A data será celebrada anualmente em 16 de abril, dia em que faleceu Luiz Martins de Souza Dantas, em 1954, diplomata brasileiro que atuou na Europa para salvar pessoas ameaçadas pelo nazismo, emitindo vistos para que centenas de judeus pudessem entrar no Brasil.
Sheila Sacks
A iniciativa dos ex-deputados Jorge Silva e Sergio Vidigal, apresentada na
Câmara em 2017, ambos do estado do Espírito Santo, obteve no senado parecer
favorável do senador Carlos Viana, de Minas Gerais, presidente da Frente
Parlamentar Brasil-Israel no Senado, criada em 2019, e um dos raros congressistas
brasileiros a visitar Israel após o ataque terrorista de 7 de outubro.
"Ao relembrar os horrores do Holocausto, educamos as
gerações mais jovens sobre a importância do respeito aos direitos humanos,
da tolerância e da diversidade. Ao dedicar um dia para a lembrança e
reflexão, reafirmamos o compromisso com a verdade histórica e a
necessidade de combater a desinformação. Isso é crucial para preservar a
integridade dos fatos históricos e garantir que as futuras gerações tenham
acesso à verdade”, afirma Viana.
Aprovada na Comissão de Cultura do Senado, em 25 de junho, sob a
presidência do senador Flávio Arns, do Paraná, a lei foi sancionada um mês
depois, em 29 de julho, pela presidência da República, e publicada no Diário
Oficial da União no dia seguinte, 30/7, na página 1, sob o nº 14.938,
com as assinaturas do presidente da República e do Ministro de Direitos Humanos
e da Cidadania:
“LEI
Nº 14.938, DE 29 DE JULHO DE 2024
Institui
o Dia Nacional da Lembrança do Holocausto.
O
PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço
saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art.
1º Esta Lei institui o Dia Nacional da Lembrança do Holocausto, a ser
comemorado, anualmente, no dia 16 de abril.
Art.
2º Fica instituído, no calendário das efemérides oficiais, o Dia Nacional da
Lembrança do Holocausto, a ser comemorado, anualmente, no dia 16 de abril.
Art.
3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília,
29 de julho de 2024;
203º
da Independência e 136º da República.
LUIZ
INÁCIO LULA DA SILVA
Silvio
Luiz de Almeida”
Além de uma razoável
veiculação na mídia, a criação da data mereceu matérias especiais nos portais
digitais do Senado e da Câmara dos Deputados, agência GOV e Ministério de
Direitos Humanos (30 e 31/7), todas ressaltando a intenção da celebração no
sentido de “honrar a memória das vítimas e provocar reflexões sobre as lições
aprendidas com a Segunda Guerra Mundial, que ocorreu entre 1939 e 1945”.
Os textos também exaltam o
heroísmo de Souza Dantas
e
a razão dos autores da proposição da lei não seguirem a data oficial estipulada
pela ONU (27/1) por coincidir com as férias escolares no Brasil. A data
celebrada em Israel, o Yom HaShoah, em 27 do mês de nissan no calendário
hebraico, também foi mencionada.
Em janeiro, a plataforma
de notícias israelense Ynet, o canal online
do jornal Yedioth Ahronoth, o maior do país, já adiantava que o
estabelecimento de um Dia Nacional Brasileiro em Memória do Holocausto envolveu
um extenso trabalho da embaixada israelense no Brasil, chefiada pelo embaixador
Daniel Zonshine, e da Associação de Amizade Israel-Brasil.
Emitindo
vistos
Nascido no Rio de Janeiro, Souza Dantas foi nomeado embaixador na França
em 1922, onde permaneceu até 1944. Entre junho e dezembro de 1940, o diplomata
emitiu mais de mil documentos e cerca de 500 vistos para judeus, refugiados e
pessoas perseguidas pelo regime hitlerista, sem seguir os trâmites burocráticos
oficiais. Proibido pelo governo de Getúlio Vargas de conceder qualquer tipo de
visto diplomático, a partir de 1 de janeiro de 1941, ainda assim Souza Dantas
driblou a ordem governamental emitindo passaportes com datas anteriores à
proibição. Em 2003, ele recebeu o título de Justo entre as Nações pelo Estado
de Israel.
No livro “Quixote nas Trevas” (2002), o historiador Fábio Koifman
apresenta uma lista com os nomes de todas as pessoas salvas pelo diplomata
enquanto trabalhava na embaixada brasileira em Paris. Tema da tese de
mestrado de Koifman, o livro foi uma das bases para o processo de premiação de
Dantas pelo Museu do Holocausto, em Israel. São cerca de 800 nomes, dentre os quais 425 judeus, que ele
ajudou a escapar do extermínio.
Em 2020, o livro de Koifman foi traduzido para o espanhol sob o título “Souza
Dantas: Justo entre las Naciones”, em uma iniciativa conjunta da Fundação
Alexandre de Gusmão (FUNAG), veiculada ao Ministério das Relações Exteriores,
em parceria com a Embaixada do Brasil em Buenos Aires e a Delegação de
Associações Israelitas Argentinas (DAIA). A obra está digitalizada, desde 2022, no site da Fundação.
Em outra obra, “Souza Dantas e a França ocupada” (2008),também publicada
e digitalizada pela FUNAG, através de seu Centro de História e Documentação
Diplomática (CHDD), o embaixador Álvaro da Costa Franco realizou uma compilação
de documentos e correspondências redigidos por Souza Dantas no período de 1940
a 1942. Na introdução – O diplomata e o
homem - , é revelado que Dantas se casou tardiamente, em 1933, aos 57 anos, com uma
viúva nascida nos Estados Unidos, Eliza Stern (Meyer, de solteira), de
ascendência judaica, proveniente de uma família de industriais e banqueiros,
cuja irmão comprou o jornal Post, que se transformou no influente Washington
Post.
Costa Franco ressalta, porém, que o fato não influenciou o espírito
humanitário de Dantas. “Seu comportamento para com os perseguidos do nazismo
não foi, portanto, um ato isolado, nem se deve atribuí-lo às relações com o
mundo israelita, decorrentes da origem de sua mulher. Terá brotado do fundo de
um sentimento que lhe era natural. Foi o mais significativo e expressivo de sua
generosidade, pelas circunstâncias e pelo número de pessoas a quem socorreu,
confirmando apenas, numa grande escala, seu espírito humanitário.”
Data nacional
A Resolução 60/7, de 1º de novembro de 2005, também rejeita qualquer
tipo de negativa da existência do Holocausto. Além da celebração oficial da
ONU, muitos países criaram seus próprios dias de lembrança, os quais são
frequentemente conectados aos eventos do Holocausto.
A Argentina estabeleceu o dia 19 de abril, o dia da revolta do gueto de
Varsóvia, como o “Dia Nacional da Diversidade Cultural”. A Hungria celebra o dia 16 de abril como o
“Dia Nacional de Lembrança do Holocausto”, relembrando a data do estabelecimento
do gueto de Munkács pelos nazistas, ocorrido em 1944. Nos Estados Unidos, o congresso estabeleceu,
em 1979, o “Dia de Lembrança”, que usualmente acontece entre o mês de abril e o
início de maio, para celebrar as vítimas do regime nazista, em data que
corresponde ao Yom HaShoah em Israel.
No Brasil, com a iniciativa do Congresso Nacional, a lembrança do Holocausto se incluirá no calendário oficial de celebrações e acontecimentos importantes da nação, propiciando eventos e atos públicos, seminários e debates em ambiente escolar, universidades e em instituições de cultura e de cidadania.