Nas
redes sociais, o aumento de postagens antissemitas foi de 419% em relação a
2022
Agressões verbais e físicas cresceram 86%, muitas tendo como alvo professores e estudantes judeus
Sheila Sacks
Relatório elaborado pela pela Confederação Israelita do
Brasil (CONIB), com apoio da Federação Israelita de São Paulo (FISESP), alerta
que em 2023 houve um total de 1.410
registros de antissemitismo, um aumento de 255% em relação a 2022, quando foram
assinaladas 397 ocorrências. O estado de São Paulo, onde se concentra a maior
parte da comunidade judaica, foi o campeão das ocorrências, com 512 registros;
Rio de Janeiro (95), Rio Grande do Sul (67), Minas Gerais (37), Paraná (32),
Distrito Federal (23) e Santa Catarina, com 22 casos. Classificados como Não
Definidos (ND) foram 532 ocorrências.
O estudo de 54 páginas apresentado em 11 de junho destaca que entre outubro e dezembro de 2023, após o ataque terrorista do Hamas e a consequente reação de Israel, as manifestações antissemitas cresceram quase 800% nas redes sociais e eventos públicos. Foram 1.119 denúncias, enquanto em igual período de 2022 o número não passou de 125. Somente em outubro de 2023 foram detectados 467 registros ante os 44 ocorridos em outubro de 2022, um aumento de 961%.
De acordo com o documento intitulado “Antissemitismo
no Brasil 2023 – O Aumento Exponencial da Intolerância aos Judeus “, a FISEP, através de seu Departamento de
Segurança Comunitária (DSC), recebeu no ano de 2023 um total de 2.113 denúncias
de antissemitismo, das quais resultaram 1.410
registros. Em 2022 foram 490 denúncias. Nas redes sociais, o Instagram concentrou 43%
das manifestações e comentários antissemitas ( 450 postagens) e o “X”, antigo Twitter, 32%
(330). Houve um crescimento de ocorrências online de 419% em relação a 2022,
saltando de 202 para 1.048.
O relatório também verificou que
quando havia reação de Israel a agressões do Hamas e declarações “dúbias ou
contra Israel “ de autoridades brasileiras, aumentava o antissemitismo nas
redes sociais.
Em relação às agressões
offline, o aumento em 2023 foi de 86%, passando
de 195 (2022) para 362. Merece destaque os casos em instituições de ensino. Em
2022, a maioria das ocorrências fazia apologia ao nazismo com pichação de
suásticas e outros símbolos em muros de escolas. Já em 2023, houve um aumento
de agressões verbais e físicas a professores e alunos judeus. O documento
também cita ocorrências registradas
nos primeiros meses de 2024, como a agressão a uma comerciante judia, na
Bahia, em fevereiro; bullying de cunho nazismo a um aluno judeu da escola
paulista Beacon School (março); e a expulsão de um universitário do Centro Acadêmico
da PUC-SP sob a justificativa de ser judeu sionista (maio). “Como resultado, os judeus brasileiros se
viram obrigados a alterarem seu comportamento por medo. Algo inadmissível em
uma sociedade democrática”, afirma a pesquisa.
O texto – que em sua
página inicial faz uma homenagem aos quatro brasileiros judeus vítimas do
ataque do Hamas (Karla, Bruna, Ranani e Michel) - defende o fortalecimento nos
currículos escolares da educação sobre o Holocausto e principalmente a adoção
de políticas públicas eficazes por parte das instituições governamentais no
combate ao discurso de ódio e à desinformação nas redes sociais, ao racismo e
ao antissemitismo.
Lembra ainda a definição
de antissemitismo proposta pela Aliança Internacional pela Memória do
Holocausto (IHRA) e desde 2016 adotada por diversos países, inclusive o Brasil
(2021), e alguns estados brasileiros, como o Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás,
Minas Gerais ( em 8/7/2024), Rondônia e Roraima: O
antissemitismo é uma determinada percepção dos judeus, que se pode exprimir
como ódio em relação aos judeus. Manifestações retóricas e físicas de
antissemitismo são orientadas contra indivíduos judeus e não judeus e/ou contra
os seus bens, contra as instituições comunitárias e as instalações religiosas
judaicas. A IHRA é formada por 35 países membros e 9 observadores,
contando com o Brasil e o Uruguai no segundo grupo.
A comunidade judaica brasileira, segundo o Censo 2010, tem 107.329 pessoas e representam 0,06% da população. É a segunda maior comunidade da América Latina, depois da Argentina.
Conselho Nacional de Direitos Humanos prepara
relatório
Em maio deste ano, o presidente da Comissão de Direito Internacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seção RJ, e conselheiro da Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Carlos Nicodeno, já tinha apontado a falta de uma política nacional para combater o neonazismo. Em declaração à Agência Brasil, plataforma de notícias do governo, ele afirmou: “O Brasil não tem políticas específicas de enfrentamento ao neonazismo, crime que tem registrado aumento de denúncias especialmente em anos eleitorais."
Na visita de um grupo de integrantes do Conselho à sede da OAB, no Rio, em 26 de junho, Nicodeno se manifestou sobre a necessidade “de um plano educacional preventivo para desconstruir ideias equivocadas que futuramente resultem em práticas preconceituosas".
Vinculado ao Ministério
dos Direitos Humanos e da Cidadania, o Conselho é formado por 22 conselheiros,
11 dos quais são designados por diferentes órgãos e instituições do Poder
Público e outros 11 são representantes da sociedade civil, eleitos em encontro
nacional convocado por edital público.
Em abril, uma equipe do
Conselho já tinha ido a Santa Catarina para realizar um trabalho de apuração e
encontros com autoridades locais, como parte de um estudo que tem sido
desenvolvido, há alguns meses, sobre o crescimento de células neonazistas no
país. Até o final do ano o grupo espera produzir
um relatório para adoção de políticas públicas de enfrentamento contra atos
neonazistas no país, a ser entregue à Organização das Nações Unidas (ONU).
“Está colocado um desafio
de pensar uma política nacional de enfrentamento a essa propagação dos atos
neonazistas, que passa por um aprimoramento do sistema de Justiça, de segurança
pública, além de estabelecer ações no campo da educação e direitos humanos”,
ressalta Nicodemos.
A promotora de Justiça,
Roberta Rosa Ribeiro, em reunião na sede do Ministério Público do Rio de
Janeiro (26/6) também reforçou a
premência de uma ação efetiva contra
atos violentos e discursos de ódio às minorias no país. “Resta evidente
a urgência no necessário enfrentamento do crescimento dos atos neonazistas no
Brasil e, em especial, no Estado do Rio de Janeiro, tendo em vista a
complexidade do tema e os impactos negativos à sociedade e aos integrantes de
grupos vulnerabilizados, os quais são destinatários dos atos de violência
praticados pelos integrantes destas organizações criminosas, o que coloca em
risco a nossa Democracia.”
Em matéria de leis, o
Brasil reúne uma jurisdição que coíbe qualquer prática de racismo, preconceito
ou discriminação por religião ou credo. Em 5 de janeiro de 1989 foi publicada
no Diário Oficial da União a Lei 7.716 (que teve a redação atualizada pela Lei
9.459, de 13/5/1997) que no seu artigo 20 rege: Serão
punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional (pena:
reclusão de um a três anos e multa). Logo a seguir, no inciso 1º, determina
especificamente que fabricar,
comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos,
distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de
divulgação do nazismo, resulta em uma pena de reclusão de dois a cinco anos
e multa.
Dados
oficiais só vão até 2022
Segundo dados da ONG
SaferNet, que tem como foco a promoção e defesa dos Direitos Humanos na
internet, no primeiro semestre de 2022 houve um aumento de 120% em relação ao
mesmo período de 2021, no tocante a denúncias de neonazismo. Em 2021, sua Central
Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, que trabalha com o apoio do
Ministério Público Federal, recebeu e processou 14.476 denúncias anônimas de
neonazismo na internet. O número é 60,7% maior que as 9.004 denúncias
registradas em 2020.
A antropóloga e pesquisadora Adriana Dias,
falecida em 2023 e considerada uma das principais estudiosas sobre o neonazismo
no Brasil, alertava que no início de 2022 existiam mais de 530 núcleos
extremistas no país, resultado de um crescimento de 270% destas células entre
2019 e 2021. O estado de Santa Catarina
é um dos que mais geram preocupações. Somente em Blumenau foram mapeadas 63
dessas células.
De acordo ainda com o
Observatório Judaico, citado no relatório preliminar do CNDH entregue em abril
ao Conselho da ONU, cujos dados também param em 2022, foram coletados no período 348 registros,
sendo que 169 (44%) correspondem a violações antissemitas e neonazistas
identificadas na imprensa (e reproduzidas na web) e redes sociais. De 2019 ao primeiro semestre de 2022, houve
um total de 55 registros de antissemitismo e 114 de neonazismo. O documento
observa que os episódios neonazistas praticamente dobraram a cada ano: do total
de 114 eventos, 12 ocorreram em 2019, 21 em 2020, 49 em 2021 e 32 até junho de
2022.
Considerando por tipo de
ação, as manifestações representam 42%, as agressões verbais (25% ), propaganda
(15%), violência física e vandalismo (10%) e deslegitimação do estado de
Israel, 8%.
O relatório preliminar –
que classifica o cenário atual de “alarmante” (Agência Brasil, em 9/4/2024), também
revela dados obtidos pelo Núcleo Investigativo da CNN sobre o número de inquéritos
abertos pela Polícia Federal para investigar casos de apologia ao nazismo. Em
uma década houve aumento de 900%, passando de 11 casos em 2011 para 110 em
2020. O crescimento maior se deu entre 2018 e 2020, quando os registros
saltaram de 20 para mais de 100 por ano.
No entanto, esses números não refletem o verdadeiro “cenário atual” de antissemitismo e neonazismo no país, porque não incluem dados de 2023 e o marco divisório que se constitui no hediondo massacre do Hamas, em 7 de outubro – que matou aproximadamente 1.300 israelenses e sequestrou 250, entre crianças, mulheres e idosos, conforme o relatório da CONIB -, e na inevitável reação das Forças de Defesa de Israel na Faixa de Gaza no sentido de eliminar a estrutura de guerra da organização terrorista.