Sheila Sacks /
Relatório
divulgado em 10 de dezembro, em Bruxelas, pela Agência dos Direitos
Fundamentais da União Europeia (FRA, na sigla em inglês) revela que mais de um
terço dos judeus entrevistados em 12 países evitam eventos e locais judaicos
por medo em relação a sua própria segurança. Esse também é o motivo pelo qual
um número similar de judeus, nos últimos cinco anos, considerou a hipótese de
emigrar.
A
pesquisa consultou 16.395 judeus que residem em países que abrigam 96% das
comunidades judaicas e expôs a sensação de um mal estar generalizado entre os
judeus frente ao aumento de ações violentas de antissemitismo, muitas vezes
estimuladas por comentários antissemitas de políticos que alimentam esse clima
de ódio e de impunidade.
De
acordo com o estudo, nove entre dez judeus identificaram um agravamento em
relação ao ambiente de antissemitismo vigente, principalmente no seu dia a dia,
ao enfrentarem hostilidade no local de trabalho, nas redes sociais e nas ruas,
ao se depararem com pichações em muros próximos às sinagogas. Para 85% deles, o
antissemitismo é o maior problema social ou político em seu país de origem.
Os
países onde esse sentimento de medo é maior são a França, Polônia, Bélgica e
Alemanha.
Europa
insegura
O
diretor da FRA, Michael O’Flaherty, considerou perturbador os dados apresentados pela pesquisa. ”É impossível descrever o quanto dessas realidades cotidianas
podem ser corrosivas, e a mensagem enviada é clara quando um terço dos judeus
diz que pensa em emigrar porque não se sente seguro.”
Por
sua vez, o vice-presidente da Comissão Europeia de Direitos Humanos, o holandês
Frans Timmermans, disse estar profundamente preocupado com a situação. “É
essencial lutarmos juntos contra o flagelo do antissemitismo. As comunidades
judaicas devem se sentir seguras em sua casa. Se falharmos neste objetivo, a
Europa deixará de ser Europa.”
Outro
membro da Comissão, a advogada tcheca Vera Jourová, classificou de “chocantes” alguns
números do relatório. Ela lamentou que 70 anos após o Holocausto, 9 entre 10
judeus europeus declarem que o antissemitismo aumentou e que não se sentem
seguros em casa, ao navegar na internet ou caminhando para a sinagoga.
Comissária
para Justiça da União Europeia (EU, na sigla em inglês), Jourová prometeu uma
ação mais dura contra crimes de antissemitismo, especialmente os que ocorrem na
internet, e pediu aos estados membros da EU que adotem a definição de
antissemitismo emitida pela Aliança Internacional da Memória do Holocausto (The
International Holocaust Remembrance Alliance – IHRA), organização criada em
1998, com sede em Berlim, que reúne 31 países membros e 11 países observadores
(o Brasil não integra a instituição).
Jourová
enfatizou que para combater algumas formas de retórica anti-Israel - especialmente as veiculadas online - tornando-as crimes, é preciso que os países
se alinhem à definição de antissemitismo expedida pela IHRA.
Retórica
do ódio
Em
2016, a plenária da IRHA reunida em Bucareste definiu o antissemitismo como
“uma certa percepção dos judeus que pode ser expressa como ódio em
relação aos judeus". E também quando "a retórica e a manifestação física do antissemitismo são
dirigidas a indivíduos judeus ou não judeus e/ou suas propriedades, instituições
comunitárias judaicas e instalações religiosas”.
No
documento, são listados 11 pontos que se referem a exemplos contemporâneos de
antissemitismo nas sociedades, desde charges e discursos virulentos contra os
judeus e o estado de Israel até a ocorrência de ações violentas em locais
públicos. Entre os exemplos citados estão aqueles que dizem respeito às
frequentes acusações aos judeus de serem mais leais a Israel do que aos
interesses de suas próprias nações; o de inventar ou exagerar sobre o Holocausto;
e, o de negar ao povo judeu o direito à autodeterminação afirmando que a
existência do estado de Israel é um empreendimento racista.
Dos
31 estados membros, a Argentina é o único representante da América do Sul.
Estados Unidos e Canadá também são países membros e Uruguai e El Salvador estão
entre os 11 países observadores fora da Europa.
Ataques
nas redes sociais
O
estudo também indica que o antissemitismo se mostra mais intenso e presente na
internet e nas plataformas sociais, segundo 89% dos judeus consultados. Perto
de 80% disseram que apesar de terem sofrido algum tipo de assédio antissemita,
nos últimos cinco anos, não apresentaram queixa à polícia e nem às outras
organizações.
Em
relação às ações de combate ao antissemitismo desenvolvidas pelos países membros
da IHRA, 70% dos judeus responderam que os esforços até agora têm se mostrado
ineficazes. Em 2018, incidentes antissemitas aumentaram 69% na França, país
onde vive a maior população judaica da Europa (500 mil judeus). “São ocorrência
diárias”, reconhece o primeiro-ministro Édouard Philippe.
Situação
que se agravou com as manifestações dos chamados “coletes amarelos” que
realizam protestos semanais em toda a França contra os impostos do governo Macron.
O movimento, iniciado em novembro, ganhou conotações antissemitas com os
manifestantes pedindo nas ruas e nas redes sociais a saída dos judeus do país.
Na
Suécia, onde vivem apenas 20 mil judeus, uma campanha de ódio dos neonazistas
locais, no final de 2017, forçou uma associação judaica a fechar as portas na
cidade de Umea, a maior do norte do país, situada a 600 quilômetros de
Estocolmo. O prédio foi coberto de suásticas e ameaças e, de acordo com a
representante da comunidade Carinne Sjoberg, as pessoas ficaram com medo de
frequentar o centro comunitário.
Na
Inglaterra, em 2018, o debate sobre a adoção pelo país da definição sobre
antissemitismo proposto pela IHRA durou meses, com o Partido Trabalhista
liderado por Jeremy Corbyn relutando em acatar as proposições aprovadas em
Bucareste, dois anos antes. A situação provocou um forte constrangimento na comunidade
judaica do Reino Unido, composta de 300 mil membros, que reagiu em manifestações públicas. Em
setembro, enfim, a adoção da definição foi aprovada pelo parlamento britânico.
Influência
e poder
Pesquisa
recente divulgada pela rede de notícias americana CNN confirma que o antissemitismo
está vivo na Europa. Mais de sete mil pessoas foram entrevistadas em sete
países (Áustria, França, Alemanha, Inglaterra, Hungria, Polônia e Suécia) e os
resultados comprovam que os estereótipos negativos sobre os judeus persistem no
continente.
Um
em cada cinco europeus consultados diz que os judeus têm muita influência na
mídia e na política e mais de um quarto também acreditam que essa influência se
estende nos negócios e nas finanças. Na Hungria, esse pensamento é
compartilhado por 42% dos entrevistados, sendo que 19% admitem ter uma
impressão desfavorável em relação aos judeus.
Sobre
o crescimento do antissemitismo na Europa, 44% concordam, sendo que um em
cada cinco (18%) dos entrevistados afirmou que o aumento do antissemitismo é uma
resposta ao “comportamento cotidiano do povo judeu”. Na Polônia, 50% das
pessoas pesquisadas criticaram o suposto uso do Holocausto pelos judeus visando
benefícios. E na França, mais de um quarto dos franceses entrevistados
declararam ter uma impressão significativamente desfavorável dos judeus, principalmente em razão do conflito de Israel com os palestinos.
Para
completar o quadro negativo sobre a temática judaica na Europa, mais
de um terço dos europeus afirmaram que nunca ouviram falar ou sabem muito
pouco sobre o Holocausto. Essa percentagem cresce quando a questão é apresentada
aos mais jovens. Na França, 20% dos jovens disseram que desconhecem o assunto.