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quinta-feira, 19 de agosto de 2010

A Engenharia sem fronteiras do século 21

por Sheila Sacks

(na foto, o elevador do Cantagalo na favela Pavão-Pavãozinho que se conecta com o metrô de Ipanema)


Em 2008 a engenharia mundial escolheu o Brasil para realizar o seu maior encontro. A World Engineers Convention (WEC) reuniu em Brasília 5.200 engenheiros de 40 países para renovar os seus conhecimentos tecnológicos e também debater temas de relevância como a responsabilidade social, a ética, a inclusão e a inovação sem degradação ambiental. 


A convenção foi aberta pelo presidente Lula que na ocasião reafirmou a importância da engenharia na economia, no setor produtivo e no trabalho. O presidente destacou ainda o papel fundamental da profissão na implementação de projetos de transformação das cidades e da imensa capacidade do setor de inovar e criar novas realidades “mesmo sobre os escombros de modelos ultrapassados.”

Como seria natural, o presidente Lula citou o desafio do PAC – o Programa de Aceleração do Crescimento – com suas obras nas áreas de infraestrutura, energia, logística, social e urbana. Uma oportunidade valiosa, segundo ele, para os engenheiros que possuem “a inovação em seu DNA”. Para Lula, vitoriosa será a nação que melhor aproveitar a infinita capacidade humana de reinvenção da vida e de superação de cada problema que se apresenta.


No Rio de Janeiro, o trabalho de engenharia urbana que vem sendo executado nas favelas, através do PAC, introduziu novas diretrizes e padrões de comportamento social nos profissionais engajados no projeto. Engenheiros e arquitetos têm ao seu lado, participando e atuando no dia a dia, técnicos da área social que acompanham o desenrolar das obras nas comunidades. 

Há três anos o programa está promovendo uma inédita ponte de diálogo e entendimento com os moradores das favelas beneficiadas, estimulando os moradores a interagir e contribuir para que as melhorias introduzidas – acessos, novas moradias, escolas, equipamentos esportivos, áreas de lazer etc – sejam compartilhadas e mantidas de forma consciente e com cidadania. ( na foto, apartamentos construídos na favela de Manguinhos)

Esse tipo de abordagem mais humana e social por parte da engenharia, focalizada nos problemas das pessoas e das comunidades menos favorecidas, desabrochou de fato com o PAC das favelas. Seus objetivos se assemelham às propostas da organização internacional “Engenheiros sem Fronteiras” (Engineers Without Borders – EWB), criada em 2000 nos Estados Unidos, e que atualmente está presente em mais de 40 países, inclusive no Brasil. 

Com sede na Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, o núcleo brasileiro foi implantado em 2007 na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e transferido para a UFV em junho de 2010. Na visão da organização, a engenharia deve atuar como uma ferramenta a serviço da equidade e da construção da dignidade humana, conciliando o conhecimento acadêmico e as necessidades dos segmentos mais carentes da população. Missão que vem sendo cumprida pelos engenheiros e arquitetos dos órgãos públicos do governo estadual do Rio de Janeiro em relação às obras do PAC, em consonância com as diretrizes do governo federal. 

Portanto, já se afigura lógica a participação brasileira na próxima WEC, a ser realizada em 2011 em Genebra (Suíça), se reportar à experiência e aos resultados positivos da vertendo social e urbana do PAC que tem transformado as condições de vida dos habitantes das favelas. (Na foto, construção do teleférico no Complexo de favelas do Alemão que vai se conectar com a via férrea). 

Propósito Coletivo

A Construção Civil, como tema expositivo, costumeiramente atrai abordagens tecnológicas associadas às inovações e ao aperfeiçoamento de itens técnicos tendo em vista a própria natureza científica e matemática do serviço e a formação específica e especializada de seus profissionais. No campo do trabalho aplicado, a prioridade está centrada na escolha dos materiais, equipamentos e maquinário a serem utilizados nas edificações e que devem, virtuosamente, se conjugarem com a qualidade e a funcionalidade desejáveis, adequando-se ainda a uma planilha de custos e prazos previamente calculada. A meta final é a entrega da obra de acordo com o planejamento e a expectativa iniciais, fatores que se preservados até o concluir dos serviços vão garantir o sucesso da empreitada em termos técnicos e contratuais.

Semelhante ao que ocorre, há décadas, nos projetos endereçados à área privada, agora também no setor público agrega-se à responsabilidade técnica do gestor a variante do compromisso sócioeconômico da cidadania, um valor já percebido e que começa a ser cobrado pelas comunidades beneficiadas pelas obras. Se em tempos passados o responsável por uma obra de edificação pública tinha como única preocupação cumprir, basicamente, os requisitos técnicos e burocráticos que acompanham esse tipo de trabalho, alijando-se de qualquer ação participativa que pudesse ser interpretada como um comprometimento político, hoje essa visão de gestor público está superada face à percepção de que atender bem o propósito coletivo é atribuição básica de uma empresa que gerencia obras com recursos governamentais.


Gestão com motivação e solidariedade


Essa mudança de ótica nas instituições públicas tem ocorrido sob a égide do núcleo governamental que, em anos recentes, vem promovendo a capacitação das gestões e dos gestores com a introdução de modelos contemporâneos de administração e o incremento de cursos e seminários voltados aos novos conceitos, normas, condutas e valores pró-ativos que combinem conhecimento e tecnologia com resultados que incluam a satisfação coletiva. É um novo paradigma de gestão organizacional, pautado no ícone da contínua aprendizagem e aprimoramento, que estimula a incorporação de padrões de cooperação, participação, confiança e de solidariedade.

Especialistas em gestão como Noel Tichy, professor de comportamento organizacional da Universidade de Michigan (EUA) e autor de dezenas de livros sobre o tema, considera de profunda importância motivar os funcionários com uma visão empolgante do trabalho que realizam. Exemplo desse modelo é relatado por Brian Dumaine, antigo editor da revista norte-americana “Fortune”, no artigo “Por que nós trabalhamos?”. 


O autor se vale de uma parábola para reafirmar a importância da noção de “missão” no cotidiano das tarefas. Citando três tipos de operários que executam o mesmo tipo de serviço – talhar uma pedra com um martelo e um cinzel – Dumaine conta que o primeiro se sente frustrado e irritado porque considera aviltante o trabalho que faz. O segundo, ao explicar que talha a pedra para um prédio, não parece nem zangado nem satisfeito. Já o terceiro cantarola feliz e, enquanto esculpe a pedra, responde com orgulho que está construindo uma catedral.

O aprendizado que evolui no cotidiano

Dessa forma, a tradicional noção de capacitação técnica não seria o valor preponderante a atuar na condução do trabalho em uma empresa. O engenheiro aeroespacial Peter Senge, Ph.D. em administração organizacional pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA) e autor do best-seller “A Quinta Disciplina” (1990), aponta o engajamento do profissional “em relação aos princípios, às diretrizes e ao futuro que a empresa pretende criar e alcançar”, como um fator decisivo na evolução sustentável e competitiva da organização. A essa disciplina apreendida pelo grupo funcional ele chama de “visão compartilhada”.

Em entrevista à revista norte-americana “HSM Management” em julho de 1998, Senge questiona alguns mitos corporativos como a excelência de programas de treinamento e a importância da tecnologia de informação. Para ele é preciso pensar no tipo de aprendizado que a tecnologia proporciona, já que uma pessoa pode até receber mais informações graças à tecnologia, mas, se não possuir as capacidades necessárias para aproveitá-las, de nada adiantará, visto que a informação não cria aprendizado. ”Esse é um enorme mal-entendido que afeta muitas pessoas. A informação só pode nos ajudar a aprender alguma coisa que já entendemos.” Quanto aos programas de treinamento, Senge considera que poucos profissionais aprendem as coisas que são realmente importantes nesses programas. “O aprendizado ocorre no dia-a-dia, ao longo do tempo e sempre acontece quando as pessoas estão às voltas com questões essenciais ou se veem diante de desafios.“


O desenvolvimento social como meta


Desde os anos de 1970, o tema da responsabilidade social das empresas em relação às comunidades onde estão inseridas tem sido foco de debates e de uma extensa literatura. Nota-se que a filosofia desse conceito é abrangente, englobando problemas sociais, econômicos e ambientais como pobreza, desemprego, segurança no trabalho, poluição e desmatamento, além de aspectos legais e jurídicos referentes a desapropriações e remoção de moradores, para citar alguns. Porém, o entendimento mais comum do termo é aquele que traduz a responsabilidade social empresarial como um comportamento socialmente responsável, do ponto de vista ético, praticado pelas organizações em suas atividades-fins.

Conhecidos teóricos da administração, como o filósofo e economista de origem austríaca Peter Drucker (1909-2005), e o americano Robert M. Grant, consultor e autor do livro “Análise da Estratégia Contemporânea” (1995), destacam a necessidade de uma gestão de empresas voltada para a evolução da sociedade moderna, já que as empresas são importantes e influentes agentes sociais, e seus gestores são percebidos como lideranças pelas comunidades onde atuam.

Na obra “O Líder do Futuro”, os autores Hesselbein, Goldsmith e Beckard enfocam o lado humanístico na condução empresarial. Para eles, o propósito de uma administração organizacional deve ser o de tornar eficazes os pontos fortes das pessoas e irrelevantes as suas fraquezas. O livro datado de 1996 advoga que as posturas serão mais úteis do que as habilidades e que as futuras lideranças vão flexibilizar as hierarquias, construindo um sistema de trabalho mais fluido: “O maior capital das empresas serão as pessoas que as compõem. Conseguir o comprometimento delas e colher o fruto de suas mentes criadoras deverá ser o grande desafio do século 21.”


A importância de fazer a coisa certa

Esse novo conceito de liderança se afasta do primitivo modelo de liderança carismática, onde não havia espaço para a argumentação ou contestação. Um tipo de comando criticado pelo próprio Drucker - o cultuado guru “inventor da gestão” - que aos 95 anos e em sua última entrevista à imprensa norte-americana (reproduzida pela revista “Exame” em fevereiro de 2006, sob o título “Liderança é Conversa Fiada”) questiona a fixação dos gestores executivos pela formação de líderes: “É um erro afirmar que as escolas de negócios formam líderes. Sua tarefa consiste em formar medíocres competentes para que realizem um trabalho competente Permita-me dizer com toda a sinceridade: não acredito em líderes. Toda essa conversa sobre líderes é uma bobagem muito perigosa. É tudo conversa fiada. Entristece-me constatar que, encerrado o século 20, com líderes como Hitler, Stálin e Mao, as pessoas ainda estejam em busca de quem as comande, apesar de todo esse mau exemplo. Acho que tivemos carisma demais nos últimos 100 anos.”

Autor de mais de 30 livros sobre práticas de administração de empresas, Drucker sempre acreditou que os bons resultados obtidos em uma gestão não advêm das soluções de problemas e sim de se saber explorar as novas oportunidades que se apresentam. Também alertava para a interpretação confusa dos gestores sobre os termos “eficácia – fazer a coisa certa – e eficiência – fazer certo as coisas. Segundo o teórico “é difícil achar algo tão inútil quanto fazer com grande eficiência algo que simplesmente não deveria ser feito”. Mas mesmo assim, assinalava Druker, as ferramentas utilizadas - sobretudo conceitos contábeis e dados - estavam todas voltadas à eficiência. “O que precisamos é de um jeito de identificar áreas de eficácia (de possíveis resultados relevantes) e de um método para nos concentrarmos nelas”, recomendava.


Aprender, desaprender e reaprender

Em 1930, na obra “O Mal-Estar na Civilização”, o fundador da psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939), já especificava as três grandes forças causadoras da infelicidade no ser humano: o próprio corpo “condenado à decadência e à dissolução”; o mundo exterior “repressivo” e “ameaçador”:; e os relacionamentos com os outros, essa última correspondendo à frustração mais difícil de se lidar e adequadamente rotulada de “a fonte social do sofrimento”. Reconhecendo-se a importância das relações pessoais no contexto das organizações, torna-se um desafio para qualquer gestor desenvolver um clima de harmonia, integração e satisfação em sua comunidade funcional, face à diversidade dos “modelos mentais” inerentes a cada indivíduo.

No livro “A Força dos Modelos Mentais” (2005), os consultores norte-americanos Yoram Wind e Colin Crook explicam que esses processos cerebrais e emocionais - frutos de influências familiares, escolares, culturais e religiosas que se somam às experiências e vivências na fase adulta - moldam todos os aspectos da vida de uma pessoa e muitas vezes, no âmbito profissional, eles não acompanham ou não correspondem à realidade do momento, dificultando e limitando a evolução de uma carreira que poderia ser promissora. Caberia, pois, aos profissionais se reestruturarem, desfazendo-se de antigos referenciais e adaptando-se aos novos conceitos de competência e padrões de comportamento sinalizados pela empresa. “Daí a importância de aprender, desaprender e reaprender para construir nossos conhecimentos sob novos paradigmas”, desafiam Wind e Crook.


O trabalho que gera satisfação

Mas, para Freud a insatisfação humana é um fato imutável porque “nascemos com um programa inviável que é atender aos nossos instintos, mas o mundo não o permite”. Ou seja, o homem, faça o que fizer, estará condenado a conviver com a frustração na vida privada e profissional. Logo, gerenciar atividades e serviços da mais alta complexidade e tecnologia empresarial como grandes obras de engenharia também é administrar expectativas pessoais que não devem ser desconsideradas ou minimizadas pelos gestores.

Em uma pesquisa na cidade de Pittsburgh, na Pensilvânia (EUA), na década de 1950, quando a localidade ainda era um grande pólo siderúrgico e o maior produtor de aço do mundo, o professor e psicólogo Frederick Herzberg, falecido em 2000, realizou entrevistas com 200 engenheiros e contadores de onze indústrias da região para descobrir os fatores que geravam satisfação e insatisfação no ambiente de trabalho. Percebeu que elementos relacionados com o conteúdo do trabalho (motivação), tais como o desenvolvimento do potencial intelectual, a possibilidade de crescimento profissional e a autorrealização, eram fortes indutores para a criação de um clima de satisfação entre os funcionários. Por outro lado constatou que o contexto físico e as condições de trabalho e de remuneração, mesmo apresentando ótimos padrões, não aumentavam o grau de satisfação entre os empregados, apesar de funcionarem como barreiras de contenção contra a insatisfação.

Esse estudo, compilado no livro “A Motivação para o Trabalho” (1959), serviu de base para outras centenas de observações e análises sobre modelos e teorias de administração produzidas ao longo do tempo que têm ajudado a redefinir o conceito de trabalho empresarial nas organizações públicas e privadas, incorporando às atividades econômicas e tecnológicas valores como o capital intelectual, o talento e a inovação, ferramentas insuperáveis na produção de ações que objetivem resultados promissores nos ambientes internos e externos em que atuam.


A singularidade do ser humano

Com essa opção pela gestão social, que se traduz por um gerenciamento mais participativo e solidário, priorizando o diálogo no desenvolvimento das pessoas e no interesse público das comunidades, as empresas vão se aproximando, pouco a pouco e de forma extraordinária, da filosofia política de Hannah Arendt (1906-1975) – uma das mais cultuadas pensadoras do século 20 –, algo impensável há alguns anos. Isso porque para Arendt, autora de “A Condição Humana” (1958), a suposição de que a identidade de uma pessoa transcenda, em grandeza e importância, tudo o que ela possa fazer ou produzir, seria um elemento indispensável da dignidade humana. Juntamente com a assombrosa capacidade de agir do ser humano, da qual, segundo a filósofa, “se pode esperar o inesperado e o infinitamente improvável, independentemente da produção de coisas, porque cada homem é singular, de sorte que, a cada nascimento, vem ao mundo algo singularmente novo”.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O PAC e a nova engenharia urbana


por Sheila Sacks

Três anos após o seu lançamento, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal, focado nas favelas do Rio de Janeiro, chega a 2010 com um saldo de R$ 1,5 bilhão investidos na urbanização e melhorias das condições de habitação e mobilidade desses aglomerados humanos. Atuando principalmente nas favelas dos morros Dona Marta, Pavão-Pavãozinho, Manguinhos, Complexo do Alemão e Rocinha – um universo em torno de 250 mil habitantes - o programa construiu, nesse período, ruas, praças, passarela, escolas, biblioteca, quadras de esporte, elevadores e um teleférico em fase de conclusão. De mãos dadas com o governo do Estado, que elaborou os projetos e mobilizou engenheiros, arquitetos e técnicos de planejamento e desenvolvimento urbano para a execução das obras, o Pac das favelas tem a aprovação dos formadores de opinião, da população da cidade e dos habitantes das comunidades beneficiadas.

No 5º Fórum Mundial de Urbanismo realizado no Rio de Janeiro (março/2010), o diretor geral da “Aliança das Cidades”, Willim Cobbett, um dos maiores especialistas em urbanização de favelas, parabenizou o Brasil por seu importante trabalho nessa área. Chefiando uma organização internacional que reúne 24 países com o objetivo de reduzir a pobreza nas áreas urbanas, Cobbett foi secretário de habitação na cidade do Cabo, na África do Sul, de 1996 a 1998, e advoga a inclusão das favelas às cidades. “Quando o Estado deixa um lugar, ele é ocupado pelo poder paralelo”, alerta. “ A urbanização é um meio eficaz de o Estado retomar o controle.”

Outro participante do encontro que se mostrou admirado com as obras de urbanização nos morros cariocas foi o presidente da Associação Internacional de Moradores de Favela, o indiano Jockin Arputhan. “É um bom modelo para se adotar em todos os lugares do mundo”, afirmou.

Consciente da necessidade de prosseguir nos projetos de melhoria desses populosos núcleos informais e integrá-los ao cotidiano das cidades brasileiras, o governo federal ao lançar o PAC 2 , em março de 2010, privilegiou recursos da ordem de 23 bilhões de reais para as ações a serem implementadas nos próximos quatro anos no eixo denominado “Comunidade Cidadã”. Os investimentos vão criar postos de Saúde (UPAs – Unidades de Pronto Atendimento – e UBS – Unidades Básicas de Saúde), creches e pré-escolas, quadras esportivas, “Praças do PAC” e postos de polícias comunitárias.

Para Cobbertt, apesar de ainda haver bastante trabalho pela frente, o Brasil mostra vontade política para transformar a vida dos moradores das favelas. “ O país inclusive fez alterações em seu Estatuto das Cidades para poder regularizar o acesso à terra, e acertou ao criar o Ministério das Cidades - existente em pouco países – para gerenciar a área de planejamento urbano.”

Em janeiro de 2008, diante do desafio que o PAC das favelas se apresentava para a engenharia brasileira – notadamente em termos de responsabilidade social – escrevi o artigo abaixo:

QUESTÃO URBANA
PAC aciona engenharia-cidadã

Por conta do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado no início de 2007, a engenharia pública direcionada para as camadas mais pobres da população virou estrela na mídia. Pelo menos no estado do Rio de Janeiro, o anúncio de investimentos da ordem de 910 milhões de reais para as obras de urbanização em três grandes favelas do Rio – a de Manguinhos, Complexo do Alemão e da Rocinha –, onde vivem 245 mil pessoas, abriu espaço para a chamada "construção civil com responsabilidade social" ser apresentada ao grande público.

As metas deste modelo de engenharia mais consciente, voltado para a inclusão e a justiça social, é um fator positivo a ser realçado no PAC. Segundo dados do governo federal, serão investidos na área de urbanização de favelas, até 2010, em todo o país, em torno de 40 bilhões de reais. Nas três favelas cariocas – uma espécie de vitrine do programa –, além da construção de novas residências, serão implantados centros culturais e esportivos, áreas de lazer, creches, escolas técnicas, postos de saúde, bibliotecas e sistemas de abastecimento de água, esgoto e iluminação pública. Para a integração com o transporte regular serão construídos teleféricos e planos inclinados, já que as favelas cariocas situam-se basicamente em morros, muitos deles de difícil acesso.

O narcotráfico, uma dúvida

Os projetos arquitetônicos que estão sendo desenvolvidos para atender a essa nova clientela, ainda pouco conhecida da engenharia brasileira, se configuram como um saudável desafio para os nossos profissionais. É bem verdade que os engenheiros e arquitetos que trabalham no serviço público estão acostumados a acompanhar projetos dirigidos às comunidades em geral, como a construção de escolas públicas, hospitais, delegacias, penitenciárias, fóruns, estádios, teatros etc. Mas, especificamente no PAC das favelas, o enfoque é diferente porque estes núcleos habitacionais nunca foram o centro de uma política abrangente de ocupação social que incluísse a engenharia como ponta de lança de uma estratégia governamental.

A complexidade da missão fez com que os profissionais envolvidos com a tarefa se deslocassem até a cidade de Medellín, na Colômbia, para ver in loco as alternativas utilizadas nesse país no tocante à urbanização dessas comunidades pobres que, em comum com as nossas favelas, têm um referencial de peso: a cultura do narcotráfico. Semelhante ao Rio, Medellín tem mais de 1 milhão de pessoas que vivem em favelas e, de acordo com uma pesquisa realizada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 70% das pessoas que moram nas favelas cariocas não querem se mudar.

Segundo o site oficial do governo do estado do Rio, as obras de urbanização das favelas começam em fevereiro próximo (2008) e vão durar três anos. Uma das iniciativas para engajar os moradores na empreitada foi abrir vagas de trabalho dentro das próprias comunidades (a previsão é de 20 mil empregos diretos) e contatar as diversas associações e movimentos sociais existentes nas favelas para ouvir e entender as suas reivindicações. Porém, nas margens de todo o amplo programa de engenharia que será implementado, uma dúvida persiste: como irão se comportar os grupos ligados ao narcotráfico – que têm uma atuação subterrânea, mas nem por isso menos atuante – no cotidiano dessas comunidades?

Contagem regressiva

Em Medellín, o programa de urbanização incluiu acordos de paz com as milícias armadas e pactos de convivência com jovens cooptados pelo narcotráfico que foram desmobilizados, paulatinamente. Esse processo se iniciou há quase 15 anos, quando o índice de homicídios assustava a sociedade colombiana. Na cidade do Rio, a violência, além de gerar um clima de contínua insegurança, tem mexido com os bolsos dos moradores do asfalto. Tanto nas zonas sul ou norte, os apartamentos vizinhos às favelas, muitas deles de alto luxo, estão se desvalorizando. Em contrapartida, depois da confirmação das obras do PAC, as moradias nas favelas já triplicaram de preço. Um quebra-cabeça para as autoridades estaduais, que procuram criar, na turma que reside nas chamadas áreas nobres e que paga altos impostos, uma disposição de boa vontade em relação ao projeto de urbanização das favelas.

Por sua vez, a geografia do Rio, privilegiada em belezas naturais, tornou-se, com o passar dos anos, um algoz insensível, cercando os bairros de trincheiras invisíveis e tornando os seus moradores reféns de sua topografia. As favelas abraçam a cidade com o peso e a força de um amigo urso, sem muita lógica, mas com poder suficiente para sufocá-la.

Consulta feita pelo O Dia OnLine aos internautas cariocas, na véspera de ano novo (2007), mostrou que 31,4% dos 3.500 que responderam à enquete não permaneceriam na cidade durante o feriadão, principalmente devido ao fator da violência. Sabendo-se que a orla de Copacabana é conhecida internacionalmente pelo grandioso espetáculo de luzes e som que oferece aos milhares de turistas que lotam suas areias, torna-se desalentador esse índice de fuga dos cariocas.

É fato que, várias vezes durante o ano de 2007, o governador Sérgio Cabral mostrou-se incisivo quanto à sua determinação de seguir adiante neste projeto de engenharia de inclusão social, com o objetivo de pacificar, ordenar, interagir e proporcionar uma real cidadania a esse universo de pessoas que muitos ainda teimam em ignorar: "O Rio de Janeiro tem 6 milhões de habitantes e 1,4 milhão morando em favelas. Estamos em contagem regressiva para as obras. Ocuparemos as favelas com ruas, avenidas, bibliotecas e escolas". Decreto publicado no Diário Oficial do estado já considerou de "utilidade pública" todas as obras do PAC nas favelas.

Comércio bilionário

No final de novembro (2007), o presidente Lula subiu o morro do Pavão-Pavãozinho, na zona sul do Rio, para dar o pontapé inicial das obras do PAC naquela favela. As obras para ampliação do acesso ao local estavam paradas desde 2002 e o presidente garantiu R$ 35 milhões para o projeto e também para a implantação de sistemas de água e esgoto. A legalização dessas moradias também foi um dos pontos assinalados pelo presidente. Essas ações, independentemente de serem entendidas, por alguns, como iniciativas de caráter eleitoreiro ou populista, precisam ganhar o apoio da sociedade e a confiança das comunidades a serem beneficiadas.

O Fundo de Populações das Nações Unidas (Unfpa), em relatório publicado em julho (2007), faz um doloroso prognóstico: em 2030, com a população urbana dobrada, seremos um planeta de favelas. No Brasil, onde 84% da população se concentra em centros urbanos, seria louvável que a grande mídia não descuidasse do tema e continuasse a mirar os seus holofotes no trabalho a ser desenvolvido pela engenharia pública brasileira, a quem caberá, nos próximos anos, repensar, redesenhar e construir as novas configurações das cidades. Segundo o urbanista Sérgio Magalhães, se somássemos as populações das cidades do Rio e de São Paulo que hoje vivem em favelas, já teríamos a 3ª maior cidade do país, com quase 5 milhões de habitantes.

A cidade do Rio de Janeiro tem 752 favelas e estudos apontam que em 300 delas existe um forte tráfico de cocaína. Na Rocinha, a segunda maior favela da América do Sul, com 120 mil habitantes (a primeira é Petare, em Caracas, na Venezuela, com 1 milhão de moradores), o narcotráfico movimenta 10 milhões de reais por semana. Em contrapartida, a região tem o mais alto índice de tuberculose do estado. Já no Complexo do Alemão, onde vivem 80 mil pessoas, o tráfico de armas é um parceiro comercial lucrativo das drogas. Dados de organizações internacionais dão conta de que a venda de armamentos contrabandeados do Paraguai rende 88 milhões de reais, por ano, somente no Rio.

Muitos se utilizam dessas estatísticas de contravenção e criminalidade registradas nas favelas para sustentar a argumentação da impossibilidade de mudar a cultura social do tráfico nessas comunidades, vincada e sedimentada ao longo de mais de três décadas. Mas nunca é demais lembrar que o Brasil tem 7,8 mil quilômetros de fronteiras pouco guarnecidas e é vizinho dos três maiores produtores de cocaína do mundo (Colômbia, Peru e Bolívia) e do maior plantador de maconha do continente (Paraguai). Em termos globais, o narcotráfico internacional movimenta 500 bilhões de dólares anuais, mais que o comércio do petróleo e só perdendo para o tráfico de armas. Logo, demonizar as favelas como incontroláveis redutos de tráfico e negócios ilegais da cidade é ignorar a abrangência e o poderio de um bilionário comércio transnacional, que funciona e age como um governo paralelo, insubmisso às nações civilizadas, e com regras próprias.

Uma bela jornada

A grande mídia, em 2008, tem uma grandiosa tarefa pela frente: acompanhar e cobrar o desdobrar das obras do PAC nas favelas, alistando-se nessa missão de resgate da cidadania de uma grande parcela de nossa sociedade, lado a lado com os arquitetos, engenheiros e operários que estarão engajados nesse trabalho. Revivendo o sonho da construção de Brasília, nos anos 60, quando a engenharia pública nacional mostrou ao mundo a sua capacidade e originalidade ao erguer uma capital moderna e funcional no meio do nada, o PAC das favelas surge, neste século 21, para consolidar os novos rumos da engenharia no Brasil. Transformar as favelas em bairros não é uma idéia nova e alguns melhoramentos já foram realizados pela prefeitura. A inovação do PAC é a onda de conscientização que já perpassa os vários setores da sociedade que vêm respondendo afirmativamente à necessidade das obras a serem realizadas nessas comunidades.

Mas, e depois das obras prontas? Como se daria a conservação das mesmas? O modelo de privatização de nossas estradas é um bom exemplo a ser seguido. Às firmas envolvidas nas obras se cobraria um pedágio social: o de realizar a manutenção, por dez a 15 anos, das obras realizadas. Um motivo a mais para a execução do projeto, em termos de engenharia, primar pela utilização de material funcional e de boa qualidade.

Enfim, estamos diante de uma bela jornada, ainda que trabalhosa e difícil, face aos indicadores sociais de pobreza e violência. Mas, as dificuldades, longe de desanimar, precisam ser encaradas e transpostas com entusiasmo e a certeza de que o melhor caminho é esse e cumpre trilhá-lo. Com o apoio e a atenção da mídia, ainda a voz mais livre e contundente a favor do cidadão brasileiro.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Lula:" Quando fui preso não tive a solidariedade de todos"


por Sheila Sacks

Em abril de 1980, jornal anuncia a prisão de Lula

Perto de encerrar o mandato de oito anos (em 31 de dezembro), o presidente Lula está convicto de que o Brasil é hoje uma democracia consolidada. Respondendo às críticas à atual política externa de estreitar os laços econômicos com governos denunciados por entidades internacionais de violação de direitos humanos (Cuba, Venezuela, Irã, Líbia, Guiné Equatorial, Quênia, Tanzânia, Zâmbia e Gana, entre outros), o presidente brasileiro afirma que gostaria de que todos os países tivessem o mesmo grau de liberdade encontrado no Brasil. “Quem pode dizer que há país mais livre do que o Brasil? Duvido que exista.”

Na entrevista ao jornal “Brasil Econômico” ele defende a postura brasileira de buscar novos parceiros comerciais, ainda que não aprovando certas situações internas. “Uma coisa é apoiar Cuba, outra é concordar com prisões políticas, ressalta Lula. O presidente lembra também da época em que ficou preso (1980) em razão de sua militância sindical. “As pessoas que estão presas acham que podem contar com a defesa de todos que estão do lado de fora. Quando fui preso, não tive a solidariedade de todos. Mas é óbvio que gostaria que não houvesse preso político em nenhum lugar do mundo.”

Visita aos países árabes

Quanto aos resultados de sua política externa, Lula é enfático na avaliação positiva: “Tenho orgulho de ter sido o primeiro presidente brasileiro a visitar todos os países árabes. Fui a todos os da América Central e o primeiro chefe de Estado desde o imperador Pedro II a ir a países como o Líbano.” O presidente destaca que suas viagens ao continente africano elevaram a balança comercial de 3 bilhões de dólares para 26 bilhões.

Lula no Museu do Holocausto, em Israel
Segundo Lula, a decisão de ampliar as relações diplomáticas, intensificando o convívio político e comercial com países de culturas, regimes e padrões diversos, foi enunciada ainda em 2003, no Fórum Econômico de Davos, na Suíça.

Foi lá que ele disse para o chanceler Celso Amorim que o Brasil iria ter uma nova política externa. “Era preciso acabar com a mesmice do século 20, já que não fazia sentido olhar para a Europa sem enxergar a África, olhar para os Estados Unidos sem enxergar o Oriente Médio e o restante da América Latina”. Lula observa ainda que o Brasil é o gigante da América do Sul, com 16 mil quilômetros de fronteira seca e só não mantendo fronteira com Chile e Equador.

De volta às origens

Prometendo que a partir de 1º de Janeiro de 2011 volta a ser um militante do PT (Partido dos Trabalhadores), Lula, de 64 anos, diz em tom de brincadeira que almeja ser o melhor ex-presidente que o Brasil já teve, ou seja, “não dando palpite”. Mas, como líder de seu partido vai trabalhar junto ao Congresso pelas reformas tributária e política que não conseguiu levar adiante. Também pretende transferir algumas experiências sociais bem sucedidas como o “Bolsa Família” para países da América Latina e da África.

Confiante de que a exploração das megas reservas de petróleo do pré-sal vai proporcionar ao Brasil as condições e as oportunidades para um salto de qualidade em áreas como a educação, ciência e tecnologia, Lula também acredita que o país irá integrar o seleto grupo das cinco maiores economias do mundo já em 2016, ano dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro. Em 2009 o quinteto era formado pelos Estados Unidos, Japão, China, Alemanha e França, tendo o Brasil na oitava colocação.

Um Brasil mais justo

Apesar de reconhecer que ainda há muita coisa por fazer, o presidente Lula avalia que o Brasil nesses últimos oito anos mudou de cara e avançou em várias áreas. “Em 2003 havia 380 bilhões de reais em crédito bancário, agora chegamos a 1,5 trilhão. Por sua vez, a agricultura familiar saiu de 2,4 bilhões de reais de financiamento para 16 bilhões.” Lula destaca que a classe C reúne agora mais de 30 milhões de pessoas. “Na crise (2009) foram os pobres que saíram às compras quando as classe A e B ficaram com medo. Na véspera do Natal de 2008 ousei convocar o brasileiro em rede nacional de rádio e televisão a consumir, explicando que essa era a maneira de manter a roda da economia girando.”

Aos que discordam da atual carga tributária de 34%, considerando-a muito elevada, Lula pondera que é dos impostos que sai o dinheiro para a execução das políticas públicas sociais. “Quando colocamos 100 bilhões de reais no BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento) é porque quero que ele seja dez vezes maior que o Bird (Banco Mundial). Quero um BNDES internacional. Os empréstimos saltaram de 34 bilhões de reais em 2006 para 139 bilhões em 2009 e chegarão logo a 200 bilhões”, afirma Lula, garantindo que deixa ao seu sucessor um país infinitamente mais sólido, justo e democrático.

(publicado no Rio Total )
http://www.riototal.com.br/coojornal/sheilasacks045.htm

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Isaac Asimov e os vídeos da morte


Livros do escritor de ficção científica teriam inspirado mídia usada por terroristas

por Sheila Sacks

Em maio de 2002, um vídeo de pouco mais de três minutos chocou o mundo. Suas imagens mostravam o correspondente norte-americano Daniel Pearl, do Wall Street Journal, inicialmente vivo, e depois, decapitado. A internet e a TV foram os veículos utilizados pelos terroristas para difundir a mensagem da barbárie. O jornalista, de 38 anos, estava no Paquistão realizando uma reportagem quando foi seqüestrado e, antes de ser executado, o obrigaram a falar de suas raízes judaicas que motivaram a sentença. No vídeo, as mãos que seguravam a cabeça decepada de Pearl eram do paquistanês Khalid Sheik Mohammed (conhecido como KSM), o arquiteto dos ataques de 11 de setembro de 2001, e responsável pela produção e distribuição do vídeo. Capturado e preso, em 2003, KSM era o homem-forte da al-Qaeda que liderava as ações terroristas no Paquistão e no Kuwait, e partiu dele a ordem de matar o jornalista.

Dois anos depois do assassinato de Pearl, um outro vídeo de igual teor era exibido pela internet. As imagens mostravam o técnico de comunicações Nicholas Berg, de 26 anos, sendo obrigado a dizer os nomes de seus familiares, dos pais Michael e Susan e dos irmãos David e Sarah, antes de ser degolado. Norte-americano de origem judaica, Berg estava trabalhando em Bagdá quando foi raptado. As pistas sobre sua execução levaram ao terrorista nascido na Jordânia, Abu Musab al-Zarqawi, comandante das ações da al-Qaeda no Iraque e morto em junho de 2006.

Os grandes e o pequeno

A estratégia de utilizar gravações em vídeo para difundir ameaças, execuções e ações de terror, tem sido empregada, há mais de uma década, pelo saudita Osama bin Laden, 51 anos, o chefe supremo da organização terrorista al-Qaeda. Desde 1995 ele tem enviado dezenas de mensagens gravadas, transmitidas preferencialmente pela internet e a TV árabe al-Jazeera, convocando os árabes a atacarem as forças norte-americanas e os seus aliados, elogiando os bombardeios a alvos ocidentais e incentivando os homens-bomba a realizarem mais atentados. O modo de agir do terrorista mais procurado do mundo tem sido comparado, por alguns especialistas, ao desenvolvido por um personagem bastante conhecido dos leitores de ficção científica (Sci-Fi). Trata-se do matemático Hari Seldon, da trilogia conhecida como A Fundação, escrita por Isaac Asimov.

Concebida entre os anos de 1940 e 1950, a série de contos de Asimov, que depois se transformou na obra que é considerada um marco na literatura de Sci-Fi, tem como cenário um futuro distante (12000), habitado por Seldon, que cria uma ciência chamada psicohistória, capaz de prever comportamentos coletivos e, a partir daí, a queda do próprio Império Galáctico. Ele então despacha uma expedição para um lugar remoto onde estabelece um núcleo, A Fundação, do que seria o novo centro de poder. Face à força militar do Império, Seldon também grava mensagens de vídeo para serem transmitidas aos seus seguidores nos momentos críticos, mesmo depois de sua morte.

Num trecho do livro, o matemático explica a estratégia de luta da Fundação: Tivemos de desenvolver técnicas e métodos novos que o Império não pode imitar(...). Com todos os seus escudos nucleares, gigantes o bastante para proteger uma nave, uma cidade ou um planeta inteiro, nunca haviam sido capazes de criar algo que pudesse proteger a um único indivíduo(...). Toda a guerra é uma batalha entre esses dois sistemas, entre o Império e a Fundação, entre os grandes e o pequeno.

Modelos de estudo

Coincidentemente, o termo al-Qaeda significa A Base, em árabe, que tem conotação semelhante à palavra Fundação, na obra de Asimov. O sociólogo franco-iraniano Farhad Khosrokhavar, diretor da Escola de Altos Estudos de Ciências Sociais (EHESS), em Paris, e autor de vários trabalhos sobre o terrorismo-suicida, dá sua interpretação sobre o significado do nome da organização: Al-Qaeda significa a base de dados que foi posta em um sistema de informática com os nomes dos que iam lutar contra os soviéticos, no Afeganistão. Para o sociólogo a motivação política dos atos terroristas da al-Qaeda é bem maior do que a dimensão religiosa que muitos acreditam existir: Bin Laden conhece muito bem os EUA, jogou lá na Bolsa de Valores e, durante muitos anos, colaborou com a CIA (Central Intelligence Agency). O número dois, Al-Zawairi, era cirurgião e não um muçulmano tradicional. Também os que atacaram o World Trade Center, em Nova York, 15 deles, de um total de 19, eram da Arábia Saudita e da alta classe média. E os que são convocados para o trabalho subalterno, estes são freqüentemente ocidentais, que viveram e muitas vezes nasceram no Ocidente, como na França, Inglaterra ou mesmo nos EUA. Não são árabes no sentido de terem nascido em um país árabe. A sua educação foi no Ocidente.

Um pesquisador que tem estudado as semelhanças entre a al-Qaeda e A Fundação é o físico espanhol Juan José Miralles Canals, professor da Universidade de Castilla-La Mancha, em Toledo. Ele escreveu extenso artigo publicado na revista de informática Mundo Linux, intitulado Internet, Redes Complexas, Guerras de Quarta Geração e al-Qaeda. De acordo com o professor, o 11 de setembro formalizou o início da 4ª Guerra Mundial. A identificação da al-Qaeda com A Fundação oferece um modelo de estudo sobre um projeto de poder para a conquista do planeta, a partir de um núcleo inicialmente muito débil frente a uma força mais poderosa, registra Miralles.

Em surdina

Para o físico, alguns paralelismos entre as duas organizações são bem aparentes: 1) A ação é global; 2) O objetivo é a conquista do poder mundial; 3) A base física da organização fica em lugar remoto; 4) A religião funciona como instrumento para alcançar os objetivos; 5) A cada crise surge um vídeo com mensagens; 6) A internet é usada como uma rede condutora para alterar a percepção da realidade, manipular a inteligência, incutir medo e provocar desastres. Sobre este último item, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos já informou que foram encontrados computadores no Afeganistão, provavelmente relacionados com a al-Qaeda, com informações sobre interruptores digitais utilizados para o controle de energia elétrica, água, transporte e telecomunicações.

Segundo o diretor do Centro de Pesquisa de Informação da França (CF2R), Eric Dénéce, hoje é mais difícil de se penetrar nas estruturas da al-Qaeda do que no aparato soviético, à época da Cortina de Ferro. Especialista em Ciência Política e autor do livro al-Qaeda: a nova rede de terror, Dénéce revela que bin Laden formou a organização de maneira reticular, imitando os princípios da Internet, o que dá condições para melhor resistir aos ataques exteriores. A al-Qaeda não tem estrutura hierárquica, dispõe de menos elementos financeiros do que imaginamos e limita-se a comunicação de pessoas que estão sozinhas em um determinado momento. Os terroristas e os hackers (ciberpiratas) são recrutados pela internet para explodir alvos e provocar estragos nos sistemas. Em sua opinião, não há nada mais difícil do que lutar contra uma organização com um modelo deste tipo.

É o que a genialidade de Isaac Asimov, (1920-1992) já previa, há mais de cinqüenta anos. Ph.D em Bioquímica, Asimov nasceu na Rússia, de uma família judaica, e chegou aos Estados Unidos aos três anos. Aos 11 já escrevia contos e aos 15 ingressou na faculdade. Foi professor na Universidade de Boston e redigiu em torno de 500 obras sobre diversos temas. Mas, foi na ficção científica que ele conquistou a celebridade, inúmeros prêmios e milhões de leitores em todo o mundo. E no caso específico de A Fundação, Asimov se superou ao criar, de fato, duas Fundações: uma visível, que utilizava as ciências da física e atacava abertamente o Império, e a outra oculta e misteriosa, que trabalhava em surdina para exercer o domínio sobre as mentes de toda a Galáxia.

domingo, 4 de julho de 2010

Terror: quem está a salvo?

por Sheila Sacks

Observatório da Imprensa: "As fronteiras que dão o que falar"
http://observatoriodaimprensa.com.br/jornal-de-debates/as_fronteiras_que_dao_o_que_falar/

Mais uma vez a Tríplice Fronteira (Argentina, Paraguai e Brasil) ressurge na mídia como rota de fuga e abrigo de procurados da Justiça e de supostos integrantes de movimentos radicais islâmicos. Em 16 de junho de 2010 a agência espanhola EFE divulgava a informação de que os EUA haviam requerido a extradição de um libanês naturalizado americano, preso pela Interpol (Internacional Criminal Police Organization) no dia anterior, em Ciudad del Este.

Escondido no Paraguai, na zona da Tríplice Fronteira, o árabe Moussa Ali Hamdan, de 38 anos, é acusado pelo governo norte-americano de 31 delitos cometidos em 2007 e 2008, entre eles o de falsificar passaportes, roubar carros, traficar armas e arrecadar verbas para as atividades do grupo Hezbollah. O chefe da Interpol no Paraguai, José Chena, teve o apoio do Departamento de Prevenção e Investigação contra o Terrorismo daquele país para identificar o fugitivo que não portava nenhum documento que o identificasse.

A jornalista Marta Escurra, que acompanhou o caso em Assunção, informou que Hamdan foi indiciado pelas autoridades dos Estados Unidos em 2009 por sua conexão com a célula terrorista, na época em que residia em Nova Jersey. Em reportagem publicada no portal Infosur hoy, ela conta que Hamdan foi a principal figura investigada nos quatro anos da operação encabeçada pela Força Tarefa Antiterrorismo do FBI. Diz ainda que não se sabe como o homem entrou no Paraguai. Segundo uma fonte policial que pediu anonimato, o árabe “provavelmente entrou por Ciudad del Este para poder transitar livremente pela Tríplice Fronteira onde se presume haver células do Hezbollah, que, por sua vez, têm conexões com células da Venezuela e (Hamdan) seria o líder de ambas as células”.

O responsável pelo atentado

Já em 2007, no documentário “Hezbollah: ameaça terrorista na América Latina”, exibido pelo canal Telemundo, de língua espanhola, da rede de TV norte-americana NBC, a Tríplice Fronteira era apresentada como o lugar mais importante para o grupo extremista xiita libanês (fundado no Irã em 1979), depois do Líbano. Na reportagem do correspondente Pablo Gato, o local é descrito como a capital do contrabando, do narcotráfico e da lavagem de dinheiro da América Latina, com um movimento comercial que atinge de 2 a 3 bilhões de dólares anuais, parte dos quais canalizados para o financiamento do Hezbollah.

Mas, para o jornalista e cientista político Segadas Vianna existem outros movimentos radicais atuando na região. No artigo “A Luta Armada no Brasil”, publicado no site Vote Brasil, ele afirma que “no Sul do país, na chamada Tríplice Fronteira, há fortíssimas evidências da existência de bases ativas da al-Qaeda e de grupos palestinos como o Hamas, sendo que a maioria dessas bases destina-se a abrigar militantes queimados em suas áreas de ação e à obtenção de fundos para as suas atividades.” Estudioso das políticas públicas de segurança, Segadas Vianna foi correspondente na Nicarágua e atuou em 1995 como observador e consultor de um grupo especial da Polícia Civil do Rio.

Uma possível conexão com o terror

Em maio deste ano, por ocasião da visita do presidente Lula ao Irã, o diretor do Centro judaico Simon Wiesenthal de Buenos Aires, Sergio Widder, lembrou que a pessoa assinalada como líder da conexão local do ataque terrorista ao prédio da associação israelita Amia, em Buenos Aires, está refugiado em Foz de Iguaçu. Para o procurador argentino Alberto Nisman, responsável pelas investigações, o colombiano Samuel Salman el Reda foi o responsável pela coordenação da entrada, estadia e partida do grupo operacional responsável pelo atentado, assim como das operações de logística e demais atividades que o grupo executou na fase final do ataque.

Há seis anos, a revelação de que dois atentados ocorridos em Buenos Aires foram organizados no Brasil, na região de Foz de Iguaçu, partiu de Carlos Alberto Costa, português naturalizado norte-americano (hoje com cidadania brasileira em razão da esposa e filho serem brasileiros) que chefiou a seção do FBI (Federal Bureau of Investigation) no Brasil por quatro anos. Destacado para agir no país em 1999, depois de servir em várias missões mundo afora, ele alcançou a qualificação nº 36 dentre os “top 50” da polícia federal norte-americana.

Na entrevista à revista Carta Capital (edição 283, de 24.03.2004) Costa afirmou que as pessoas que tramaram e executaram os ataques não viviam no Brasil e nem eram brasileiros. Logo após a publicação da entrevista, o então presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, Eduardo Suplicy (PT-SP) considerou preocupante o conteúdo das declarações, solicitando a presença de ministros em uma reunião para esclarecer o assunto. Também a Superintendência da Polícia Federal, em nota divulgada na imprensa, disse que intimou o ex-adido policial dos Estados Unidos no Brasil a prestar depoimento formal sobre os temas abordados.

Via de acesso para militantes extremistas

Vale lembrar que em 18 de Julho de 1994 a explosão de um carro-bomba com 300 quilos de nitrato de amônia conduzido por um suicida (Ibrahim Hussein Berro, de 21 anos) até a entrada do prédio de sete pavimentos da Amia e que provocou o seu desabamento, resultou em 85 mortes e 300 feridos. Nascido no Líbano e treinado no Irã, Hussein era militante do Hezbollah e ingressou na Argentina através da Tríplice Fronteira. O fato foi confirmado em 2005 por seus irmãos que residem em Detroit e prestaram depoimento ao promotor argentino do caso.

Anteriormente, em 17 de março de 1992, outro ataque com carro-bomba já havia destruído a embaixada de Israel em Buenos Aires, causando a morte de 29 pessoas e ferindo 242. Em 2006, as investigações das autoridades argentinas apontaram a culpabilidade de integrantes do Hezbollah e do governo do Irã em ambos os atentados, e em 2009 o ex-presidente Carlos Menem, em cujas gestões foram cometidos os ataques, foi acusado de obstruir as investigações que envolviam um amigo empresário de origem síria. De família árabe muçulmana, Menem se converteu ao cristianismo para assumir a presidência da Argentina.

Filmes sobre a Tríplice Fronteira


No Brasil, uma reportagem de Bruno Rodhe publicada no jornal Extra do Rio de Janeiro, em 23 de setembro de 2009, dava conta de que um libanês suspeito de participar da explosão no prédio da Amia cumpre pena de onze anos em regime fechado no presídio federal de segurança máxima de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Preso em 2006 pela Polícia Federal por tráfico de drogas, Farouk Abdul Hay Omairi, de 63 anos, é acusado de financiar o Hezbollah e aliciar pessoas para o transporte de drogas de Foz do Iguaçu, onde morava, para a Europa, Amã e a Jordânia.

De acordo com a matéria, ele usou durante sete anos a agência de viagens de sua propriedade para facilitar a remessa de entorpecentes para o exterior. Atuando na zona da Tríplice Fronteira, Farouk ajudava a financiar o grupo extremista com os lucros provenientes do tráfico de drogas e também auxiliava na obtenção ilegal da cidadania brasileira ou paraguaia. Seu filho, Kaled Omairi, de 33 anos, também foi condenado por tráfico de drogas e cumpre pena no mesmo presídio.

As autoridades dos três países, porém, são veementes em suas negativas quanto ao fato da Tríplice Fronteira abrigar terroristas. Recentemente, os ânimos ficaram acirrados diante do fato da diretora Kathryn Bigelow (premiada com o Oscar 2010 pelo filme Guerra ao Terror) estar desenvolvendo um projeto cinematográfico que tem como foco a região, o contrabando, o narcotráfico e o financiamento do terrorismo islâmico.

O filme “Triple Frontier”, do mesmo roteirista de Guerra ao Terror, Mark Boal, está previsto para se rodado nas Cataratas do Iguaçu, uma área considerada Patrimônio da Humanidade, na divisa do Brasil com a Argentina. Os governos do Paraguai e da Argentina já se posicionaram contrários à produção, argumentando que “a trama da película retrata de forma negativa os países da América do Sul, criminaliza a região e amendronta os turistas estrangeiros”.

O financiamento às redes terroristas na Tríplice Fronteira também é tema de um outro filme norte-americano, em fase de produção, desta vez sob a direção do brasileiro José Padilha (Tropa de Elite). No filme “A Willing Patriot”, um agente federal dos EUA chega clandestinamente à Tríplice Fronteira para desarticular uma organização que arrecada fundos para atos terroristas.

"Áreas de difícil fiscalização e controle"

A esse respeito, em 2007 uma reportagem da revista Época (Os terroristas estão aqui?) informava: “Sabe-se que, em 1995, Khalid Shaikh Mohammed, um dos mentores dos ataques de 11 de setembro, passou cerca de 20 dias no Brasil para visitar integrantes da comunidade muçulmana de Foz do Iguaçu. Lá, teria ajudado a fundar uma entidade beneficente que seria financiadora da al-Qaeda. Capturado no Paquistão (2003) ele está preso na base americana de Guantánamo, vizinha a Cuba (deve ser julgado em 2010). Em 1996, a polícia brasileira descobriu que o libanês Marwan Al Safadi, perito em explosivos acusado de participar em 1993 do primeiro atentado ao World Trade Center, em Nova York, vivia em Foz do Iguaçu. De lá, Safadi fugiu para o Paraguai, onde foi preso e depois extraditado para os EUA.”

Para o diretor do Centro de Coordenação das Atividades de Prevenção e Combate ao Terrorismo do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, Márcio Paulo Buzanelli, existem indícios da presença de conhecidas organizações criminosas transnacionais no Brasil. Na publicação de 2004 que reuniu os trabalhos sobre terrrorismo apresentados no 2º Encontro de Estudos promovido pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, Buzanelli admite que “por abrigar uma comunidade de origem árabe e de confissão islâmica numericamente significativa em áreas de fronteira de difícil fiscalização e controle, talvez já estejam sendo aqui estabelecidas as condições propícias para o trânsito e homizio de suspeitos de colaborarem com o terrorismo internacional.”

Oficial da Inteligência, ex-chefe das Divisões de Contraterrorismo e de Crime Organizado do Serviço de Inteligência Federal, Buzanelli foi diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), de 2005 a 2007, e está à frente do centro brasileiro de antiterrorismo desde a sua implantação, em junho de 2009.

Extremistas se utilizam de ONGs para suas ações


Servindo-se de entidades sociais supostamente sem fins lucrativos e isentas de impostos como as ONGs (Organizações Não-Governamentais), criadas a título de benemerência social, observa-se que muitas delas funcionam como autênticos corredores subterrâneos para o escoamento do dinheiro que vai sustentar o radicalismo e a desobediência civil em nosso planeta. São dezenas de milhares dessas organizações (somente no Brasil existem em torno de 300 mil ONGs, um número espantoso tendo em vista que em 2002 estas instituições não alcançavam a marca de 20 mil), envolvidas em movimentos polarizados, cujas conotações políticas variam de acordo com as suas fontes de financiamento.

Segundo o jornal Estado de São Paulo, as instituições receberam do governo federal, somente em 2006, repasses no valor de R$ 2,92 bilhões e existem fortes indícios de que grande parte das verbas foi utilizada irregularmente para fins fora do objetivo e da alçada dessas organizações. Em 2007, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi instalado no Senado Federal para investigar os repasses de verbas para as ONGs.

O economista Gustavo Franco que presidiu o Banco Central (1997-1999) acredita que o poder das ONGs deriva de sua capacidade de captação de recursos e da intensidade de sua militância. Segundo o especialista, ONGs mais radicais podem perfeitamente dobrar países e o espectro de suas ações vão das ‘performances’ do Greenpeace às pancadarias de rua, passando pelas invasões do MST (Movimento dos Sem Terra) e chegando às guerrilhas, bombas, sequestros e armas químicas. Para ele houve um crescimento muito grande na movimentação e na petulância das ONGs e também uma grande dose de condescendência com relação à violência por parte desses agentes (Terror e (anti)globalização/ 2001).

Já Buzanelli vai mais longe em sua crítica a essas organizações, ao afirmar que “muitas ONGs poderiam responder por falsidade ideológica, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e biopirataria”. É fato incontestável que na última década multiplicaram-se as ONGs que funcionam como fachadas de movimentos radicais, muito deles antiamericanos e anti-Israel. Um exemplo recente é a atuação da ONG islâmica turca IHH (Fundação de Assistência Humanitária) no episódio do comboio de barcos que tentou desafiar à soberania de Israel, provocando mortes e feridos e, principalmente, um clima de incidente internacional desfavorável ao pais que reagiu, de alguma forma, à afronta.

Guerra ao terror deve ser prioridade para os países do continente

Em 2005, a cidade argentina de Mar Del Plata sediou a IV Cúpula das Américas, com a participação de 34 países, inclusive o Brasil. Em uma decisão histórica, ao final do encontro foi emitida uma Declaração reconhecendo o combate ao terrorismo no continente como uma das prioridades que merecem a atenção dos governos. Quatro anos depois, com a presença de Barak Obama, a V Cúpula das Américas, realizada em Trinidad e Tobago, pequeno país caribenho de língua inglesa, ratificava a disposição das nações do continente americano em lutar contra o terrorismo.

Na “Declaração de Compromisso de Port of Spain” editada ao final do encontro, em 19 de abril de 2009, o item 69 registrava: “Reiteramos nossa mais enérgica condenação ao terrorismo em todas as suas formas e manifestações, por considerá-lo criminoso e injustificável sob quaisquer circunstâncias, em qualquer lugar e independentemente de quem o pratique, e porque representa grave ameaça à paz e à segurança internacionais, à democracia, à estabilidade e à prosperidade dos países de nossa região. Comprometemo-nos a prevenir, punir e eliminar o terrorismo e a continuar a luta contra todas as atividades criminosas que o financiem e facilitem, respeitando plenamente o direito nacional e o direito internacional, aqui incluídos o Direito Internacional dos Direitos Humanos, o Direito Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos Refugiados. Comprometemo-nos, igualmente, a fortalecer a cooperação, inclusive a assistência jurídica recíproca e a extradição, na luta contra o terrorismo e o seu financiamento, de acordo com as legislações nacionais e as convenções internacionais estabelecidas. Instamos os Estados que ainda não o fizeram a que adiram às convenções internacionais sobre terrorismo.”

Falta de legislação para combater o terror


Em maio de 2009, por ocasião da divulgação da prisão em São Paulo de um homem acusado de divulgar mensagens racistas na Internet e suspeito de integrar a alta hierarquia da al-Qaeda, o presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, deputado federal Raul Jungmann, disse que já sabia da atuação de terroristas no Brasil. "Sabíamos já de algum tempo que membros da alta hierarquia de redes terroristas transitavam pelo Brasil. A região da tríplice fronteira é plataforma de envio de recursos para o Oriente Médio", afirmou o parlamentar ao jornal “Folha de São Paulo”.


O deputado disse ainda temer que o Brasil se transforme numa espécie de "país hospedeiro" de organizações terroristas uma vez que não há legislação específica para enfrentar o problema. "Estamos com uma diplomacia agressiva de aproximação com o mundo árabe. A contrapartida é o país se tornar hospedeiro de organizações terroristas.” A declaração foi criticada pelo presidente da União das Entidades Islâmicas,Abdul Nasser El Rafei, ao lembrar que os árabes e seus descendentes, que hoje somam mais de 10 milhões, ajudaram a construir o Brasil e que nunca houve ato terrorista no país.

Vinte e um dias depois o suspeito de origem árabe, que teve a prisão preventiva determinada através de uma ação combinada do FBI e da polícia federal brasileira, foi solto pelo Ministério Público que alegou falta de provas que o ligassem a alguma organização terrorista. Casado com uma brasileira, o cidadão não teve a identidade revelada e foi autorizado a permanecer no país.

Queda de avião pode estar ligada a atentado

Na mesma semana, um outro fato trouxe à tona o problema do terrorismo. Um airbus da Air France, com 228 passageiros, decolou do aeroporto do Rio de Janeiro em direção a Paris e caiu misteriosamente sobre o Oceano Atlântico, matando todos a bordo. As causas do acidente, ocorrido em 31 de maio de 2009, até hoje permanecem desconhecidas para a angústia dos parentes dos passageiros, 59 deles de nacionalidade brasileira. A presença de libaneses e marroquinos no avião tem ensejado suspeitas de um possível atentado terrorista, já que cinco dias antes da tragédia houve um aviso (que se verificou ser falso) de bomba no avião da companhia que estava em Buenos Aires e que seguiria voo para Paris. O jornal francês “L´Express” chegou a afirmar que dois passageiros a bordo do voo AF447 tinham nomes relacionados com o terrorismo islâmico.

Para o veterano investigador de acidentes aéreos da aviação civil inglesa, Tony Cable, que participou das investigações da queda do Concorde da Air France, em Paris (2000), e da explosão que derrubou um jumbo da Panam na Escócia (1988), uma das hipóteses prováveis a considerar na queda do airbus da Air France seria a de um atentado à bomba. A afirmação foi feita em maio de 2010, um ano após o acidente, no programa “Fantástico”, exibido em rede nacional pela TV Globo.

De olho na Copa do Mundo e nas Olimpíadas

O combate ao terror é uma das prioridades da Copa do Mundo de 2014 a ser realizada no Brasil. E o Rio de Janeiro saiu na frente em seus preparativos porque a cidade também vai sediar as Olimpíadas de 2016. Integrantes do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar do Rio estão recebendo treinamento especial para combater o terror, inclusive tendo aulas de História e Geopolítica para entender as aspirações políticas de grupos terroristas.

Na reportagem de Vânia Cunha para o jornal “O DIA” (28.06.2010), fica-se sabendo que o contingente desses policiais deverá dobrar, de 400 para 800 homens, e que o condicionamento físico será mais rigoroso, com a maior duração dos cursos e com instruções de rapel e montanhismo. Para o comandante do Bope, Paulo Henrique Azevedo de Moraes, apesar do Brasil não ter histórico de atentados terroristas, é preciso aprender para poder combater.

A Polícia Federal igualmente está em estado de alerta para prevenir qualquer tipo de ação que possa macular a disposição do Brasil de realizar com segurança esses eventos esportivos de repercussão mundial. Matéria do jornal “O Globo” (04.07.2010) informa que o órgão tem feito mais de 10 mil escutas telefônicas diárias no Rio de Janeiro, autorizadas pela Justiça. Na mira, traficantes, contrabandistas, milicianos, bicheiros, policiais civis e militares, criminosos de colarinho branco e agentes da própria PF, totalizando cerca de 350 pessoas. A finalidade é tirar das ruas até 2014 criminosos de várias esferas. Policiais federais também estiveram na África do Sul durante a Copa para coletar informações sobre planejamento estratégico e operacional nos setores de imigração, inteligência, segurança e antibomba.

Al-Qaeda ameaçou Copa da África do Sul

Com um esquema de segurança sem precedentes, de acordo com o presidente da Fifa, Joseph Blatter, a Copa do Mundo de 2010 na África do Sul também sofreu pressões consideráveis. Em maio, um mês antes do início dos jogos, a rede islâmica al-Qaeda fez publicar em seu site um artigo imediatamente veiculado pela rede americana de televisão CBS, onde ameaçava as seleções dos Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha e Itália.

Dizia o texto: “Que incrível seria quando, durante um jogo entre os Estados Unidos e a Inglaterra, transmitido ao vivo em um estádio cheio de espectadores, se sinta o som de uma explosão, e o número de cadáveres seja de dezenas ou de centenas.” O grupo ainda avisava em tom provocativo que todo o aparato de segurança e aparelhos de Raio X que os Estados Unidos pudessem enviar depois de lerem o artigo não seriam capazes de detectar como os explosivos entraram no estádio.

Enfim, o terrorismo é hoje uma realidade global que se apresenta com as mais variadas faces e disfarces. Um problema a ser enfrentado com seriedade e rigor pelos governos democráticos que não devem se omitir ou minimizar a força de seus tentáculos. E por mais otimista que o brasileiro possa ser, pela lógica do terror ninguém nesse planeta esta a salvo.

terça-feira, 8 de junho de 2010

O conflito está nos judeus da Diáspora

ou "Dilema Contemporâneo"
por Sheila Sacks
publicado no Rio Total


A ação militar que impediu a entrada não autorizada de uma expedição de barcos à costa israelense – seja qual fosse o seu objetivo, já que seria um ato ilegal, um desafio à soberania de uma nação e portanto sujeito à reação - criou uma celeuma previsível entre aqueles que de alguma forma necessitam ou vivem do marketing da mídia, como os políticos, ativistas, articulistas e figuras públicas em geral.

A mais recente tática de misturar grupos violentos como o Hamas com as chamadas ONGs (Organizações Não Governamentais) de ajuda ao próximo, está resultando em comandos híbridos e dissimulados que confundem e dividem as tradicionais posições ideológicas. A noção do mal tornou-se obsoleta e a farsa ganha tons de verdade.

Um exemplo de orientação equivocada a qual figuras respeitáveis das mais variadas nacionalidades estão assumindo diz respeito à condenação, a priori, de toda ação militar do estado de Israel que provoque baixas em seus antagonistas. Segundo esse ponto de vista, os militares israelenses, mesmo que afrontados e correndo risco de morte, deveriam pensar inicialmente no constrangimento e atribulações pessoais que poderão causar aos judeus do mundo com sua movimentação bélica. Entretanto, exigir cavalheirismo em meio a uma operação de corpo a corpo onde de um lado predomina o vale-tudo e do outro se exige a prática dos bons costumes cheira a hipocrisia.

Pretexto para o antissemitismo

Na entrevista ao jornal “O Globo” (5/6/2010), a escritora, historiadora e psicanalista francesa, Elizabeth Roudinesco, expressa o sentimento que dominou grande parte da comunidade judaica mundial diante da ação israelense para barrar a entrada não autorizada do comboio marítimo. Disse ela que o ataque ao barco estimula o crescimento do antissemitismo. Ao se definir como “mais francesa, mais universalista, mais europeia do que judia”, a respeitada acadêmica repete os mesmos jargões da elite judaica alemã, nos anos 1930, antes do nazismo se instalar na Alemanha e se espalhar pela Europa.

Para esses judeus universalistas, os israelenses fariam melhor destacando-se somente como escritores, filósofos, músicos, pintores, doutores, cientistas e demais profissões que rendem dividendos em “boa publicidade”. Um sonho ao qual os israelenses ainda não se podem dar ao luxo, ainda que o desejem. Vivendo sob risco e pressão continuada, o estado de Israel, surpreendentemente, faz as duas coisas: defende-se e produz ciência e arte.

Mas, vale lembrar que ser bom patriota ou figura ilustre da sociedade na Diáspora não é garantia de que se esteja a salvo do preconceito. O antissemitismo está vivo e independe das ações de Israel para sobreviver. Encontrar pretexto para alimentar o ódio milenar não é tarefa das mais complicadas, seja na França, Suécia, Argentina ou Brasil, para citar alguns países.

Da parte de Israel, a incessante busca ao longo de mais de seis décadas pela convivência pacífica com os seus vizinhos, associada à tranqüilidade e segurança que os seus habitantes têm o direito de usufruir, afigura-se penosa de se alcançar. Essa dificuldade - advinda da insensata obstinação dos árabes em não aceitarem a existência de Israel – é uma realidade clara e transparente que o mundo prefere ignorar ou minimizar, principalmente quando o país se vê levado a reagir a um ato premeditado de desestabilização à sua autoridade.

Existem maneiras legais de ativistas pacíficos realizarem as suas missões, mesmo que sejam políticas e ideológicas. Mas o que anima essa gente a desafiar, preferencialmente as nações democráticas em detrimento às ditaduras onde imperam o terror, o medo e o silêncio, é a certeza de que as leis e a justiça nos países livres sempre atuam a favor dos cidadãos, sejam quais forem as suas nacionalidades e crenças. Os ativistas estrangeiros têm consciência que após o tumulto e a desordem, que fatalmente ocasionam vítimas, retornarão aos seus países de origem e receberão tratamento de herois no foco da mídia.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Os 50 do Rio



por Sheila Sacks

(Mulheres da crença Bahá’i, que prega o amor e a paz, estão encarceradas nas masmorras do Irã. Isso acontece em 2010, para o espanto do mundo civilizado)

Coisa alguma substitui ou se sobrepõe ao efeito da presença física do ser humano. Nem a arte em seu estado mais imaginativo e sublime. A força da mensagem corpórea, emoldurada pela áurea singular da personalidade de cada indivíduo, preenche de forma consistente, mágica e real o espaço material.

O homem incorpora essa característica admirável de compor, interagir, inspirar, sugerir e influir nos mais diversos ambientes. Entretanto, a maioria das pessoas não cuida de avaliar a magnitude de suas próprias participações nos contextos em que atua no dia a dia, o que resulta em uma subestimação da importância de suas presenças físicas em espaços não habituais ou em ações e eventos públicos esporádicos.

Ninguém é dispensável

Isso é válido para jovens e adultos que, em uma conexão mental consciente ou não, tendem a considerar pouco relevante a sua presença neste ou naquele acontecimento coletivo com indicações comunitárias ou sóciopolíticas. Esse sentimento de supor que a sua participação é dispensável muitas vezes advém do poder de fogo da ditadura comercial que comanda e vicia a nossa rotina, promovendo anseios e desejos muitas vezes incapazes de se realizarem. Além de gerar insatisfações na autoestima, insensibilizam as pessoas em relação a temas fora de suas rédeas.

Assim, a presença física passa a ter uma variedade de consonâncias e condições que travam os impulsos mais puros e a iniciativa da vontade. As pessoas ficam reguladas por padrões e regras estéticas de aparência, vestuário, adereços que consomem tempo, entusiasmo e disposição (a respeito, o escritor Paulo Coelho em entrevista, há alguns anos, revelou que adotou as cores preta e cinza em suas roupas geralmente semelhantes, a fim de evitar a dispersão da atenção em coisas menores e poupar tempo e energia).

Qualquer deslocamento, ainda que de forma imperceptível, pressupõe uma sistemática de etapas que converte a desistência em uma opção válida. Se o evento não vai importar em projeção ou ganho individual, compromisso de trabalho, obrigação pessoal ou, principalmente, lazer, é comum ocorrer um autoconvencimento para justificar a ausência. A falta de tempo, o acúmulo de afazeres, uma gripe a caminho respondem de maneira satisfatória o possível incômodo de um sentimento de culpa à sua falta voluntária.

Entretanto, cada ser humano na riqueza de suas características faz a diferença. A sociedade está sendo levada aos consultórios de terapeutas para descobrir que, não importando a aparência, o peso, a idade, cada indivíduo é único e sua presença física é de uma grandeza ímpar.

A arte não substitui a vida

Todo esse intróito serve de pano de fundo para o ato ecumênico ocorrido no dia 16 de maio, um domingo, na praia de Ipanema, que mais uma vez lembrou o holocausto e formalmente se posicionou como uma plataforma pública de protesto contra a segregação de grupos minoritários (homossexuais e mulheres) e a perseguição religiosa e política que ocorrem hoje no Irã governado por Ahmadinejad.

Organizado pala Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro (CCIR), o evento instalou seis mil mãos de papel na areia da praia representando os seis milhões de judeus assassinados pelo regime nazista, realidade negada publicamente pelo governante iraniano.

O protesto também serviu como ponte de informação para alertar aos brasileiros que o governo de Ahmadinejad mantém presos, há dois anos, sete líderes religiosos (homens e mulheres) da comunidade Bahá’i, que no Brasil reúne 30 mil adeptos.

Mas, o que se viu na mídia foi um reduzido número de pessoas presentes à manifestação – “cerca de 50” -, apontadas como representantes de entidades judaicas, da Comunidade Bahá’i do Brasil, do movimento gay e da própria CCIR. À parte a criatividade da instalação artística, o que impressionou mesmo foi a ausência de gente. Do discreto noticiário na imprensa à Internet, o fator 50 se reproduziu de forma similar.

Segundo ainda a CCIR o objetivo da movimentação “silenciosa” era sensibilizar o presidente Lula, que na ocasião visitava o Irã, para incluir na pauta de discussões o respeito aos direitos humanos no país. Mas, se nas parábolas, provérbios e citações, um vale por mil, na prática das ações de mobilização, uma andorinha não faz o verão. A presença de apenas 50 participantes - ainda que rotulados de representantes - em um protesto (mesmo em silêncio) que se pretendia capaz de repercutir entre a população e alcançar às autoridades de Brasília, é no mínimo incompreensível e frustrante.

Enfim, a arte não substitui a vida e esta necessita mais do que 50 pessoas para defendê-la, em sua dignidade, das inaceitáveis agressões que se perpetram em regimes autocráticos como o do Irã. Nem na Esparta dos valentes guerreiros, 50 seria um número razoável.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

A Maçonaria na Terra Santa


Onde judeus, árabes e cristãos são irmãos
por Sheila Sacks

Vivendo em Israel há cinquenta anos, Leon Zeldis, Cônsul Honorário do Chile em Tel Aviv, já ocupou o mais alto cargo da Maçonaria israelense. Ele assinala que não existe impedimento entre o Judaísmo e a Maçonaria. E mais: rabinos e hazanim (oficiantes cantores das sinagogas) pertencem a Ordem, e na cidade de Eilat, no extremo sul do país, na fronteira com o Egito, uma loja maçônica chegou a funcionar em uma sala da Yeshivah (escola religiosa para formação de rabinos). “A Maçonaria Israelense é um exemplo de convivência e tolerância”, destaca Zeldis. “O que procuramos mostrar é que é possível conviver, judeus, árabes e cristãos, como irmãos.”

Por um mundo melhor

Existem várias maneiras de ajudar ao próximo. Ser maçom é uma delas. Para Leon Zeldis Mandel, 80 anos, título de “Grão-Mestre, Soberano Grande Comendador, Grau 33”, a Maçonaria não melhora o mundo, mas os maçons, sim. Nascido na Argentina, Zeldis viveu no Chile, formou-se engenheiro têxtil nos Estados Unidos e fundou, em 1970, a primeira loja maçônica de Israel de língua espanhola. Escritor, poeta e conferencista, é autor de 15 livros e de mais de 150 artigos e ensaios publicados em diversos idiomas. Seus livros, "As Pedreiras de Salomão", "Estudos Maçônicos" e "Antigas Letras" foram traduzidos para o português. Também é membro honorário da Academia Maçônica de Letras de Pernambuco.

Residindo em Israel desde 1960, Zeldis foi presidente do Supremo Conselho do Rito Escocês Antigo de Israel. Suas atividades como conferencista e profundo conhecedor da história da Maçonaria o levaram às principais cidades da Europa e do continente americano. No Brasil participou do Congresso Internacional de História e Geografia Maçônica, realizada em Goiana (1995). Foi distinguido como membro honorário dos Supremos Conselhos da Turquia, Itália, França e Argentina.

Com dois mil membros, a Maçonaria em Israel foi oficializada em 1953, mas desde o século XIX os maçons estão na Terra Santa. Em 1873 foi instalada a primeira loja regular em Jerusalém. Depois, em 1890, outra loja foi constituída em Jaffa. Atualmente, setenta lojas funcionam em Israel, desde Naharía, ao norte, até Eilat, com um número apreciável de irmãos árabes (cristãos e muçulmanos), funcionando em seis idiomas, além do hebraico e do árabe.

Em 2007 mantive contato com Zeldis que falou um pouco mais sobre a Maçonaria e os judeus.
A Maçonaria existe desde os tempos de Moisés ou é ainda mais antiga?
- As lendas maçônicas estão baseadas na época da construção do Templo de Jerusalém pelo rei Salomão e depois na sua reconstrução pelos judeus que regressaram do exílio da Babilônia. Mas, para a Maçonaria, tudo isso não passa de histórias mitológicas. O certo é que existiram na Europa associações de construtores medievais (maçons operativos) e somente no século XVII começaram a ingressar nas lojas pessoas que não eram trabalhadores de construção. Finalmente, no início do século XVIII as lojas já eram totalmente simbólicas (maçons especulativos). Depois da fundação da primeira Grande Loja de Londres, em 24 de junho de 1717, a Maçonaria Simbólica e Especulativa se propagou rapidamente pela Europa e por todos os países onde existia a liberdade de consciência.
Quais sãos as principais atividades sociais e humanitárias das lojas?
- A Grande Loja realiza diversas obras de beneficência, mas, além disso, cada loja se preocupa em fazer trabalhos que sejam bons para a comunidade. Minha loja, “La Fraternidad 62”, de Tel Aviv (que trabalha em espanhol), nos últimos anos tem enviado material médico a hospitais, bicicletas a meninos etíopes e também fez uma importante doação para uma instituição que cuida de crianças com problemas familiares. A Ordem também financia bolsas de estudos para estudantes pobres e presta ajuda a instituições de assistência aos cegos, entre outras ações.

Como a sociedade israelense vê a Maçonaria?
- Em geral, a Maçonaria é pouco conhecida em Israel, porque as nossas atividades beneficentes são feitas com discrição, sem publicidade. Todavia, personalidades importantes da sociedade israelense são ou foram, no passado, maçons, incluindo aí juízes, médicos, prefeitos e outros. O fundador da escola agrícola Mikveh Israel (a primeira escola agrícola judaica moderna implantada na terra de Israel, em 1870), Carl Netter, era maçom, assim como também foram o prefeito de Haifa, Shabetay Levy ( trabalhou para o Barão de Rothschild e foi prefeito de Haifa entre os anos de 1940 a 1951) e Itamar Ben Avi (jornalista e escritor, ajudou a concluir o Dicionário da Língua Hebraica). Todos são nomes de ruas em Israel.
É possível ser maçom e praticar o judaísmo convencional?
- Não existe nenhum impedimento entre o Judaísmo e a Maçonaria. Nós temos na Ordem rabinos e hazanim, e o ex-Grão Rabino do país, Israel Lau (sobrevivente do campo de concentração de Buchenwald), apesar de não ser maçom, assiste as nossas festividades e realiza conferências em nossas lojas. Em Eilat, durante algum tempo, a loja funcionou em uma sala da Yeshivah local. O rabino também era maçom. Na história recente, os Rabinos Chefes da Inglaterra e da África do Sul eram ambos maçons.
Qual é a visão dos judeus maçons acerca da situação política do Oriente Médio?
- A Maçonaria israelense – seguindo a tradição das lojas da Inglaterra e da Escócia - não tem nenhuma interferência na política. O que procuramos demonstrar é que é possível conviver em paz, árabes e judeus, tratando-se com afeto, como irmãos.
Qual é a importância da cidade de Jerusalém na Maçonaria?
- A cidade de Jerusalém e seu Templo têm um papel central nas tradições maçônicas. Nas escavações realizadas nas bases do muro ocidental, o arqueólogo Warren descobriu uma sala que acreditava ser um templo maçônico. Outros arqueólogos têm contestado esta suposição, porém o fato é que no centro da sala existe uma coluna de mármore branca que não chega ao teto, ou seja, não tem nenhum propósito estrutural. Quando Warren explorou este recinto, havia duas colunas, como nos templos maçônicos (o inglês Charles Warren conduziu importantes escavações em Jerusalém, entre 1867 a 1870).
A Maçonaria ajudou na Independência de Israel?
- Como eu expliquei, a Maçonaria como instituição não representa nenhum lado político, mas os maçons, naturalmente, podem intervir. Um dos mais eminentes líderes sionistas, Zeev Jabotinsky (1880-1940), foi iniciado em uma loja de imigrantes russos, em Paris. Alguns anos atrás, tivemos em nossa Grande Loja, um grupo inteiramente constituído de militares e policiais.

Qual é a relação entre a Maçonaria e os Essênios que habitavam as cercanias do Mar Morto, 150 anos antes da Era Comum?
- Existem certos aspectos dos Essênios, como o processo de ingresso e a ordem nas reuniões, que guardam algumas semelhanças com a Maçonaria, mas não existe nenhuma relação direta.

Qual foi a contribuição do Judaísmo à Maçonaria?

- Quase todas as palavras de acesso e chaves secretas da Maçonaria são palavras hebraicas. Além disso, a relação com o Templo de Jerusalém é fundamental na Maçonaria. No entanto, é preciso dizer claramente que a Maçonaria não é uma religião e não está ligada ao Judaísmo, a não ser por tradições que eu já mencionei e o uso de palavras hebraicas.

Como a Maçonaria avalia as campanhas transnacionais anti-Israel por parte da mídia e ONGs de todos os tipos?
- A ignorância e o preconceito são difíceis de combater quando são financiados por inimigos do progresso e da democracia. O exemplo mais contundente de ignorância e fanatismo cego é o constante uso do “Protocolos dos Sábios de Sião” para atacar tanto o Judaísmo como a Maçonaria, apesar de que faz mais de um século que se demonstrou de forma indiscutível de que se trata de uma fantasia antissemita, baseada em um livro de um escritor francês (Joly) e de um novelista alemão (Goedsche), escrita por um agente da Okrana (polícia secreta do Czar), em Paris. Não importa quantas vezes se tem demonstrado a falsidade do livro, mesmo assim ele vem sendo publicado nos países árabes e em outras partes do mundo. Não há outro remédio do que seguir contestando as mentiras - com a esperança de que a verdade finalmente triunfe – e educando as novas gerações nos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade.

Desafios do Século XXI
Em seu livro “Antigas Letras”, Zeldis defende alguns aspectos que devem mobilizar a atenção da Maçonaria no século XXI, no tocante a sua importante função na sociedade contemporânea. A ênfase na educação (laica e maçônica) é vital, segundo Zeldis, para melhorar a sociedade e o indivíduo. “A importância da educação está precisamente em adquirir a capacidade de julgar, categorizar, classificar e avaliar a qualidade da informação recebida, não somente pelo seu conteúdo textual, mas também do ponto de vista ético e teleológico.” A simples transferência de informações pode se constituir, na maioria das vezes, em um armazenamento de conhecimentos que oprime e sobrecarrega o ser humano, impedindo-o de analisar e refletir sobre o essencial, escreve Zeldis. E cita o filósofo alemão Friedrich Krause (1781-1832), para quem a educação é algo que a grande parte das pessoas recebe, muitos transmitem, mas muito poucos têm. “O que equivale a dizer que muitíssimas pessoas sabem ler, porém são incapazes de reconhecer o que vale a pena ler”, conclui o autor.

Maçons Ilustres
Elaborada pela loja São Paulo 43 – fundada em 1945 e que desenvolve importantes projetos na área social - a listagem relacionando os maçons ilustres de vários países inclui o nosso entrevistado, o portenho Leon Zeldis, nesse grupo seleto de pessoas que “fizeram da virtude a sua principal causa na vida.” Ao lado de José de San Martin, libertador da Argentina, Chile e Peru. Entre os brasileiros, destacam-se os maçons Rui Barbosa, D.Pedro I, Padre Diogo Antônio Feijó, Deodoro da Fonseca, Luiz Alves de Lima e Silva (Duque de Caxias), José Maria da Silva Paranhos (Visconde do Rio Branco), Carlos Gomes, Epitácio Pessoa, José do Patrocínio, Benjamim Constant, Casimiro de Abreu, Joaquim Rabelo e Caneca (Frei Caneca), Oswaldo Aranha, Nelson Carneiro e Evaristo de Morais. Em relação aos maçons de Israel, dois nomes são listados: Menachem Begin e Itzhak Rabin, ambos primeiros-ministros e ganhadores do Prêmio Nobel da Paz (1978 e 1994). O rei Talal Hussein, da Jordânia, e Abd El-Kader, fundador do estado da Argélia, são os maçons ilustres dos países árabes.
Maçons no Museu do Holocausto

O Museu do Holocausto, em Washington (United States Holocaust Memorial Museum), inaugurado em 1993 com a finalidade de preservar a memória do mais trágico momento vivido pela humanidade no século XX, coloca à disposição dos visitantes documentos e fotos que contam a história da Maçonaria sob o regime nazista da Alemanha.

A perseguição teve início em 1933, quando o governo alemão emitiu decreto visando a dissolução voluntária das “lojas”. Um ano depois, aquelas que ainda não tinham sido fechadas, foram forçadas pela Gestapo (polícia secreta do partido nazista) a encerrar as suas atividades. Ainda em 1934, outro decreto definia a Maçonaria como “hostil ao Estado” e ilegal.

Apertando o cerco, o serviço de segurança das SS (polícia nazista), comandado por Reinhard Heydrich, criou um setor especial – a Seção 2/111 – voltado para a aniquilação da Maçonaria e de seus membros. Uma campanha difamatória ligando os maçons a teorias conspiratórias se estendeu por todos os países da Europa sob o domínio da Alemanha Nazista. Em 1940, a França ocupada declarou os maçons inimigos do Estado, pondo a polícia para vigiá-los e prendê-los, e emitindo cartões de identificação semelhantes à estrela amarela dos judeus.

É difícil saber o número exato de maçons mortos em campos de concentração, porque muitos foram arrolados como opositores ao governo ou associados aos focos de resistência ao nazismo nos países invadidos. Atualmente, calcula-se que existem 6 milhões de maçons em 164 países (58% nos Estados Unidos), sendo que o Brasil congrega, aproximadamente, 150 mil distribuídos em 4.700 “lojas” de um total de 9 mil instaladas em toda a América do Sul.