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segunda-feira, 15 de julho de 2024

Antissemitismo no Brasil mais que triplicou em 2023, atestam organizações judaicas

Nas redes sociais, o aumento de postagens antissemitas foi de 419% em relação a 2022

Agressões verbais e físicas cresceram 86%, muitas tendo como alvo professores e estudantes judeus  

Sheila Sacks


Relatório  elaborado pela pela Confederação Israelita do Brasil (CONIB), com apoio da Federação Israelita de São Paulo (FISESP), alerta que  em 2023 houve um total de 1.410 registros de antissemitismo, um aumento de 255% em relação a 2022, quando foram assinaladas 397 ocorrências. O estado de São Paulo, onde se concentra a maior parte da comunidade judaica, foi o campeão das ocorrências, com 512 registros; Rio de Janeiro (95), Rio Grande do Sul (67), Minas Gerais (37), Paraná (32), Distrito Federal (23) e Santa Catarina, com 22 casos. Classificados como Não Definidos (ND) foram 532 ocorrências.

O estudo de 54 páginas apresentado em 11 de junho  destaca que entre outubro e  dezembro de 2023, após o ataque terrorista do Hamas e a consequente reação de Israel, as manifestações antissemitas cresceram quase 800%  nas redes sociais e eventos públicos. Foram 1.119 denúncias, enquanto em igual período de 2022 o número não passou de 125. Somente em outubro de 2023 foram detectados 467 registros ante os 44 ocorridos em outubro de 2022, um aumento de 961%. 

De acordo com o documento intitulado “Antissemitismo no Brasil 2023 – O Aumento Exponencial da Intolerância aos Judeus “,  a FISEP, através de seu Departamento de Segurança Comunitária (DSC), recebeu no ano de 2023 um total de 2.113 denúncias de antissemitismo, das quais resultaram 1.410  registros. Em 2022 foram 490 denúncias.  Nas redes sociais, o Instagram concentrou 43% das manifestações e comentários antissemitas  ( 450 postagens) e o “X”, antigo Twitter, 32% (330). Houve um crescimento de ocorrências online de 419% em relação a 2022, saltando de 202 para 1.048.

O relatório também verificou que quando havia reação de Israel a agressões do Hamas e declarações “dúbias ou contra Israel “ de autoridades brasileiras, aumentava o antissemitismo nas redes sociais.

Em relação às agressões offline,  o aumento em 2023 foi de 86%, passando de 195 (2022) para 362. Merece destaque os casos em instituições de ensino. Em 2022, a maioria das ocorrências fazia apologia ao nazismo com pichação de suásticas e outros símbolos em muros de escolas. Já em 2023, houve um aumento de agressões verbais e físicas a professores e alunos judeus.  O documento  também cita ocorrências registradas  nos primeiros meses de 2024, como a agressão a uma comerciante judia, na Bahia, em fevereiro; bullying de cunho nazismo a um aluno judeu da escola paulista Beacon School (março); e a expulsão de um universitário do Centro Acadêmico da PUC-SP sob a justificativa de ser judeu sionista (maio).  “Como resultado, os judeus brasileiros se viram obrigados a alterarem seu comportamento por medo. Algo inadmissível em uma sociedade democrática”, afirma a pesquisa.

O texto – que em sua página inicial faz uma homenagem aos quatro brasileiros judeus vítimas do ataque do Hamas (Karla, Bruna, Ranani e Michel) - defende o fortalecimento nos currículos escolares da educação sobre o Holocausto e principalmente a adoção de políticas públicas eficazes por parte das instituições governamentais no combate ao discurso de ódio e à desinformação nas redes sociais, ao racismo e ao antissemitismo.

Lembra ainda a definição de antissemitismo proposta pela Aliança Internacional pela Memória do Holocausto (IHRA) e desde 2016 adotada por diversos países, inclusive o Brasil (2021), e alguns estados brasileiros, como o Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás, Minas Gerais ( em 8/7/2024), Rondônia e Roraima: O antissemitismo é uma determinada percepção dos judeus, que se pode exprimir como ódio em relação aos judeus. Manifestações retóricas e físicas de antissemitismo são orientadas contra indivíduos judeus e não judeus e/ou contra os seus bens, contra as instituições comunitárias e as instalações religiosas judaicas. A IHRA é formada por 35 países membros e 9 observadores, contando com o Brasil e o Uruguai no segundo grupo.

A comunidade judaica brasileira, segundo o Censo 2010, tem 107.329 pessoas e representam 0,06% da população. É a segunda maior comunidade da América Latina, depois da Argentina. 

Conselho  Nacional de Direitos Humanos prepara relatório

Em maio deste ano, o presidente da Comissão de Direito Internacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seção RJ, e conselheiro da Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Carlos Nicodeno, já tinha apontado a falta de uma política nacional para combater o neonazismo. Em declaração à Agência Brasil, plataforma de notícias do governo, ele afirmou: “O  Brasil não tem políticas específicas de enfrentamento ao neonazismo, crime que tem registrado aumento de denúncias especialmente em anos eleitorais."

Na visita de um grupo de integrantes do Conselho à sede da OAB, no Rio, em 26 de junho, Nicodeno se manifestou sobre a necessidade “de um plano educacional preventivo para desconstruir ideias equivocadas que futuramente resultem em práticas preconceituosas".

Vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, o Conselho é formado por 22 conselheiros, 11 dos quais são designados por diferentes órgãos e instituições do Poder Público e outros 11 são representantes da sociedade civil, eleitos em encontro nacional convocado por edital público.

Em abril, uma equipe do Conselho já tinha ido a Santa Catarina para realizar um trabalho de apuração e encontros com autoridades locais, como parte de um estudo que tem sido desenvolvido, há alguns meses, sobre o crescimento de células neonazistas no país.  Até o final do ano o grupo espera produzir um relatório para adoção de políticas públicas de enfrentamento contra atos neonazistas no país, a ser entregue à Organização das Nações Unidas (ONU).

“Está colocado um desafio de pensar uma política nacional de enfrentamento a essa propagação dos atos neonazistas, que passa por um aprimoramento do sistema de Justiça, de segurança pública, além de estabelecer ações no campo da educação e direitos humanos”, ressalta Nicodemos.

A promotora de Justiça, Roberta Rosa Ribeiro, em reunião na sede do Ministério Público do Rio de Janeiro (26/6) também reforçou  a premência de uma ação efetiva contra  atos violentos e discursos de ódio às minorias no país. “Resta evidente a urgência no necessário enfrentamento do crescimento dos atos neonazistas no Brasil e, em especial, no Estado do Rio de Janeiro, tendo em vista a complexidade do tema e os impactos negativos à sociedade e aos integrantes de grupos vulnerabilizados, os quais são destinatários dos atos de violência praticados pelos integrantes destas organizações criminosas, o que coloca em risco a nossa Democracia.”

Em matéria de leis, o Brasil reúne uma jurisdição que coíbe qualquer prática de racismo, preconceito ou discriminação por religião ou credo. Em 5 de janeiro de 1989 foi publicada no Diário Oficial da União a Lei 7.716 (que teve a redação atualizada pela Lei 9.459, de 13/5/1997) que no seu artigo 20 rege: Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional (pena: reclusão de um a três anos e multa). Logo a seguir, no inciso 1º, determina especificamente que fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo, resulta em uma pena de reclusão de dois a cinco anos e multa.

Dados oficiais só vão até 2022

Segundo dados da ONG SaferNet, que tem como foco a promoção e defesa dos Direitos Humanos na internet, no primeiro semestre de 2022 houve um aumento de 120% em relação ao mesmo período de 2021, no tocante a denúncias de neonazismo. Em 2021, sua Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, que trabalha com o apoio do Ministério Público Federal, recebeu e processou 14.476 denúncias anônimas de neonazismo na internet. O número é 60,7% maior que as 9.004 denúncias registradas em 2020.

A  antropóloga e pesquisadora Adriana Dias, falecida em 2023 e considerada uma das principais estudiosas sobre o neonazismo no Brasil, alertava que no início de 2022 existiam mais de 530 núcleos extremistas no país, resultado de um crescimento de 270% destas células entre 2019 e 2021.  O estado de Santa Catarina é um dos que mais geram preocupações. Somente em Blumenau foram mapeadas 63 dessas células.

De acordo ainda com o Observatório Judaico, citado no relatório preliminar do CNDH entregue em abril ao Conselho da ONU, cujos dados também param em 2022,  foram coletados no período 348 registros, sendo que 169 (44%) correspondem a violações antissemitas e neonazistas identificadas na imprensa (e reproduzidas na web) e redes sociais.  De 2019 ao primeiro semestre de 2022, houve um total de 55 registros de antissemitismo e 114 de neonazismo. O documento observa que os episódios neonazistas praticamente dobraram a cada ano: do total de 114 eventos, 12 ocorreram em 2019, 21 em 2020, 49 em 2021 e 32 até junho de 2022.

Considerando por tipo de ação, as manifestações representam 42%, as agressões verbais (25% ), propaganda (15%), violência física e vandalismo (10%) e deslegitimação do estado de Israel, 8%.

O relatório preliminar – que classifica o cenário atual de “alarmante” (Agência Brasil, em 9/4/2024), também revela dados obtidos pelo Núcleo Investigativo da CNN sobre o número de inquéritos abertos pela Polícia Federal para investigar casos de apologia ao nazismo. Em uma década houve aumento de 900%, passando de 11 casos em 2011 para 110 em 2020. O crescimento maior se deu entre 2018 e 2020, quando os registros saltaram de 20 para mais de 100 por ano.

No entanto, esses números não refletem o verdadeiro “cenário atual” de antissemitismo e neonazismo no país, porque não incluem dados de 2023 e o marco divisório que se constitui no hediondo massacre do Hamas, em 7 de outubro – que matou aproximadamente 1.300 israelenses e sequestrou 250, entre crianças, mulheres e idosos, conforme o relatório da CONIB -, e na inevitável reação das Forças de Defesa de Israel na Faixa de Gaza no sentido de eliminar a estrutura de guerra da organização terrorista.