/ Sheila Sacks /
Mais de sete décadas se
passaram desde a libertação do maior campo de extermínio nazista. Pesquisadores
ainda se debruçam para entender de que forma um governo com
apoio popular se converteu na maior máquina aniquiladora de seres humanos da
história.
Celebrado desde
2005, o Dia Internacional do Holocausto instituído pela ONU (Organização das
Nações Unidas) relembra anualmente, em 27 de janeiro, os seis
milhões de judeus assassinados pelo regime nazista da Alemanha, durante o
período da 2ª Grande Guerra (1939-1945).
A data marca a libertação
do campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, na Polônia, pelas tropas
soviéticas em 1945. Na ocasião, foram encontrados 7.650
sobreviventes em condições deploráveis. Dias antes, diante da ofensiva dos
aliados, 58 mil prisioneiros foram retirados do campo pelos soldados nazistas e
obrigados a marchar em direção à Alemanha, sob um frio rigoroso e sem
alimentação, no que ficou conhecido como a “marcha da morte”.
Dados do “Memorial and
Museum Auschiwitz-Bierkenau”, museu que funciona no local desde 1947, atestam que
802 prisioneiros tentaram escapar do campo – 757 homens e 45 mulheres - , mas que
apenas 144 obtiveram êxito. Um efetivo de 7 mil homens da famigerada SS
(Schutzataffel – Tropa de Proteção) mantinha vigilância permanente, aplicando
tortura e métodos cruéis de aniquilamento, e desse total menos de 800 foram
posteriormente julgados por crimes de guerra.
Segundo a historiadora e
socióloga alemã Tanja Von Fransecky, outros 764 judeus conseguiram escapar da
morte no Holocausto (Shoah, do hebraico, calamidade ou catástrofe) pulando dos
trens que os levavam para os campos de extermínio. Pesquisadora do Arquivo
Nacional da Alemanha, na seção sobre “Perseguições aos judeus”, Fransecky é
autora do livro “Escapees - The History Of Jews Who Fled Nazi Deportation
Trains In France, Belgium, And The Netherlands” (2014) que conta a saga dessas
pessoas, de idades variadas, que imbuídas de coragem ou tomadas pelo desespero se
arriscaram e deram o seu “salto para liberdade”.
Indústria da morte
Localizado a 70
quilômetros da cidade de Cracóvia, no sul da Polônia, o complexo de Auschwitz foi construído pelos nazistas em 1940 inicialmente
para receber presos políticos do exército polonês, depois membros da
resistência, intelectuais, homossexuais, ciganos e judeus (Auschwitz I).
Em 1941, foi construído um
campo maior, com espaço para 100 mil pessoas, na região de Birkenau, a 3
quilômetros do primeiro campo. Mas este não seria um campo de trabalho e sim de
extermínio. Foram instaladas cinco câmaras de gás e fornos crematórios, cada um
deles com capacidade para 2.500 prisioneiros (Auschwitz II).
Um terceiro campo
(Auschwitz-Monowitz) serviu para abrigar uma fábrica da indústria IG Farben, de
produtos químicos. O pesticida Zyklon B, do qual a fábrica detinha a patente,
foi usado nas câmaras de gás para o assassínio massivo de judeus. O complexo
ainda incorporava outros 44 subcampos.
A estimativa é que foram
exterminados 1,1 milhão de judeus em Auschwitz, a partir de 1942, entre homens
e mulheres adultos, crianças, jovens e idosos. De acordo com o “United States
Holocaust Memorial Museum”, em Whashington, a matança também se estendeu a 74
mil poloneses, 21 mil ciganos, 15 mil prisioneiros da União Soviética e 15 mil
de outras nações.
Solução Final
Há mais de 25 anos pesquisando, escrevendo e realizando documentários
sobre o tema, Rees acredita que existe “uma parte muito sombria na humanidade”
e cita o historiador americano Christopher Browning, também um estudioso do
Holocausto: “É muito significativo que nunca na história um genocídio
tenha fracassado devido à falta de pessoas dispostas a assassinar.”
O historiador inglês de 62
anos afirma que uma das pessoas mais importantes que conheceu ao longo da vida
foi justamente um sonderkommando
(prisioneiros que atuavam nos campos de concentração a comando dos nazistas)
que lhe disse esta frase: “Jamais podemos saber do que os seres humanos são
capazes.”
Em 2005, Rees escreveu,
produziu e dirigiu para a rede britânica de rádio e TV BBC a série
“Auschwitz:Os Nazistas e a Solução Final”, com 6 episódios. Ele entrevistou
dezenas de ex-prisioneiros e seus carrascos em um trabalho que durou 3 anos e
que também resultou em um livro de igual título.
Na ocasião, falando ao
jornal espanhol “El País”, Rees revelou o motivo que o levou a dedicar a maior
parte de sua vida a pesquisar sobre o Holocausto. Foi a partir de uma resposta
dada pelo secretário pessoal de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda do
regime nazista.
Homem encantador e muito
inteligente, segundo Rees, Wilfred Von Owen foi entrevistado pelo historiador.
“Ele me disse que a melhor palavra que lhe ocorria para definir o que foi a sua
experiência no Terceiro Reich seria ‘paraíso’.” Owen faleceu em 2008, aos 96
anos, em Buenos Aires.
Diante dessa resposta, Rees
se aprofundou ainda mais em seus estudos sobre esse período de trevas para
entender de que forma um governo com apoio popular se converteu na maior
máquina aniquiladora de seres humanos da história.
Perseguições e fugas
No início do século 20, as
perseguições violentas aos judeus se concentravam na Rússia. Vários pogroms (palavra de origem russa que
significa ‘causar estragos’, ‘destruir com violência’) ocorreram antes da 1ª
Grande Guerra como os das cidades de Kishinev (1903) e Odessa (1905), com
centenas de casas e lojas destruídas e milhares de judeus mortos ou feridos. Ao
todo, mais de 2 milhões de judeus fugiram da Rússia entre 1880 e 1914.
Com a ascensão de Hitler a
chanceler da Alemanha, em janeiro de 1933 (no ano seguinte se tornaria o führer do regime nazista), 37 mil judeus
deixaram o país, 7% dos 520 mil que lá viviam. A maioria se deslocando para a
França e a Holanda.
Ainda em 1933 foi
implementado o primeiro campo de concentração na Bavieira, em uma fábrica
desativada na cidade de Dachau, a 15 quilômetros de Munique. Inicialmente para
confinar políticos e intelectuais comunistas e socialistas.
Cinco anos depois, com os
judeus alemães já sofrendo os mais variados tipos de pressão social, tem início
na Alemanha um dos pogroms mais brutais da história. A Noite dos Cristais
(Kristallnacht) ou a Noite dos Vidros Quebrados, iniciou-se na noite de 9 de
novembro de 1938, durou dois dias e teve um saldo aterrorizante: 250 sinagogas
queimadas, 7 mil estabelecimentos comerciais judaicos destruídos, cemitérios,
hospitais, escolas e casas saqueadas, 30 mil judeus presos e dezenas de mortos.
Tudo acontecendo ante a total indiferença das forças policiais.
Exposição em Madri (2018) |
Foi o terrível prenúncio da
tragédia avassaladora, sem precedentes na história moderna, que iria desabar
sobre os judeus da Europa, mudando de forma cabal e dramática a percepção
humana sobre o que se entende por “mal”. Porque, como bem alerta a filósofa
americana Susan Neiman ("O Mal no Pensamento Moderno"), “o que aconteceu em Auschwitz representa tudo que
queremos dizer hoje em dia quando usamos a palavra mal: atos absolutamente daninhos que não deixam espaço para
justificativa ou explicação”.