/ Sheila
Sacks /
A melhor testemunha é o documento escrito (Carl Sandburg, historiador e poeta americano/1878-1967)
O
feriado de Columbus Day é comemorado anualmente nos Estados Unidos na segunda
segunda-feira de outubro. No Brasil e em outros países do continente, a descoberta
da América tem data certa, festejada em 12 de outubro, dia em que Cristóvão
Colombo, no longínquo ano de 1492, se deparou com o horizonte de uma terra
desconhecida.
Luis
Torres, membro da expedição de Colombo, assim escreveu no diário de bordo
acerca do histórico dia: “Sexta-feira, duas horas depois do meio-dia, Hoshana Rabá no calendário judaico (sétimo
dia de Sucot – a Festa das Cabanas, dia de libertação e milagres, 51º dia após
a ascensão de Moisés ao Monte Sinai), vigésimo primeiro dia do mês de Tishrei,
no ano de 5253 depois da Criação.” Vale lembrar que os sete dias de celebrações
de Sucot recordam as “Nuvens de Glória que rodearam o povo hebreu durante suas
peregrinações pelo deserto, por 40 anos, a caminho da Terra Prometida”.
Torres
era um judeu recém converso (provavelmente de nome Yosef ben Halevi HaIvri) e profundo conhecedor
do hebraico, aramaico, árabe, espanhol, português, francês e latim. Seu pai foi
um escriba dos rolos da Torá. Foi escolhido por Colombo para ser seu intérprete
oficial. Torres assim relata a madrugada da descoberta: “Eu escutava toda a
noite Rodrigo de Triana recitar os Tehilim (Livro dos Salmos)... Nós ficamos
acordados toda a noite e com a primeira luz trêmula da manhã, um de nós avistou
a terra. Rodrigo correu para avisar Colombo.” Para a maioria dos
pesquisadores foi Rodrigo de Triana quem gritou “Tierra!Tierra!” ao perceber uma
silhueta diferente no horizonte. No calendário cristão era sexta-feira, 12 de
outubro. A terra avistada era uma ilha nas Antilhas chamada pelos residentes de
Guanahani, a qual Colombo deu o nome de São Salvador.
Coube
a Luis Torres ser o primeiro europeu a pisar o novo mundo. Ele foi um dos 39
tripulantes que não voltaram à Espanha com Colombo, permanecendo no
assentamento de Natividade, na Ilha de Santo Domingo (São Domingos) onde hoje
estão a República Dominicana e o Haiti. Torres deixou as Antilhas em fevereiro
de 1494, retornando à Espanha com doze navios de uma frota de dezessete que
Colombo trouxera em sua segunda viagem ao novo continente, em dezembro de 1493.
Meses depois, em abril de 1494, Colombo teria deixado São Domingos com três
caravelas, uma delas a Niña, em direção a Cuba e Jamaica.
Ainda
acerca de Luis Torres, um documento escrito por ele, datado de 1523, afirma que
sete judeus participaram da expedição e cita Rodrigo de Triana, quem primeiro
avistou a terra, Rodrigo Sanchez, imediato da frota e dois médicos de nomes Birena
e Marco.
Sucot e o sonho da
liberdade
Essas
informações estão no livro Columbus then and Now – A Life Reexamined ( 'Colombo então e agora – Uma vida revista’, em tradução livre, publicado em
1997 ), de Miles H. Davidson, pesquisador independente que viveu na República
Dominicana e estabeleceu um vasto acervo sobre o descobrimento. Ele contesta
várias versões disseminadas sobre a viagem de Colombo, inclusive sobre a morte
de Luis Torres que teria ocorrida em 1493, em Natividade. Davidson se utiliza
de manuscritos dos séculos 16 e 17, de diários, cartas (El Libro Copiador de
Cristóbal Colón) e registros navais da época para analisar cronologicamente os
fatos que marcaram a vida do navegador e o papel desempenhado pelos judeus na
primeira viagem de Colombo à América.
A
obra e o autor são citados no artigo Sukkot guide for the Perplexed 2016 (‘Guia de Sucot 2016 para os perplexos’, em tradução livre), assinado por Yoram
Ettinger, ex- consul de Israel em Houston, no Texas, e chefe do escritório de
Imprensa do governo israelense em 1988 e 1989. Publicado na edição online do
semanário americano The Jewish Press, o trecho foi extraído
do livro de Ettinger, Jewish Holidays Guide for the Perplexed (‘Feriados
Judaicos- Guia para os perplexos’, em tradução livre), editado em 2014.
Para
Ettinger, a Festa dos Tabernáculos ou das Cabanas “comemora a transição do povo judeu de
escravo, no Egito, para a soberania na terra de Israel, da vida nômade no deserto
onde viveu em cabanas por 40 anos, à
permanência na terra prometida”. Engloba igualmente o sentido universal da
libertação, uma aspiração comum a toda humanidade. Assim, ele enxerga uma
“aliança espiritual” entre a descoberta da América e Sucot, pela convergência
das datas. A visão de um novo mundo justamente no sétimo dia de Sucot, em Hoshana Rabá - considerado por nossos sábios como o último
dia de “julgamento” divino no qual o destino do ano novo é determinado – se
afigura como o prenúncio de um novo tempo de libertação e milagres.
Sobre
a chegada ao novo mundo, Davidson conta que Luis Torres escreveu no fim de seu
diário de bordo: “Nós desembarcamos na praia de San Salvador ( Guanahani, para
os nativos) e tomamos posse do novo mundo para a Espanha. Cristóvão Colombo
sempre acreditou que essa ilha e outras que ele avistou depois na viagem de
descobrimento eram as Índias, perto do Japão ou China.” O pesquisador contesta
versões de autores norte-americanos sobre a possível intenção de Colombo de
chegar a novos continentes e também o real horário do avistamento, que para
alguns biógrafos ocorreu duas horas depois da meia-noite de 12 de outubro.
Judeus financiaram
Colombo
Quanto
aos recursos para a expedição de Colombo, Davidson cita os judeus Abraham Senior,
rabino-mor e chefe da coleta de impostos dos reis espanhóis Fernando de Aragão
e Isabel de Castela, e Isaac Abravanel, que administrava as receitas da casa
real, ambos sob o foco do édito real de expulsão dos judeus da Espanha, expedido
em 31 de março de 1492. Segundo o autor, Fernando e Isabel trabalharam para
persuadi-los a se converterem e permanecerem na Espanha, como o fizeram Alonso
de Cabrera, Luis de Santagel ( escriba da casa real) e Gabriel Sanchez, judeus
conversos envolvidos com o financiamento da expedição. Porém, apenas Senior,
natural de Segóvia, aceitou a conversão, falecendo no ano seguinte. Abravanel,
nascido em Lisboa, partiu para o exílio e ainda viveu mais dezesseis anos em
cidades como Nápoles, Messina e Veneza, prestando serviços na área financeira e
diplomática à nobreza.
Após
a viagem, as duas primeiras cartas enviadas por Colombo narrando o feito do
descobrimento e agradecendo o apoio à sua expedição foram dirigidas justamente
a Santagel e Sanchez que adiantaram recursos pessoais de alto valor para
financiar aquela que foi uma das maiores aventuras do homem em todos os tempos:
a descoberta de um novo mundo. Coincidentemente ocorrida no sétimo dia de
Sucot, no mês de Tishrei, o sétimo dos doze meses do calendário judaico (chamado yerach
ha’etanim, ‘o mês dos fortes’ ou ‘o mês dos antigos), sete
meses após o decreto de Alhambra. O documento em questão legalizou o confisco
de bens e a expulsão de todos os judeus das terras espanholas (Sefarad) que lá
viviam há mais de quatrocentos anos.
Biógrafos
de Colombo detalham que a data marcada para a saída da frota era 2 de agosto de
1492, que naquele ano coincidia com o dia de Tishá B'Av, o mais triste do
calendário judaico, no qual o judeu deve jejuar por 24 horas. A data lembra a destruição
dos dois Templos Sagrados de Jerusalém. O primeiro em 422 antes da era comum, e
o segundo ( reconstruído após a volta dos judeus de um exílio de 70 anos na Babilônia)
490 anos depois da queda do Templo de Salomão. Então, esse fato é apontado por
muitos estudiosos como o motivo do adiamento da partida para o amanhecer de 3 de
agosto, no Porto de Palos. Pela tradição judaica, Tishá B'Av é um dia de má
sorte. Coincidentemente, também em 2 de agosto expirava o prazo para a expulsão
do judeus espanhóis que recusaram a conversão. Cronistas da época relatam que
os cais da Espanha estavam apinhados de judeus que buscavam a fuga.
Sinagoga Luis Torres
Para
lembrar e homenagear a origem religiosa do homem que acompanhou Colombo e
reportou a viagem se utilizando do calendário judaico, o então pequeno grupo de
judeus de Freeport, cidade do arquipélago caribenho das Bahamas, fundou em 1972
uma sinagoga que recebeu o nome de Luis Torres. Segundo a enciclopédia online
Jewish Virtual Library, Torres era um marrano (judeu secreto que praticava
oficialmente o catolicismo).