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quarta-feira, 28 de abril de 2010

Diferentes...nós?

por Sheila Sacks
publicado no site da Federação Israelita do Rio Grande do Sul - FIRGS
Contar vantagem só dá prazer a uma única pessoa: quem conta. Não sugere diálogo e sim um monólogo egocentrista que dificilmente encontra receptividade e simpatia em quem escuta.

Em relação as nossas qualidades e capacitação, nós judeus temos muito o que falar quando se trata de demonstrar em números e percentuais que alcançamos um patamar privilegiado na escala dos titãs em todas as áreas do saber humano. Vira e mexe aparecem artigos listando nossas fantásticas marcas no ranking dos melhores cientistas, físicos, médicos, escritores, compositores, arquitetos, músicos, pintores etc na atualidade e no passado, ainda que representemos uma minoria ínfima no bolo da população terrestre, algo em torno de 0,2%.

O inconveniente dessas comparações é que 99% delas são enxertadas em textos induzidos, produzidos e veiculados por nós, judeus, enquanto proprietários, diretores, funcionários ou colaboradores de rede de jornais, revistas, rádio, tv e demais mídias eletrônicas. Se para alguns pode parecer uma falta de tato para com aqueles que nos leem (a grande maioria composta de não judeus e de pessoas comuns) ou ainda uma mal disfarçada arrogância no trato com nossas excepcionalidades, para outros que se julgam “melhores” informados essa combinação de poder econômico e mídia tem nome: lobby judaico. Mesmo que muitos possam alegar que colocar tais números na mesa é uma maneira direta e transparente de mostrar ao distinto público o currículo inquestionável de um povo cuja trajetória está intimamente ligada à evolução e ao progresso da humanidade, a experiência mostra que a tática do autoelogio é antipática, inconveniente e acirra suscetibilidades.

Prêmios e autobajulações não resolvem

Lançar mão de tal lógica de argumentação simplista e ingênua acrescida de outras mesmices que atrelam nossas contribuições científicas e culturais em prol do bem da humanidade a um assento honorável na arena da vida a salvo de trovões e trovoadas – como o mundo estivesse em infinito débito conosco -, no mínimo embaralha o jogo de relações humanas, sociais, religiosas e políticas a ser desenvolvido por aqueles que de alguma forma falam publicamente pelas comunidades judaicas.

Quais seriam os resultados pragmáticos dessas autobajulações no imaginário de um leitor ou espectador não-judeu? A aquiescência imediata aos judeus das benesses de uma existência estável, sem contratempos ou atribulações? É evidente que nem todos sabem que Einstein, Marx e Freud eram judeus. Muito menos que um terço do total de diretores norte-americanos ganhadores da estatueta do Oscar são judeus. Assim como também são judeus um terço dos que foram laureados com o prêmio Nobel nas áreas científica e médica. Ou que mais de 50% dos campeões de xadrez são judeus, assim como o são 50% dos jornalistas e escritores norte-americanos que até a atualidade receberam o prêmio Pullitzer.

Infortunadamente, prêmios, láureas, adulações, carreiras festejadas e empregos influentes não ajudaram a salvar os judeus quando a fúria nazista se abateu sobre a Alemanha e contaminou a Europa. A elite cultural judaica, os judeus ricos e pobres, todos foram nivelados de forma uniforme e ganharam o mesmo passaporte para o inferno: a estrela amarela no peito.

O imaginário coletivo não é favorável aos judeus

A história tem demonstrado em várias situações que o melhor preparo ou capacidade dos judeus em áreas do conhecimento humano pouco vai alterar a concepção geral das pessoas acerca de nós. No imaginário coletivo o judeu ainda é basicamente uma representação, um personagem nascido há dois milênios pela força de uma mitologia introduzida através de um processo de evangelização que o perpetuou de forma pejorativa, não obstante a realidade de toda uma pujante narrativa anterior vivida pela nação judaica dois mil anos antes deste marco histórico-religioso. Assim, criou-se ao longo do tempo uma estranha dissociação entre o que seria o povo hebreu - um agrupamento nômade, forte, rijo, guerreiro, de crença monoteísta e escaldado pelo fogo do deserto - e os ardilosos judeus engendrados como vilões da crucificação. Um único povo diabolicamente fracionado em duas metades antagônicas, como se isso fosse cabível sob o crivo da razão: cultuado e indesejável, dependendo das datas.

Esse mal-estar que perdura por vinte séculos polarizado no antissemitismo tornou-se o fermento biológico mais fácil e vulgar encontrado no mercado das especulações dogmáticas para inflar políticas de poder sectário, de proselitismo e autoritarismo. Diferente das celebrações judaicas onde a simbologia repercute o fato literal, como por exemplo a que evoca a força tirana do poderoso faraó na história de Moisés (Êxodo – Pentateuco), eximindo o povo egípcio da autoria dos infortúnios pelos quais os judeus passaram enquanto escravos no Egito, a paixão da crucificação concentrou-se na condenação ad aeternum da comunidade judaica ali existente (e de seus descendentes), constituída de múltiplas seitas, facções diversas, de rebeldes e adesistas, da qual todos faziam parte naquele contexto político inquieto e em ebulição, subjugados ao implacável tacão da Roma dos pagãos.

Crenças populares reforçam preconceito

Logo, acreditar que exista um interesse natural do não-judeu, e da sociedade em geral, em se desembaraçar de um legado de tamanha força religiosa e psicológica impingido de forma sistemática ao longo de gerações é apostar no vazio de um otimismo irresponsável. São vinte séculos de pregação acusatória em alto e bom som que transcende gerações e que dificilmente irá figurar prioritariamente na pauta de prováveis resgates de ideias pré-concebidas a serem revistas pela maioria das pessoas. Vencer e sublimar preconceitos demanda um grande potencial de energia e de vontade por parte de quem se dispõe a ir contra todo um conjunto de tradições e crenças populares que faz parte de sua identidade.

Portanto deve-se no mínimo louvar todos aqueles que demonstrem por atos públicos a efetiva necessidade de se revisar conceitos caducos acerca desse tema espinhoso e ainda tratado como tabu no seio de muitas famílias de classes sociais distintas. Observa-se que em conversas em restaurantes ou rodinhas de amigos abaixa-se naturalmente o tom de voz quando o termo “judeu” é pronunciado. No ambiente de trabalho geralmente há manifestações de surpresa contida diante da revelação de que esse ou aquele colega é judeu. Também aí quase que se murmura a palavra incômoda, o tal detalhe “diferente” e folclórico da biografia do sujeito. Abrir um canal mais amplo e aberto para uma abordagem sem eufemismos sobre a questão é sempre uma alternativa corajosa. Mas a grande maioria prefere se esquivar do confronto (no bom sentido) individual. É bem mais confortável ser judeu em toda a sua plenitude – com direito a reclamar de tudo, de todos e dos outros - em um ambiente judaico.

Brasil – Israel: Percalços de uma aproximação

Vivemos no maior país católico do planeta, com 150 milhões de fiéis, e que possui a maior colônia de descendentes árabes da América Latina, cerca de 10 milhões. As recentes visitas de autoridades e personalidades brasileiras a Israel devem ser assimiladas como uma valiosa oportunidade para o exercício de um melhor entrosamento humano e social entre as duas nações, em paralelo ao crescente avanço que já se verifica nos âmbitos econômico, tecnológico e cultural. Possíveis falhas, mal-entendidos, palavras e ações deslocadas que possam suscitar críticas não são peças estranhas nos processos de aproximação. Fazem parte da dinâmica de relacionamento daqueles que se engajam em processos dessa natureza.
Parabéns, pois, as nossas lideranças judaicas, assessores do Executivo, políticos, empresários, diplomatas brasileiros e israelenses que participam intensamente de fatos e acontecimentos que envolvem a comunidade judaica brasileira, os governos do Brasil e de Israel. O essencial, em se tratando de nossas lideranças, é que as mesmas estejam unidas, atentas e empenhadas em encontrar um senso comum, uma linha de prumo que, à parte as atividades sociais de eventos, celebrações e homenagens, propicie uma melhor interação com a própria comunidade e uma convivência cada vez mais igualitária, franca e prazerosa com o todo da sociedade brasileira.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Rosa dos tempos


por Sheila Sacks
Conto vencedor do concurso literário do clube Hebraica-Rio (2004)

O ano era 1993. O enviado do consulado olhava para a mulher a sua frente. Ela parecia surpresa diante dos cartões-postais sobre a mesa. Minutos antes, o homem tinha se apresentado, estendido um protocolo para que assinasse e entregue o pacote, agora aberto revelando o conteúdo.

A senhora gorducha de olhos claros e semblante sereno que se identificou como dona Rosa fez perguntas que não foram respondidas. O funcionário também não entendia o porquê daqueles postais estarem sendo devolvidos. A encomenda tinha sido despachada pelo governo do seu país, cruzado o oceano como correspondência consular e, aqui, carimbado para ser entregue em mãos. E só.

Passava das quatro da tarde e sombras irregulares manchavam a varanda. Dona Rosa acompanhou o homem alto de terno largo até o portão de saída. Há vinte anos trabalhava e morava naquela casa de idosos, rodeada de árvores centenárias, em um bairro distante do centro. Um emprego que gostava. Talvez porque tivesse crescido em uma instituição coletiva, com muita gente ao redor. Gente como a amiga Clara, que partiu em um navio de nome italiano, dez dias depois da Páscoa.

Os cartões-postais trazidos pelo funcionário de poucas palavras estavam endereçados à Clara. Eram dezenas de fotos de pontos turísticos do Rio. Anualmente, logo depois da Páscoa, Rosa enviava um ou mais cartões para Clara. Foi o combinado. Agora todos estavam estranhamente de volta a sua mesa. Sem explicação.

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Em 1953, o Lar das Crianças era uma instituição que abrigava órfãos e filhos de refugiados judeus da 2ª Grande Guerra. Sustentado pela comunidade judaica do Rio, o Lar acolheu Clara e Rosa quando ambas tinham onze anos. Nascidas na Europa, as meninas logo se tornaram amigas. A ideia de ir embora do Rio surgiu quando Clara se deu conta de que teria poucas chances de se casar e formar uma família. Sua mãe vivia entre delírios e choques elétricos em um manicômio público e seu pai era alcoólatra.

Clara tentou convencer Rosa a partir com ela. A amiga era órfã. Os pais tinham morrido em um dos vários campos de concentração da Polônia. Mas Rosa não acalentava grandes sonhos. O espelho e o bom senso limitavam as suas ambições. Ficaria no Rio, trabalhando no Lar e ajudando as crianças menores.

Dez dias depois da Páscoa, no final de abril, Clara embarcou no navio Leonardo da Vinci para um porto da Itália. De lá seguiria com outros jovens para a terra santa. Tinha dezessete anos, um rosto bonito e o sagrado ímpeto dos que se lançam à jornada. Sem passado e bem longe do Rio, encontraria o marido que tanto ansiava.

Na véspera, Clara chorou ao descolar a foto desbotada do Pão de Açúcar da parede ao lado de sua cama-beliche. “Prometa que vai me mandar todo ano um postal do Rio”, pediu Clara à Rosa. Já no ano seguinte Rosa enviava uma imagem do Alto da Boa Vista. No verso escreveu: O Rio é muito legal. Puxa vida, como a saudade dói.

Ano após ano Rosa endereçou os postais à terra santa, com a mesma frase no verso. Era como fosse um código de paixão e amizade. Escolhia sempre as fotos mais encantadoras do Rio. Procurava nas livrarias, bancas de jornal e até em agências de turismo. Nem o fato de Clara levar meses para dar notícias a incomodava. A amiga estava casada com um homem de negócios e o tempo, do lado de lá do oceano, tinha outra dimensão.

Por sua vez Rosa namorou dois rapazes, se apaixonou, desiludiu-se, não casou. Muitos anos depois, beirando aos quarenta, ela foi convidada para trabalhar em uma casa de idosos. Sua experiência no Lar das Crianças foi lembrada. Aceitou a tarefa com alegria. Agora cuidaria dos velhinhos.

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Nos primeiros dias de 1983 o oficial moreno com uma cicatriz no braço deu por findo o trabalho. Por algum tempo o processo dos postais do Rio ficou sobre a sua mesa. Em um país em guerra, assolado por ataques terroristas, qualquer fato inusitado levantava suspeitas. O envio sistemático de postais a partir de uma cidade da América do Sul, sempre na mesma data e com uma frase repetitiva por demais explícita, despertou a atenção do serviço de inteligência.

Peritos fizeram simulações de códigos tentando descobrir a mensagem que se escondia por trás da frase aparentemente inofensiva. Profissionais foram enviados à cidade praiana para investigar o autor da mensagem e seu possível envolvimento com algum grupo inimigo. A gerente atenciosa e boa praça da casa de idosos, conhecida como dona Rosa, teve seus passos monitorados e sua vida vasculhada. Tempos depois, o resultado final da delicada operação ficou registrado no volumoso processo encaminhado pelo oficial às patentes superiores.

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O ano de 1954 havia trazido mudanças inesperadas e radicais. Foi o que pensou a tenente Clara ao abrir a caixa de correio e sentir sob os seus dedos a textura em revelo de um cartão. Dez dias tinham-se passado desde do término da semana da Páscoa naquela primavera de 1963 e mais uma vez recebia um postal de Rosa. Há muitos anos trabalhava em uma base militar, mas estava irremediavelmente cega. Uma granada havia explodido o jipe em que viajava com mais três companheiros, poucos meses depois de sua chegada. Sobrevivera por milagre.

Depois de recusar uma pensão vitalícia do governo Clara aprendeu a leitura e escrita braile e retornou ao exército. Sua vida, a partir de então, estava limitada àquele posto de apoio, em algum ponto isolado do deserto.

Após receber o primeiro postal do Rio mas impossibilitada de vê-lo, Clara decidiu que Rosa jamais saberia da tragédia. Naquele mesmo ano escreveu uma carta à amiga contando que o plano de encontrar um marido vingou. Estava casada com um rico negociante de tapetes.

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Em 1999 a Páscoa trouxe melancolia à dona Rosa. Pela primeira vez em quarenta e cinco anos não saiu às ruas para procurar um postal. De fato, desde a visita do funcionário do consulado, há mais de cinco anos, a discreta e eficiente gerente do Lar dos Velhos tentava driblar a tristeza que se aninhava em sua alma. Comprava os postais e ensaiava enviar à Clara. Mas a possibilidade da amiga estar morta havia se transformado em certeza e os cartões se acumulavam na caixa de papelão embaixo de sua cama.

O ano de 2003 foi o derradeiro para dona Rosa. Ela morreu dez dias depois da Páscoa. Muitos velhinhos choraram. Seus poucos pertencentes foram divididos entre as ajudantes da cozinha. A coleção de postais foi encontrada por uma senhora voluntária que a mostrou ao diretor do asilo. O jovem advogado, sempre apressado em suas visitas e que já desconfiava da amiga fictícia de dona Rosa, não teve mais dúvidas. Recolheu os postais e os jogou no latão de lixo.

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Do outro lado do Atlântico, Clara se despediu do mundo com a imagem de um Rio de Janeiro banhado em luz. Ela permanecera no convés do navio até o horizonte esconder o colar de prédios que pareceu afundar nas águas ondulantes do oceano. Nunca mais pode ver as belezas do Rio apesar dos postais de Rosa. Sua morte, em 1973, constituiu-se em um mistério. Simplesmente dormiu e não acordou. A correspondência com as fotos do Rio encontradas em sua caixa de correios provocou perplexidade. A chegada de mais postais depois de sua morte aguçou a imaginação. Mas a sigilosa operação levada a efeito por agentes muito bem treinados desfez o enigma. Na página final do processo, datado em 28 de março de 1983, o corregedor agastado com todo aquele mal-entendido escreveu: “A investigação está encerrada. O material analisado não tem restrição e a partir desta data está liberado. Que se devolva a quem de direito e que se faça cumprir a presente determinação imediatamente e de forma adequada.”

Já era noite quando o militar fechou a porta de seu gabinete. Lá fora, como lanternas mágicas, as casas se iluminavam para a ceia da Páscoa.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

O Guardião dos Manuscritos


por Sheila Sacks


A descoberta dos Manuscritos do Mar Morto (e seus desdobramentos) já rendeu mais de cem mil títulos publicados em todo o mundo. Esse fantástico evento arqueológico ocorreu em 1947, um ano politicamente emblemático para a humanidade pela histórica decisão da Organização das Nações Unidas (ONU) que, em 29 de novembro, bateu o martelo e se decidiu pela partilha da Palestina.

Mas, por uma dessas incríveis coincidências, também foi nessa exata data de 29 de novembro de 1947 que teve início uma outra história com contornos de lenda. Na cidade santa de Jerusalém, na noite daquele glorioso dia, enquanto ouvia no rádio a empolgante notícia da criação do estado de Israel, um professor da Universidade Hebraica examinava em sua casa, perplexo, alguns pergaminhos que obtivera de um antiquário árabe da cidade de Belém. Chefe do Departamento de Arqueologia da universidade, Eleazar Sukenik (1889-1953) não teve dúvidas de que estava diante de uma das maiores descobertas do século. Naquele momento ele resolveu comprar os três manuscritos colocados à venda, aos quais vieram se somar, ao longo do tempo, outras dezenas de pergaminhos descobertos nas grutas do deserto da Judéia, situadas a poucos quilômetros das margens do Mar Morto.

Em seu livro “A Mensagem dos Rolos” (1957), o arqueólogo Yigael Yadin (1917-1984), filho de Sukenik e na época chefe de operações do exército clandestino judaico que lutava contra a ocupação britânica na Palestina, ressaltou o lado simbólico da descoberta dos primeiros manuscritos, ocorrida simultaneamente à criação do estado de Israel. “É como se os pergaminhos tivessem aguardando nas cavernas durante dois mil anos, desde a destruição do reino de Israel, até que o povo judeu retornasse a sua pátria e reconquistasse sua liberdade”, escreveu. Sete anos depois, em 1954, coube ao mesmo Yadin – que atingiu a patente de general e foi chefe do estado-maior das Forças de Defesa de Israel, de 1949 a 1952 - adquirir e trazer para Israel os outros quatro manuscritos daquele primeiro lote, obtido pelo seu pai em uma operação complexa e arrojada, tendo como cenário a cidade de Nova York.

Estudo dos manuscritos ajuda entender o Judaísmo e o Cristianismo

Hoje, toda essas preciosidades arqueológicas, culturais e religiosas de valor inestimável, pontuadas por mais de meio século de surpreendentes histórias paralelas de risco, persistência e coragem, encontram-se à disposição dos visitantes no Santuário do Livro do Museu de Israel, em Jerusalém. Seu curador e diretor é o rabino Adolfo Daniel Roitman, nascido na Argentina, que desde 1994 tem a grandiosa missão de cuidar desse acervo e que de forma extraordinária vem trabalhando na divulgação do conteúdo dos rolos, principalmente no seu ensino nas escolas. Realizando exposições e palestras, principalmente em universidades da Europa e do continente americano, Roitman acredita que os ensinamentos dos manuscritos são fundamentais para a compreensão da civilização ocidental, já que eles representam um momento especial na história da humanidade: a época do encontro entre o Oriente e o Ocidente, entre a cultura grega e a judaica. Segundo ele, a partir dessa época é que se originaram, de um lado o judaísmo rabínico e do outro o cristianismo que, juntamente com a cultura grega são as três bases de identidade do Ocidente.

Em 2008 entrevistei o rabino Roitman, após sua viagem ao México onde ministrou a aula magna na “Universidad del Claustro “ sobre “Mitos e Realidade dos Rolos do Mar Morto” e participou do “IV Colóquio Internacional Religión y Símbolo”. Da cidade santa de Jerusalém ele falou sobre esse tema apaixonante que atualmente dispõe de uma farta literatura para consulta e aprendizado, o que bem atesta o crescente interesse que o assunto desperta nas pessoas, independente de suas convicções e crenças. Vale dizer que o Santuário do Livro é hoje um dos pontos turísticos mais visitados em Israel.

Entrevista:
Por que considera importante ensinar e introduzir no currículo das escolas judaicas e laicas a cultura do Deserto e os Manuscritos do Mar Morto?

- Os manuscritos do Mar Morto são os documentos mais importantes que foram encontrados na terra de Israel e provavelmente também representem o descobrimento arqueológico mais importante do século 20. Entre 1947 e 1956 foram achados em 11 cavernas na área de Qumran, situada a 25 quilômetros a leste de Jerusalém, aproximadamente mil documentos, incluindo os mais antigos manuscritos bíblicos do mundo. Além disso, entre esses documentos foram encontradas centenas de obras não conhecidas que revelam uma riqueza espiritual judaica inusitada. Entre esses manuscritos estão calendários, peças litúrgicas, textos místicos, obras mágicas e exegéticas que lançam luz sobre a literatura de Israel na época antiga. E daqui, portanto, que toda essa maravilhosa fonte deve ser estudada pelas crianças e jovens com o objetivo de que conheçam o extraordinário legado espiritual do judaísmo antigo e dessa forma consolidem uma imagem mais abrangente, rica e diversificada do pensamento e da literatura do povo judeu, ampliando o seu acervo cultural e equilibrando a imagem rabínica com a realidade que elas conhecem.

Existem escolas secundárias em Israel ou em outros países que já adotaram o estudo dos Manuscritos como uma matéria dentro do currículo escolar?

- Lamentavelmente e apesar de que já se passaram 60 anos dessa descoberta, não se elaborou, ainda, uma estratégia sistemática de estudos desses textos. Contudo, por minha própria iniciativa, desenvolvemos em Israel um programa-piloto para ensinar os manuscritos dentro da grade curricular sobre estudos bíblicos nas escolas secundárias. Esse programa-piloto foi intitulado “O tema do Deserto na Bíblia e nos Rolos do Mar Morto”, e foi posto em execução com bastante êxito em três colégios secundários de Jerusalém. Além desse projeto, e neste caso por iniciativa da Universidade Hebraica, há alguns anos foi realizado um curso-piloto para alunos do curso secundário da escola Dekel-Vilnay, na cidade de Maale Adumim, a leste de Jerusalém. Contudo, ambos os programas educativos não tiveram prosseguimento, mas tenho esperança que o novo centro de informação e educação do Santuário do Livro, inaugurado em 2007, possa retomar esses projetos e dessa maneira alcançar o público de todas as idades para esse fabuloso mundo dos manuscritos.

Já manteve contato com as comunidades judaicas da América Latina no sentido de tornar possível o estudo dos Manuscritos nas escolas?

- Algum tempo atrás eu participei de um projeto educativo do “Centro Melton para Educação Judaica” da Universidade Hebraica, para o qual preparei um curso à distância, com 12 aulas, sobre o “Judaísmo do Segundo Templo” e do qual também fui o coordenador. O curso foi muito bem recebido pelos participantes, o que tem me motivado a pensar na possibilidade de desenvolver um curso semelhante sobre os rolos do Mar Morto. Cabe destacar que nesse projeto do Centro Melton participaram docentes de várias comunidades da América Latina, como as do México, Colômbia, Venezuela, Argentina e outras, possibilitando a esses educadores conhecerem a riqueza e a potencialidade do tema.

Qual o texto dos rolos que considera fundamental para o favorecimento de um clima de tolerância e fraternidade entre as religiões?

- Entre os manuscritos bíblicos mais antigos do mundo achados em Qumran foram encontradas 22 cópias do livro bíblico do profeta Isaías. Entre essas cópias, um rolo da caverna 1 tinha sido escrito há 2.100 anos. Esse profeta é o mais citado nos rolos do Mar Morto e, além disso, é o livro profético mais conhecido de todos os que foram descobertos. De acordo com o que se sabe esse profeta está identificado com a mensagem da Paz Universal, portanto, nesse momento eu creio que é o rolo mais adequado para comunicar ou favorecer um clima de tolerância e fraternidade entre as religiões. Cabe acrescentar, ainda, que esse livro também é o mais citado no Novo Testamento, o que demonstra igualmente que esse profeta era uma figura central para os primeiros cristãos (em suas origens, também judeus).

Palestras sobre os manuscritos bíblicos em universidades católicas

Adolfo Roitman formou-se em Ciências Antropológicas pela Universidade de Buenos Aires. Em 1986 concluiu o rabinato no Seminário Rabínico Latinoamericano, filiado ao “The Jewish Theological Seminary (JTS), de Nova York. Em Israel estudou na Universidade Hebraica de Jerusalém onde se graduou, com louvor, em “Religiões Comparadas” . Na mesma universidade, em 1993, obteve o seu doutorado em “Pensamento Judaico na Antiguidade”.
Casado e pai de três filhos, Roitman foi professor no Departamento de Pensamento Judaico na Universidade Hebraica e no “Schechter Institute of Jewish Studies”, de Jerusalém. É professor palestrante em diversas universidades norte-americanas (Hartford, New York, Texas Christian) e membro da “Society of Biblical Literature” e da “World Union of Jewish Studies”. Autor de dezenas de artigos veiculados em jornais e revistas internacionais sobre interpretação bíblica, literatura judaica, pensamento e religião e os pergaminhos do Mar Morto, Roitman também tem vários livros publicados, entre eles, “Os Sectários de Qumram”, “Imaginando o Templo: Pergaminhos Pedras e Símbolos” e “ O Santuário do Livro e o Mistério do Templo”.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Hitler e os bons leitores de Nietzsche

por Sheila Sacks

Se as regras não mudarem, em pouco tempo as vitrines das livrarias da Alemanha voltarão a exibir um best-seller da década de 1930 (12 milhões de livros editados até 1945), banido desde o final da 2ª Grande Guerra por força da derrocada nazista.

Previsto para entrar em domínio público em 2015, 70 anos após o suicídio de seu autor, o tresloucado e pernicioso livro Mein Kampf (Minha Luta) vai estar à solta, de volta à luz do dia em um arremedo de situação que jamais deveria se repetir se houvesse um mínimo de prudência a capitanear as ações das autoridades competentes. Afinal, ressuscitar um espectro macabro que o sentido comum já ajuizou que melhor seria permanecer socado em sua tumba é como dar de ombros a um passado medonho ou mesmo cutucar a fera com vara curta.

Por conta dessa escandalosa liberação, intelectuais germânicos já se movimentam para elaborar uma edição comentada do livro de Hitler, com um tipo de enfoque que classificam de abordagem científica, ou seja o de procurar explicações e justificativas para uma matança hedionda seletiva instituída por um estado supostamente civilizado. A provável publicação acadêmica imediatamente distinguida com a terminologia de crítica (uma espécie de palavra mágica que funciona como salvo-conduto) ganhou o aval do secretário geral do Conselho Central dos Judeus da Alemanha, Stephan Kramer, para quem é melhor colocar na praça esse arrazoado infame acrescido de análises psico-sócio-políticas à edição normal do texto.

No entanto, as duas alternativas são inquietantes e talvez o prudente seria questionar um pouco mais essa resolução administrativa que pode se constituir em uma bomba relógio ambulante pronta a explodir mais adiante. Comodidades à parte, a luz vermelha está acesa e é preciso estar atento e mobilizado para manter essa obra no limbo, tratando-a como uma exceção às normas vigentes devido ao seu excepcional caráter sórdido e nocivo. E nesse caso específico, a liberdade de expressão não deveria servir de desculpa para a circulação anarquista de apologias discriminatórias e preconceituosas que achincalhem povos e raças.

Um Nietzsche edulcorado para as multidões
No rastro dessas novidades pouco alvissareiras de um futuro próximo, a terra das fábulas e dos contos de fada dos irmãos Grimm também lançou no início de 2010 mais uma coletânea de textos que procura recriar as ideias filosóficas de Friedrich Nietzsche (1844-1900), enxergando pacifismo, tolerância, admiração aos judeus e até uma suposta guinada ao pensamento social de esquerda daquele que foi o filósofo inspirador da política sanguinária de Hitler. O organizador da obra Nietzsche-Lexikon, o alemão Cristian Niemeyer, selecionou mais de 400 artigos de uma centena de autores identificados por ele como “bons leitores” do filósofo, aqueles que na sua opinião buscam entender a sutileza das ideias de Nietzsche, “sem falseá-las com interpretações pessoais”.

Fazendo coro com outras pesquisas similares, Niemeyer exime Nietzsche de apadrinhar o nazismo e o fascismo e põe a culpa de sua má-fama à irmã do filósofo, que segundo ele se apoderou de seu acervo literário, adulterando textos, cartas, a autobiografia, enfim, zoneando seus pensamentos e sua obra.

Acometido de uma doença mental que o tirou de circulação a partir de 1889 e até a sua morte, onze anos depois, Nietzsche tornou-se conhecido e celebrado justamente por seus conceitos de supremacia de raça (super-homem), aniquilamento dos fracos, desprezo às massas e rejeição ao Estado social, à democracia, à religião. Conceitos firmados, explicados e desenvolvidos por Nietzsche muito antes de seu colapso mental e da alegada intromissão da irmã. Segundo ainda Niemeyer, uma das vantagens de se entender o filósofo é que essa compreensão “pode ajudar as pessoas a viver de uma maneira aberta num mundo sem deus”. Trocado em miúdos, a filosofia de Nietzsche funcionaria como um excitante elixir para todos que se julgam “para além do bem e do mal”, título, aliás, de um de seus livros mais ilustrativos, publicado em 1886.

Filósofo queria os judeus fora da Alemanha
No livro em questão, Nietzsche doutrinava:”Não se permita o ingresso de outros judeus na Alemanha! E que lhes sejam fechados principalmente o império do Oriente e também a Áustria, eis o que diz claramente a voz do instinto universal, da qual preciso ouvir o aviso.”

No entender do filósofo, a Alemanha no século 19 já tinha judeus em número suficiente para causar indigestão. “O alemão vai demorar muito para digerir a quantidade de judeus que atualmente está provido, como já o fizeram os italianos, os franceses, os ingleses, graças a sua digestão mais robusta.” E prosseguia, explicativo, dissertando sobre os dois tipos de moral que percebia serem bem característicos em diferentes indivíduos. Para ele existia a moral dos senhores e a moral dos escravos, sendo que essa última seria essencialmente utilitária. Nietzsche imputava aos judeus, “povo nascido da escravidão”, a iniciativa de levaram a cabo uma miraculosa inversão de valores, como a de transformar o pobre em santo e o forte em mau.

Nietzsche se insurgia contra o que ele denominava de “virtudes passivas” (humildade, resignação, prudência, paciência, segurança) e acusava os judeus pelo que chamava de “insurreição dos escravos” no campo da moralidade. Em oposição à moral dos fortes (a dos senhores nobres e aristocratas), o Judaísmo havia criado, por um ato de vingança espiritual, uma moral servil, de culpabilidade, ressentimento e pecado. Um “antimundo” para justificar o sofrimento dos fracos, doentes e oprimidos.

Dizia Nietzsche que “a religião tem a inestimável vantagem de tornar os homens vulgares satisfeitos da sua própria posição, proporcionar-lhes paz ao coração, enobrecer a sua obediência, confortá-los e contribuir para transfigurar a sua monótona existência”. E concluía que “o que pode ser desfrutado em comum, é sempre coisa de baixo valor”.

Ideias delirantes e degeneração psicológica
Para o cofundador do movimento sionista, o húngaro Max Nordau (1849-1923), a originalidade de Nietzsche consistia na inversão tola e pueril da maneira racional de pensar. Em sua obra “Degeneração” ( Entartung), publicada em 1892, o médico, escritor, jornalista e amigo de Theodor Herzl dedica um capítulo ao filósofo alemão, afirmando que seu escritos exibem uma série de ideias delirantes provenientes de ilusões da razão e de processos orgânicos patológicos, comparáveis aos manuscritos dos doentes mentais que os psiquiatras devem ler, não por prazer, mas para prescreverem a internação do autor em um hospício.

Segundo Nordau, que exerceu a psiquiatria em Paris, degenerados psicológicos combinam relativismo moral com egoísmo, carecendo de sentido moral para distinguir o bem do mal e não apresentando sentido de indignação diante do sofrimento das pessoas.

Outro respeitado escritor, filósofo, matemático e pacifista, o inglês Bertrand Russel (1872-1970), também questionava a sanidade de Nietsche, classificando os seus escritos de “meras fantasias de poder de um homem doente”. Prêmio Nobel de Literatura em 1950, Russel justificou essa aversão no épico História da Filosofia Ocidental: “Eu não aprecio Nietzsche porque os homens a quem ele admira são os conquistadores, cuja glória está na habilidade de motivar os homens a matar.”

Nesse sentido Hitler foi um aluno aplicado de Nietzsche que fazia troça do sofrimento alheio. Em um de seus aforismos afirmou que “é preciso ter grande força de imaginação para poder sentir compaixão”. Quanto aos grandes vilões da história, estão todos alforriados na visão de Nietzsche porque não se deve julgar o passado. “A injustiça da escravidão, a crueldade na sujeição de pessoas e povos não devem ser medidas pelos nossos critérios(...) Do mesmo modo a Inquisição tinha as suas razões.”

Hitler distribuía livros de Nietzsche para os soldados
Idolatrado pelo líder nazista, que se considerava a própria encarnação do super-homem (Übermench) do livro “Assim falou Zaratustra” (escrito entre 1883 e 1885), Nietzsche também era oferecido como leitura educativa aos soldados alemães. O veterano jornalista alemão Peter Scholl-Latour, de 86 anos, conta que os militares nazistas liam Zaratustra nas frentes de batalha para se sentirem mais motivados. Imbuídos da ideia de que eram seres superiores, posicionados muito além da moral vulgar das multidões, da gente comum, dos inferiores e débeis, julgavam-se senhores do mundo, uma nova raça de gigantes que imporia a sua vontade de poder sobre uma massa impotente e submissa.

Situação semelhante já ocorrera na Primeira Grande Guerra (1914-1918) e de acordo com outro grande admirador de Nietzsche e membro oficial do partido nazista, o filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976), “na Alemanha ou se era contra ou a favor de Nietzsche”. Aliás, esse envolvimento declarado de Heidegger com o nazismo ( escrevia discursos para Hitler e colaborou para a expulsão de professores judeus da Universidade de Freiburg, em 1933 ) motivou o filósofo francês Emmanuel Faye, 54anos, a propor a remoção das obras de Heidegger das bibliotecas de filosofia. Em seu livro Heidegger, l'introduction du nazisme dans la philosophie (2005), Faye afirma que a obra do alemão está seriamente comprometida com a doutrina nazista.

Fotos mostram culto do ditador nazista a Nietzsche

A admiração de Hitler por Nietzsche também foi destacada pelo jornalista e escritor norte-americano William Shirer (1904-1993) em sua majestosa obra Ascenção e Queda do III Reich: “ Frequentemente Hitler visitava o museu de Nietzsche em Weimar e demonstrava publicamente a sua veneração ao filósofo posando para fotos em que aparece fitando com admiração a imagem daquele que considerava um grande homem."

Em seu livro “Hitler as nobody knows him”, publicado em 1933 (meio milhão de exemplares vendidos até 1938) o fotógrafo pessoal de Hitler, o alemão Heinrich Hoffman, incluiu uma foto do ditador ao lado da escultura de Nietzsche com a seguinte legenda: “O führer em frente ao busto do filósofo alemão, cujas ideias fomentaram dois grandes movimentos populares: o Nacional Socialismo na Alemanha e o Fascismo na Itália.” Falecido em 1957, Hoffman detinha os direitos autorais sobre os retratos oficiais de Hitler usados em selos postais e escritórios do governo e foi em sua loja de material fotográfico que o líder nazista conheceu Eva Braun, ajudante de Hoffman. Amante de Hitler por quatorze anos, eles casaram-se algumas horas antes do suicídio de ambos, em 30 de abril de 1945.
Judaísmo é o oposto de tudo que Nietzsche propagou
Recentemente o rabino-chefe da comunidade judaica britânica, Sir Jonathan Sacks, de 62 anos, foi bastante incisivo em sua condenação aos conceitos do filósofo alemão.” Particularmente considero Nietzsche uma total antítese dos valores judaicos. Eu não vejo relevância no fato de que vez ou outra ele encontre coisas agradáveis para dizer sobre os judeus. Um homem que expressou desprezo pela compaixão e pela ajuda ao próximo; pela bondade, tolerância, perseverança, humildade e amizade, mostrou isso sim, o tempo todo, o que o Judaísmo não é.”

Liderando desde 1990 as Congregações Hebraicas Unidas da Commonwealth e autor de duas dezenas de livros de temática judaica traduzidos em vários idiomas (Teremos Netos Judeus?, A Dignidade da Diferença, Uma Letra da Torá), o rabino Sacks – alçado à categoria de lord em 2009 - radicaliza em se tratando de Nietzsche. “Li seus escritos para saber que o Judaísmo é oposição nessa batalha, agora e para sempre."

Citando a odisséia do Êxodo, o religioso lembra que há 33 séculos o Judaísmo se mostrou como uma voz revolucionária ao enfrentar o poder supremo do faraó para resgatar os indefesos. “As religiões do mundo antigo eram justificativas do status quo. Explicavam por que os ricos e poderosos tinham de ser ricos e poderosos. O Judaísmo mudou essa concepção. A liberdade começa quando partilhamos nosso pão com os outros. Em Pessach lemos: Este é o pão da aflição que nossos ancestrais comeram no Egito. Deixe que todos os famintos venham e comam.”

terça-feira, 16 de março de 2010

Nunca Mais


Em Jerusalém, o presidente Lula reacende a chama eterna no Memorial Yad Vashem – Museu do Holocausto, em memória aos seis milhões de judeus que foram exterminados pelos nazistas na 2ª Grande Guerra.

Repetir várias vezes “nunca mais” como sugeriu Lula, é o que já faz há seis décadas cada israelense, ao acordar todas as manhãs, em sua titânica luta para tornar perene a nação de Moisés.


Repetir várias vezes “nunca mais” é o que os judeus da Diáspora prometem para si mesmos em dezenas de idiomas, dia após dia, toda vez que o mundo se mostra radical e fundamentalista.

E que assim seja para todo o sempre:
Nunca Mais !

quarta-feira, 10 de março de 2010

Aécio coração de estudante


por Sheila Sacks
Aécio, Cabral e Lula, os caras do Brasil, com Sarkozy
publicado, na primeira versão, no Rio Total




Há 25 anos um infortúnio marcou o cenário político brasileiro. O mineiro Tancredo Neves, primeiro presidente civil eleito por um Colégio Eleitoral, depois dos chamados anos de chumbo iniciados com o golpe militar de 1964, é enterrado sob forte comoção nacional na cidade histórica de São João del-Rei.

Hospitalizado às pressas na véspera da posse, o veterano político, de 75 anos, - que foi deputado federal por seis vezes, senador, primeiro-Ministro, ministro da Justiça e governador de Minas – morreu de infecção generalizada, três meses depois de eleito, em 21 de abril de 1985.
Figura-chave, junto com Ulysses Guimarães, para a viabilização do retorno do Brasil à democracia, seu funeral foi transmitido ao vivo pelas TVs de todo o país e uma melodia deu o tom e o clima emocionado de despedida. Tratava-se da composição predileta de Tancredo Neves, obra do seu conterrâneo Milton Nascimento em parceria com Wagner Tiso, uma espécie de hino aos novos tempos de liberdade e justiça que assomavam no horizonte.

A canção de Minas que marcou o Movimento das Diretas Já

Composta em 1983, dois anos antes da morte de Tancredo, “Coração de Estudante” tornou-se a trilha sonora das “Diretas, Já”, movimento civil pelas eleições presidenciais livres que mobilizou milhões de brasileiros em passeatas e comícios em todo o país, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo nos idos de 1984. O processo culminou com a eleição indireta de Tancredo Neves, em 15 de janeiro de 1985, tornando-o o último mineiro a ser eleito presidente do Brasil.
Anos depois, a musa e trovadora argentina Mercedes Sosa, falecida em 2009, traduziu para toda a América Latina os inspirados versos da belíssima mensagem que carimbou uma época de ebulição e aspirações democráticas: “Corazón de estudíante, hay que cuidar de la vida, hay que cuidar de este mundo, comprender a los amigos, alegría y muchos sueños, iluminando los caminos. Verdes, planta y sentimiento, hoja, corazón, juventud y fe.”
Em 2007 Israel recebe a visita de um governador mineiro

Duas décadas depois da morte de Tancredo, uma venturosa coincidência traz o seu neto Aécio Neves, governador de Minas, ao solo sagrado de Israel em 2007, quando da comemoração dos 60 anos da decisão histórica das Nações Unidas que reconheceu o direito dos judeus a sua terra milenar.

Na sacada do Hotel King David, no coração de Jerusalém, Aécio falou de sua emoção em conhecer o país. Na entrevista transmitida pela TV Brasil, ele declarou: ”Tenho viajado e estimulado outros membros do governo a fazer o mesmo, mostrando o que Minas pode oferecer a investidores de todo o mundo. Aqui em Israel, estou conhecendo não apenas a história dos israelenses, mas a história da humanidade”.

Acompanhado de líderes empresariais e assessores, Aécio participou em Tel Aviv de um encontro com 40 empresários israelenses dos setores de informática, irrigação e de segurança. Visitou a indústria aeroespacial de Israel (IAI), a empresa de segurança Ness, a Bolsa de Diamantes e o Museu do Holocausto. “O Brasil é uma democracia estável como Israel e Minas aqui veio convidar empreendedores israelenses para serem parceiros no nosso desenvolvimento para mútuo benefício de nossos povos”, disse Aécio.

A visita de quatro dias a Israel foi vista na época por articulistas israelenses como a mais importante e sugestiva de uma autoridade brasileira nos últimos anos. Expressando publicamente a sua admiração por Shimon Peres e pelo estado de Israel, Aécio Neves cativou a todos que o conheceram em seus encontros com personalidades israelenses, o que levou o jornalista brasileiro Nahum Sirotsky, correspondente em Israel, a escrever um entusiástico artigo no portal IG intitulado “Aécio Neves conquista israelenses”.

Vale registrar que Tancredo Neves foi companheiro de ministério do diplomata Oswaldo Aranha, o brasileiro que presidiu a 2ª Assembléia da ONU em 1947 e se tornou peça decisiva na aprovação do documento. Foi no segundo governo Getúlio Vargas (1951-1954), exercendo o cargo de ministro da Justiça enquanto Oswaldo Aranha era ministro da Fazenda.

Aécio Neves é o governador com a melhor avaliação do país

O governador Aécio Neves, 50 anos, traz de berço o matiz democrático que caracterizou o comportamento e as ações de Tancredo Neves. Ele começou cedo na política, aos 22 anos, como secretário particular do avô. Ao assumir o governo de Minas pela primeira vez, em 2003, Aécio lembrou a frase de Tancredo Neves, feita em 1983, quando o avô foi empossado governador: “O primeiro compromisso de Minas é com a liberdade, porque este é um Estado que não se curva, não ajoelha, não rasteja”.
A inspiração vem dos inconfidentes e de Tiradentes, o grande mártir da independência do Brasil, nascido em Minas e enforcado em 1792, no mesmo dia e mês do falecimento de Tancredo. Está também expressa na bandeira do estado, com a frase “Libertas quae sera tamen (Liberdade ainda que tardia).

Neste 3 de março, editorial do jornal Estado de Minas criticou a “arrogância” de lideranças políticas que diante de um possível fracasso de candidaturas oposicionistas querem se valer do “reconhecimento nacional construído pelo governador Aécio Neves para colocar Minas a reboque”. E lança a pergunta: “Se o mais bem avaliado entre os governadores da última safra de gestores públicos é capaz de vitaminar uma chapa insossa e em queda livre, por que Aécio não é o candidato a presidente?”


Aécio faz parte de uma nova geração de políticos brasileiros – na qual se inclui o simpático e competente governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral - que preza os valores democráticos na condução de suas gestões e repudiam radicalizações ideológicas. Administradores afinados com as boas experiências internacionais e focados em programas e ações sociais positivas e integradas voltadas para a população de baixa renda, são isentos de preconceitos quando se trata de importar ideias e tecnologias que deram certo no ocidente desenvolvido. São políticos que sabem lidar com a globalização e que têm renovado o ambiente nacional com saudáveis e indispensáveis ares de modernidade.

Deputado federal por 4 vezes, ele foi eleito pela segunda vez em 2006 para o governo de Minas. Em todas as consultas realizadas por diferentes institutos de pesquisa, no decorrer das duas gestões, sua avaliação como governador atingiu índices positivos acima dos demais concorrentes. Na mais recente pesquisa, em dezembro de 2009, Aécio também aparece em primeiro lugar na pesquisa Datafolha sobre os melhores governadores do Brasil, recebendo a nota 7,5 em uma escala de 0 a 10. E mais: é um apaixonado pelo Rio de Janeiro.

Lula cogitou Aécio para ser seu sucessor

Segundo maior colégio eleitoral do país, Minas Gerais comemora os 100 anos de nascimento de Tancredo Neves neste ano de 2010. Para muitos, chegou a hora de um mineiro autêntico ocupar a presidência. Mantendo um ótimo relacionamento com o atual grupo da presidência da República, são conhecidas as manifestações de amizade e carinho do presidente Lula por Aécio que, antes da candidatura de Dilma Rousseff (mineira de nascimento mas com trajetória política feita no Rio Grande do Sul), teve o seu nome cogitado para a sucessão.
Foi em 2007, quando em entrevista a Folha de São Paulo o presidente Lula surpreendeu governistas e oposicionistas declarando apoio a uma eventual candidatura do governador de Minas à Presidência da República, desde que Aécio trocasse de partido. No mesmo ano o jornal francês Le Monde apontou o mineiro como um dos nomes fortes para a sucessão presidencial de 2010. Na matéria, o jornal destacava o perfil conciliador de Aécio e sua boa relação com o presidente Lula. Na ocasião, para aqueles já o viam como o sucessor de Lula, Aécio respondia que “ser presidente não é um plano de carreira, mas uma questão de destino”.

Concordando ou não, o mais provável é que a trajetória presidencial de Aécio está mesmo escrita nas estrelas, agora ou mais a frente. Essa percepção foi registrada pelo jornal Correio Braziliense, em meados do ano passado, na reportagem “Lula teme Aécio como a candidato à presidência”. Segundo a apreciação de cabeças coroadas do Planalto seria mais fácil um candidato governista vencer o governador de São Paulo, José Serra, do que derrotar Aécio, já que o crescimento do governador de Minas torna-se inevitável em função de sua capacidade de articulação e de suas boas relações com os partidos e a esquerda.
Minas, o gigante silencioso que decide

Do tamanho da França, o estado de Minas Gerais apresenta a terceira maior economia do país, depois de São Paulo e Rio de Janeiro, e é responsável por 18% das exportações brasileiras. Tem 20 milhões de habitantes ( o segundo mais populoso) distribuídos em 853 municípios. Foi lá que se instalou, em 1976, a maior fábrica de automóveis da Fiat fora da Itália, que emprega 20 mil trabalhadores e é responsável por 30% da venda de carros da marca em todo o mundo.
Aliás, os números da economia mineira impressionam: possui o segundo maior rebanho bovino do país, com 22,3 milhões de cabeças de gado; é o maior produtor de leite ( quase 30% da produção nacional), de café (49% ) e de feijão do país. É líder na produção de cimento e na área industrial produz 38% do aço nacional e 53% do ferro gusa. Somente a empresa Vale do Rio Doce, maior produtora de minério de ferro do mundo e que atua em Minas foi responsável, em 2009, pela extração de 238 milhões de toneladas do produto. Além do minério de ferro, Minas exporta o ferro-nióbio, minério de chumbo, ferro fundido bruto, laminados de ferro e aço, celulose, soja e granito.


Minas Gerais também é o maior produtor de ouro, gemas e diamantes do Brasil, daí o interesse do governador Aécio Neves em conhecer a Bolsa de Diamantes de Tel Aviv. O estado responde por 63% da exportação brasileira de ouro em barras, fios e chapas; 43% da exportação de gemas coradas e 72% da produção brasileira de diamantes. Empresas israelenses, há mais de dez anos, participam do crescimento econômico de Minas através de associações nas indústrias de café e na área tecnológica.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Cartoon: o alvo é Israel


por Sheila Sacks
Cresce o radicalismo no cartoon made in Brasil
publicado no Rio Total
http://www.riototal.com.br/coojornal/sheilasacks039.htm

No que já está se tornando fato corriqueiro, o site Brazil Cartoon abre mais uma vez espaço para promover a arte armada contra Israel, disponibilizando a veiculação de um catálago de charges maniqueístas e manipuladoras sobre a situação política no Oriente Médio. Organizado pelo Ministério de Informação da Síria e intitulado “Gaza em Chamas” (Gaza in fire), o álbum artificioso de cunho ideológico e focado na demonização do estado judeu, resulta de um tipo de estratagema espertamente utilizado pelos países muçulmanos autocráticos (que não permitem a liberdade de expressão sob o seu jugo), nesses tempos de hipocrisia e subversão da realidade: o da organização de concursos e exposições internacionais de “arte engajada”, reunindo “artistas” sensíveis à problemática mundial da pobreza, do meio ambiente, das injustiças e de outros senões sociais.

Para isso monta-se um júri de experts de países “amigos”, tais como o Irã, Brasil, Egito, China, Turquia e Itália, para citar alguns; despacham-se emails para as associações de cartunistas, principalmente para aquelas insanamente aferradas a conceitos e movimentos terceiro-mundistas que congregam tribos inquietas e sedentas por reconhecimento e prêmios; e grafitam-se algumas palavras de fúria, em tinta vermelha, do tipo “all for palestine” e “NO to israeli aggression” nos folhetos, cartazes e demais peças de propaganda. O resultado logo aparece: 303 cartunistas de 67 países prontos para sujeitarem a sua imaginação, talento e criatividade às amarras de um embuste ardilosamente preparado com uma única finalidade, o de transformar Israel em vilão do planeta.

Aliás, em relação a esse certame ocorrido em 2009, Brasil e Irã se destacaram pelo surpreendente número de cartunistas participantes – o primeiro com 39 e o outro com 42 – sobrepujando a China, a países africanos, árabes e do leste europeu, e a própria Síria, organizadora do evento. Uma enxurrada de “artistas” brasileiros teleguiados em sua indignação pela visão astuta e preconceituosa de uma mídia superficial e parcial em sua condenação a priori ao estado de Israel.

Mas, se o prêmio do melhor cartoon contra Israel não coube a um brasileiro, passou bem perto, premiando um cartunista argentino e sua charge-clichê: um keffiyeh (lenço branco e preto usado pelos palestinos) manchado de sangue. Percebe-se que a crescente proliferação desses eventos que supostamente visam estimular a criatividade e a arte são instrumentos dos mais engenhosos utilizados pela propaganda dos países árabes no sentido de inserir talentos dispersos e muitas vezes insatisfeitos pela limitação profissional em seus países de origem, no insensato jogo de brutalidade e ódio a Israel e aos judeus.


Ainda em 2009, no 17º Salão Universitário de Humor ocorrido em Piracicaba, interior de São Paulo, a charge vencedora teve como tema o Holocausto. No desenho muito bem elaborado, o papa está de costas e ajoelhado em frente a um quadro-negro, sendo obrigado pela professora, a ministra da Alemanha vestida de guarda nazista, a escrever dezenas de vezes a frase “Holocaust is real”. A ideia por trás da charge é abominável porque induz o espectador a acreditar que a civilização cristã representada pelo papa está de joelhos, subjugada à pressão do lobby judaico que na charge é comparável à coerção nazista.

Diante de mais essa faceta do antissemitismo, desta vez instalada no que se convencionou chamar de cartoon político, entrevistei em setembro de 2008 o professor Luiz Nazario, profundo conhecedor do assunto.


Cartoon: uma arte armada contra Israel
Publicado no site do Núcleo de Estudos Judaicos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

No limiar do ano judaico de 5769 cresce a legião de cartunistas brasileiros aliciada por regimes extremistas, beligerantes e antissemitas que utilizam a arte da caricatura e da charge como armas de incitação e convencimento. O “cartoon político” virou um campo de guerra, uma terra de ninguém onde artistas-milicianos se valem de todos os artifícios enganosos da propaganda e do imaginário racistas para degradar a identidade judaica e o estado de Israel. Eventos macabros como o concurso “Caricaturas do Holocausto” (2006) organizado pela Casa do Cartum do Irã, ou belicistas como o “Internacional Gaza Cartoon” (maio de 2008), com o tema “Morte em Gaza”, ganharam participação significativa de cartunistas brasileiros, alguns premiados em ambos os certames.

Esse fenômeno perturbador tem sido detectado pelo pesquisador, escritor e professor Luiz Nazario, 50 anos, doutor em História pela Universidade de São Paulo ( com a tese “O Papel do Cinema na preparação do Holocausto”) e profundo estudioso de temas que envolvem o nazismo, o antissemitismo e o terrorismo contextualizados nas áreas da propaganda, do cinema e da animação.

De família italiana, foi bolsista na Alemanha e em Israel, somando mais de 100 artigos publicados em jornais e revistas especializadas. É autor de 19 livros (o mais recente intitulado “Todos os Corpos de Pasolini”), ensina Cinema na Universidade Federal de Minas Gerais e coordenou o Grupo de pesquisa da Discriminação que desde 1997 coleta dados de atitudes e atividades de cunhos racista, antissemita e neonazista no país, para o relatório mundial “Anti-Semitism Worldwide”, publicado anualmente pela Universidade de Tel Aviv.

. A arte, como expressão imaginativa e criativa, estaria conceitualmente imune às amarras da ética filosófica tradicional (e suas normatizações em relação ao bem e ao mal)?
- Tenho me batido, em meus escritos sobre arte e ideologia, contra a ideia corrente de que o artista é um ser divino, acima do Bem e do Mal. Naturalmente, talentos específicos distinguem um artista de outros cidadãos que não possuem os mesmos talentos, mas esse privilégio não isenta o privilegiado da responsabilidade por suas ações. Se o artista é capaz de sintetizar numa imagem toda uma situação, sua síntese possui um poder de impacto que deve ser considerado. Ao engajar sua arte numa causa, o artista sabe – ou deveria saber – exatamente o que está em jogo. Nenhum artista é obrigado a engajar sua arte. Mas se ele engaja sua arte numa causa justa, por mais liberdade, paz, progresso, verdade, ele deve ser recompensado por prestar voluntariamente um serviço à humanidade. Da mesma forma, se ele engaja sua arte numa causa criminosa, por mais terror, guerra, miséria, mentira, ele deve ser punido por contribuir voluntariamente com a desumanidade. A forma dessa punição deve ser estabelecida pela sociedade. Claro que certas sociedades podem aproveitar-se dessa medida para punir os artistas que as incomodem, estabelecendo uma nova censura, um novo totalitarismo etc. Daí o receio de se estabelecer critérios de punição para artistas. Os artistas alemães contribuíram em massa com o regime nazista, desempenhando muito bem a parte que lhes coube na execução nacional do Holocausto. Nenhum deles foi punido por isso. E mesmo Leni Riefenstahl, tão próxima de Hitler, glorificando o regime nazista com seus filmes de propaganda, foi enfim reabilitada.

. É crível ao artista/cartunista no ato da criação sublimar suas ideologias e preconceitos?
- Como disse, o engajamento da arte é uma opção política do artista. Se um cartunista como Carlos Latuff dispõe-se a diabolizar os israelenses para tornar aos olhos do mundo a causa dos palestinos, que ele adotou, mais humana, ele sabe exatamente a que processos e técnicas sua arte precisa recorrer. Tendo o domínio de sua arte, ele expressa exatamente o que deseja expressar. Não pode alegar posteriormente inocência quanto a isso. Naturalmente, tal artista não quer ser visto como racista, e por isso ele se diz de esquerda, deprecia neonazistas e sustenta condenar, em sua arte, apenas um Estado imperialista que massacra palestinos. Mas ao concentrar a humanidade em apenas um dos lados do conflito, diabolizando o outro lado, assume, em sua arte, que todos os crimes podem ser cometidos contra o lado diabolizado.

. De que forma a arte do cartoon tem sido usada como uma arma subreptícia de guerra?
- O cartoon sempre foi usado como arma de guerra, desde a Primeira Guerra Mundial. Veja-se a animação O afundamento do Lusitânia (The Sinking of Lusitania, EUA, 1918), do cartunista Winsor McCay, com mais de 25 mil desenhos numa animação realista, enfatizando o peso dramático da mensagem dirigida contra a Alemanha, cujos submarinos haviam torpedeado e afundado aquele navio de passageiros, resultando em 1.195 vítimas civis, das quais 128 eram cidadãos norte-americanos. Na Segunda Guerra o uso do cartoon na propaganda contra o inimigo foi intensificado, tanto pelo Eixo quanto pelos Aliados. Mas nem toda propaganda de guerra (caricaturas, animações, filmes, etc.) é condenável. É preciso distinguir as propagandas que expressam pontos de vista humanos de solidariedade, amor à liberdade e defesa de uma causa justa das que expressam pontos de vista desumanos, ódio à liberdade, defesa de uma causa injusta. Há propagandas aliadas que, ao combater o racismo e a agressão do Eixo também se mostraram racistas e agressoras. Nenhuma causa deve servir de pretexto para o artista desafogar a própria bestialidade. O que ocorre atualmente no conflito Israel-Palestina é o uso internacional do repertório de clichês antissemitas da caricatura antissemita tradicional (dos séculos XIV-XIX), cujas fontes são os sermões da Igreja católica; e nazista (dos anos de 1920-1940), cujas fontes são Os protocolos dos sábios do Sião. Este uso não se faz mais contra o Judeu (isto é, contra o povo judeu), mas contra o Estado Judeu (isto é, contra todos os judeus que se identificam com este Estado). É como se o antissemitismo, após a criação de Israel, redimensionasse seu ódio ao Judeu para o ódio ao Estado Judeu. Nesta operação, os “antissionistas” esperam dividir o povo judeu entre sionistas e não-sionistas e ainda conquistar uma parcela deles para a causa da destruição da Israel. Algumas técnicas imagéticas dessas caricaturas: 1. Animalização dos judeus ortodoxos (pintados sob a forma de ratos, aranhas, serpentes, dragões etc.); 2. Diabolização das autoridades israelenses (Primeiros-Ministros com chifres e caudas de diabo, cercado de chamas do inferno; renomeação de Israel como “Israelixo” ou “Israhell” etc.); 3. Negação do Holocausto (associação de Auschwitz a um parque de diversões com inserção de uma roda gigante, por exemplo); 4. Dessacralização da Estrela de Davi (sistematicamente associada a suásticas, crimes, opressões e massacres); 5. Troca histórica de papéis em situações históricas diversas (substituição das tropas SS por soldados israelis, da suástica pela Estrela de Davi, de judeus vitimados no Holocausto por palestinos vitimados por Israel); 6. Pacifismo (associação da causa da destruição da Israel à Pomba da Paz, sempre ferida, mutilada, esmagada e morta por Israel, o “eterno perturbador da paz”, como Hitler, causador da guerra mais mortífera de toda a História, chamava os judeus); etc.

. Qual é o papel da globalização nesse contexto?
- A globalização deu à História a dimensão do tempo real, ou seja, tudo acontece em todo lugar ao mesmo tempo. O mundo, que sempre foi um, agora é mais um que nunca. Todos os internautas têm acesso a todas as informações de todos os lugares o tempo todo. Mas algumas verdades horríveis não são assimiladas e a má-fé cresce na mesma medida. Numa disciplina que leciono, Cinema e História, um aluno meu escolheu analisar o filme Paradise Now. Como poucos, ele percebeu que o homem-bomba palestino era santificado na cena do banquete, construída como na Santa Ceia, de Leonardo da Vinci. Mas ao mesmo tempo, recusou-se a perceber o sentido dessa santificação. Ele sabia o que eu pensava a respeito. Mas se ele concordasse comigo precisaria recusar a santidade da causa palestina, o que ele não estava preparado a aceitar, pois se os terroristas palestinos não forem santos, Israel não seria mais tão detestável. E ele precisava odiar Israel, precisava que Israel fosse o Mal para manter funcionando sua visão de mundo, inteiramente baseada na má-fé.

. Quais os fatores que favorecem, na sociedade brasileira atual, a disseminação do preconceito e a demonização de Israel?
- A ideia de que para ser cool, in, fashion, basta odiar os Estados Unidos (o Grande Satã) e Israel (o Pequeno Satã), e de que todo o resto virá automaticamente. Pensar dá muito trabalho, é mais fácil seguir o rebanho. E se a nova onda é um novo tipo de fascismo, é o que se terá no Brasil. Aliás, é o que já temos. Um novo fascismo de esquerda, com discriminação total a Israel e aos EUA. Escritores e artistas como Gore Vidal, José Saramago, John Le Carré, Jean Ziegler e Mikos Theodorakis ajudaram a dar, através de declarações raivosas contra Israel nas mídias de consumo, prestígio intelectual ao pathos antissemita. Mesmo escritores e artistas judeus precisam, agora, para fazer sucesso junto às mídias, mostrar-se contra Israel em certa medida, como o fez Susan Sontag, cujos ensaios admiro, em seus discursos políticos, incluindo o de agradecimento ao Prêmio Jerusalém, coletados recentemente em Ao mesmo tempo. Cineastas israelenses devem fazer como Amos Gitai: criticar Israel em filmes e entrevistas, ou não ganharão prêmios e retrospectivas em festivais internacionais de cinema. A obrigação de atacar os EUA e Israel generalizou-se. Não que os EUA e Israel sejam inatacáveis, mas quando se atacam apenas EUA e Israel, e não se atacam os Estados que efetivamente suprimem liberdades civis, acobertam terroristas, doutrinam crianças, perseguem minorias, inferiorizam mulheres, etc. então não se trata de críticas exprimindo uma visão humanista, mas de difamações propagando uma visão desumana.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Holocausto para os íntimos


por Sheila Sacks


O ano de 2010 se iniciou com a divulgação de dados preocupantes para o Judaísmo. Uma pesquisa encomendada pela Agência Judaica mostrou que 2009 acumulou mais agressões antissemitas que qualquer outro ano desde o término da 2ª Guerra Mundial, em 1945. Agressões estimuladas, em sua maioria, pelo conflito em Gaza (janeiro de 2009). Em paralelo, a consulta também revelou um detalhe perturbador: 42% dos entrevistados responderam que os judeus fazem uso das lembranças terríveis do Holocausto para levar vantagem. Segundo a agência espanhola EFE, a percepção de que “ os judeus exploram as perseguições do passado para extorquir dinheiro” chega a 75% entre os espanhóis e poloneses participantes da enquete.

Vale lembrar que em 2001, em uma das raras pesquisas de campo sobre o antissemitismo no Brasil, constatou-se que 89% dos brasileiros nunca tinham ouvido falar em Holocausto; 32% nem sabiam que houve extermínio em massa dos judeus pelos nazistas durante a 2ª Grande Guerra; e somente 5% dos entrevistados conheciam o significado de Auschwitz, Dachau e Treblinka. Realizada pelo Ibope por solicitação do Comitê Judaico Americano (AJC), a mesma consulta ainda registrou que, apesar do desconhecimento geral sobre o assunto, 35% dos brasileiros entrevistados acreditavam que “os judeus estavam explorando a lembrança do extermínio de seu povo pelos nazistas para objetivos próprios” (contra 46% que discordaram dessa afirmação).

Diante dessas amostras fica claro que uma parte da humanidade deseja varrer para debaixo do tapete a mais hedionda matança planejada de todos os tempos. Para essas pessoas é um tema incômodo de se lidar porque expõe publicamente e de maneira cruel as fraquezas, limitações e dubiedades morais do ser humano em determinados acontecimentos. Melhor seria, pensam, que esse assunto se mantivesse restrito a quatro paredes, a colóquios íntimos, a estudos acadêmicos, homenagens privadas e...só.

Mas, contrariando essa sinuosa corrente que trabalha para desvirtuar e descaracterizar as ações em prol da lembrança do Holocausto, fortalecem-se a discussão pública, o empenho de compartilhar essa experiência escabrosa com as gerações contemporâneas e a vontade férrea de um povo no sentido de que jamais se instale e se repita uma anormalidade institucional desse calibre em qualquer nação de nosso planeta. Ações educativas e esclarecedoras prosseguem em todos os rincões onde o sopro da vida anima e encoraja, malgrado às resistências, as insinuações perversas e a irritação daqueles para quem a existência humana não vale um vintém.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Somos todos irmãos camaradas

por Sheila Sacks
publicado no site da Federação Israelita do Rio Grande do Sul

(Na foto, nosso irmão de Uganda trilha as linhas da Torá; rei em sua crença milenar, majestade em suas vestes de oração, comovente em suas gastas havaianas. Sob o céu da África, ele reza)


Em sua recente visita a Israel, a jornalista catalã Pilar Rahola voltou a fustigar a esquerda mundial que nesta década tornou-se o bastião das maledicências contra o estado de Israel. Convidada para integrar o 3º Fórum Global para Combate ao Antissemitismo, realizado em dezembro de 2009 em Jerusalém, a combativa defensora da causa judaica acusou a esquerda de destruir a civilização quando perdoa ou permanece calada diante das ideologias totalitárias das “ditaduras islâmicas”. Também culpou a esquerda de trair a modernidade ao se apaixonar por déspotas do porte do “islamofaciscta” Ahmadinejad e do “demagogo perigoso” Hugo Chávez, favorecendo ainda a cultura do ódio no momento em que “aplaude” os terroristas do Hamas.

A posição anti-Israel da esquerda ocidental é classificada por Rahola como uma imensa derrota moral de quem já foi paladino da liberdade e “das esperanças utópicas da sociedade”. Lembrando que coube à esquerda, durante muito tempo, “monopolizar o conceito de solidariedade e progresso”, ela estranha que não haja manifestações, em grandes cidades como Paris e Barcelona, “contra a escravidão de milhões de mulheres muçulmanas ou contra o uso de crianças-bomba nos conflitos onde o Islã está envolvido”.

Antigo ódio em nova roupagem

A essa derrota moral da esquerda, contaminada e encurralada pelos germes da intolerância, mentira e preconceito, somam-se outras derrotas importantes que desfavorecem o estado judeu e enfraquece as sociedades, segundo Rahola. Elas se localizam nas áreas da mídia (que informa mal), do pensamento crítico (banalização dos valores da civilização), da ONU (palco de ódio a Israel), da economia (dependência energética) e do próprio Islã, atacado internamente pelo fundamentalismo. Em suma, uma derrota generalizada das forças sociais, políticas, econômicas e religiosas que regem as civilizações.

Frente a esse cenário desolador de representações distorcidas produzidas ao longo dos primeiros dez anos do século 21, Israel sobrevive como um “órfão” na visão da jornalista. “O pensamento intelectual e o jornalismo internacional renunciaram a Israel”, lamenta Rahola. E põe o dedo na ferida - utilizando-se de uma lingüística crua, sem os disfarces habituais que a polidez social recomenda – ao evidenciar o estado judeu, nesse contexto de ruína moral, como a encarnação de “um pária de nação entre as nações, para um povo pária entre os povos.” O antigo ódio vestido de nova roupagem servindo-se do descaso e da falta de um efetivo comprometimento dos governos com os valores da liberdade e da cidadania.

Sentimento de exclusão se amplia

Ainda que ao final da exposição a palestrante conclamasse as pessoas a não serem omissas e a jamais permanecerem sentadas vendo o mal triunfar, a frase impactante da forma como foi dita dificilmente seria repetida por israelenses ou pensadores de ascendência judaica de qualquer matiz ideológico para classificar a posição política de Israel e a situação dos judeus no mundo. Acredito que o pudor, o constrangimento e um mínimo de amor-próprio os impediriam desse autoflagelo público, quase um haraquiri psicológico.

Mas, despida de tais complexos de exceções que ainda fustigam as biografias dos judeus da diáspora e já batem à porta dos israelenses, a perspicaz jornalista em uma única sentença decretou a falência moral da humanidade. Afinal, que valores regulam uma civilização que por mais de dois milênios tem se mostrado, sistematicamente, impiedosa e implacável com um determinado grupo minoritário formado por seres humanos em tudo semelhantes aos demais do planeta?

Mitos medievais sobrevivem

A fidelidade a uma religião ancestral e o respeito aos seus costumes e tradições fazem parte de um conjunto de princípios e padrões que tendem a moldar positivamente a identidade de cada um. E quem faz a sociedade melhor são justamente os cidadãos de bem, quaisquer que sejam os seus credos. Portanto, de certo ponto de vista pode parecer um tremendo non sense que leis precisem ser instituídas para impor as populações um comportamento público de tolerância e compreensão em relação a determinadas minorias formadas por pessoas de bem.

Essa lógica perversa e irracional que perdura e não parece dar sinais de arrefecer justifica o patético título da conferência de Rahola: Judeus de seis braços (em uma tradução bem cuidada de Irene Walda Heynemann). Ou seja, nós judeus ainda somos percebidos pela humanidade como aberrações, tais quais as mulheres-macaco, os irmãos siameses e os homens-elefante que habitavam os picadeiros dos circos medievais.

Uma pena. Afinal, com tantas mentes iluminadas em todos os campos do conhecimento ainda não fomos capazes de descobrir alguma fórmula para extirpar essa chaga medonha da face da humanidade. Mas, apesar disso e talvez por isso mesmo seremos mais irmãos e camaradas neste ano de 2010. Com os olhos e ouvidos atentos, a mente lúcida, as mãos estendidas. Acreditando na amizade, no abraço, na solidariedade e na capacidade das pessoas se entenderem e se amarem sejam quais forem os seus destinos e as suas crenças.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Israel no Haiti

Quando a vida está por um fio, a única política é o socorro imediato

por Sheila Sacks

O estado de Israel mais uma vez se lança de imediato ao socorro da população do Haiti. Três dias após o terremoto que arrasou a capital do país caribenho (12.01.2010) , equipes médicas e de resgate já estavam em Porto Príncipe realizando cirurgias e salvando vidas. São dezenas de profissionais israelenses que se empenham em ajudar, da melhor forma possível, o sofrido povo da América Central. Hoje vivem 25 judeus no Haiti e o rabino Shimon Pelman, do Beit Chabad da vizinha República Dominicana, deslocou-se em um jipe para Porto Príncipe, horas depois da tragédia, para mobilizar associações judaicas de todo o mundo a se engajarem no socorro às vítimas do que está sendo considerada a maior fatalidade sísmica dos últimos 200 anos.

A Ideologia do Bem

Um dos grandes desastres naturais ocorridos no planeta - o terremoto que atingiu o Paquistão, a Índia e o Afeganistão, em outubro de 2005 – tornou mais visível a postura humanitária de Israel que vem se repetindo ao longo dos anos, em casos semelhantes. Pondo de lado divergências ideológicas, pontos de vista antagônicos e ausência de laços diplomáticos legais, o governo de Israel, em poucas horas, se organiza e mobiliza equipes especiais de resgate, equipamentos, material cirúrgico, suprimentos e grupos de ajuda para atender as nações castigadas pela tragédia. Israel oferece, principalmente, sua experiência em lidar com situações de risco e uma tecnologia avançada no socorro às vítimas inocentes, a maioria delas, crianças, mulheres e idosos.
Toda a ajuda possível
O caso do Paquistão é ilustrativo. O país, com a segunda maior população muçulmana do mundo, não mantém relações diplomáticas com Israel, mas logo que ocorreu a tragédia o ministro do Exterior, Silvan Shalom, enviou documento oficial ao ministro paquistanês, Khurshid M. Kasuri, oferecendo “toda a ajuda possível”, dada a larga experiência israelense em lidar com desastres e situações de difícil resgate. Passados seis dias, o jornal paquistanês Daily Times noticiou que o governo daquele país aceitaria o oferecimento de Israel, mas de forma indireta e não oficial, através da ONU, da Cruz Vermelha Internacional ou de um Fundo de Ajuda. Confirmando a notícia, o Paquistão enviou uma lista a Jerusalém destacando os itens mais necessários para o atendimento às vítimas: remédios, barracas, sacos plásticos, colchões, cobertores, alimentos não perecíveis, água potável, estojos de primeiros socorros e material para cirurgias. Diante do fato, o presidente da Organização Sionista norte-americana (ZOA), Morton Klein, expressou a sua indignação considerando-se - particularmente como judeu - “embaraçado e humilhado” pela atitude do Paquistão em recusar a ajuda oficial de Israel.

Já o porta-voz do consulado israelense em Los Angeles na época, Gilad Millo, resumiu de forma clara e precisa a posição humanitária de Israel, independente de governos e governantes: “Quando acontece um desastre desse porte nós só pensamos, em primeiro lugar, em salvar vidas”. E lembrou que Israel está sempre entre os primeiros países a oferecer ajuda aos povos assolados pela tragédia, pouco importando a coloração política, credos e localização geográfica.

Israel vai aonde é preciso

A Indonésia é outro exemplo. Em dezembro de 2004 o país com a maior população muçulmana do planeta foi atingido por um terrível maremoto que produziu cenas de terror, mortes e um estrago monumental. Apesar de não manter relações diplomáticas formais, Israel logo se pronunciou e despachou socorro às áreas afetadas pelo tsunami. O país recebeu 75 toneladas de suprimentos e remédios. Para o Sri Lanka, Israel enviou médicos do Departamento de Cirurgia e Traumatologia do Hospital Hadassah, de Jerusalém, e equipes do Maguen David Adom, o serviço médico de emergência de Israel. Dias depois, um avião da Força Aérea de Israel decolou com mais de 82 toneladas de alimentos, remédios, água mineral, geradores elétricos, barracas e cobertores a serem doados às vítimas.

Também a Tailândia e a Índia, atingidas pelo tsunami, receberam toneladas de suprimentos e foram atendidas por missões israelenses de busca e salvamento. O mesmo procedimento foi adotado por Israel, em 1999, frente aos dois terremotos que devastaram cidades da Turquia – país com população predominantemente muçulmana. Lá, em apenas uma intervenção, as equipes israelenses resgataram 12 sobreviventes e 140 corpos.

Acompanhando os trabalhos na Turquia, o representante da organização judaica norte-americana American Jewish Joint Distribution Committee (JOINT), Ami Bergman, disse que ficou impressionado com a atuação dos israelenses: “Eles são os mais organizados e têm a melhor tecnologia. E o mais importante é que não desistem até a última pedra ser removida”.
Tecnologia a serviço da vida

Especialistas em socorro internacional são unânimes em afirmar que as equipes de resgate de Israel são preparadas, de modo especial, a atender situações extremas em áreas de destruição. Por força de sua experiência em atentados terroristas à bomba, Israel desenvolveu uma avançada tecnologia para a retirada cuidadosa das vítimas dos escombros, sem a utilização de máquinas pesadas e tratores que são usados normalmente.

Desde 1953 – quando pela primeira vez Israel enviou pessoal da Marinha para ajudar a Grécia, abalada por um grave terremoto – o grupo especial de salvamento israelense já participou de mais de 5 mil operações de busca e resgate, tanto em Israel como em vários países do mundo. No continente americano, Israel enviou equipes médicas e suprimentos para o México - quando do terremoto de 1985 - , tendo o mesmo procedimento com Honduras, Nicarágua, Guatemala e El Salvador, em 1998, logo depois da passagem do furacão Mitch.
Em 1999, a Colômbia foi sacudida por um forte terremoto e Israel imediatamente despachou uma grande quantidade de remédios, alimentos e leite especial para bebês. Em 2001, quando El Salvador foi novamente abalado pela tragédia de um terremoto, o Ministério do Exterior de Israel enviou estoques de remédios e equipe médica para socorrer às vítimas. À época, o representante de Israel na ONU, Yehuda Lancry, disse que a ajuda a El Salvador refletia uma longa história de parcerias, cooperação e amizade entre as duas nações. Lembrou que El Salvador foi um dos poucos países do mundo que efetivamente tentou salvar os judeus europeus ameaçados pelo nazismo alemão. Destacou também a disposição, a experiência e a tradição humanitária de Israel de oferecer socorro emergencial a qualquer país do mundo assolado por desastres da natureza.

Ainda em 2001, um terremoto atingiu o oeste da Índia e outra vez Israel enviou uma missão de socorro com equipes médicas, material cirúrgico e grupos de enfermagem, totalizando 150 profissionais. Cinco aviões da Força Aérea de Israel partiram para o local transportando equipamentos e até um mini-hospital. Em dois dias, mais de 200 pessoas foram socorridas.

Em relação ao Irã, logo após o terremoto que matou 30 mil pessoas, em 2003, Israel também ofereceu ajuda oficial e o envio de pessoal, remédios e equipamentos. Mas, as autoridades iranianas rejeitaram o oferecimento por razões políticas e ideológicas. Mesmo assim, o então presidente de Israel, Moshe Katsav (nascido no Irã, em 1945), conclamou a população israelense a ajudar as vítimas iranianas com donativos individuais ou através de organismos internacionais.