/ Sheila
Sacks /
Em
fevereiro, um estudo publicado por cientistas chineses na revista científica
americana Cell provocou turbulência
nos mercados financeiros mundiais, inclusive no Brasil, com aumento do preço do
dólar e queda na rentabilidade das ações.
A descoberta
de um novo coronavírus com capacidade de infectar humanos, semelhante ao vírus
SARS-CoV-2 causador da Covid-19, e seu forte potencial de disseminação ganharam
repercussão midiática principalmente nos meios digitais.
Segundo a
plataforma UOL, cientistas do Laboratório de Guangzhou (em conjunto com o Instituto
de Virologia de Wuhan- WIV) constataram que o novo coronavírus (HKU5-CoV-2)
contaminou tecidos pulmonares e intestinais cultivados artificialmente com
células humanas. No entanto, eles também atestaram que o vírus ainda não foi
detectado em humanos, e provém da mesma linhagem do merbecovirus causador da
Mers (Síndrome Respiratória do Oriente Médio), que tem algumas características
similares com a Covid-19, mas menos agressivo. Para esse vírus ainda não existe
vacina.
A notícia
veiculada numa sexta-feira, 21 de fevereiro, não atravessou o fim de semana e
se perdeu em meio a eventos posteriores como o bate-boca de Zelensky, da
Ucrânia, com o presidente Donald Trump na Casa Branca, e no caso de mídia
nacional, a corrida do filme brasileiro ao Oscar e os preparativos para o
Carnaval.
Mas,
ressalva seja feita, um dia após o término dos festejos, uma matéria na
plataforma digital do jornal Estado de São Paulo (5/3/2025) procurou tranquilizar
os leitores afirmando que o novo vírus descoberto, o HKU5-CoV-2, “não está
adaptado a seres humanos”. Pesquisadores brasileiros consultados classificaram a
descoberta como “um trabalho de vigilância” e explicaram que o estudo em
questão, apesar de mostrar “que há afinidade entre a proteína S do novo vírus
de se conectar a células humanas”, não concluiu que isso significaria que o
vírus tem capacidade de infectar o organismo humano.
Em
contrapartida, The Economic Times alerta que cientistas temem que experimentos
arriscados com esse vírus, que incluem até “camundongos humanizados”, resultem
em outro surto. Simon Clarke, especialista em microbiologia celular na Universidade
de Reading, no Reino Unido, considerou a notícia inquietante, visto que a descoberta
de outro coronavírus de morcego que consegue se introduzir em células humanas e
animais, desbloqueando-as da mesma forma que a Covid-19, sugere um maior grau
de transmissão. Também a relação genética do vírus com o coronavírus da MERS,
conhecido por sua alta taxa de mortalidade, amplifica ainda mais as
preocupações sobre potenciais implicações para a saúde.
No final de
janeiro, o novo diretor da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos
(CIA), John Ratcliffe, divulgou relatório do órgão considerando muito provável que
a pandemia da Covid-19 tenha se originado de vazamento em um laboratório na
China, o WIV, que realizou pesquisas arriscadas com vírus turbinados. A
descoberta do HKU5-CoV-2, no mesmo instituto da China, reacende os debates sobre
a segurança laboratorial e as origens das pandemias, pondo em foco o papel da
pesquisa virológica de alto risco na prevenção ou potencialmente na precipitação
dessas infecções globais.
Pós pandemia
O novo vírus
se junta à Covid-19 e dezenas de outros com potencialidade de infectar humanos
e provocar pandemias descobertos por cientistas. Uma lista de 30 patógenos que
já provocaram surtos, principalmente na Ásia e na África, foi divulgada em
agosto de 2024 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e dentre eles estão a
Mers, transmitida por dromedários infectados; a CCHF (febre hemorrágica da
Crimeia-Congo), propagados por carrapatos; Ebola, oriunda de morcegos e com
taxa de mortalidade de 90%; Febre de Lassa, transmitida por ratos; Niphan, cujo
contágio se dá em contato com porcos doentes e carne contaminada; a SARS (Síndrome
Respiratória Aguda Grave); e, o Zika, transmitido pela picada do mosquito.
Em recente
reportagem (1/3/2025), o jornal britânico The Guardian marcou os cinco anos pós pandemia com uma
matéria de consulta a especialistas de áreas diversas sobre os efeitos e
consequências da Covid-19. Alguns lembraram que catástrofes de qualquer tipo
alimentam reflexões sobre a condição humana e a necessidade de repensar a
relação entre o indivíduo e o coletivo. Foi assim com o terremoto de Lisboa em
1775, que abalou os alicerces filosóficos e a pandemia de gripe de 1918-19 que
forçou as pessoas a ter uma maior relação com a natureza.
A professora
universitária Laleh Khalili, especialista em transportes, contou que a pandemia
fez com que mais de 400 mil marinheiros ficassem confinados nos navios por mais
de 22 meses, “vagando pelos mares do mundo”, já encerrados os contratos. Lembrou
que em terra os entregadores de alimentos e mantimentos, enfermeiros e
motoristas de ônibus foram os mais afetados pela Covid-19.
Comercialmente,
de acordo com Khalili, a pandemia ajudou a acelerar o ambiente hoje instituído
de guerra tarifária entre os Estados Unidos de Trump contra a China e outros
parceiros. As características comuns do capitalismo - que são a deslocalização
da indústria, a terceirização de mão de obra e os custos exorbitantes do
transporte - foram exacerbadas pela Covid-19, diz a professora, que admite uma
nova era comercial entre os países.
Educação e saúde
Sociólogo e
economista político, William Davies destaca que com a pandemia o ensino on-line
tornou a educação mais pulverizada e mecânica. A sala de aula e o campus foram
substituídos pelo quarto e esse afastamento social devido aos lockdowns (confinamentos) resultou em
legados de saúde mental que não privilegiam a frequência presencial e a
ambiguidade do espaço social.
Na área de
saúde pública, a especialista Devi Sridhar destaca que mais de 230 mil pessoas
perderam a vida no Reino Unido com a Covid-19 e é sempre uma preocupação pensar
que algo parecido possa se repetir. Ela alerta que a gripe aviária (cepa H5N1)
está se espalhando pelos Estados Unidos (também já tem registro na Argentina)
infectando pássaros, aves (principalmente galinhas: 20 milhões mortas e 13,2
milhões abatidas) e rebanhos de gado (cerca de 900).
Em sua
opinião, se a doença atingir os humanos e tiver uma alta taxa de letalidade, as
pessoas agora naturalmente irão se isolar em suas casas, sem que os governos
precisem pedir ou impor regras (em janeiro foi confirmada a primeira morte de
uma pessoa pela gripe aviária e 68 humanos já foram infectados). Então é
preciso se preparar, em termos de resiliência, para enfrentar possíveis doenças
pandêmicas, investir em ciência e especialmente em programas de vacinação. A
amnésia coletiva é a resposta errada à Covid-19, afirma a especialista. E a Covid longa – reconhecida pela OMS desde
outubro de 2021- está a nos lembrar da doença, com milhares de casos de pessoas
que, passados cinco anos, ainda sofrem de fadiga, muitas vezes incapacitante,
problemas renais, falta de ar, tosse persistente e dor no peito.
Um estudo
realizado pela Universidade de São Paulo (USP) e pela Escola Paulista de
Medicina, em 2021, mostrou que 36% dos pacientes que tiveram sintomas graves de
Covid-19 acabaram desenvolvendo lesão renal aguda (LRA).
Histórico
Em 31 de
dezembro de 2019, a OMS foi notificada sobre casos de uma "pneumonia de
origem desconhecida" na cidade chinesa de Wuhan. Era o primeiro alarme da
existência da Covid-19. Em 30 de janeiro de 2020, a doença era declarada
emergência internacional e em 11 de março a OMS a configura como pandemia. No
Brasil, as primeiras mortes pelo vírus também ocorreram em março de 2020 e até
2023 o vírus já tinha matado 710 mil pessoas, número inferior apenas aos Estados
Unidos com 1,2 milhão de óbitos.
A OMS
totaliza que a pandemia contaminou 777 milhões de pessoas e ocasionou 7 milhões
de mortes, embora considere que o número real de mortes seja até três vezes
superior ao estimado e ultrapasse os 20 milhões.
Em 2024
ainda foram registrados 70 mil mortes pela Covid-19 e três milhões de casos em
todo o mundo. Matéria recente do G1 (27/2/2025) chama a atenção para o aumento
de casos de Covid-19 no estado do Amazonas, entre 27 de janeiro e 24 de
fevereiro deste ano. Foram 97 casos,
sendo cinco óbitos, um aumento de 177% em relação ao período anterior.
De acordo
com a plataforma UOL (27.02.2025) somente neste início de ano o Brasil somou
mais de 108 mil casos e 511 mortes por Covid-19. Segundo a secretaria de
Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde o vírus é a maior causa
das síndromes respiratórias graves e representa 48% das notificações,
principalmente em idosos, e 87% das mortes.
Em face
desses números, o Ministério da Saúde divulgou que a imunização contra a
Covid-19 agora faz parte do Calendário Nacional de Vacinação, priorizando
pessoas a partir de 60 anos que receberão uma dose da vacina a cada seis meses.
A mudança também irá favorecer gestantes e crianças de 6 meses a menores de 5
anos.
Vírus permanece
A
especialista da OMS Maria Van Kerkhove, epidemiologista que lidera a resposta
da agência à doença desde 2020, chama a atenção para o fato que a Covid-19 não
desapareceu. "Ainda temos cerca de 4 mil mortes por mês, mas muitos países
não informam os dados à OMS. Apesar de não estarmos na mesma situação de 2020,
2021 ou 2022, o vírus veio para ficar”, alerta.
A OMS
trabalha há três anos para aprovar um tratado internacional sobre preparação
contra futuras pandemias com o objetivo de operacionalizar os países para
futuros agentes infecciosos com potencial pandêmico, sejam novos coronavírus ou
qualquer outro agente ainda desconhecido, apelidado de "doença X".
Entretanto, a assinatura do tratado sofre resistência dos países nas questões
comerciais de distribuição de vacinas, tratamentos e testes de diagnóstico e quebras
de patentes.
"As
pessoas querem jogar a covid para o passado, fingir que nunca aconteceu porque
foi traumático, mas isso impede que nos preparemos para o futuro", afirma
Kerkhove.
Nesse início
de 2025, já foi constatado um surto de Metapneumovírus humano (HMPV) na China,
que tem causado infecções respiratórias, especialmente entre crianças e idosos.
Da mesma família do Vírus Sincicial Respiratório (VSR) pode evoluir para uma
forma grave, levando à Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). A ausência de
vacinas ou antivirais específicos para esse vírus é um fator preocupante. Aqui
no Brasil, no final do ano passado, uma criança morreu no Paraná depois de
contrair o vírus, e em janeiro deste ano o estado do Amazonas registrou dez
casos de Metapneumovírus.
Mpox
Ainda em
fevereiro a OMS manteve o status da Mpox, do gênero Orthopoxvirus (antes
conhecida como varíola-dos-macacos ou monkeypox), como emergência de saúde
pública internacional. Desde agosto de 2024 até o início de 2025, vários casos
foram registrados fora do continente africano. No Congo, neste período, o vírus
provocou 147 mortes e mais de 15 mil casos confirmados.
Identificada em 1970, a doença ficou muitos anos restrita a uma dezena de países africanos, mas em 2022 começou a se espalhar para o resto do mundo. De acordo com a OMS, de janeiro de 2022 a dezembro de 2024, foram confirmados 124 mil casos e 272 mortes pela doença em 128 países. Os sintomas incluem, além das erupções cutâneas, febre alta, dor de cabeça e cansaço. Em janeiro, no norte da França, foi detectada a contaminação por uma variante mais agressiva da Mpox, identificada como Clado 1b, em uma pessoa que teve contato com outra que esteve na África. Na China, a contaminação se deu em um viajante que regressou do Congo e no Brasil, no início de março foi confirmada em uma mulher internada em São Paulo.
Segundo a
Agência Fiocruz de Notícias, em seu informe divulgado em 21de fevereiro, o
Brasil é um dos países mais afetados pelo Mpox, contabilizando mais de 13 mil
casos desde 2022, sendo cerca de 2 mil em 2024 e aproximadamente cem nesse
início de 2025. Dezesseis mortes foram confirmadas no país. Atualmente existem
duas vacinas contra o Mpox, uma proveniente de laboratório da Dinamarca e a
segunda fabricada nos Estados Unidos.
O vírus Dengue
(DENV) também tem feito estragos no Brasil e desde fevereiro do ano passado a
vacina é encontrada nos postos públicos de saúde. Do gênero Orthoflavivirus, com quatro
sorotipos conhecidos, o vetor é a fêmea do mosquito Aedes aegypti (significa
‘odioso do Egito’).
Em 2024
foram mais de 6,6 milhões de casos prováveis de Dengue e mais de 6 mil óbitos.
Nesse início de ano já foram registrados 52 mortes e outras 256 estão em
investigação. O médico epidemiologista Alexandre Naime, da Sociedade Brasileira
de Infectologia, acredita que pelo histórico de 2024, que totalizou mais casos
de dengue do que os últimos oito anos somados, 2025 promete quebrar todos os
recordes do ano passado.
Em relação à Chikungunya e ao Zika Vírus, doenças também transmitidas pelo Aedes aegypti, ainda não existem vacinas. Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2024 a Chikungunya afetou 261 mil pessoas e matou 196, com 177 mortes em investigação.