/ Sheila Sacks /
Em entrevista à plataforma DEF online, que
trata de temas de segurança, defesa e geopolítica, o secretário de Combate ao
Narcotráfico e ao Terrorismo da Argentina, Martín Verrier, anunciou que o alvo
número um recém-criado Departamento Federal de Investigação (DFI) da Polícia
Federal do país é a organização criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).
A matéria foi publicada em 14 de
agosto, e dois dias depois repercutida pelo site de notícias Infobae, um dos
mais acessados de língua espanhola, com 38 milhões de usuários (Martín Verrier:
“El grupo criminal brasileño PCC representa un nivel de amenaza alto para
Argentina y la región”).
A nova unidade foi apresentada em junho
pelo presidente Milei em uma cerimônia especial, quando foi destacado que o
órgão terá atuação semelhante ao FBI com o objetivo primordial de atingir “o
cerne das organizações criminosas que tentam ganhar poder e dinheiro no país”.
Ameaça de alta dimensão
Com mestrado em Estratégia e
Geopolítica pela Escola Superior de Guerra do Exército Argentino e em
Inteligência e Segurança Internacional pelo King's College London, Verrier atuou
como secretário de estado adjunto para o Controle de Drogas da Argentina de
2015 a 2019. Ele explica que há uma década já havia no Cone Sul alguns grupos
de crime organizado, mas não do porte do PCC “que tem entre 30 a 40 mil membros
e mais de dois mil no exterior, incluindo em países como Estados Unidos,
Espanha e Moçambique”. Na sua
avaliação, o nível de ameaça da organização é bastante alto, “de uma dimensão com
a qual a região Sul não está acostumada”.
Verrier assinala que a arregimentação
de membros para o crime organizado ocorre principalmente no sistema prisional e
para conter o crescimento desses grupos foram feitas mudanças na estrutura do
governo. Uma das medidas foi a transferência dos presos de alto risco das
penitenciárias provinciais para o sistema prisional federal, agora sob a alçada
do ministério da Segurança. “O que
acontecia antes é que as prisões eram usadas como bases de operações e estavam sob
o controle do Ministério da Justiça, que não tem poderes de polícia. Hoje,
temos o controle de todo encadeamento: desde o potencial chefe que pode estar
tentando operar na prisão até o comerciante dos bairros”, relata Verrier.
Conexão com Hezbollah
Meses antes, em uma reportagem do La
Nacion sobre a fuga de 400 comandantes do Hezbollah para a América do Sul,
Verrier denunciou a conexão entre o grupo terrorista e o PCC que estaria dando proteção aos seus membros
presos no Brasil sob acusações de narcotráfico, lavagem de dinheiro e outros
ilícitos, em troca de armamentos (Una seria amenaza’. La nueva estrategia de
Hezbollah en América Latina tras su debilitamiento en Medio Oriente, em 24/5).
A notícia em questão foi divulgada em
primeira mão pelo canal saudita al-Hadhat , em abril, e segundo um
representante da embaixada argentina no Líbano, a decisão do descolamento dos
400 terroristas e suas famílias para a América do Sul (Tríplice Fronteira,
Venezuela, Colômbia e Equador) partiu da liderança do grupo xiita, temendo futuras
retaliações por parte da defesa israelense. Outro motivo seria o plano de
desarmamento do grupo a ser implementado pelo governo libanês, que tem seu
próprio exército.
Também a plataforma libanesa de
notícias This is Beirut publicou uma ampla matéria, na época, informando sobre
o envio de centenas de terroristas à América do Sul, destacando a conhecida
simbiose entre o terrorismo e o crime organizado na região. Em 2008, na
Colômbia, a prisão do chefe de uma rede de tráfico de cocaína, Chekri Harb ,já revelava
o pagamento sistemático de um “imposto”
de 12% ao Hezbollah, afirmava o artigo assinado pelo jornalista Mário
Chartouni (Mullahs Wearing Sombreros: Hezbollah in Latin America, em 21/5).
Citando relatório da agência Antidrogas
DEA (Drug Enforcement Administration), o jornalista escreve que o Hezbollah
estabeleceu relações comerciais com cartéis de drogas sul-americanos,
notadamente La Oficina de Envigado, da Colômbia ( que substituiu
o Cartel de Medellín, de Pablo Escobar), responsável pelo fornecimento de
grandes quantidades de cocaína para os mercados europeu e americano. E
prossegue: “Assim, o tráfico de cocaína tornou-se uma fonte de financiamento
para o grupo, complementando o apoio financeiro de Teerã e garantindo-lhe
crescente autonomia financeira. Essas atividades abrangem pelo menos doze
países da região, de acordo com o relatório da RAND Corporation (instituição
que fornece pesquisas e análises para agências de segurança do governo
americano), de março de 2025, que documenta meticulosamente a presença do
Hezbollah na Argentina, Panamá, Peru, Colômbia, Venezuela, Brasil, Curaçao,
Bolívia, México, Honduras, Guatemala e Chile. As atividades incluem mineração
ilegal na Venezuela e sofisticadas redes de lavagem de dinheiro no Panamá.”
Identificado como um site independente,
“comprometido em perpetuar a tradição de liberdade de expressão e jornalismo de
qualidade, pilares fundamentais da identidade libanesa”, This is Beirut agrega
uma equipe de quase 100 profissionais entre jornalistas, tradutores, colunistas
e colaboradores.
No ano passado, a Argentina selou um
acordo de cooperação com a CIA para atuação nas Três Fronteiras visando o
combate aos cartéis de droga e a sua conexão com grupos terroristas na arrecadação
de fundos para recrutamento e atentados no Oriente Médio. Em agosto deste ano,
o Paraguai celebrou acordo semelhante para implantação de uma base do FBI com
foco no monitoramento da Tríplice Fronteira.
Em paralelo, o governo dos Estados
Unidos divulgou através de seu site oficial a recompensa de 10 milhões de
dólares por informações que levem aos
mecanismos de financiamento do grupo na região.
Novo eixo
A matéria do La Nacion também destaca que
o Hezbollah pode estar ampliando sua estrutura para o oeste da América do Sul,
criando um novo eixo de atuação no Equador, Colômbia e Venezuela. No final de
agosto, o governo dos Estados Unidos enviaram navios de guerra para o sul do
Caribe, perto da costa da Venezuela, para conter o fluxo de narcoterrorismo na região e, desde então, já
realizou três ataques a embarcações que estariam transportando drogas em direção aos EUA.
Segundo especialistas entrevistados
pela Fox News (em 7/9), o Hezbollah se tornou um dos principais financiadores e
“lavadores” de dinheiro de grupos de narcotraficantes da Venezuela. “A parceria
do Irã com Maduro permite que o Hezbollah opere naquele país sem problemas”,
afirmaram, destacando que o Irã também tem investido bilhões de dólares na
economia local.
Outro fator que ajuda a encobrir as
atividades ilícitas do Hezbollah, consoante aos especialistas, é a forte presença
da comunidade xiita libanesa em países da América do Sul. O grupo terrorista se
utiliza de laços familiares, a língua e as instituições comunitárias para aumentar
e consolidar sua influência na região. Dessa forma, o Hezbollah pode interagir
com cartéis locais, vender drogas e canalizar os lucros de volta para o Líbano
por meio de esquemas elaborados para financiar atos terroristas no Oriente
Médio (Cartel connection: Hezbollah and Iran exploit Maduro’s Venezuela for
cocaine cash).
Problema antigo
Em relação à Tríplice Fronteira, há
três décadas a região é uma preocupação para o governo americano, mas somente
agora, em razão do posicionamento político tanto do presidente do Paraguai, Santiago
Peña, como do presidente da Argentina, Javier Milei, a vigilância terá o apoio
explícito dos dois países. O alinhamento, inclusive, garantiu aos dois países taxas
tarifárias de 10% aplicadas pelo governo Trump (o Brasil foi sancionado com
taxas de 50%).
Em várias reportagens ao longo do tempo
órgãos da imprensa nacional e internacional têm citado nomes de integrantes de
grupos terroristas indiciados e com mandados de prisão expedidos pelas justiças
norte-americana e argentina que transitam
e operam nas cidades de Foz do Iguaçu (Brasil), Ciudad del Este (Paraguai) e
Puerto Iguazú (Argentina).
Alguns foram presos por tráfico de
drogas, cumpriram a pena, foram soltos e desapareceram. Outros fugiram e mudaram
os nomes. Atualmente são foragidos e com paradeiros ignorados.
Palavra de especialista
A
presença do Hezbollah na América do Sul, segundo o agente da Polícia Federal e
especialista de contraterrorismo, Christian Vianna de Azevedo, se iniciou no
final da década de 1980, durante a guerra civil no Líbano, quando mais de 1
milhão de libaneses emigraram para países onde já existiam comunidades
libanesas assentadas como as cidades da Tríplice Fronteira, Venezuela, Colômbia
e Chile (também em São Paulo existe uma forte presença de libaneses).
Em
entrevista on-line publicada pelo Instituto de Prevenção e Combate à Lavagem de
Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo (IPLD), em 212/5/2024 (‘Financiamento
do terrorismo e a influência do Hezbollah na América do Sul’), Vianna de
Azevedo ressalta que integrantes do grupo xiita-libanês, criado em 1982, se
infiltraram nas comunidades praticando atividades ilegais acobertadas por
negócios aparentemente legais, como agências de turismo e outras atividades
comerciais. Desde então o grupo
terrorista opera diversas redes criminosas e foram responsáveis por atos
terroristas em diversas partes do mundo e em particular na Argentina, como o
ataque à bomba à Embaixada de Israel em 1992 (29 mortos e 247 feridos) e à
Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA) em 1994 (85 mortos e 300 feridos),
os maiores já ocorridos na América Latina.
O
especialista ressalta que o Irã é a maior fonte de recursos dos terroristas,
representando 60% de seu capital. As outras fontes seriam o “tráfico de drogas,
tráfico de armas, contrabando de migrantes, lavagem de dinheiro, e outros tipos
de contrabando, além de doações de simpatizantes ao redor do mundo”. Até um
banco legalmente estabelecido, o Lebanese Canadian Bank, sediado em Beirute com
representação em Montreal, foi usado como braço financeiro do Hezbollah para
lavagem de dinheiro associado ao tráfico de cocaína em investigação denunciada
pelo governo americano em 2011.
No
Brasil, há vários casos documentados sobre transações ilícitas de tráfico de
drogas e lavagem de dinheiro envolvendo financiadores do Hezbollah. Vianna de
Azevedo cita Farouk Omairi, preso por alguns anos no Brasil por tráfico de
cocaína e identificado por órgãos de inteligência argentina como um dos mentores
do atentado à AMIA. Também Assad Ahmad Barakat, dono de cassino em Porto
Iguaçu, na Argentina, investigado por lavagem de dinheiro. Preso duas vezes no
Brasil, foi extraditado para o Paraguai.
Para
o agente federal é preciso uma visão única, das áreas públicas e privadas, para
o combate ao grupo terrorista que atua igualmente como uma organização
criminosa transnacional. “É essencial que instituições como bancos, o COAF (Conselho
de Controle de Atividades Financeiras) e órgãos públicos como a Polícia
Federal, o Ministério Público Federal, a Justiça Federal, a Receita Federal, o
Banco Central do Brasil e a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) tenham
uma percepção unificada da ameaça que o grupo representa.”
Vianna
de Azevedo explica que o Hezbollah não é reconhecido oficialmente no Brasil
como grupo terrorista e isso atrapalha nas ações de enfrentamento. “A
dificuldade aumenta porque o Hezbollah opera como uma organização híbrida,
atuando tanto como grupo terrorista quanto como organização criminosa
transnacional.“ O especialista assinala que seus membros aqui no país não se
identificam como atuantes do grupo e são investigados por tráfico de drogas,
tráfico de armas, lavagem de dinheiro, e falsidade ideológica.
“O
dinheiro que eles arrecadam mesmo sendo por meio de crimes, usualmente acaba
indo para um caixa comum no Líbano, o que complica a separação dos fundos
destinados à política, assistência social ou atividades terroristas”, analisa o
agente. “Então provar judicialmente é um grande desafio para as autoridades
brasileiras e de qualquer país.”
Ferramentas tecnológicas
Acerca
do financiamento ao terrorismo houve um avanço tecnológico e atualmente existe
um novo cenário global apontado pelo GAFI (Grupo de Ação Financeira
Internacional - Financial Action Task Force, FATF, em inglês).
Relatórios
da organização enfatizam que as ameaças estão em constante evolução,
impulsionadas pela tecnologia e pela mudança nas táticas utilizadas pelos
grupos terroristas. A utilização de criptoativos ( moedas virtuais protegidas
por criptografia), sistemas de pagamento peer-to-peer (sem a participação de
bancos) e plataformas de crowdfunding (espaço on-line para arrecadação de
fundos e doações) estão sendo cada vez mais utilizados para coletar e
movimentar investimentos. As fontes de receitas também migraram para pequenos
negócios e redes de caridade, por exemplo, financiando ataques de pequena
escala executados por células descentralizadas e os chamados “lobos
solitários”.
O recente atentado em um ponto de ônibus em Jerusalém, ocorrido em 8 de setembro, com 6 mortos e 22 feridos, é um exemplo dessas ações individualizadas. Dois palestinos armados, residentes na Cisjordânia, foram os autores do ataque e, como recompensa, suas famílias serão assistidas ao longo do tempo pelos fundos arrecadados pelos grupos terroristas.