família de surpresa. Estudante de artes em Paris, a jovem namorava um colega espanhol. A gravidez inesperada acelerou a decisão de ambos de casar e conhecer a Malásia.

 

Depois da cerimônia, o general seguiu para a boate onde os recém-casados foram saudados por amigos alegres e poliglotas. O som vibrante da música empurrou os convidados para o centro da pista. O general, no canto do bar, imaginou Aniela lendo o email, depois de tanto tempo. Estaria viva? Talvez em Tel Aviv, Jerusalém ou qualquer outra cidade daquela terra estrangeira. Sentiu uma vontade incontrolável de fumar. Na parafernália eletrônica de cores e ruídos ao seu redor, o general só ouvia mesmo o grito da angústia e da solidão que o mantinham cativo em suas teias satânicas. Pôs uma pastilha de hortelã na boca e saiu da boate. Lá dentro, a música do final da década de 1970 explodia estridente, repetindo-se em um coro de vozes cambaleantes: Please don’t go, don’t go, don’t go away, please don’t go, don’t go...


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Amanhecia em Jerusalém e Aniela entrou na sala de trabalho entulhada de folhetos, cartazes e recortes de jornais. Na parede, a folhinha estampava o ano 2009 em relevo. Estava sozinha e resolveu responder ao e-mail do general, recebido há mais de um mês: “Certos encontros, ainda que breves, sobrevivem ao tempo e a lógica. Tive a certeza disso na festa do consulado. Compreendi que a minha vida sempre esteve em suas mãos, general Lino Sotero. No Araguaia, quando não me delatou. No Rio, quando me deixou partir. Em Tel Aviv, quando me viu e permaneceu em silêncio. De alguma forma, general, devo a você a minha história.” Yafa Navon, da ONG World No Wars – Mundo sem Guerras.
P.S. Ainda guardo o número de telefone. Que bobagem!


Conto vencedor do Concurso literário Moacyr Scliar 2009, do Centro Cultural Mordechai Anilevitch/RJ, e publicado no livro Escritos Revelados.


segunda-feira, 24 de outubro de 2022

As chaves do reino de Gibraltar

Presença judaica no território é registrada em 1474 quando conversos compram o território

/ Sheila Sacks /



Uma monografia inédita publicada em abril de 1990 pela revista Almoraima, do Instituto de Estudios Campogibraltareños (da comarca espanhola Campo de Gibraltar) trouxe à tona um episódio tão surpreendente quanto desconhecido sobre a compra do território de Gibraltar por conversos espanhóis, no século 15.  O autor, Diego Lamelas Oladán, já na introdução, ressalta que o fato é “praticamente desconhecido” e aconteceu 18 anos antes da expulsão dos judeus da Espanha, e 12 anos depois de Gibraltar ser reconquistada dos mouros pelos espanhóis.

Intitulado La compra de Gibraltar por los conversos andaluces (1474-1476), o estudo de 30 páginas revela que a região localizada no extremo sul da Península Ibérica – oficializada território ultramarino britânico em 1713, pelo Tratado de Utrecht – foi habitada e administrada por conversos que erigiram casas, defenderam militarmente o local dos ataques de piratas e constituíram uma comunidade civil organizada.  

Lamelas ressalta que a versão repetida através dos séculos, principalmente por historiadores espanhóis, é a de que os conversos de Córdoba tentaram, sem êxito, comprar Gibraltar. A exceção a essa historiografia oficiosa, segundo Lamelas, se encontra na narração do cronista Alonso de Palencia (1423-1492), que registra com detalhes as tratativas com os nobres e a Coroa espanhola que resultaram na efetiva ocupação do local pelos conversos por um período de dois anos.


Durantes esse tempo, sob o reinado de Henrique IV (1454 a 1474), rei de Castela e Leão, 4.350 conversos oriundos de Córdoba e Sevilha, liderados por Pedro de Herrera, também um judeu converso, viveram como cidadãos livres em Gibraltar, após negociarem a compra do território com o duque de Medina Sidonia, nobre influente na corte.

 Ali estabeleceram uma guarnição de cavalaria para a proteção do local. Porém, em 1476, tiveram que deixar Gibraltar por ordem do mesmo duque, que se alinhou à Espanha católica. Muitos conversos, sem alternativa, retornaram a Córdoba onde foram acusados de hereges, perseguidos e sentenciados à morte pelos tribunais da Inquisição.

Clima de medo

Um dos homens mais ricos da Espanha à época, Don Enrique de Guzmán, que ostentava os títulos de II Duque de Medina Sidonia e IV Conde de Niebla, tinha uma situação destacada na cidade de Sevilha e mantinha estreitas relações com banqueiros conversos que arrecadavam impostos para a Coroa. Seu pai, o I Duque de Medina Sidonia foi quem reconquistou Gibraltar dos mouros, em 1462, e, após a sua morte, Guzmán pleiteou a concessão da terra a Enrique IV, que autorizou a posse, porém sob o controle do reino.




Segundo Lamelas, anos antes, a ascensão econômica dos judeus e sua influência no reino gerou um sentimento antissemita na própria nobreza e no clero em geral, o que culminou no pogrom (perseguição religiosa violenta com ataques físicos massivos) de 1391, em Sevilha, estendendo-se por outras cidades da Andaluzia (em Córdaba houve o registro de 2 mil mortes). Nos quinze anos seguintes, um clima de medo dominou a comunidade, e mais de cem mil judeus foram batizados pela Igreja e mencionados, a partir daí, de conversos.  

Localização estratégica

A opção de povoar Gibraltar com os conversos (em 1473 o território tinha em torno de mil habitantes que foram evacuados pela Coroa) surgiu por sua localização estratégica, no extremo sul da Península Ibérica. Com apenas 6,8 km², a cidade está situada aos pés de uma rocha de calcária de mais de 400 metros, ladeada pelo Mar Mediterrâneo, o Estreito de Gibraltar e o Oceano Atlântico. Os conversos teriam a obrigação de indenizar os moradores antigos e construir novas casas. Eles também seriam responsáveis pelo custo da defesa militar de Gibraltar, com uma guarnição composta de 800 homens.

A cessão do território para os conversos é narrada por Palencia em sua Crônica sobre o reinado de Henrique IV (escrita em latim), considerada uma das obras mais importantes da memória histórica da Espanha. A concessão não foi unanimidade para os conselheiros do Duque que inicialmente dissuadiram o nobre de tal iniciativa, visto que uma das exigências de Herrera era que os cristãos, antigos moradores de Gibraltar, fossem embora do local.



Os conselheiros também elencaram motivos militares, religiosos e pessoais para a não cessão do território aos conversos. Consideravam que eles não estavam preparados para defender Gibraltar de ataques por terra e mar; que os conversos andaluzes não eram cristãos fiéis e praticavam o judaísmo escondido, principalmente os de Córdoba; e que residindo em Gibraltar ficariam mais perto de Jerusalém e do Oriente, ganhando um porto livre para possíveis traslados e fugas.

Mais impostos

Mas, os conversos tinham um aliado na figura de Don Alfonso de Aguilar, um nobre influente casado com uma descendente de conversos. Na obra A History of the Marranos (1932), do historiador britânico Cecil Roth (1899-1970), é dito que o nobre mantinha laços comerciais importantes com os conversos de Córdoba que, por sua vez, patrocinavam suas tropas. Em troca, obtinham cargos públicos e a proteção contra acusações de práticas judaicas secretas.

O principal conselheiro de Dom Alfonso era justamente Pedro de Córdoba ou Pedro de Herrera, que se tornou o mediador para a compra de Gibraltar pelos conversos, já que o nobre mantinha, desde 1468, uma estreita amizade com Don Enrique de Guzmán, II Duque de Medina Sidonia, detentor da posse do território.

Pelo pacto liderado por Herrera, este teria o comando da fortaleza de Gibraltar e o mando de todas as funções militares e civis em nome do Duque. Teria que prover a tropa, e os conversos pagariam elevadas quantias ao Duque, apesar dos pesados impostos que já pagavam à Coroa.



De acordo com o historiador Antonio Paz y Meliá (1842-1927) - em sua introdução à Crônica de Palencio sobre Henrique IV, traduzida por ele do latim para o espanhol -, levando em conta o peso da moeda da época, “ los fondos netos (líquidos) obtenidos por el Duque de Medina Sidonia en 1474-1476 de los judíos asentados en Gibraltar ascendieron a un total de 35,90 kilos de oro”.

Na obra História social, política e religiosa dos judeus em Espanha e Portugal publicada em 1875, Amador de Los Ríos (1818-1878) chega a listar os nomes dos conversos mais ricos e influentes de Sevilha, a maioria deles atuantes no ramo de comércio e em serviços de arrendamento, recolhimento de impostos e locação. São citados: Juan Fernández Abolafio,  Diego de Susán, Ayllón Perote, os irmãos Sepúlveda y Cordobilla,  Manuel Sauli, Bartolomé de Torralba, Pedro Fernández Benedeva, Pedro Fernández Cansino, Gabriel de Zamora e Juan Delmonte.

É importante lembrar que até o século 13 os judeus podiam ter terras, eram agricultores e cultivavam vinhedos. Mas, com a proibição de os judeus  possuírem terras a situação mudou e eles se voltaram para as atividades econômicas, comerciais e financeiras.

Pérola de Sefarad

Sobre a compra de Gibraltar, Los Ríos faz um paralelo com a cidade de Lucena, conhecida como a pérola de Sefarad (Espanha). Povoada por judeus, sob o regime do califado de Córdoba (séculos 9 a 12) tornou-se um dos mais importantes centros do reino, nos aspectos econômico, cultural, filosófico e científico. O nome Lucena se origina do hebraico Eli Hoshana - הושענא אלי ( que D’us nos salve). O autor considera que o exemplo bem sucedido de Lucena pode ter influenciado a adoção dessa iniciativa para salvar os conversos alvos da animosidade e perseguição dos chamados cristãos velhos de Sevilha, incitados pelo Marqués de Villena (Don Juan Pacheco), também descendente de judeus e Mestre da Ordem Militar de Santiago, uma ordem religiosa militar chancelada por bula papal em 1175.




Fontes históricas como a do cronista Fernão Lopes (1385-1460), em sua Crônica de Fernando IV (1289-1312), rei de Castela, também narra que em 1310, por ocasião da primeira conquista de Gibraltar pelos castelhanos, cogitou-se o assentamento de judeus, cristãos e mouros no local, todos com os mesmos direitos. Porém o tema não aparece em crônicas posteriores e, em 1333, os mouros reconquistam Gibraltar e lá permanecem até 1462.

Lembrando que Gibraltar (da expressão árabe Jabal al-Tariq, que significa montanha do Tariq)  era dominada pelos mouros desde 711, e seu nome se reporta ao militar muçulmano que conquistou o local dos visigodos, Táriq ibn Ziade.  

Dificuldades em Gibraltar

Citando o relato da Crônica de Palencio como fonte, Diego Lamelas conta que o translado para Gibraltar por mar se apresentou muito perigoso para os conversos por causas dos ataques dos piratas que raptavam as mulheres e roubavam os bens. A travessia por terra era mais segura e em 14 de agosto de 1474 cerca de 4.350 conversos de Córdoba e Sevilha chegaram ao território. Herrera, então, dividiu a administração de Gibraltar entre os conversos, mas houve discordância entre eles e os originários de Sevilha regressaram as suas antigas moradas.

A mesma fonte registra que devido à posição geográfica de Gibraltar, situada no extremo sul da Península Ibérica e longe das principais cidades da Espanha, houve dificuldade para a construção das novas moradias, devido a falta de material. Os alimentos também chegavam com dificuldade e por altos preços, além do território ser constantemente assolado por investidas de corsários.  

Trato desfeito

Dois anos depois da chegada dos conversos, os conselheiros do Duque continuavam a insistir para que o trato com os conversos fosse anulado devido à fragilidade de defesa do território. Igualmente reafirmavam que os conversos em Gibraltar estavam livres para retornar às práticas judaicas. Também crescia em todo o reino a suspeita de que a rainha (Isabel de Castela, a católica) era protetora de judeus e filha de uma judia (Isabel de Portugal). Assim, o trato foi desfeito em agosto de 1476 e os conversos de Córdoba se viram obrigados a retornar, agora em penúria, para enfrentar as perseguições das quais haviam fugido.



Sobre o destino desses conversos, pouco se sabe, mas segundo Palencia, com a instalação da Inquisição, em 1 de janeiro de 1483, foi ordenado que todos os judeus de Sevilha, Córdoba e Cádiz abandonassem as residências e se mudassem para outras partes do reino. Isabel de Castela e Fernando de Aragão deram um prazo de 30 dias para o cumprimento da sentença, que foi prorrogado para seis meses pelos próprios inquisidores. Muitos fugiram para o reino muçulmano de Granada, que tinha sob a sua guarda províncias como Málaga e partes das provinciais de Córdoba e Sevilha.

Em 1487, com a tomada de Granada pelos reis católicos Isabel e Fernando, conversos de Córdoba e Sevilha, retornados de Gibraltar, foram encontrados no Castelo de Gibralfaro, em Málaga, uma das fortificações mais imponentes e inexpugnáveis da Península Ibérica. O cerco ao castelo durou três meses e com a vitória da Espanha os reis mandaram queimar imediatamente os conversos, sem o julgamento do Santo Ofício, de acordo com o cronista oficial do reino de Aragão, Jerónimo Zurita (1512-1580), em sua obra Anais do Reino de Aragão.

Porém, somente em 2 de janeiro de 1492 o último rei mouro de Granada, Boabdil,  entrega as chaves da cidade para os reis católicos, após meses de guerra e cerco à cidade. No livro Judíos españoles en la Edad Media, o historiador espanhol Luis Suárez Fernández registra que em 1488, com Tomás de Torquemada já nomeado Inquisidor-geral da Espanha, os conversos de Córdoba propuseram aos reis católicos ajudar com recursos na guerra contra o reino de Granada com a condição de que lá não fosse instalado o Santo Ofício. Porém, Torquemada influenciou os reis a não aceitar o trato e, pior, durante os próximos anos, a maioria dos conversos queimados na região de Andaluzia foram justamente os conversos oriundos de Córdoba e Sevilha.

Verdade histórica



Cinco séculos depois desse episódio que Lamelas classifica de “desconhecido e penoso da história da Espanha”, o importante a considerar, em sua opinião, é que Gibraltar, um ponto estratégico para a coroa espanhola, foi habitado exclusivamente durante dois anos por judeus espanhóis conversos e um deles detentor de toda autoridade civil e militar sobre o território.

Em um pequeno histórico sobre a vida de Palencia, Lamelas chama a atenção para o fato que o cronista foi educado no palácio do bispo de Burgos, Alfonso de Santa María, membro de uma importante família judaica conversa. Nomeado por Henrique IV cronista da Corte e seu secretário de Latim, Palencia trabalhou para o rei de 1456 a 1465. Também prestou serviços para o Duque de Medina Sidonia e foi reconhecido por seu colega renascentista, o jurista e cronista  Galíndez de Carvajal (1472-1528), como “o historiador mais verdadeiro da Espanha”. O historiador contemporâneo Paz Y Meliá vai mais além e homenageia Palencia como “a única fonte autêntica para o conhecimento daquela época”.



Finalizando, Lamelas avalia que a partir desse episódio, que efetivamente aconteceu e se perpetuou na memória dos conversos, Gibraltar funcionou como um ímã para os judeus espanhóis (sefarditas) e também para os judeus mizrahim (provenientes do Oriente e da África). Em 1704, após a conquista do território pelos ingleses, para lá acorreram principalmente os judeus de Marrocos, descendentes diretos daqueles expulsos da Espanha pela força do Decreto de Alhambra (1492), além de judeus sefarditas de Portugal, Itália e Holanda.

Em 1724 é fundada a Sinagoga Sha'ar Hashamayim ( Porta do Céu) por Isaac Nieto, de Londres, o primeiro rabino do território.  O templo se torna também o primeiro a funcionar na Península Ibérica após a expulsão dos judeus da Espanha e Portugal, em 1492 e 1497, respectivamente.

Sob a proteção da Rocha



A monografia de Lamelas foi traduzida para o inglês por Sam Benady, de 85 anos, judeu nascido em Gibraltar,oriundo de uma família que habita o território desde 1735. Impressionado com o episódio, publicou em 2005 o romance histórico The Keys of the City: An Episode in the History of Gibraltar, baseado nessa ocorrência. Em 2015, o livro foi traduzido para o espanhol sob o título Las llaves de Gibraltar.

Atualmente, Gibraltar, também conhecida como The Rock (A Rocha), em alusão ao rochedo de calcário que guarnece o território, abriga uma comunidade judaica pequena, mas atuante (perto de mil membros) de judeus sefarditas que representa mais de dois por cento da população local de 33 mil habitantes. Tem uma infraestrutura religiosa considerável, com quatro sinagogas, todas ortodoxas e em funcionamento, cemitério, escolas judaicas, micvê (para banhos rituais), lojas e restaurantes kosher.

Na história política moderna de Gibraltar destaca-se a figura de Sir Joshua A. Hassan (1915-1997), nascido no território e descendente de judeus de Marrocos, que foi o primeiro prefeito do território, e depois, por duas vezes, primeiro ministro-chefe. A comunidade sempre lembra que em 1964, quando Hassan assumiu o cargo, Gibraltar e Israel eram as duas únicas nações onde os chefes de Estado eram judeus.

 



domingo, 25 de setembro de 2022

Rosa dos Tempos - Da série Histórias que Mamãe Contava

 

/  Sheila Sacks  /


O ano era 1993. O enviado do consulado olhava para a mulher a sua frente. Ela parecia surpresa diante dos cartões-postais sobre a mesa. Minutos antes, o homem tinha se apresentado, estendido um protocolo para que assinasse e entregue o pacote, agora aberto revelando o conteúdo.

 

A senhora gorducha de olhos claros e semblante sereno que se identificou como dona Rosa fez perguntas que não foram respondidas. O funcionário também não entendia o porquê daqueles postais estarem sendo devolvidos. A encomenda tinha sido despachada pelo governo do seu país, cruzado o oceano como correspondência consular e, aqui, carimbada para ser entregue em mãos. E só.

 

Passava das quatro da tarde e sombras irregulares manchavam a varanda. Dona Rosa acompanhou o homem alto de terno largo até o portão de saída. Há vinte anos trabalhava e morava naquela casa de idosos, rodeada de árvores centenárias, em um bairro distante do centro. Um emprego que gostava. Talvez porque tivesse crescido em uma instituição coletiva, com muita gente ao redor. Gente como a amiga Clara, que partiu em um navio de nome italiano, dez dias depois da Páscoa.

 

Os cartões-postais trazidos pelo funcionário de poucas palavras estavam endereçados à Clara. Eram dezenas de fotos de pontos turísticos do Rio. Anualmente, logo depois da Páscoa, Rosa enviava um ou mais cartões para Clara. Foi o combinado. Agora todos estavam estranhamente de volta a sua mesa. Sem explicação.


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Em 1953, o Lar das Crianças era uma instituição que abrigava órfãos e filhos de refugiados judeus da 2ª Grande Guerra. Sustentado pela comunidade judaica do Rio, o Lar acolheu Clara e Rosa quando ambas tinham onze anos. Nascidas na Europa, as meninas logo se tornaram amigas. A ideia de ir embora do Rio surgiu quando Clara se deu conta de que teria poucas chances de se casar e formar uma família. Sua mãe vivia entre delírios e choques elétricos em um manicômio público e seu pai era alcoólatra.

 

Clara tentou convencer Rosa a partir com ela. A amiga era órfã. Os pais tinham morrido em um campo de concentração da Polônia. Mas Rosa não acalentava grandes sonhos. O espelho e o bom senso limitavam as suas ambições. Ficaria no Rio, trabalhando no Lar e ajudando as crianças menores.

 

Dez dias depois da Páscoa, no final de abril, Clara embarcou no navio Leonardo da Vinci para um porto da Itália. De lá seguiria com outros jovens para a terra santa. Tinha dezessete anos, um rosto bonito e o inefável ímpeto dos que se lançam à jornada. Sem passado e bem longe do Rio, encontraria o marido que tanto desejava.

 

Na véspera, Clara chorou ao descolar a foto desbotada do Pão de Açúcar da parede ao lado de sua cama-beliche. “Prometa que vai me mandar todo ano um postal do Rio”, pediu Clara à Rosa. Já no ano seguinte Rosa enviava uma imagem do Alto da Boa Vista. No verso escreveu: O Rio é muito legal. Puxa vida, como a saudade dói.

 

Ano após ano Rosa endereçou os postais à Clara com a mesma frase no verso. Era como fosse um código de paixão e amizade. Escolhia sempre as fotos mais encantadoras do Rio. Procurava nas livrarias, bancas de jornal e até em agências de turismo. Nem o fato de a amiga levar meses para dar notícias a incomodava. Clara estava casada com um homem de negócios e o tempo, do lado de lá do oceano, tinha outra dimensão.

 

Por sua vez Rosa namorou dois rapazes, se apaixonou, desiludiu-se, não casou. Muitos anos depois, beirando aos quarenta, ela foi convidada para trabalhar em uma casa de idosos. Sua experiência no Lar das Crianças foi lembrada. Aceitou a tarefa com alegria. Agora cuidaria dos velhinhos.

 

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Nos primeiros dias de 1983 o oficial moreno com uma cicatriz no braço deu por findo o trabalho. Por algum tempo o processo dos postais do Rio ficou sobre a sua mesa. Em um país em guerra, assolado por ataques terroristas, qualquer fato inusitado levantava suspeitas. O envio sistemático de postais a partir de uma cidade da América do Sul, sempre na mesma data e com uma frase repetitiva, despertou a atenção do serviço de inteligência.

 


Peritos fizeram simulações de códigos tentando descobrir a mensagem que se escondia por trás da frase aparentemente inofensiva. Profissionais foram enviados à cidade praiana para investigar o autor da mensagem e seu possível envolvimento com algum grupo inimigo. A gerente atenciosa e boa praça da casa de idosos, conhecida como dona Rosa, teve seus passos monitorados e sua vida vasculhada. Anos depois, o resultado final da delicada operação ficou registrado no minucioso processo encaminhado pelo oficial às patentes superiores.

 

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O ano de 1954 trouxe mudanças imprevisíveis para a tenente Clara. Foi o que pensou a jovem cheia de sonhos ao abrir a caixa postal e retirar o tão esperado cartão do Rio. Era o décimo dia depois de sua primeira Páscoa na terra santa. Trabalhava em uma base militar distante, mas estava irremediavelmente cega. Uma bomba tinha explodido o jipe em que viajava com mais três companheiros, poucos meses depois de sua chegada. Ela sobrevivera por milagre.

 

Depois de recusar uma pensão vitalícia do governo, Clara aprendeu a leitura e escrita braile e retornou ao exército. Sua vida, a partir de então, estava limitada àquele posto de apoio, em algum ponto isolado do deserto. Com o postal na mão e impossibilitada de vê-lo, Clara decide que Rosa jamais saberia da tragédia. Naquele mesmo ano escreve uma carta à amiga contando que o plano de encontrar um marido vingou. Estava casada com um rico negociante de tapetes.

 

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Em 1999 a Páscoa trouxe melancolia à dona Rosa. Pela primeira vez em quarenta e cinco anos não saiu às ruas para procurar um postal. De fato, desde a visita do funcionário do consulado, há mais de cinco anos, a discreta e eficiente gerente do Lar dos Velhos tentava driblar a tristeza que se aninhava em sua alma. Comprava os postais e ensaiava enviar à Clara. Mas a possibilidade da amiga estar morta havia se transformado em certeza e os cartões se acumulavam na caixa de papelão embaixo de sua cama.

 

O ano de 2003 foi o derradeiro para dona Rosa. Ela morreu dez dias depois da Páscoa. Muitos velhinhos choraram. Seus poucos pertencentes foram divididos entre as ajudantes da cozinha. A coleção de postais foi encontrada por uma senhora voluntária que a mostrou ao diretor do asilo. O atarefado advogado, sempre apressado em suas visitas e que já desconfiava da amiga fictícia de dona Rosa, não teve dúvidas. Mandou recolher os postais e jogá-los no lixo.

 

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Do outro lado do Atlântico, Clara se despediu do mundo com a imagem de um Rio de Janeiro banhado em luz. Ela permanecera no convés do navio até o horizonte esconder o colar de prédios que parecia afundar nas águas ondulantes do oceano. Nunca mais pode ver as belezas do Rio apesar dos postais de Rosa. Sua morte, em 1973, constituiu-se em um mistério. Simplesmente dormiu e não acordou. A correspondência com as fotos do Rio encontradas em sua caixa de correios provocou perplexidade. A chegada de mais postais depois de sua morte aguçou a imaginação. Mas a sigilosa operação levada a efeito por agentes muito bem treinados desfez o enigma. Na página final do processo, o corregedor agastado com todo aquele mal-entendido escreveu: “A investigação está encerrada. O material analisado não tem restrição e está liberado. Que se devolva a quem de direito e que se faça cumprir a presente ordem de forma adequada.”

 

Já anoitecia quando o militar fechou a porta de seu gabinete. Olhou o relógio e apressou o passo. Lá fora, como lanternas mágicas, as casas se iluminavam para a ceia da Páscoa.

 

Conto vencedor do Concurso literário da Hebraica-Rio (2004)

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Livro que inseriu Israel no mapa da Ufologia completa quase dois anos

/  Sheila Sacks  /




No final de 2020, em plena pandemia que desestruturava o planeta e sinalizava tempos sofridos e incertos, o lançamento do livro de um militar aposentado de alta patente afirmando que a humanidade está em contato com alienígenas, há anos, sacudiu a mídia e transformou o autor em celebridade no mundo da ufologia. Mas, também causou algum desconforto para departamentos de defesa e militares de agências federais que investigam e monitoram, de forma sigilosa, fenômenos espaciais.   

Haim Eshed, ex-general israelense, então com 87 anos e figura central da obra “The Universe Beyond the Horizon – Conversations with Professor Haim Eshed” (O Universo Além do Horizonte – Conversa com o professor Haim Eshed, em tradução livre), esteve no comando do programa de segurança espacial de Israel por quase 30 anos e recebeu três vezes o Prêmio de Segurança de Israel (Israel's Security Award) . É considerado o pai dos programas espaciais israelenses.

Engenheiro eletrônico, formado pelo Technion (Instituto de Tecnologia de Israel), tem mestrado em engenharia aeronáutica e desde que se aposentou, em 2011, é professor visitante de várias universidades e instituições de pesquisas espaciais. Foi consultor científico da Faculdade de Tel Aviv e também colabora com o Centro de Ciências de Herzliya para alunos do Ensino Médio. O livro em questão tem a parceria da escritora Hagar Yanai, 50 anos, autora de vários livros premiados.

Ao jornal Yediot Aharonot, em uma longa entrevista, ele revelou que resolveu tornar público suas pesquisas e conhecimento acerca de seres extraterrestres e OVNIs (sigla de Objetos Voadores Não Identificados) ou UFO (Unidentified Flying Object, na sigla em inglês) porque considera o atual estágio tecnológico da humanidade mais desenvolvido e naturalmente mais aberto à abordagem do tema.  "Se eu falasse o que digo hoje há cinco anos, teria sido internado",  ironiza Eshed na entrevista ao diário de maior tiragem do país.

A reportagem, originalmente publicada em hebraico, ganhou as páginas da mídia internacional após o jornal Jerusalem Post, dias depois, recontar a matéria em inglês (Ex-chefe de segurança espacial israelense diz que alienígenas existem e a humanidade não está pronta, em 10/12/2020), e principalmente por conta das credenciais do entrevistado. O texto, desde então, viaja pela Internet, ao sabor de novas notícias sobre fenômenos aéreos e descobertas espaciais.

Nada a perder

Na inusitada entrevista, assinada pelo jornalista Raanan Shaked (‘Os OVNIs pediram para não anunciar que estão aqui, a humanidade ainda não está pronta’, em tradução livre do hebraico), o texto se inicia em um tom não muito sério.  “Em um novo livro, 'The Universe Beyond the Horizon', Eshed afirma que extraterrestres de todo o universo já estão andando entre nós, encontros do terceiro grau acontecem em cada esquina, e a "Federação Galáctica" está atrasando a liberação de informações para não causar pânico. Agora ele também conta como os alienígenas impediram vários holocaustos nucleares.”



E prossegue no mesmo diapasão: “Foi um ótimo início de semana”, escreve o jornalista. “Saí da casa do professor Haim Eshed de bom humor. Em breve, com certeza, faremos contato com extraterrestres, eles nos ensinarão tudo o que sabem, a ciência saltará na frente mil anos-luz, poderemos começar a viajar no tempo e espaço, e saltar com as crianças no fim de semana no aglomerado das Plêiades (aglomerado estelar), a 444 anos-luz de distância do sistema solar, muito melhor do que o Holon Park” ( parque de diversão  aquático perto de Tel Aviv).

Mas, apesar da conotação bizarra que norteia a entrevista, o jornalista israelense destaca a quantidade de livros que Eshed tem em seu escritório, o grande número de material e informação acumulados, e as inúmeras pastas nas quais são guardadas “meticulosamente” cada artigo ou trecho de documento sobre o tema a qual se dedica.

Perguntado do risco acadêmico a que se expõe diante das afirmativas manifestas no decorrer da reportagem, Eshed é categórico na resposta.  Diz que “hoje não tem nada a perder” e fundamenta: “Recebi prêmios e diplomas, sou respeitado nas universidades do exterior e mesmo lá a tendência está mudando e agora estão abertos a falar sobre esses fenômenos.”

Assim, um dos enunciados acerca da forma e a da velocidade com que os alienígenas percorrem o espaço é traduzido por Eshed como “um método avançado ‘deles’ para produzir uma bolha que neutraliza o tempo-espaço”. Desse modo, “a espaçonave não se move, e sim o espaço”. E dá o exemplo de uma formiga se movimentando em cima de uma página. Ao dobrar a página, a formiga irá da extremidade a outra em um segundo. “Eles usam a propulsão, baseada na energia escura – 25% do universo é matéria escura - o que torna possível distorcer o espaço-tempo e alcançar outras galáxias em pouco tempo”, diz.

Sobre o local de origem dos alienígenas, Eshed considera que alguns possam ter vindo das Plêiades (conglomerado de estrelas localizado na Constelação de Touro, algumas visíveis a olho nu) que têm condições de vida parecidas. “Não podemos chegar lá”, explica, “mas eles podem chegar até nós porque são mais avançados”.

Em relação à interação entre humanos e alienígenas, Eshed novamente surpreende ao revelar a existência de uma base subterrânea em Marte onde astronautas americanos e extraterrestres já trabalham em conjunto. “A grande nave espacial é quase do tamanho de uma pequena cidade. Pequenas naves espaciais saem dela - a maioria robóticas, tripuladas por robôs inteligentes. A princípio eles enviarão tais robôs, primitivos em sua visão, ou uma mensagem que teremos que decifrar.” 

Estudo publicado na revista “Astrobiology” (junho de 2021) assinado pelo cientista planetário Jesse Tarnas, do Jet Propulsiom Laboraty da Nasa (centro tecnológico de pesquisa, responsável pelo desenvolvimento de sondas espaciais não tripuladas) sustenta que existem ambientes habitáveis semelhantes à Terra no subsolo de Marte. A revista científica Scientific American também dá destaque ao estudo, ressaltando que a análise de meteoritos marcianos combinada com novos dados dos rovers (veículos robóticos) da Nasa revelam que enquanto houver água subterrânea, o subsolo marciano é habitável. Portanto, já está sendo aceitável cientificamente que para vivermos em Marte terá de ser em túneis e com energia nuclear.

Federação Galáctica

Eshed fala ainda sobre uma suposta “Federação Galáctica” formada por alienígenas que em comum acordo com governos parceiros- e cita os Estados Unidos, China, Rússia, Inglaterra e Japão - tem repassado tecnologia avançada e monitora estações e bases nucleares. Inclusive, evitando catástrofes nucleares que não aconteceram pela intervenção dos alienígenas.

Conta que o ex-presidente Donald Trump estava prestes a revelar esses “contatos”, mas foi aconselhado a esperar. E que mais presidentes se envolveram com o assunto: Truman (1884-1972) admitiu que viu um grupo de extraterrestres; Nixon (1913-1994) levou o comediante Jackie Gleason para a base aérea de White-Patterson (Ohio), onde mostrou corpos de alienígenas; e a neta do presidente Eisenhower (1890-1969) testemunhou o avô assinar um acordo com extraterrestres. Estes teriam uma base de pouso secreta no deserto de Nevada, na Área 51 – região onde há uma base aérea americana, criada em 195, para testes e desenvolvimento de aeronaves.

Reconhecida oficialmente somente em 2003, a base aérea americana na Área 51, a 135 quilômetros de Las Vegas, alimentou muitas suposições e teorias sobre óvnis devido ao sigilo que o governo sempre impôs acerca da instalação militar e seus funcionários. Várias reportagens ao longo do tempo lançaram suspeitas de que a área em questão abrigava uma espaçonave alienígena e os corpos de seus tripulantes, depois que testemunhas comunicaram sobre a queda de destroços de  um objeto não identificado em  Roswell, no estado do Novo México, em 1947.

Projeto Galileu



Outra figura de peso citada por Eshed, desta vez na área científica, é o astrofísico israelense-americano Abrahamn (Avi) Loeb, professor de Ciência na Universidade de Harvard, que afirmou que o objeto celeste observado por astrônomos no Havaí, em 2017, era um óvni. O objeto, com 800 metros de comprimento e superfície avermelhada ganhou o nome de Oumuamua, que significa “mensageiro” em linguagem havaiana. Pela sua alta velocidade, se supõe que o objeto veio de fora do Sistema Solar.

PhD em Física pela Universidade Hebraica de Jerusalém e chefe do Projeto Galileu (Galileo Project), do Centro de Astrofísica de Harvard, Loeb lançou em 2021 o livro “Extraterrestrial: The First Sign of Intelligent Life Beyond Earth” (Extraterrestre: O Primeiro Sinal de Vida Inteligente Além da Terra, em tradução livre do inglês), onde sustenta que o Oumuamua não era um asteroide e sim uma peça de tecnologia avançada criada por uma civilização alienígena distante.

Para o Projeto Galileu, que envolve mais de 100 cientistas, Loeb arrecadou 1,7 milhão de dólares de investidores privados. O programa visa estabelecer uma rede de telescópios avançados - munidos de câmaras infravermelhas, sensores de rádio e áudio, magnetômetro (para mediar campos magnéticos) e computadores com inteligência artificial - que irão varrer os céus em busca de evidências extraterrestres. Um deles é o supertelescópio de 8,4 metros no Observatório Vera C.Rubin, em construção na montanha de Cerro Pachón, no Chile, que terá a maior câmara do mundo.

Em uma reportagem para a Science Magazine, uma da mais prestigiadas revistas de Ciência, Loeb ponderou sobre a necessidade da comunidade cientifica ter a mente aberta para esses fenômenos. “Aqueles que afirmam que a falta de evidências de extraterrestres significa que a vida alienígena não existe, estão equivocados”, disse. “É como um pescador na praia, olhando para o mar: Onde estão todos os peixes? Eu não vejo nada? E, obviamente, se você não usar uma rede de pesca, não encontrará nada”, raciocina.

Com centenas de artigos publicados e autor de oito livros, Loeb, de 60 anos, foi indicado pela revista TIME, em 2012, como umas das 25 pessoas mais influentes em assuntos espaciais. Em 2020, foi considerado um dos 14 israelenses mais inspiradores da década. Em 2021, na esteira da publicação de seu livro sobre extraterrestres, Loeb, assim como Eshed, surpreendeu ao falar sobre a necessidade de um acordo de paz entre os humanos e os habitantes de outras galáxias, semelhante ao Tratado de Proibição de Teste Nucleares. Segundo o cientista, civilizações hostis são capazes de criar dispositivos de destruição de tecnologia avançada que os habitantes da Terra não saberão deter.

Ufologia tem sessão especial do Senado

No Brasil, em uma sessão especial no plenário do Senado para marcar os 75 anos do Dia Mundial da Ufologia, o ufólogo Ademar José Gevaerd, editor da revista UFO, presidente do Centro Brasileiro de Pesquisas de Discos Voadores e autor de 13 livros sobre o tema, comemorou o fato de o governo e a Aeronáutica terem liberado mais de 20 mil páginas de documentos, que atualmente estão no Arquivo Nacional, em Brasília, à disposição dos interessados. Mas fez a ressalva de que a abertura não é completa e que mais arquivos precisam ser divulgados.

O evento, realizado em 24 de junho, reuniu especialistas do Brasil e do exterior para falar sobre fenômenos relacionados a óvnis, vida fora da Terra e liberação de registros de avistamentos.  No requerimento oficial para a realização da Sessão, os senadores lembraram que o Brasil foi “a primeira nação a admitir oficialmente que os óvnis existem de fato e têm procedência extraterrestre”. Isso ocorreu em 1954, na Escola Superior de Guerra (ESG), no Rio de Janeiro, face ao depoimento do  então capitão da Aeronáutica João Adil de Oliveira  que chefiou a  primeira Comissão de Investigação sobre os Discos Voadores do país. A França só faria o mesmo, vindo em segundo lugar, em 1976, 22 anos depois.

  Ao final do encontro, foi entregue aos parlamentares o documento intitulado “Carta de Brasília”, no qual os ufólogos recomendam a criação de uma comissão permanente mista, civil e militar, para a realização conjunta de pesquisas.

Arquivo Nacional disponibiliza fotos e documentos

A partir da criação da Lei de Acesso à Informação- Lai ((Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011) e sua regulamentação no ano seguinte (16 de maio de 2012),  um encontro inédito aconteceu em Brasília, em abril de 2013, entre pesquisadores de fenômenos aéreos não identificados e representantes do Ministério de Defesa. Na reunião, ficou acordado que documentos acerca do tema, sob a responsabilidade do Exército, Marinha e Aeronáutica, seriam tornados públicos através de consultas ao Arquivo Nacional.

Porém, autoridades militares reconhecem que muitos documentos foram extraviados e outros destruídos, já que o decreto 79.099 de 1977 permitia a destruição de documentos sigilosos.

De acordo com o professor Rodolpho Gauthier Cardoso dos Santos, do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) e doutor em História, a Pasta OVNI, do Arquivo Nacional, já reúne 758 documentos digitalizados, entre relatórios, depoimentos, fotos, formulários preenchidos, notícias da imprensa, vídeos e áudios.

Em um artigo publicado em 2021, no site do Arquivo Nacional, ele detalha que o documento mais antigo para consulta data de 1952 e o mais recente, de 2016, com uma quantidade considerável de formulários preenchidos em aeroportos por pilotos relatando avistamentos de óvnis. Também estão arrolados, casos de relatos que tiveram repercussão na imprensa, com recortes de revistas e jornais da época.

Também boletins produzidos por investigadores do SIOANI (Sistema de Investigação de Objetos Aéreos Não Identificados), órgão da Aeronáutica que funcionou entre 1969 e 1972, estão acessíveis aos interessados. O trabalho dos militares consistia em investigar os locais de “supostos” avistamentos, entrevistando e até realizando exames psiquiátricos nas testemunhas dos relatos.

No texto, o professor faz um histórico sobre o termo “disco voador”, tradução do inglês flying saucer (pires voando, em tradução livre) usado para designar o que não era imediatamente reconhecido nos céus. A expressão apareceu pela primeira vez em um jornal local do estado de Washington, a partir do registro do empresário Kenneth Arnold, também um piloto experiente. Ele observou objetos voadores que realizavam manobras inusitadas quando pilotava seu avião, em 24 de junho de 1947. “Faziam movimentos ondulares, parecidos com o que acontece quando se joga um disco sobre a superfície da água.”

A partir da década de 1950, um termo mais adequado foi criado para designar esses fenômenos: a expressão UFO - Unidentified Flying Object , ou OVNI, em português (Objeto Voador Não Identificado).

Noite dos óvnis

Ainda no artigo, o autor discorre sobre alguns casos de avistamentos registrados no território brasileiro - já com documentos “desclassificados” (retirados de sigilo) - e que foram veiculados na imprensa. Dentre eles, o que ocorreu na cidade de São José dos Campos, no estado de São Paulo, em 19 de maio de 1986, que ficou conhecido como a Noite dos Discos Voadores.  Na ocasião “foram avistadas pela torre de controle da cidade luzes de diversas cores sobrevoando a região, o que foi confirmado pelo radar e passageiros de aeronaves. Horas depois, foi a vez do radar de Anápolis, no estado de Goiás, apontar objetos não identificados. Temendo pela segurança nacional, caças armados decolaram das bases aéreas no Rio de Janeiro e Goiás”.

O desenrolar da ação é descrita pelo professor: “Alguns (caças) chegaram a identificar luzes que mudavam de cor e tentaram persegui-las, mas foi inútil. Segundo registros, os objetos faziam manobras bastante peculiares com aceleração e desaceleração de forma brusca que ultrapassavam em muito a velocidade dos caças brasileiros. Em determinado momento da madrugada, os radares chegaram a detectar treze pontos não identificados simultâneos. No entanto, como cinco caças não conseguiram se aproximar e identificá-los, a operação foi finalizada. Ao longo de mais de três horas, foram detectados 21 óvnis ” (descritos como esféricos e com 100 metros de diâmetro).

Sobre o episódio foi feito um relatório, datado de 2 de junho daquele ano, assinado pelo então comandante interino do Comando de Defesa Aérea Brasileira COMDABRA, brigadeiro José Pessoa Cavalcanti Albuquerque, que no parágrafo três apresenta o seguinte parecer: “Os fenômenos são sólidos e refletem de certa forma inteligência, pela capacidade de acompanhar e manter distância dos observadores como também voar em formação, não forçosamente tripulados”. E conclui elogiando “a eficiência das unidades aéreas engajadas na operação” que em menos de 30 minutos depois de acionadas estavam prontas para a ação.

Governo americano cria órgão federal para detectar óvnis

No final de 2021, o presidente Joe Biden autorizou a criação de um escritório encarregado de conduzir investigações e responder militarmente e com rapidez a avistamentos de óvnis. A implantação do novo órgão, sob a responsabilidade conjunta do Departamento de Defesa americano e do Diretor de Inteligência Nacional (DNI, na sigla em inglês), figurou no pacote de gastos da Defesa, aprovado pelo Congresso, no valor de 770 bilhões de dólares.

Meses depois, a sigla original do escritório – AOIMSG (Air Object Identification and Management Group - Grupo de Sincronização de Gerenciamento e Identificação de Objetos Aerotransportados, em tradução livre) foi modificada estrategicamente para AARO - All-domain Anomaly Resolution Office - Resolução de Anomalias de Todos os Domínios, eliminando o termo Air Object e dando um caráter mais amplo às observações.

A implantação da AARO, segundo o Pentágano, visa sincronizar os esforços do Departamento de Defesa com outras agências federais para detectar “fenômenos de interesse” perto de instalações militares, áreas operacionais e de treinamento. Isso inclui “espaço anômalo não identificado, objetos aéreos, submersos e transmedium” (termo inglês para objetos que voam entre o espaço, o ar e sob a água). Um vídeo da Marinha, confirmado pelo Pentágono, mostra um óvni aparentemente desaparecendo na água.

Em maio, em uma audiência pública no Congresso americano sobre óvnis, agora também chamados de UAPs (Unidentified Aerial Phenomena - fenômenos aéreos não identificados, que substitui UFO) , o atual subsecretário de Defesa para inteligência e segurança, Ronald Moultrie, refirmou que esses objetos representam “riscos potenciais” para a segurança de voo e um desafio para a segurança nacional, e que o governo está comprometido em determinar suas origens.

A respeito desses fenômenos, o Departamento da Marinha já vinha mantendo, desde 2020, uma Força-Tarefa de Fenômenos Aéreos Não Identificados, a UAPTF - Unidentified Aerial Phenomena (UAP) Task Force, com a missão de detectar, analisar e catalogar objetos voadores que possam representar ameaça à segurança nacional. A medida foi defendida pelo então vice-secretário da Defesa, David L. Norquist.

Um ano depois, em junho de 2021, sob a pressão do Congresso e do público, o Pentágono divulgou um relatório da UAPTF reportando 144 casos de fenômenos aéreos não identificados relatados por pilotos militares desde 2004. De acordo com o documento, 21 desses registros detalhavam objetos com "padrões incomuns de movimento ou de características de voo".

Apesar de grande parte dos pareceres serem inconclusivos, o relatório confirma que a maioria dos óvnis representam objetos físicos captados por vários sensores, incluindo radar, infravermelho, eletro-óptico, “buscadores” de armas e também por observação visual.

Na esteira das revelações, o programa jornalístico “60 Minutes”, da CBS News, um dos mais assistidos nos EUA, dedicou uma apresentação ao tema. Em uma reportagem especial, no ano passado, entrevistou alguns militares da Marinha americana. Um deles, o piloto aposentado Ryan Graves, disse que os encontros com óvnis aconteciam com frequência. “Todos os dias, por pelo menos alguns anos” afirmou.

Ele classificou o que ocorria como “um risco à segurança“. O seu esquadrão de caças supersônicos F/A-18F, de acordo com o ex-piloto, começou a ver óvnis pairando sobre o espaço aéreo restrito, a sudeste de Virginia Beach, em 2014, quando os radares dos jatos foram atualizados, tornando possível mirar com câmeras infravermelhas. É no estado de Virgínia, na cidade de Norfolk, que se localiza a maior base naval americana e mundial. 

 


Outro entrevistado, Luis Elizondo, um ex-militar para operações de Inteligência e ex-agente do Pentágono, revelou que só começou a tratar de óvnis, a partir de 2008, quando foi convidado para trabalhar no Programa Avançado de Identificação de Ameaças Aeroespaciais – AATIP, na sigla em inglês (Advanced Aerospace Threat Identification Program). O projeto foi incluído pelo então líder da maioria do Senado, Harry Reid, no programa de Defesa dos Estados Unidos.

A função de Elizondo era analisar fenômenos aéreos não identificados documentados por militares que poderiam ameaçar a segurança nacional. Nos relatos, segundo ele, registros de objetos que voam a 13 mil milhas por hora, que escapam dos radares, podem voar através do ar, da água e possivelmente do espaço. Sem sinais de propulsão, sem asas, sem superfícies de controle, desafiando os efeitos naturais da gravidade da Terra.

“Gastamos milhões de dólares treinando esses pilotos. E eles estão vendo algo que eles não podem explicar. Além disso, essas informações são apoiadas em dados eletro-ópticos, como imagens de câmeras de armas. E por dados de radar”, diz o ex-agente.

Depoimentos e relatórios oficiais como rotina

Recentemente, em julho, a Câmara de Deputados americana (U.S. House of Representatives) recebeu uma proposta de emenda parlamentar para criar um sistema oficial de relatos sobre óvnis dentro da estrutura da Defesa. A emenda foi apresentada pelo congressista Mike Gallagher, do estado de Wisconsin, que serviu no Corpo de Fuzileiros Navais no Iraque, trabalhou no setor de Contraterrorismo no Comitê de Relações Exteriores do Senado e atualmente integra o Comitê Permanente de Inteligência da Câmara. Ele ainda atua como membro do subcomitê de Pessoal Militar, com jurisdição sobre as políticas e programas relacionados com os militares e o Departamento de Defesa.

O principal objetivo da medida, de acordo com o parlamentar, é estabelecer um canal especial e seguro para que militares e contratados (terceirizados) possam relatar no plenário suas experiências em relação a qualquer evento de UAPs. Também pretende estabelecer uma rotina de envio à Câmara, por parte do Departamento de Defesa, de relatórios atualizados sobre qualquer atividade ou programa de governo relacionado com esses fenômenos.

A transparência e a divulgação pública dessas abordagens, porém, esbarram em afirmações como a do israelense Haim Eshed, explicitada na polêmica entrevista ao Yediot Aharonot. Respondendo ao jornalista que o entrevistava o porquê de os governos manterem segredo em torno de supostos alienígenas que estariam em contato com os humanos, e se muitos evitam falar por uma possível ameaça de morte, o ex-responsável pelo programa espacial de Israel confirmou que ninguém  está a salvo. “Sim. Eles mataram muitos no caminho. Todo mundo que abriu a boca.”

Eshed aproveita também a longa conversa para desenhar um futuro desafiador, onde computadores quânticos atingirão um nível superior à capacidade humana em termos de consciência, impelindo a própria consciência humana a avançar. Ele acredita que seremos capazes de manipular o espaço-tempo (‘enquanto estou sentado aqui com você, também poderei sentar com minha filha na Filadélfia’), e que nosso tempo na Terra não é infinito. “Escute, a humanidade não sobreviverá aqui, e se alguém não cuidar do meio ambiente, eu dou menos de 50 anos. A humanidade vai morrer e espero que “eles” ( aponta para o alto) não vão deixar isso acontecer. O espaço é nosso anseio - saber de onde viemos e para onde vamos.” E conclui: ”Hoje, a única coisa que nos mantém sãos é a ciência.”