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terça-feira, 3 de novembro de 2009

Quem tem medo da notícia?


por Sheila Sacks

O Brasil galgou 11 posições no ranking mundial de liberdade de imprensa em 2009, de acordo com a pesquisa anual realizada pela ONG francesa Repórteres Sem Fronteiras (RFS) em 175 países, e divulgada em 20 de outubro. Está na 71ª colocação, melhor situado que a Venezuela (124ª) e Cuba (170ª), mas ainda bem abaixo de nossos vizinhos Uruguai (29ª), Chile (40ª) e Argentina (47ª). O relatório "Worldwide Press Freedom", elaborado a partir de questionários respondidos por jornalistas, juristas, ativistas de direitos humanos e organizações parceiras de cinco continentes, classifica a guerra como a maior ameaça e o pior cenário para a prática do livre exercício de veiculação de notícias. Dinamarca e Finlândia receberam a melhor pontuação.

Para a RSF, a paz, mais do que a prosperidade econômica, garante a liberdade de imprensa. Daí, a queda abrupta de Israel, perdendo 47 posições, face ao conflito armado em Gaza, ocorrido no início deste ano. Em 2008, Israel ocupava o primeiro lugar entre os países do Oriente Médio a garantir as liberdades individuais e a integridade física dos profissionais de jornalismo, situação essa impossível de se manter quando em cenários conflagrados por combates e atos de terrorismo, cerceados por normas e segredos militares. A guerra, que vitimou três jornalistas e deixou 20 feridos, foi o principal argumento para a organização baixar a pontuação de Israel em 2009. Mas, mesmo ocupando a 93ª posição na tabela da RSF, abaixo dos Emirados Árabes (86ª) e Kuwait (60ª), a democracia israelense se mantém bem distante de regimes autocráticos como o do Irã – bombardeado com a 172ª colocação e ladeado pela Coreia do Norte, China, Birmânia, Eritreia e Cuba.

Retirada da publicidade oficial

Em recente declaração, Ahmadinejad acusou a mídia de ser "uma arma pior do que a nuclear" quando nas mãos de países ocidentais. Opinião revelada após a sua reeleição, em meados de 2009, face aos intensos protestos da população. O resultado do pleito colocou o país em uma autêntica crise e instaurou uma paranóia com relação aos jornalistas e blogueiros. A constatação é da RSF, diante das notícias de que o número de jornalistas fugindo do Irã é o maior desde a Revolução Islâmica, em 1979. Seis jornais foram fechados, muitos jornalistas estão presos e mais de 2 mil perderam seus empregos.

Em 2007, denunciando um aumento de censura online no mundo, a RSF já havia acusado o Irã, a Tunísia e o Egito de promoverem a prisão de inúmeros blogueiros e o encerramento forçado de vários sites noticiosos. Portanto, não é de se admirar que três jornalistas oriundos de nações muçulmanas (Somália, Tunísia e Azerbaijão) tenham sido agraciados pelo Committee to Protect Journalists (CPJ), com sede em Nova York, com o prêmio internacional de Liberdade de Imprensa 2009. Os três profissionais (Mustafá Abdinur, Naziha Réjiba e Eyulla Fatullayev) atuam com muita dificuldade em seus países, sofrendo perseguições por parte das autoridades, sendo que o último amargou oito anos de prisão.

Por ocasião do Dia Mundial da Imprensa, em 3 de maio, a Unesco soltou um comunicado lembrando que a censura ainda faz parte do dia-a-dia de muitos países e que os jornalistas continuam a ver a sua profissão e a própria vida, em muitos casos, ameaçadas. Desde 2003 foram registradas 170 mortes de jornalistas em serviço e segundo a organização "nunca foi tão perigoso ser jornalista". Para o presidente da Sociedad Interamericana de Prensa (SIP), o jornalista colombiano Enrique Santos Calderón, a imprensa ainda é assombrada pela atitude hostil de líderes de estado intolerantes e pela violência contra os jornalistas e a mídia. Em países da América Latina, como a Venezuela, Argentina, Equador, Nicarágua, Bolívia e Uruguai, a crítica a ações do governo não é bem-vinda, afirma Calderón. "Qualquer posição contrária à oficial é rejeitada, pressionada e punida. Entre os métodos utilizados para silenciar os opositores está a redução ou a retirada completada da publicidade oficial. No sentido contrário, aqueles que apóiam as políticas governamentais recebem benefícios."

"Compromisso em ouvir opiniões"

A propósito, o orçamento oficial para publicidade e propaganda do governo brasileiro nos meios de comunicação em 2009, aprovado pelo Congresso, foi de meio bilhão de reais. Valor esse que já dobrou, se contabilizados os gastos de publicidade de empresas públicas, como a Petrobrás e o Banco do Brasil, que têm receitas próprias para a área. A novidade é a democratização dessas verbas, desde o ano passado distribuídas para mais de 5 mil veículos de comunicação em todo o país, entre emissoras de rádio, TVs, jornais e revistas. O governo Fernando Henrique, que se utilizou praticamente dos mesmos recursos, considerando a correção monetária, não tinha mais que 500 beneficiados.

Ainda em relação ao Brasil, a RSF considerou que o país avançou com o fim da Lei de Imprensa (instituída à época da ditadura) decretada em 1° de maio deste ano. Também mereceram elogios os esforços do governo Lula para ampliar o acesso à informação, ainda que não estejam banidos os atos de violência contra os meios de comunicação, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, e a censura prévia em alguns estados brasileiros, onde as autoridades dominam a mídia local.

Em 29 de setembro, é um fato a registrar, o presidente Lula foi homenageado pela Associação Internacional de Radiodifusão pelo trabalho em defesa da liberdade de expressão. Congregando 17 mil emissoras de rádio e TV nas Américas e na Europa, a instituição, representada aqui no Brasil pela Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert), considerou Lula "um exemplo para os governantes", classificando-o como um político democrata, pelo seu espírito de convivência "com uma imprensa independente e com o contraditório". Dias antes, Lula já tinha sido laureado, em Nova York, por sua defesa das instituições democráticas no Brasil. O prêmio de Serviço Público, concedido pelo Centro Internacional Woodrow Wilsom para Acadêmicos, tem a finalidade de homenagear "indivíduos que servem com distinção na vida pública e demonstram compromisso especial em ouvir sempre opiniões informadas e pontos de vista ponderados em sua atividade".
Declaração acolhida como heresia

Em 2006, falando no programa Observatório da Imprensa, na TV Brasil, o presidente Lula já enfatizava a importância da mídia em sua trajetória política: "Eu nasci para o mundo político graças à liberdade de imprensa. No momento em que o movimento sindical ainda era pouco difundido na imprensa brasileira, no ano de 1975, fiz parte de um conjunto de dirigentes sindicais que chamou a atenção de uma parte da imprensa brasileira". Anteriormente, Lula tinha posto a sua assinatura na Declaração de Chapultepec, um documento elaborado em 1994, no México, pela Sociedad Interamericana de Prensa para difundir a importância da liberdade da imprensa.

Composto de 10 itens que condenam a censura e o cerceamento ao livre exercício do jornalismo, o documento vinha subscrito por 44 chefes de Estado e por dezenas de entidades internacionais. De início, o documento assinala, em seu primeiro parágrafo, que não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão e de imprensa. E que toda pessoa tem direito a buscar e receber informação, expressar opiniões e divulgá-las livremente. Destaca ainda que nenhum meio de comunicação ou jornalista deve ser penalizado por difundir a verdade, criticar ou fazer denúncias contra o poder público.

No início do ano, uma declaração do presidente Lula publicada na revista Piauí eriçou a imprensa e melindrou os jornalistas. Entrevistado, ele falou que não tinha mais o hábito de ler jornal de manhã para não perder o humor logo cedo, já que tinha problema de azia. E disse ainda que raramente assistia TV. Acolhida como uma heresia, volta e meia a mídia rememora a frase de Lula quando pressente um provável movimento do governo no sentido de limitar ou minimizar alguma informação.

Plágio em trabalhos acadêmicos

Entretanto, hoje a conceituação de notícia, à parte a sua intenção de agradar ou desagradar, é bem diferente daquela do início do século passado, quando o termo era definido como "algo que sei hoje, mas que não sabia ontem". A notícia atualmente é "aquilo que entendo hoje, mas que já conhecia desde ontem" (Folha de S.Paulo). E ao se entender a notícia, muitas delas podem, sim, provocar azia e mal-estar também no público leitor.

Dois exemplos recentes e ilustrativos. Primeiro a notícia para lá de esdrúxula e de certa maneira bastante embaraçosa para qualquer sociedade que prioriza a educação: nas inscrições para concurso de varredor de rua e recolhedor de lixo na cidade do Rio de Janeiro, que não exigem curso fundamental completo, verificou-se que 50 ostentavam o grau de doutorado, 24 de mestrado, 86 de pós-graduação e mais de mil tinham curso superior completo. Todo esse estudo para se habilitar ao cargo de gari e a um salário mensal de pouco mais de 700 reais, já incluídos os benefícios sociais.
A outra notícia, veiculada dias depois, abordava o crescimento da utilização do plágio nos trabalhos acadêmicos para a obtenção dos graus de mestrado e doutorado. Na fraude, os plagiadores só se dão ao trabalho de trocar título e alternar parágrafos. Muitos se servem de sites da internet e dos serviços de firmas de redação de monografias, dissertações e teses para ludibriar e assim garantir o cobiçado canudo. A apropriação indevida de trabalhos e teses alheias foi detectada em faculdades conceituadas, como a Federal Fluminense (UFF) e a Universidade de Brasília (UnB).

Conclusão: notícia ruim é somente aquela que não vem a público.