Sheila Sacks /
Com
considerável número de seguidores na internet, rabinos ortodoxos estão se
alçando ao patamar de estrelas pop stars, em anos recentes, algo inimaginável,
por exemplo, no século 20. Tendo o estudo da Torá como tema prioritário, eles
disseminam os fundamentos da religião judaica nas redes sociais através de
vídeos caseiros que são assistidos e compartilhados por judeus e não judeus de
todos os rincões do planeta.
Nessa onda virtual, vários rabinos brasileiros,
alguns residentes em Israel, semanalmente oferecem aulas nas redes sociais
sobre os vários aspectos da religião judaica, de forma coloquial e inspiradora.
É o milagre da era tecnológica que, se por um lado
aproxima o judaísmo das pessoas que não frequentam as sinagogas ou estão
afastadas da religião, também traz preocupação e temor a esses mesmos judeus do
ramo ortodoxo pelo potencial risco de malefícios, em especial a dependência
viciante, a exposição à violência e à pornografia, e a desagregação familiar.
Fatores negativos alarmantes associados à internet.
Uso restrito
Há quase duas décadas, a corte rabínica do
segmento ultraortodoxo Haredi classificou a internet como “um veneno mortal que
queima as almas”. Atualmente vivem em Israel 1 milhão de haredim,
representando 12% da população, e a previsão é que o grupo aumente
consideravelmente até 2065, quando serão 40% dos cidadãos israelenses.
Relatório anual do “Israel Democracy Institute” –
um centro independente de pesquisa sediado em Jerusalém - aponta o uso da
internet, em 2016, por 54% dos haredim, um aumento significativo em comparação
a 2009, quando o uso estava restrito a 28% dos seus integrantes.
Porém,
os judeus ortodoxos em geral são muito cautelosos no uso da internet, utilizada
essencialmente para fins de trabalho. Ainda assim, eles são aconselhados a
empregar filtros e outras salvaguardas. Em relação à família, suas crianças e
jovens não têm permissão de acessar a internet, ou, em alguns casos, é
permitido um acesso muito limitado.
A preocupação é tanta que em 2012, cerca de 60 mil
judeus ortodoxos lotaram dois estádios em Nova York para debaterem a melhor
forma de proteção contra as ameaças da internet, principalmente em relação às
crianças que ficam expostas a pornografia e sites violentos.
Perigo espiritual
Anos antes, em 2007, a seita ultraortodoxa
Ger ou Gur Hassidim( fundada na Polônia, em 1859, pelo rabino Yitzchak
Meir Alter), lançou uma campanha para proibir totalmente o uso da internet por
seus membros, alertando para os perigos espirituais do uso dos computadores e
por considerar a internet “um mal disfarçado” , um autêntico “satã corruptor”.
Em editorial no jornal israelense “Hamodia”,
voltado para o público haredi, os líderes dos Gur Hassidim criticavam o
“declive espiritual” da juventude exposta a imagens proibidas veiculadas pela internet
e se diziam atentos ao “mal-estar das pessoas que buscam um modo de vida fora
do abismo”.
Diante da polêmica, o falecido rabino Ovadia Yosef
(1918-2013), então líder espiritual do partido ortodoxo Shas, que representa a
comunidade seefardita, propôs a criação de uma internet própria, com conteúdo
restrito. Atualmente o Shas é o quinto maior partido do Knesset.
Sem WhatsApp
Em 2016, intensificando a campanha contra a internet,
rabinos do Gur proibiram o uso do aplicativo WhatsApp aos seus seguidores,
exceto para fins de trabalho. No encontro realizado em Jerusalém foi reforçada
a proibição do uso de telefones celulares com internet, principalmente nas
sinagogas e arredores. Apesar da orientação, muitos membros desse segmento
religioso continuam a usar celulares com a internet filtrada, os
chamados “smartphones kosher”.
De acordo com o site da organização Beit
Chabad, do movimento ortodoxo Chabad-Lubavitch, à parte a preocupação
com a internet e também com a televisão (que não é aconselhada), os hassidim
fazem uso de telefones celulares, dirigem carros e usufruem de outras formas de
tecnologia.
Reconhecendo que a “internet é impecável em sua
capacidade de disseminar informação e valores da Torá”, cujo melhor exemplo é o
importante trabalho virtual desenvolvido pela organização, a ressalva do
Chabad-Lubavitch permanece na medida em que proliferam sites que o movimento
considera prejudiciais à família.
Torá e internet
Em junho de 2018, uma pesquisa sobre o uso da internet
em Israel pelos rabinos haredi, desta vez conduzida pelo professor Yoel Cohen,
da Escola de Comunicação da “Ariel University”, em Samaria, mostrou que 51%
deles fazem uso dessa tecnologia. O estudo também revelou que 71% dos rabinos
haredi têm computador, um número bem menor do que o alcançado pelos rabinos de
outros segmentos ortodoxos, cuja percentagem atinge 98%.
A pesquisa averiguou que pelo menos 70% dos rabinos
das diversas correntes, inclusive os haredim, usam o computador para preparar
as aulas de Torá. Porém, tratando-se de mídias sociais, os haredim não as
utilizam, diferente de um quarto dos rabinos de outros segmentos religiosos que
disseram ter contas na mídia social.
Foram distribuídos 330 questionários para serem
respondidos anonimamente. Segundo o professor Cohen, a consulta demonstrou que
a campanha contra o uso da internet levada a cabo pela liderança haredi e por
outros grupos ultraortodoxos, ao longo dos anos, não conseguiu banir essa
tecnologia em sua totalidade.
Diante do fato, ele acredita que os rabinos haredi
e os demais têm um desafio contínuo no século 21 “que é avançar com suas
comunidades em direção à revolução tecnológica, garantindo os valores e a ética
do judaísmo e mantendo o compromisso de que os padrões sociais judaicos
permaneçam em vigor como eram antes da era do computador e da internet”.
Donos da Internet
Em outro extremo, um artigo publicado em 2009, no
site da instituição americana “Freedom Research Foundation, e republicado em
2014 no site da organização holandesa pró-palestina “Stop the Occupation”, menciona
de forma crítica os nomes dos judeus envolvidos com o Google, Facebook, Wikipedia, Yahoo!, MySpace e eBay.
O texto
intitulado “The Jewish hand behind Internet” (A mão judaica por trás da
Internet) descreve as supostas afiliações judaicas com cada um dos gigantes da
internet e o controle que exercem sobre os mesmos.
Claramente agressivo, o artigo faz uma ligação
entre os empreendedores judeus da internet e o estado de Israel que juntos
representariam um único mecanismo de poder na rede. “Os judeus, contrariando as visões liberais
que oficialmente dizem professar, em atos repressivos demonstram que sempre
buscam dominar o fluxo de informações e que não toleram qualquer dissidência”,
afirma.
São citados Sergey Brin (Google), Jim Wales
(Wikipedia), Mark Zuckerberg e Sheryl Sandberg (Facebook), entre outros.
Em tom de zombaria, o artigo também ridiculariza a prática da filantropia,
classificando-a de “um passatempo judaico favorito”. Por fim, o texto ameaça: “Chegou a hora do resto
do mundo não judeu saber que a liberdade de informação na internet está
seriamente ameaçada.”
O artigo insultuoso e ofensivo aos judeus ganhou a
repulsa de grupos antirracistas e foi denunciado pelo Centro de Informação e
Documentação de Israel ( Center for Information and Documentation Israel - CIDI)
que apresentou uma queixa formal ao Gabinete de Reclamações e Discriminação na
Internet (Dutch Complaints Bureau for Discrimination on
the Internet – MDI ) contra a organização
holandesa, acusada por incitamento ao ódio e à discriminação.