Sheila Sacks /
“Piora
aquele que não se torna melhor” (Rabi Aharon de Karlin, o pregador, 1736-1772)
Curto,
incompleto, insatisfatório? O ano que se foi e este que lhe sucede vão
continuar velozes e vorazes, atropelando o tempo, o bom senso e os projetos
sonhados?
Prisioneiro de um campo de trabalhos
forçados na Sibéria, por mais de uma década, o Rebe Mendel Futerfas ( 1906-1995),
que ajudou milhares de judeus a escaparem da Cortina de Ferro após a Segunda
Grande Guerra, tinha uma frase emblemática, talvez resultante de sua
experiência de sobrevivente do gulag soviético.
Para ele, “se você perder seu
dinheiro, não perdeu nada. Dinheiro vai e dinheiro vem. Se você perdeu a saúde,
perdeu metade. Você não é a pessoa que era antes. Mas, se você perder seu
entusiasmo, então perdeu tudo”.
Histórias reveladoras
Nos idos de 1990, duas amigas
nova-iorquinas, Yitta Halberstam e Judith Leventhal, resolveram recolher
histórias de pessoas que vivenciaram fatos que geralmente são classificados
como coincidências, sorte ou puro acaso. Encontros inesperados em momentos de
necessidade, viagens que se revelam transformadoras, situações aparentemente insignificantes
que impedem que ocorram danos ou males, grandes frustrações que abrem espaço
para realizações mais felizes, momentos há muito aguardados que se concretizam
em determinadas datas.
Por quase duas décadas elas publicaram uma série de oito livros com
centenas dessas histórias reais, com o registro dos nomes verdadeiros dos seus
personagens ou se utilizando de pseudônimos. Para as autoras, a narração de
cada caso reforçava a tese de que não existiam coincidências e sim “pequenos
milagres”. O que enxergaríamos como coincidências extraordinárias na verdade
seriam mensagens espirituais, sinais mágicos, testemunhos misteriosos a nos
alertar que não estamos sós. Uma espécie de resposta para uma pergunta ou uma
oração. Um sublime retorno que receberíamos do universo.
As histórias relatadas igualmente mostravam a força do princípio
espiritual de que o pensamento cria a realidade e vibrar uma determinada
energia atrai uma energia semelhante. A propósito, o físico Albert Einstein
disse certa vez que o homem só pode assumir duas posições sobre a existência de
milagres: ou acredita que nada na vida é um milagre ou acredita que tudo na
vida é um milagre.
D’us fala conosco
Assim, o Criador, os grandes mestres, os anjos e os seres
espirituais que habitam a eternidade estariam ao nosso lado em cada pensamento
e gesto articulados pelo binômio corpo e alma que forma a identidade individual
de cada ser humano em sua existência terrena.
Em 1964, o cultuado Rebe M.Schneerson (1902-1994), do movimento
Chabad Lubavitch, respondendo a uma carta, assinalou que não existe contradição
entre o livre arbítrio humano e a Sabedoria Divina, e esta não afeta a
liberdade do homem. E ilustrava a afirmação com o exemplo de uma pessoa
clarividente, que tem o dom de prever acontecimentos, ou de um psicólogo que
pode prever as reações de um paciente. Segundo o Rebe, esse conhecimento
antecipado não vai afetar os eventos e as ações que irão acontecer.
“Porém, D’us é ilimitado em tempo e conhecimento”, escreve o
Rebe, “e Sua Sabedoria se estende a todos os tempos e locais, mas nunca afeta a
liberdade das ações humanas”.
Escrito nas estrelas
Em suas inúmeras palestras ao longo do tempo, as autoras continuadamente
assinalavam para a plateia que as histórias relatadas em seus livros traziam à
tona a força do princípio espiritual de que o pensamento cria a realidade e
vibrar uma determinada energia atrai uma energia semelhante. Constatação essa
que vai de encontro ao dito hassídico que atesta: “Pense o bem e o bem
acontecerá!”
Um pensamento que faz lembrar novamente as palavras do
Lubavitcher Rebe sobre a trajetória do homem na terra. Dizia ele que nossa
missão na vida é basicamente trazer mais luz, ainda que considerasse a luta
contra o mal uma atividade muito nobre quando necessária.
Ainda de acordo com Yitta e Judith muitas pessoas se manifestavam,
através de cartas ou nos encontros coletivos, dizendo que mudanças
significativas começaram a surgir em suas vidas, após a leitura dos livros. Isso
porque elas se tornavam mais atentas às “coincidências” e à maneira de examinar
o passado, a partir de então, com um olhar diferente, reconhecendo os pequenos
milagres que antes não haviam identificado. E, em função dessa mudança de olhar,
suas vidas se tornavam mais espirituais e iluminadas.
Em 2008, por ocasião dos 70 anos do pogrom contra os judeus
ocorrido na Alemanha nazista, conhecido como a Noite dos Cristais (Kristallnacht),
as autoras publicaram uma edição com 50 histórias reais sobre o holocausto e
pós-holocausto, também relatando eventos inexplicáveis em que vidas humanas
foram poupadas e famílias reunidas novamente. Histórias inspiradoras que
mostram situações aparentemente casuais cujas ocorrências em determinados
momentos deram suporte ao espírito e à fé das pessoas.
Enfim, um trabalho literário que despertou sentimentos de
conforto, esperança e confiança nos milhões de leitores que as autoras
acumularam no correr dos anos. Neste caso, cai bem o dito do rabi Elimelech de Lizensk
(1717-1786), um dos fundadores do Chadissismo: “Sempre que duas pessoas se
encontram, algo de bom resulta para uma terceira.”