por
Sheila Sacks
“Os meios de comunicação são o oxigênio do
terrorismo. Sem eles, os terroristas seriam sufocados e morreriam.” (Adam
Lockyer, especialista em segurança, inteligência e contraterrorismo)
Em
2010, uma professora de inglês do ensino médio em Nápoles publicou um pequeno
romance de 78 páginas cujo título estampava o nome de uma personagem misteriosa
e enigmática que já foi rotulada por agências de inteligência ocidentais como a
maior terrorista do século 20. O livro “L’intervista a Petra Krause” de Mara
Fortuna conta a história de uma estudante de jornalismo que em meio à
turbulência dos movimentos de esquerda que sacudiram a Europa, com bombas e
mortes na década de 1970, tenta entrevistar uma ativista antifascista – Petra
Krause - acusada de terrorismo. Mas um incidente trágico a afasta desse
encontro que só vai se realizar trinta anos depois.
No
lançamento do livro a autora disse que escreveu focada nos adolescentes que na
sua maioria tem uma visão distorcida desse tempo de turbulência no continente
europeu marcado por sucessivos atentados e sequestros praticados por grupos
radicais. Mas, esses grupos extremistas, de acordo com a professora, eram
formados por jovens idealistas e revolucionários. Acrescenta-se que tais
movimentos tinham um leque bastante amplo de ações: se opunham ao regime de apartheid da África do Sul, às juntas
militares na Grécia e às ditaduras de Franco (Espanha), Salazar (Portugal) e
Pinochet (Chile); apoiavam as lutas pela libertação da Argélia, Irlanda do
Norte e das colônias portuguesas de Angola e Moçambique; e mantinham conexões
com organizações clandestinas - como a dos Tupamaros no Uruguai - que lutavam
contra as ditaduras militares instaladas em países da América do Sul.
Lembrando Albert Camus (1913-1960), jornalista,
escritor e filósofo, argelino de nascimento e prêmio Nobel da literatura em
1957, “a revolta não nasce, única e obrigatoriamente, entre os oprimidos,
podendo também nascer do espetáculo da opressão cuja vítima é o outro”.
Os rebeldes de 1968
A
jornalista e escritora americana Claire Sterling (1919-1995), que viveu na
Itália durante essa década turbulenta e foi correspondente do The New York Times e colunista política
do Washington Post, aponta o ano de 1968
como aquele em que uma geração nascida após a segunda guerra mundial declarou a
sua própria guerra contra a sociedade. “A força colossal deflagrada por um
bando de jovens beatniks, antes
ignorados como uma periferia de lunáticos, tirou o fôlego dos vários sistemas
do mundo. Não apenas tirou o presidente Johnson da Casa Branca e o general De
Gaulle do Palácio Elysée, como transformou a derrota militar do Vietcong após a
Ofensiva do Tet numa conquista
política que colocou um ponto final na guerra do Vietnã.”
Explica-se:
com o barulho dos movimentos dos jovens universitários americanos e da geração
beat (precursora dos hippies) contra a guerra do Vietnã crescendo nos EUA, somado
ao surpreendente ataque do Vietnã do Norte ao Vietnã do Sul onde se concentravam
as forças americanas, em 31 de janeiro de 1968 (a chamada Ofensiva de Tet, em referência ao ano novo lunar dos vietnamitas conhecido
como “Tet Nguyen Dan”), Lyndon Johnson não obteve a indicação dos democratas
para tentar a reeleição e o presidente francês, após 10 anos no poder,
renunciou em abril de 1969, depois de enfrentar protestos violentos de estudantes e
trabalhadores, e ser derrotado em um referendo popular sobre reforma do senado.
Porém,
o questionamento mais contundente que os historiadores ainda fazem dessa época
conhecida na Itália como os “anni di piombo” (anos de chumbo) é a forma
violenta de ação adotada por esses grupos cujos alvos e vítimas foram as
próprias democracias da Europa Ocidental e seus cidadãos. O chamado
euroterrorismo se deu a partir da década de 1970 e atravessou os anos de 1980
como uma extensão dos protestos estudantis de 1968, com movimentos de extrema
esquerda radicalizando suas posições políticas por meio de atos terroristas que
inicialmente atingiram a Alemanha Federal e a Itália e depois se alastrou para
outros países do continente. A guerra do Vietnã, as ditaduras na Europa e na
América Latina, a luta pela independência da Argélia, a causa palestina, o
fantasma latente do fascismo e a repressão policial serviram de combustível
para que esses guerrilheiros urbanos incendiassem a Europa.
“Geração de Auschwitz”
Andreas Baader e Gudrun Ensslin |
Mas
o rastilho de pólvora foi aceso na própria Alemanha pós-guerra a partir da
fundação do “Grupo Baader-Meinhoff”, em 1970, também conhecido como “Fração do
Exército Vermelho” (RAF - Rote Armee Fraktion, em alemão), uma organização de
extrema-esquerda responsável por uma série de ações armadas no país e que
somente foi oficialmente considerada extinta em 1998, após mobilizar três
gerações de militantes. Liderados inicialmente por Andreas Baader (1943-1977),
oriundo do movimento estudantil, Ulrike Meinhoff (1934-1976), jornalista e
ativista política, e Gudrun Ensslin (1940-1977), doutora em filosofia, os três
foram assassinados nas prisões onde cumpriam suas penas, provavelmente por
policiais, apesar de o governo alemão alegar que os prisioneiros cometeram
suicídio.
No
livro “Legacies of Dachau: The Uses and Abuses of a Concentration Camp,
1933-2001” - que aborda a história e a memória de uma Alemanha pós-genocida, a
partir de Dachau, o primeiro campo de morte nazista -, o professor americano
Harold Marcuse reproduz o desabafo de Ensslin à imprensa após policiais matarem
o estudante Benno Ohnesorge durante uma manifestação estudantil, em junho de
1967, contra a visita do Xá Reza Pahlevi do Irã a Berlim. A ativista, então com
27 anos, foi enfática ao se referir aos policiais: “Eles vão nos matar a todos.
Vocês agora sabem o tipo de porcos contra os quais nós estamos lutando. Esta é
a geração de Auschwitz. Você não pode dialogar com as pessoas que criaram
Auschwitz. Eles têm armas e nós não. Nós precisamos nos armar!”
Para
o jornalista alemão Stefan Aust, que foi editor do semanário Der Síegel (de 1994 a 2008) e que acompanhou a formação da RAF e
conviveu com alguns de seus líderes, essa é a primeira geração nascida desde a
guerra que começa a fazer perguntas e questionar os pais acerca dos
acontecimentos no regime hitlerista. Eles criticavam aquilo que lhes parecia
ser a relutância da sociedade alemã em confrontar-se com seu passado nazista.
Autor
do best-seller “Der Baader Meinhof Komplex”, de 1985, que virou filme em 2008 e
dividiu o público alemão, pois muitos viram uma espécie de glamourização dos
terroristas, Aust escreve sobre a geração de 1968: “A Segunda Guerra Mundial tinha
terminado apenas há 20 anos. Os que chefiavam a polícia, as escolas, o
governo, eram as mesmas pessoas que estavam no comando durante o nazismo. O
chanceler Kurt Georg Kiesinger era um ex-nazista. Por causa do passado nazista,
tudo de ruim era comparado ao Terceiro Reich. Se você ouvia falar de
brutalidade policial, diziam que era igual à SS. No momento em que você vê seu
próprio país como a continuação de um estado fascista, você se dá a permissão
de fazer quase qualquer coisa contra ele. Você vê as suas ações como a
resistência que seus pais não tiveram.”
De fato, uma pesquisa popular feita nos primeiros
anos das atividades da RAF apontou que um quarto dos alemães com menos de 40
anos tinha simpatia por seus integrantes e que um décimo dessas pessoas
esconderia seus membros se fosse necessário.
Petra
Krause nasceu em Berlim, em 19 de fevereiro de 1939, e com poucos meses de vida
foi levada para o campo de extermínio de Auschwitz com sua família, onde seus
pais morreram nas câmaras de gás. Seus primeiros três anos são passados neste
campo de horrores e por puro acaso consegue sobreviver e é adotada por uma
família cristã. Chega à Itália pela primeira vez em 1957, ainda adolescente, e filia-se
ao Partido Comunista. Dezoito anos depois, em março de 1975, já como cidadã
italiana divorciada de um médico de Milão e mãe do jovem Marco, é detida na Suíça
sob a acusação de contrabando de armas e de participação em atentados
terroristas contra a embaixada espanhola em Berna e um banco em Zurique.
Escrevendo
sobre os grupos de esquerda na Europa que adotaram a violência em suas ações, a
jornalista Claire Sterling reserva um capítulo para relatar as atividades
clandestinas de Krause em seu livro “A rede do terror - a guerra secreta do terrorismo internacional" (1981). Conta que no início
ela emprestava seu passaporte para fugitivas dos regimes de Franco e de Salazar
ou as abrigava em seu apartamento em Milão. Depois passou a ser enviada a
países da África, como a Argélia e as colônias portuguesas de Angola e
Moçambique. Na Itália trabalhava como intérprete e tradutora para a editora de
Giangiacomo Feltrinelli, um milionário admirador de Fidel Castro e filiado ao
partido comunista que apoiou e financiou os movimentos armados. Após a morte de
Feltrinelli, em 1972, Krause “mergulha na clandestinidade total, adota novo
nome, adquire um passaporte falso, arranja um insignificante emprego de
escritório em Milão e viaja bastante percorrendo os circuitos terroristas
europeus”, afirma Sterling.
Em
outubro de 1974, Krause atravessa a fronteira e se instala em Zurique.
Policiais italianos se lançam a sua procura depois de encontrarem o carro de sua
propriedade no local do incêndio que destruiu uma fábrica da multinacional
ITT de componentes eletrônicos, causando prejuízos de 10 milhões de dólares.
Na época, segundo Sterling, Krause já gerenciava a distribuição de
armamentos para vários grupos extremistas sob o nome de “Anna Maria Grenzi”.
Procurada pela CIA
De
acordo com o relatório da CIA (Central Intelligence Agency) de 1978, o grupo de
Petra Krause também chamado de “o grupo de Annababi” funcionava na Suíça em
parceria com a organização anarquista AKO (Anarchistische Kampf-organization),
fundada por jovens suíços em 1970 e que cultuavam o mito revolucionário do
argentino Che Guevara, braço direito de Fidel Castro executado na Bolívia em
1967. Eles foram responsáveis por roubar
toneladas de armamentos e explosivos dos arsenais das forças armadas suíças
para suprir grupos extremistas como o Baader-Meinhof da Alemanha, as Brigadas
Vermelhas da Itália, os irlandeses do IRA, o ETA dos bascos espanhóis e o
Diretório Europeu dos palestinos em Paris, liderado pelo venezuelano Ilich
Ramirez Sanchez, conhecido como “Carlos, o Chacal” (atualmente com 66 anos, cumprindo
pena de prisão perpétua na França).
A
chegada de Krause à Suiça, assinala Sterling, impulsionou o abastecimento de
armas e explosivos roubados, o fornecimento de identidades e passaportes falsificados, o tráfego de esconderijos para militantes perseguidos e a mobilização
para a formulação de sucessivas ações violentas na Itália e na Alemanha. Anos
mais tarde, em declarações a jornais, Krause justificou a sua opção pela
militância armada: “Comecei como marxista-lenilista ortodoxa e passei da
completa não-violência ao ponto em que compreendi que a não-violência é um luxo
burguês” (Newsweek, em 18.07.1978).
Em outra entrevista, desta vez para o Le
Nouvel Illustré, de Genebra, Krause revelou que sabia que a polícia andava
em seus calcanhares. “Comecei a ver a necessidade de ter outros instrumentos
para combater o estado burguês e minhas reservas quanto à violência caíram por
terra.”
Prisão na Suiça
Em
março de 1975 Krause é detida pela polícia suíça em uma movimentada praça de
Zurique. Usando pseudônimo e passaporte falso, ela está acompanhada de
Elizabeth Van Dyck, da liderança do grupo Baader-Meinhof, que viria a ser
fuzilada por policiais na Alemanha, quatro anos depois, aos 28 anos, em um
esconderijo da organização.
Antes de ser presa, Krause vinha sendo vigiada
pelo serviço de segurança suíça. Meses antes, ela teria atravessado a fronteira
alemã e entregue pessoalmente fuzis automáticos, minas e granadas para Van Dick
e Siegfried Haag, um advogado simpatizante da RAF que depois se tornou líder e
militante nas ações armadas do grupo. Esse armamento foi encontrado nas ruínas
da embaixada alemã em Estocolmo, semanas depois da explosão do prédio que fora
invadido por um comando da RAF, em abril de 1975, com o intuito de trocar os
diplomatas feitos reféns na embaixada por Baader, Ensslin e Meinhoff que
estavam presos.
Em 1979, Haag é condenado a 14 anos de reclusão
pela preparação do atentado na Suécia, recrutamento de pessoal e aquisição de
armamentos. Na sentença do tribunal de Zurique, Petra Krause é citada como a
pessoa que forneceu as armas a Haag em Waldshut, na Alemanha Ocidental, em 31
de janeiro de 1975 (Haag, de 70 anos, teve sua pena suspensa em 1987 devido ao
seu estado de saúde).
Presa
na Suiça, Krause fica por mais de dois anos encarcerada aguardando julgamento,
sendo que em total isolamento no primeiro ano. Pesam sobre ela acusações de
envolvimento em atentados terroristas, roubo de equipamento militar e contrabando
de armas. Passa por quatro presídios, sofre uma tentativa de estupro por parte
de um carcereiro, faz três greves de fome, perde 14 quilos e grande parte dos
cabelos.
Debilitada,
com nódulos linfáticos em todo o corpo e sentindo muitas dores, Krause é deportada à Itália para tratamento de saúde, após 28 meses de confinamento. Contribuem
para o desfecho a mobilização da mídia e a pressão exercida por um comitê de
deputadas que vai a Suíça e constata as péssimas condições de saúde da
prisioneira. Um apelo pela libertação de Krause ganha às páginas do jornal La Repubblica, em julho de 1977. Quem
assina é o dramaturgo Dario Fo (Prêmio Nobel de Literatura de 1997) e sua
mulher, a atriz Franca Rame (falecida em maio de 2013) que também pede a
interferência do então presidente italiano Giovanni Leone a favor de Krause.
Retorno à Itália
Já
de volta à Itália, onde responde a um processo pelo incêndio de uma fábrica em
Milão e a ocultação de um carro roubado, Krause é levada para uma prisão em Nápoles.
Mas em razão de seu estado de saúde ela paga fiança e obtém a liberdade
provisória. Nas ruas de Nápoles, jovens da extrema-esquerda comemoram a sua saída do presídio e em passeata proclamam a inocência da acusada (EL Pais, em 26.08.1977).
Franca
Rame, que além de atriz era ativista feminista, estava no aeroporto de
Fuimicino na chegada de Krause. Ela conta que o ostensivo aparato policial
inclusive com cães para escoltar a prisioneira foi vista como uma manobra
teatral para reafirmar a periculosidade da prisioneira. Um prólogo grotesco,
segundo ela, considerando que o genocida alemão Herbert Keppler, responsável
pelo envio de mais de onze mil judeus italianos para as câmaras de gás de
Auschwitz e condenado a prisão perpétua na Itália, horas depois driblava a
vigilância policial escapando de um hospital militar em Roma, onde se
encontrava para tratamento de um câncer, rumo à Alemanha que negou devolvê-lo às
autoridades italianas (ele morreu poucos meses depois, aos 70 anos ).
Reportando
a sua detenção na Suiça, Krause lembra que ela e a amiga estavam em
Bellevueplatz, a estação de bondes de Zurique, quando foram cercadas e
brutalmente separadas por vários homens que a imobilizaram e arrancaram a sua bolsa. “Se isso acontecesse na Itália e eu estivesse armada
teria atirado como louca. Teria a certeza de que se tratava de uma agressão
fascista”, disse.
Tempos
depois, na petição que faz contra a Suiça por sua prisão, Krause invoca um
artigo da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, instituída em 1953, que
estabelece que ninguém pode ser qualificado pelas autoridades como culpado de
um crime sem que esta culpa tenha sido previamente comprovada por um tribunal. Isso
porque por ocasião de sua detenção, o ministro da Justiça suíço foi a TV dizer
que Krause era autora de crimes que envolviam a utilização de explosivos. Tal
declaração violava o entendimento jurídico de que só o processo penal pode
conduzir à constatação formal da culpa e de que a revelação pública de uma
suspeita por parte dos serviços do Estado pode ter conseqüências negativas para
a posição jurídica da pessoa, influenciar juízes e promover condenações antecipadas.
Sentenças
Em
novembro de 1978, Krause é absolvida na Itália por falta de provas. Tem ao seu
lado grande parte da imprensa italiana que faz longas reportagens relatando as
torturas físicas e mentais sofridas pela prisioneira, incriminada por “um
suposto roubo de munições de um arsenal do exército suíço e vítima de acusações
por supostos atos subversivos que nunca foram provados” (Il Manifesto, diário comunista que encerrou suas atividades em 2012
e Lotta Continua, diário da
ultra-esquerda extinto em 1982).
O
conhecido cartunista italiano Giorgio Di Vita, um jovem de 22 anos à época, recorda
que a imprensa destacava o histórico de Krause como uma menina judia sobrevivente
de um campo de concentração nazista e de seu compromisso político de
não-violência que a levou a manter contato com os principais movimentos
antifascistas da Europa, principalmente com os grupos de esquerda da Alemanha.
Também era conhecido seu compromisso de solidariedade com os espanhóis
exilados, gregos, argelinos e todos os perseguidos dos regimes ditatoriais, inclusive
aqueles que militavam contra as ditaduras da América do Sul.
Opinião
que contrasta com a de Sterling que em seu livro enfatiza a ligação de Krause
com o terrorismo: “Conhecida por seu bando como ‘Annababi’, Petra Krause foi
descrita pela polícia suíça como a ‘terrorista do século’ ao ser apanhada (...)
Não era assassina como o resto. Tudo o que fazia era cuidar do negócio.”
Em
9 de março de 1981, o tribunal de Zurique condena Krause a três anos e seis
meses de prisão, e em 2 de maio de 1982 a Corte de Apelação de Milão também a
sentencia a 6 anos de reclusão. Muitos dos seus companheiros estão
presos ou mortos. Ainda assim, quase duas décadas depois, a jornalista Maria
Antonietta Calabró, do influente jornal Corriere
della Sera publica artigo afirmando que Krause estaria por trás da
reorganização de grupos armados a nível internacional (19.05.2000). Segundo a
jornalista, com a captura de “Carlos, o Chacal” no Sudão, em agosto de 1994,
Krause estaria desempenhando um papel mais atuante no submundo do terrorismo e
ativando a sua teia de relações, já que algumas antigas lideranças estariam em
liberdade, ainda que sob vigilância.
Assassinatos
O
artigo que cita Krause e sua suposta associação com grupos de extrema
esquerda vem à tona em razão do assassinato, em 1999, de Massimo
d’Antona, crime reivindicado pelas Brigadas Vermelhas (Brigate Rosse) - organização terrorista de extrema-esquerda responsável pelo sequestro e assassinato do político democrata-cristão Aldo Moro, em 1978. Para a
surpresa dos italianos que julgavam o grupo extinto. Conselheiro do Ministro do
Trabalho, d’Atona fez parte do grupo que adequou a legislação trabalhista do
país às diretrizes da União Europeia, um dos motivos da execução assinalados na
mensagem das Brigadas.
Dois
anos depois, outro conselheiro do Ministro do Trabalho é morto pelas Brigadas.
Desta vez é o professor Marco Biagi, coautor de uma polêmica reforma
trabalhista que desagradou os maiores sindicatos italianos. Pela internet, as
Brigadas assumem o assassinato do economista tachando-o de “um dos promotores
da regulamentação da exploração do trabalho”. Peritos em balística constatam
que nos dois assassinatos foi usada a mesma arma de calibre 9mm.
Relatório publicado em 2001 pela Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado italiano sobre terrorismo no país contempla com duas dezenas de páginas “La controversa figura di Petra Krause”. Entre seus contatos é citado o libanês Michel Moukarbal, definido como “o superior direto de Carlos na resistência palestina ativa na Europa” (Moukarbal foi morto por Carlos, em 1975, por suspeita de traição). Sterling afirma que o grupo suíço de Krause forneceu armas para Moukarbal suprir os grupos separatistas ETA, dos bascos espanhóis, e o IRA dos irlandeses.
Uma
atuação superdimensionada de acordo com o jornalista e professor da
Universidade de Leipzig, Michael Haller. Articulista do jornal alemão Der Spiegel por um longo período, Haller
contesta as afirmações de Sterling acerca do poder de Krause.“O que é certo é
que Petra Krause participou de duas ações amadoras, uma em Zurique e outra em
Berna, que não tiveram sucesso.” E continua: “Krause chegou a Milão no final
dos anos 1960 junto com outros ultraesquerdistas que manifestavam solidariedade
a espanhóis antifascistas e negros africanos.”
Para
Heller é questionável atribuir a Krause uma posição de liderança no terrorismo
da esquerda europeia, ao lado do editor italiano Giangiacomo Feltrinelli,
simpatizante da esquerda e morto em um ataque a bomba (1972), e o egípcio de
origem judaica Henri Curiel, assassinado em 1979 e que presidiu em Paris a organização “Solidariedade” para
acolher os fugitivos e militantes da esquerda perseguidos principalmente pelas
ditaduras da América do Sul. “É ridículo montar um best-seller com alegações e
especulações infundadas, baseadas em preconceitos vigentes”, critica Heller acerca do livro de Sterling (“Das internationale Terror- Netz”, em 22.02.1982).
Porém, para a autora de “A rede do terror”, a
década do medo (1970) ampliou o conceito do general alemão Von Clausewitz
(1780-1831) de que a guerra é a continuação da política por outros meios. A
jornalista destaca o patrocínio da Líbia do ditador Muammar Khadafi (1942-2011)
nesse contexto profissional de terror, e o classifica de “o papai rico do
terrorismo”, por manter, em 1976, um fundo especial de 580 milhões de dólares para
treino e ações terroristas em solo europeu.
Enfim,
militante antifascista para a intelectualidade italiana e terrorista fichada
pelas agências de inteligência, Petra Krause foi um produto da juventude
europeia pós-Holocausto, comprometida com a violência ideológica e o terror,
mas que aparentemente sempre contou com a simpatia da mídia. Um fenômeno que de alguma forma encontra paralelo
nos dias atuais, nas dissimuladas elegias midiáticas ao pseudo terrorismo
heroico de grupos fundamentalistas. É a brutal rede de terror que ressurge e avança pelo século 21, mais uma vez favorecida e amparada pela superficialidade, mitos e
estereótipos que parcializam e partidarizam grande parte da imprensa global.
Atualizado em setembro de 2015