Sheila Sacks /
Permanece
fechada, desde o início de setembro, a embaixada de Israel em Assunção, por
conta da atitude do governo paraguaio de voltar atrás da decisão de transferir
a sua representação diplomática de Tel Aviv para Jerusalém.
O
imbróglio teve início em 21 de maio, quando o então presidente Horacio Cartes
esteve em Israel e, juntamente com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu,
participou da cerimônia de inauguração da nova sede da embaixada no bairro de
Arnona, na parte sul de Jerusalém, onde dias antes haviam sido instaladas as
embaixadas dos Estados Unidos e da Guatemala.
Na
época, apesar de Cartes continuar exercendo o cargo de presidente do Paraguai e
ter a prerrogativa legal de transferir a localização da embaixada, um novo
mandatário já tinha sido eleito no país, no pleito realizado em 22 de
abril. Tratava-se de Mario Abdo Benitez que ao assumir a presidência em 15 de
agosto esperou pouco mais de duas semanas para anunciar, através de seu
ministro de Relações Exteriores, Luis Castiglioni, o retorno da embaixada para
Tel Aviv.
Reação
imediata
Ao
anúncio emitido em 5 de setembro pela chancelaria do Paraguai, a reação de
Israel foi dura e imediata. No mesmo dia, Netanyahu comunicou o fechamento da
embaixada israelense naquele país e o cancelamento de suas atividades. A visita
de uma delegação de economistas israelenses também foi suspensa.
O
gabinete israelense reforçou a reação emitindo um comunicado afirmando que a
decisão do Paraguai foi vista com extrema gravidade e irá obscurecer as
relações bilaterais entre os dois países.
Duas
semanas depois, a Agência de Israel de Cooperação Internacional para o
Desenvolvimento (Mashav), que oferece programas técnicos e sociais
gratuitos, divulgou o cancelamento de todas as ações em andamento no
país, como a suspensão de bolsas de treinamento, cursos móveis e projetos
planejados para o último trimestre do ano.
O
programa de bolsas da Mashav compreende mais de 60 cursos intensivos de
especialização profissional desenvolvidos anualmente em centros de treinamento
em Israel. Os cursos têm duração de um mês e incluem áreas como agricultura,
educação, desenvolvimento social, comunicação, inovação, empreendedorismo,
segurança cidadã e outras.
Dentre
os cursos cancelados estão àqueles voltados para a evolução social da mulher,
em cooperação com os Ministérios do Trabalho e da Mulher, e os que lidam com
situações de emergência, que tem o apoio do Ministério do Interior e a
Secretaria Nacional de Emergência (SEM) do Paraguai.
Também
foi suspensa a doação de 270 cadeiras de rodas especiais para crianças com
deficiências físicas ou com mobilidade limitada, segundo a imprensa paraguaia.
Mas,
apesar da interrupção desses programas de cooperação, o setor de exportação de
carnes do Paraguai divulgou, no início de novembro, que foi reativada a relação
comercial entre os dois países e que empresários israelenses do ramo são
esperados no país em janeiro próximo.
De
acordo com a Câmara Paraguaia de Carnes, a expectativa é que 2018 se encerre
com a estimativa de venda de 280 mil toneladas de carne para Israel, gerando um
lucro de 1,2 bilhão de dólares.
Senado
ratifica decisão
Cinquenta dias após a decisão do presidente Abdo Benitez, em
25 de outubro, o senado paraguaio ratificou a iniciativa, rejeitando a petição
encaminhada por cinco senadores para rever a realocação da embaixada para Tel
Aviv, onde atualmente está localizada.
Dos
35 senadores presentes na votação, apenas nove congressistas ligados ao grupo
do ex-presidente Cartes apoiaram o projeto que pedia a volta da embaixada a
Jerusalém.
Antes
da votação, o senador Rodolfo Friedmann assinalou que o Congresso não podia
interferir nesse tipo de assunto que diz respeito ao Executivo. Outros
senadores presentes reclamaram publicamente da insistência de alguns colegas de
prosseguirem nessa questão que, consoante à maioria dos parlamentares, já foi
definitivamente resolvida pelo governo do país.
No
plano da diplomacia, o clima foi mais ameno. O ministro das Relações Exteriores
Castiglioni enviou uma carta ao primeiro-ministro Netanyahu,
em 31 de outubro, expressando a esperança de que Israel reconsidere a sua
decisão de fechar a embaixada na capital paraguaia.
Ressaltando
a amizade que une os dois países, o chanceler afirmou que o Paraguai
mantém a sua representação diplomática em Israel, tendo à frente o embaixador
Max Heber, esperando que Israel reabra a sua embaixada em Assunção. “Israel é
nosso amigo, nosso aliado”, reforçou.
Em
2002, para reduzir custos, Israel fechou a sua embaixada no Paraguai,
reabrindo-a em 2015. Em ato recíproco, o Paraguai igualmente fechou a sua
representação em Israel que voltou a funcionar em 2014.
Decisão
“chocante”
No
mundo judaico, a reviravolta do Paraguai levou a diretora de Assuntos
Latino-Americanos do Comitê Judaico Americano (AJC, na sigla em inglês), Dina
Siegel Vann, a classificar de “chocante” a inversão diplomática do país
sul-americano. Ela chamou a atenção para o fato da Autoridade Palestina, dias
depois do anúncio do Paraguai, declarar que abriria uma “embaixada” em
Assunção.
Presente
na posse de Abdo Benitez, em 15 de agosto, o ministro
das Relações Exteriores da Autoridade Palestina, Riyad al-Maliki, no dia
seguinte foi recebido pelo chanceler Castiglioni em audiência privada. De
Ramallah, ele confirmou que pressionou o governo paraguaio a mudar de rumo e
considerou o fato como uma “nova conquista diplomática palestina”.
“Reverter
repentinamente uma decisão histórica, menos de quatro meses depois, suscita uma
série de perguntas, inclusive quem exerceu pressão sobre o Paraguai para assim
proceder”, avalia Siegel Vann. Para o governo israelense, houve sim pressão dos
países árabes e promessas de futuros acordos e investimento no país influenciando
a troca de posição do recém-eleito presidente.
A
suposição é atestada pelo comportamento do presidente da Turquia, Tayyip
Erdogan, que dois dias após a decisão do governo paraguaio anunciou a abertura
da embaixada de seu país em Assunção. Até então, os contatos diplomáticos eram
feitos via Buenos Aires. Uma visita ao Paraguai foi agendada para dezembro.
Por
sua vez, o secretário-geral da Liga Árabe, Ahmed Abulgueit, assegurou que a
iniciativa do governo do Paraguai irá se refletir na relação com os países
árabes, “consolidando a cooperação e a amizade” entre eles. Também o ministério
de Exterior libanês aplaudiu a decisão paraguaia, afirmando em comunicado que
“outros países deviam seguir esse exemplo”.
Outra
demonstração de apoio veio do emirado do Qatar. O xeique Tamim Hamad bin Hamad
al-Thani visitou o Paraguai em 3 de outubro, com uma comitiva de 100
empresários, e celebrou acordos de cooperação técnica e econômica, sendo
condecorado com a mais importante láurea do país: a Ordem Nacional de Mérito no
grau de “Collar Mariscal Francisco López”.
Meses
antes, em abril, o ministério de relações exteriores paraguaio já tinha enviado
um memorando diplomático aos Emirados Árabes Unidos (EAU) concedendo aos seus
cidadãos a possibilidade de entrada sem visto no Paraguai por um período de 30
dias.
Comunidade pequena
Com 6,7 milhões de
habitantes, o Paraguai foi destaque, no início do ano, de uma reportagem
na Forbes, conceituada revista americana de negócios. Segundo a
publicação, o país se apresenta hoje como “o novo líder emergente da América do
Sul”, investindo em tecnologia, na construção civil, reduzindo a pobreza, diminuindo
sua dependência da exportação de commodities (soja e carne, entre outras) e
consolidando sua dívida pública em 22% do PIB, um dos mais baixos índices da
região (no Brasil, a dívida pública, em julho, somava 77% do PIB).
A comunidade
judaica no Paraguai é bem reduzida, com cerca de mil pessoas, a maioria
residindo na capital. Possui 3 sinagogas (uma do Chabad, que oferece atividades
complementares para crianças, jovens e adultos), uma escola judaica em tempo
integral (‘Escola Estado de Israel’), um museu judaico ( com uma seção dedicada
à Shoah) e associações culturais e recreativas como a Unión Hebraica do Paraguay, B'nai
B'rith, Wizo, movimento Hanoar Hatzioni, Asociasion
Shalom y Amigos de Israel e mais a newsletter semanal “Hashavua”.
Em contraponto, a
população muçulmana no país é calculada em 15 mil membros, conforme dados do Centro Benéfico Cultural Islámico Asunción
. O atual presidente paraguaio é descendente de sírios. Seu avô, Reduan Abdo,
chegou ao Paraguai na década de 1910, pela cidade de Pedro Juan Caballero, na
fronteira com o Brasil. A informação está no livro “Árabes en Paraguay”, de
José Daniel Nasta.
Segundo a Organização Islâmica para a América Latina e
Caribe atualmente vivem 6 milhões de muçulmanos nos países do bloco. O Brasil
tem 1,5 milhão, a Argentina, com 700 mil, a Venezuela (100 mil) e a Colômbia, com
40 mil. Números discrepantes em relação àqueles divulgados pela instituição
americana Pew Research Center (2011)
que estimou a população muçulmana nas três Américas em 5,6 milhões, incluindo
os Estados Unidos (2,5 milhões) e Canadá (940 mil).
Pelos dados do
centro de pesquisa Pew, que permanecem válidos, o Brasil contaria com 204 mil,
o México, 111 mil, Venezuela (95 mil), Panamá (25 mil) e Colômbia, com 14 mil.
Já a Argentina abrigaria 1 milhão de muçulmanos.
Casa Branca lembrou compromisso
Da parte da
diplomacia americana, o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, ligou
para o presidente paraguaio no dia seguinte à decisão. A Casa Branca divulgou
que na conversa com Abdo Benitez, a autoridade americana recordou “o compromisso
prévio do Paraguai de mover a embaixada para Jerusalém como um sinal de sua
relação histórica tanto com Israel como com os Estados Unidos”.
Assinalou também
que o presidente paraguaio “destacou a
associação duradoura do Paraguai com Israel” e que concordou em trabalhar conjuntamente com os Estados
Unidos para obter uma solução integral e
duradoura para o conflito entre israelenses e palestinos”.
Abdo Benitez
estudou nos Estados Unidos e seu pai, acusado de enriquecimento ilícito, foi
assessor direto do presidente Alfredo Stroessner, que governou o país por 35
anos, até 1989.
Preocupação com terrorismo
Entre as lideranças
judaicas, houve a manifestação do
presidente do Congresso Judaico Latino-Americano (CJL), o argentino Adrián
Werthein. Em entrevista ao jornal La
Nación, do Paraguai, ele admitiu que “cada país traça suas próprias linhas
de estratégia geopolítica”, mas, disse esperar que o novo governo paraguaio
“mantenha o caminho de relações de amizade com Israel que têm sido históricas
desde a criação do estado, em 1948”.
Werthein ainda
enfatizou a preocupação do CJL com a chegada de grupos terroristas na região.
Ele citou a presença do Hezbolah na tríplice fronteira, afirmando que é um fato
inquietante não somente para as comunidades judaicas, mas também para países e
governos.
O dirigente do CJL lembrou
que há um ano, na cidade de Córdoba, a organização judaica juntamente com
entidades representativas do cristianismo e do islamismo assinaram um documento
declarando a América Latina e Caribe como “Zona de Convivência Interreligiosa”.
Um passo importante no sentido de fortalecer a tolerância e a convivência
harmônica, a cooperação mútua e o pluralismo das distintas crenças religiosas.
Faltou diplomacia
Mais enfático foi o
desabafo do presidente da “Comunidad Judia Del Paraguay”, Jack Fleischman.
Falando ao jornal ABC color, um dos
maiores do Paraguai, ele lamentou a ruptura diplomática entre Israel e Paraguai
e criticou a decisão do presidente Abdo Benitez .“A um amigo não se faz o que o
Paraguai fez com Israel”, disse. Para Fleischman faltou diplomacia na forma
como foi decidido o retorno da embaixada paraguaia para Tel Aviv.
O dirigente fez um
alerta sobre a recente proximidade diplomática do Paraguai com países dominados
pelo fundamentalismo muçulmano. “Eu não me preocupo com Israel. Israel sabe se
cuidar sozinho. Eu me preocupo conosco, com nossos filhos, com nosso Paraguai
querido, para que não seja influenciado por ideologias que vão contra o nosso
modo de vida.”
Acentuando o tom do
discurso, Fleischman ressaltou o perigo dessa aproximação com “países sem
democracia, sem liberdade de imprensa, de culto, de movimentos sociais, onde as
mulheres não podem trabalhar”. Para o ativista, as embaixadas desses governos
“somente querem trazer suas ideologias e seu proselitismo para acabar dividindo
a sociedade”.
Caso Messer
Foragidos da justiça do
Paraguai, os brasileiros de origem judaica Dario Messer e seu filho, Dan Wolf
Messer, são notícias quase diárias na mídia paraguaia. Uma situação
constrangedora que de alguma forma impacta a pequena comunidade judaica do
Paraguai. Eles têm paradeiro ignorado desde a expedição de uma ordem de captura
internacional assinada em maio por uma juíza federal do país.
Acusado de lavagem de
dinheiro e associação criminosa, Dario tem cidadania paraguaia e sempre manteve
laços estreitos com o ex-presidente Horacio Cartes. Seus principais auxiliares,
Ilan Crinspun e Juan Pablo Jiménez Viveros, primo de Cartes, se entregaram à
Justiça e cumprem prisão preventiva desde 31 de outubro.
Os advogados de Dario
Messer alegam que não há garantias legais para que o acusado se apresente ao
Ministério Público paraguaio. Questionam a instalação, no Congresso, de uma
comissão de deputados e senadores para investigar as atividades de Messer
presidida justamente por um seu desafeto, o senador Ronaldo Friedmann.
Acusam, ainda, o estado
paraguaio de confiscar ilegalmente oito propriedades de Messer, totalizando 10
mil hectares de terras, e mais 12 mil cabeças de gado, que agora estão sob o
poder da Secretaria Nacional de Bens Apreendidos e Confiscados (Senabico, na
sigla em espanhol).
Segundo a imprensa paraguaia,
Messer criou ao menos quatro empresas, desde 2011, para a prática de lavagem de
dinheiro. Ele seria dono de 152 propriedades que alcançariam mais de 100 mil
hectares, quase 10 vezes o tamanho da cidade de Assunção.
O jornal espanhol “El Pais” ( na edição
brasileira online), em reportagem publicada no início de maio, quando do alerta
da Interpol contra Messer, relatou que ele é acusado de ter coordenado um
esquema que movimentou mais de 1,6 bilhão de dólares em 52 países. No Paraguai,
os promotores do caso acreditam que o montante de recursos ilegais no país
chegaria a 40 milhões de dólares.
Indagado pelo paradeiro
de Messer, em uma entrevista ao canal de TV Telefuturo,um
de seus advogados, Ricardo Galeano,respondeu que por dever profissional não
pode revelar a localização do cliente. Mas, as suposições se voltam para
Israel, onde a família de Messer se mudou em 2015. Dois anos antes, ele
integrou a comitiva do então presidente Horacio Cartes que visitava Israel pela primeira vez.