Sheila Sacks /
“A polêmica que se formou nas redes sociais
acerca da presença de israelenses em Brumadinho revela que, para certos grupos
da sociedade, tragédias como as da cidade mineira são monopólio nacional. Será
que somente mensagens de solidariedade seriam bem-vindas?”
Sheila Sacks, Rio de
Janeiro
(Mensagem enviada e publicada no painel de leitores de
‘O Globo’ e da ‘Folha de São Paulo’, em 02.02.2019)
A presença de israelenses
na região atingida por uma das maiores tragédias ambientais ocorridas no Brasil
– o rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais, em 25 de janeiro - trouxe
à tona espectros fantasmagóricos que até então viviam submersos ou atolados no
pântano da sordidez e da maledicência.
Nos cinco dias (de 27 a 31
de janeiro) em que a equipe de profissionais de Israel esteve em solo
brasileiro para uma ajuda humanitária, já realizada em diversos países, e que
tem como foco o atendimento a grandes desastres, uma guerra de palavras se
instalou nas redes sociais, tendo de um lado os que elogiavam a iniciativa e em
oposição aqueles que criticavam a ajuda.
A simples constatação de
que ações beneméritas podem sofrer questionamentos e servir de base para
inalações mentirosas envolvendo conspirações e outras calúnias de cunho racista
e preconceituoso funcionou como um alerta para muitos judeus brasileiros que
desconheciam a virulência do antissemitismo pátrio.
Sem
simpatia
A mídia brasileira, em
suas reportagens sobre o desastre ambiental e o trabalho das equipes de
resgate, incluindo aí a participação israelense (136 profissionais e toneladas
de equipamentos), se comportou como de hábito ao reportar diariamente os fatos
- introduzindo afirmações, opiniões e vereditos - e expondo e traduzindo, sob
determinados ângulos, as percepções e humores das centenas de envolvidos.
Porém, é lúcido apontar,
totalmente insensível e apartada de uma possível simpatia à atitude humanitária
e generosa de Israel, que deslocou aeronave, pessoal altamente treinado e
equipamentos sofisticados para se incorporar às forças civis e militares que
trabalhavam em Brumadinho.
Enquanto isso, mídias alternativas
que povoam a internet repercutiam as reportagens, principalmente àquelas que
traziam as opiniões de técnicos da Defesa Civil que questionavam a utilidade
dos equipamentos israelenses no caso específico da tragédia na cidade mineira.
Também o apoio explícito
do atual governo brasileiro à presença da equipe de resgate de Israel contribuiu
para os evidentes sinais de má vontade subliminares expressos nas mídias
impressa e televisiva que se mostram em oposição ao governo.
A impossibilidade de
salvar vidas, em um cenário apocalíptico em que a lama de rejeitos de minérios
cobriria um prédio de 10 andares, nem de longe foi levada em conta. A equipe
israelense chegou no domingo à noite, dois dias depois do rompimento da
barragem e iniciou os trabalhos na segunda-feira de manhã, quando o mar de lama
já tinha percorrido mais de 80 quilômetros.
Mas, a impraticabilidade
de encontrar sobreviventes naquelas circunstâncias não deveria diminuir e nem empanar
o valor da presença dos profissionais israelenses que se juntaram às equipes
brasileiras na procura e resgate dos corpos das vítimas, aguardados
ansiosamente por familiares e amigos.
Antissemitismo presente
Repetindo atitudes como a do
político paranaense Roberto Requião e do cartunista Carlos Latuff, centenas de internautas
difundiram mensagens antissemitas dissimuladas, focadas nos equipamentos de
Israel que não teriam eficácia e sugerindo que a ajuda humanitária era uma
estratégia de marketing. Outros ousaram afirmar que os israelenses tinham interesses
ocultos nos minérios brasileiros.
O primeiro postou no
twitter um comentário infame, indigno e até ridículo, em sua essência,
sugerindo que a equipe de soldados israelenses, em uniformes militares, mais
parecia a de um grupo de assalto à vizinha Venezuela. O segundo postou uma
charge grotesca e ofensiva à chegada dos soldados israelenses, associada às
mortes de palestinos, reproduzida nas redes sociais até por quem se sentia insultado
pela imagem.
Curiosamente, apesar de
todo esse mal-estar que atingiu a comunidade judaica, o espaço dedicado às
mensagens dos leitores não refletiu o inegável clima de insatisfação. Talvez
pelo cerceamento imposto pela mídia brasileira quando o assunto envolve
religião e o antissemitismo. São questões delicadas que os editores evitam fomentar
através desses painéis, visto que em suas análises o nível de antissemitismo no
Brasil é baixo e não merece um enfoque especial.
Sobrou, então, para os
dirigentes das federações judaicas a tarefa oficial de manifestarem sua repulsa
frente a essas ocorrências, apesar do pouco ou nenhum espaço reservado pela
mídia, graciosamente, a esses tipos de comunicado.
História e tecnologia
Posteriormente, artigos
assinados por acadêmicos amigos, alguns de ascendência judaica, pontilharam as
páginas de opinião de alguns jornais, evocando e discorrendo sobre um passado
judaico da população brasileira, representado pelos cristãos-novos que aqui
chegaram à época dos Descobrimentos. Uma afinidade, segundo os autores, de mais
de cinco séculos.
Igualmente, considerações
variadas sobre o ganho tecnológico que o Brasil obteria com o estreitamento das
relações bilaterais com Israel foram aventadas em colunas opinativas, com o
inefável toque de uma publicidade oficiosa.
Enfim, não é novidade a
relação difícil e complexa da mídia mundial com o estado de Israel. Na Europa,
o fenômeno é mais aparente. Aqui, a presença dos israelenses em Brumadinho fez
aflorar, do lamaçal pútrido da barragem, os terrificantes e asquerosos mortos-vivos
da discriminação, do preconceito e do antissemitismo. Duendes do mal que a
comunidade judaica jamais se permitiu conceber em seus piores pesadelos
noturnos.
A indagação que se faz, a
partir de agora, é de como agir, em se tratando de estratégia permanente de
comunicação, frente à constatação da presença de um antissemitismo escancarado
e ativo que se dispôs a macular uma ação humanitária protagonizada por um país
amigo.
Simplesmente seguir
adiante, como nada tivesse acontecido; minimizar as ocorrências por conta de
uma suposta liberalidade em relação ao mantra “liberdade de expressão”; ou
fingir que, no final das contas, a comunidade judaica saiu aparentemente ilesa
e os soldados de Israel cumpriram a sua missão.
Esses são os
comportamentos usuais que todos conhecem, mas, nem por isso, exemplares e
recomendáveis.