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quinta-feira, 27 de maio de 2010

Os 50 do Rio



por Sheila Sacks

(Mulheres da crença Bahá’i, que prega o amor e a paz, estão encarceradas nas masmorras do Irã. Isso acontece em 2010, para o espanto do mundo civilizado)

Coisa alguma substitui ou se sobrepõe ao efeito da presença física do ser humano. Nem a arte em seu estado mais imaginativo e sublime. A força da mensagem corpórea, emoldurada pela áurea singular da personalidade de cada indivíduo, preenche de forma consistente, mágica e real o espaço material.

O homem incorpora essa característica admirável de compor, interagir, inspirar, sugerir e influir nos mais diversos ambientes. Entretanto, a maioria das pessoas não cuida de avaliar a magnitude de suas próprias participações nos contextos em que atua no dia a dia, o que resulta em uma subestimação da importância de suas presenças físicas em espaços não habituais ou em ações e eventos públicos esporádicos.

Ninguém é dispensável

Isso é válido para jovens e adultos que, em uma conexão mental consciente ou não, tendem a considerar pouco relevante a sua presença neste ou naquele acontecimento coletivo com indicações comunitárias ou sóciopolíticas. Esse sentimento de supor que a sua participação é dispensável muitas vezes advém do poder de fogo da ditadura comercial que comanda e vicia a nossa rotina, promovendo anseios e desejos muitas vezes incapazes de se realizarem. Além de gerar insatisfações na autoestima, insensibilizam as pessoas em relação a temas fora de suas rédeas.

Assim, a presença física passa a ter uma variedade de consonâncias e condições que travam os impulsos mais puros e a iniciativa da vontade. As pessoas ficam reguladas por padrões e regras estéticas de aparência, vestuário, adereços que consomem tempo, entusiasmo e disposição (a respeito, o escritor Paulo Coelho em entrevista, há alguns anos, revelou que adotou as cores preta e cinza em suas roupas geralmente semelhantes, a fim de evitar a dispersão da atenção em coisas menores e poupar tempo e energia).

Qualquer deslocamento, ainda que de forma imperceptível, pressupõe uma sistemática de etapas que converte a desistência em uma opção válida. Se o evento não vai importar em projeção ou ganho individual, compromisso de trabalho, obrigação pessoal ou, principalmente, lazer, é comum ocorrer um autoconvencimento para justificar a ausência. A falta de tempo, o acúmulo de afazeres, uma gripe a caminho respondem de maneira satisfatória o possível incômodo de um sentimento de culpa à sua falta voluntária.

Entretanto, cada ser humano na riqueza de suas características faz a diferença. A sociedade está sendo levada aos consultórios de terapeutas para descobrir que, não importando a aparência, o peso, a idade, cada indivíduo é único e sua presença física é de uma grandeza ímpar.

A arte não substitui a vida

Todo esse intróito serve de pano de fundo para o ato ecumênico ocorrido no dia 16 de maio, um domingo, na praia de Ipanema, que mais uma vez lembrou o holocausto e formalmente se posicionou como uma plataforma pública de protesto contra a segregação de grupos minoritários (homossexuais e mulheres) e a perseguição religiosa e política que ocorrem hoje no Irã governado por Ahmadinejad.

Organizado pala Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro (CCIR), o evento instalou seis mil mãos de papel na areia da praia representando os seis milhões de judeus assassinados pelo regime nazista, realidade negada publicamente pelo governante iraniano.

O protesto também serviu como ponte de informação para alertar aos brasileiros que o governo de Ahmadinejad mantém presos, há dois anos, sete líderes religiosos (homens e mulheres) da comunidade Bahá’i, que no Brasil reúne 30 mil adeptos.

Mas, o que se viu na mídia foi um reduzido número de pessoas presentes à manifestação – “cerca de 50” -, apontadas como representantes de entidades judaicas, da Comunidade Bahá’i do Brasil, do movimento gay e da própria CCIR. À parte a criatividade da instalação artística, o que impressionou mesmo foi a ausência de gente. Do discreto noticiário na imprensa à Internet, o fator 50 se reproduziu de forma similar.

Segundo ainda a CCIR o objetivo da movimentação “silenciosa” era sensibilizar o presidente Lula, que na ocasião visitava o Irã, para incluir na pauta de discussões o respeito aos direitos humanos no país. Mas, se nas parábolas, provérbios e citações, um vale por mil, na prática das ações de mobilização, uma andorinha não faz o verão. A presença de apenas 50 participantes - ainda que rotulados de representantes - em um protesto (mesmo em silêncio) que se pretendia capaz de repercutir entre a população e alcançar às autoridades de Brasília, é no mínimo incompreensível e frustrante.

Enfim, a arte não substitui a vida e esta necessita mais do que 50 pessoas para defendê-la, em sua dignidade, das inaceitáveis agressões que se perpetram em regimes autocráticos como o do Irã. Nem na Esparta dos valentes guerreiros, 50 seria um número razoável.