por Sheila Sacks
“Cada pensamento desloca as partículas do cérebro, pondo-as em movimento e disseminando-as pelo Universo. Cada partícula da matéria existente deve ser um registro de tudo o que aconteceu.” - “Principles of Sciences”, de William Stanley Jevons (1835-1882) e Charles Babbage (1791-1871)
O instrumento da linguagem continua aquém dos
mistérios da Vida e do Cosmos. No século 19, pensadores históricos buscaram
acender nas palavras a luz que poderia iluminar o universo não-lógico que ainda
nos espanta nessa segunda década do século 21. Percepções múltiplas sobre o
Inexplicável e o Infinito estão gravadas em milhões de páginas que desafiam a
capacidade humana de compreender e assimilar os fenômenos fundamentais da existência.
É o mundo infinito que a linguagem não alcança
Entretanto, hoje, acelerando um processo selvagem
de dispersão mental, restamos reféns de palavras e encadeamentos frívolos e
individualistas, ilhados em uma redoma de pensamentos manipulados por uma
máquina de informações e sugestões que nos distanciam, cada vez mais, de um
aprofundamento e de uma possível redescoberta da essência da linguagem e de sua
possível expansão na tradução de pensamentos que versam sobre o incógnito, o
invisível e o que não conhecemos.
Palavras
ocultas
No livro “Key to the Hebrew-Egyptian mystery: in the source of measures”, publicado
em 1875, o pesquisador maçom e estudioso da Cabalá, James Ralston Skinner (1830
– 1893) afirma estar convencido de que existiu uma linguagem antiga
desaparecida, e de que restam numerosos vestígios. “A singularidade dessa
linguagem era que podia estar contida dentro de outra, por um processo oculto,
não sendo percebida senão com a ajuda de certas instruções.”
Skinner, que nasceu nos EUA, observa que “as letras e os signos
silábicos possuíam, ao mesmo tempo, os poderes ou as significações dos números,
das figuras geométricas, das pinturas ou ideografias, e dos símbolos, cujo
objetivo era determinado e especificado por meio de parábolas, sob a forma de
narrações completas ou parciais, mas que também podiam ser expostas separadas
ou independentemente, e de vários modos, por meio de pinturas, obras de pedra e
construções de terra”.
Destaca, ainda,
que aquela antiga linguagem estava profundamente infiltrada nos textos
hebraicos, de tal forma que se empregando os caracteres escritos, cuja
pronúncia forma a linguagem definida, podia-se intencionalmente comunicar uma
série de ideais muito diferentes das que se expressam com a leitura de signos
fonéticos. Para o pesquisador, realmente existiu na história da raça humana uma
linguagem primitiva perfeita que por fatores desconhecidos desapareceu ou se
perdeu no tempo.
Palavras insuficientes
Por sua vez, a medium e
pensadora russa Helena Petrovna (1831-1891), principal figura da teosofia
moderna, reclamava da insuficiência de palavras adequadas na linguagem moderna
para a abordagem de determinados temas. Dissertando sobre autoconhecimento e
consciência, a estudiosa das religiões e autora da “Doutrina Secreta” (1888)
diz textualmente: “Tal é a pobreza da linguagem humana que não dispomos de
termos para distinguir o conhecimento em que não pensamos ativamente do
conhecimento que não podemos reter na memória.” E reflete: “Mais difícil então
será encontrar palavras para descrever os fatos metafísicos e abstratos e
distinguir-lhes as diferenças.”
Ação da palavra
Alef, a primeira letra do alfabeto hebraico |
Ainda sobre a
mágica das palavras e sua influência na existência das pessoas, o escritor
francês Jean-Baptiste Pitois (1811-1877) escreve: “Pronunciar
uma palavra é evocar um pensamento e fazê-lo presente; o poder magnético da palavra
humana é o começo de todas as manifestações no Mundo Oculto. Pronunciar um nome
é não somente definir um Ser (uma Entidade), mas submetê-lo à influência desse
nome e condená-lo, por força da emissão da palavra (Verbum), a sofrer a ação de
um ou mais poderes ocultos.”
E continua: “As coisas são, para cada um de nós, o que a palavra
determina quando as nomeamos. A palavra (Verbum) ou a linguagem de cada homem
é, sem que disso ele tenha consciência, uma benção
ou uma maldição; e é por isso que a
nossa atual ignorância acerca das propriedades da matéria nos é tantas vezes fatal. Sim, os nomes (e as palavras) são
benéficos ou maléficos: em certo sentido são nocivos ou salutares, conforme as
influências ocultas que a Sabedoria suprema associou a seus elementos, isto é,
às letras que compõem e aos números que correspondem a estas
letras.”
O texto acima contido no livro “Historie de la
Magie, du monde Surnaturel et de la fatalité a travers les Temps et les Peuples
”, foi escrito em 1870. Jean-Baptiste, que também assinava como Paul Christian,
foi educado para ser sacerdote, mas optou por se tornou jornalista e escritor,
dedicando-se a assuntos esotéricos.
Poder da Palavra
Nessa mesma linha de pensamento, uma obra anterior, datada de 1859,
assinada pelo também francês Eliphas Levi (1810-1875), nascido Alphonse Louis
Constant, já invocava a existência de um alfabeto oculto e sagrado, composto de
ideias absolutas ligadas a signos e números e que realiza, por suas
combinações, as matemáticas do pensamento.
Na obra “A Chave dos Grandes Mistérios”, Levi afirma que os hebreus, os
egípcios e depois os pitagóricos tinham conhecimento desse alfabeto único.
Teólogo e ex-sacerdote católico, Levi se aprofundou na filosofia da Cabalá e no
seu principal livro dogmático, o “Zohar”, para formar a base de suas ideias.
Segundo ele, proferir um nome seria criar ou chamar um ser. No nome estaria
contida a doutrina verbal ou espiritual do próprio ser. “A palavra age sobre as
almas e as almas reagem sobre os corpos; pode-se, portanto, assustar, consolar,
fazer adoecer, curar, matar e ressuscitar por palavras”, assegura.
Acreditando na força monumental das palavras, Levi também faz um alerta
aos leitores: “As palavras mais perigosas são as palavras vãs e proferidas
levianamente, porque são abortos voluntários do pensamento. Uma palavra inútil
é um crime contra o espírito de inteligência. É um infanticídio intelectual.”
Autor de uma dúzia de livros e considerado por seus pares o maior mestre do
renascimento mágico do século 19, Levi criou uma série de axiomas ao abordar,
em um capítulo próprio, o que designou de “o poder da palavra”. Ele associa todo
o esplendor e a força da palavra à verdade e à justiça ao proclamar que “toda
palavra de verdade é o começo de um ato de justiça”.
Mas, para a autora da “Doutrina
Secreta”, obra fundamental para o estudo da Teosofia, “a palavra articulada tem
um poder que os sábios modernos não só desconhecem, mas nem sequer suspeitam, e
por isso neles não acreditam”. Blavatsky
reforça a tese de que “parece ter havido uma linguagem e um sistema de ciência
transmitido à primeira humanidade por homens de uma raça mais adiantada, que
poderia aparecer como divina aos olhos daquela humanidade infantil”. Um
conhecimento primordial assentado em uma teologia ancestral - de símbolos,
mitos e signos - transmitido ao longo dos
tempos por uma linhagem de iniciados de variadas crenças e culturas. Teoria que
de certa forma se harmoniza com o pensamento do filósofo grego Plotino (204-270 da era comum),
autor de “Enéadas”, quando este atesta que “tudo é símbolo, e sábio é quem lê em tudo”.
Nota: No século 20, o filósofo alemão Walter Benjamim (1892-1940) também foi um estudioso da magia da linguagem. Em seu ensaio “Sobre a Linguagem em Geral e sobre a Linguagem Humana”, ele desenvolveu a sua teoria de que a linguagem humana das palavras pode ser compreendida enquanto “tradução” da “muda linguagem da natureza”. É dele a frase: “Ler o que nunca foi escrito."
Nota: No século 20, o filósofo alemão Walter Benjamim (1892-1940) também foi um estudioso da magia da linguagem. Em seu ensaio “Sobre a Linguagem em Geral e sobre a Linguagem Humana”, ele desenvolveu a sua teoria de que a linguagem humana das palavras pode ser compreendida enquanto “tradução” da “muda linguagem da natureza”. É dele a frase: “Ler o que nunca foi escrito."
Texto atualizado.