Sheila Sacks
Comparações
mal-intencionadas e irresponsáveis entre Gaza e o Holocausto emitidas por alguns
chefes de estado do quadrante latino das Américas, parecem ser desconsideradas,
não causam escândalos e nem abalam reputações.
Foi o que se apreende da
matéria assinada pela articulista de O Globo, Janaína Figueiredo, sob o título
“Sem mea-culpa no Planalto” (23/2/2024).
E justifica: “O custo para
Lula, em termos de relações externas, não foi elevado. Ele abraçou uma causa e
não pretende soltá-la.” E prossegue: “Lula e seus assessores não falam em
autocrítica, mea-culpa nem nada parecido. Não se faz a avaliação de que a fala
sobre Lula comparando o que Israel faz na Faixa de Gaza com o que Hitler fez
com os judeus causou danos à imagem do Brasil.”
Uma avaliação, no mínimo,
espantosa, porque parte do princípio de que o disparate na fala do presidente
brasileiro não vale muita coisa. Ou, como já reportava o historiador Gaspar
Barléu, lá pelos idos do século 17, em sua análise sobre a dominação holandesa
em Recife: “ultra aequinotialem non peccavi” (não existe pecado abaixo do
Equador).
Logo, reforçando a tese
“dos sem pecados”, que mistura ignorância, irrelevância, esculhambação,
irresponsabilidade verbal, desrespeito, populismo e alguma dose de cinismo,
alguns dirigentes da região latina, como os presidentes da Colômbia, Bolívia, Venezuela e Cuba, de
imediato fizeram coro à fala de Lula em sua afirmativa de um genocídio em Gaza,
comparável ao Holocausto. Políticos
companheiros que empurram a história real para escanteio, atropelam os fatos,
fecham os olhos para as organizações terroristas, dão de ombros frente a um
país minúsculo, única democracia no Oriente Médio, acuado por vizinhos hostis armados
e nutridos por uma ideologia de destruição.
O Hamas, de pronto, agradeceu o apoio do presidente brasileiro, e um de seus integrantes, em gravação de vídeo, classificou de "postura corajosa" a comparação ofensiva entre Gaza e o Holocausto.
O continente europeu e os
EUA, por sua vez, ainda enxergam a América Latina (Sul e Central) de maneira
benevolente, como um conjunto de países pobres, desiguais e folclóricos, às voltas com graves
problemas sociais. Dessa forma, preferem não se imiscuir em querelas públicas
com seus governantes, pouco relevantes na geopolítica mundial, a não ser que
ideologias não toleráveis possam ameaçar a tranquilidade do gigante do Norte,
como foi a revolução cubana na década de 1960.
Milícias e traficantes
Ainda que não exista
paralelo no Brasil de uma organização terrorista do molde do Hamas – com
profundo envolvimento e apoio da população local - o país tem várias milícias
paramilitares que dominam comunidades e praticam extorsão, e grupos armados de
narcotraficantes, como o PCC e o Comando
Vermelho, que com suas ações violentas e ilegais mobilizam policiais civis e
militares dos estados, e até a Força Nacional de Segurança Pública, em
confrontos que acabam vitimando crianças e civis em geral.
Esses casos ocorrem
principalmente nas incursões em comunidades de favelas e periferias ( com sua
geografia de ruelas estreitas, subidas íngremes e esconderijos nas matas) onde
ocorrem tiroteios entre policiais e
bandidos, com vítimas inocentes sendo atingidas por “balas perdidas”, uma
alegoria inventada pela imprensa brasileira que serve como escudo de proteção
aos policiais no âmbito judiciário.
No episódio da fuga de
dois traficantes do Comando Vermelho do presídio de segurança máxima de
Mossoró, no Rio Grande Norte (14/2), a
polícia federal prendeu, dez dias depois, o dono do sítio que abrigou os
bandidos, mediante mandato judicial acusatório de “colaboração”, por ele ter recebido a quantia de 5 mil reais para esconder a dupla, ainda que o
homem alegasse que foi ameaçado.
Transpondo o fato para
Israel e substituindo os traficantes do Comando Vermelho por terroristas do
Hamas, de que forma seria possível levar à prisão uma população de 2 milhões de
habitantes se utilizando de um mandato judicial de “colaboração”, como o que foi
expedido pela Justiça Federal brasileira?
De acordo
com relatório da ONG Palestinian Media Watch (PMW), divulgado após 7/10, a
Autoridade Palestina (AP) iria pagar, de imediato, um total de 2,8 milhões de
dólares para as famílias dos terroristas do Hamas mortos nos confrontos com
Israel. O chamado “fundo dos mártires” recompensa a família de cada terrorista com
uma pensão vitalícia, de menor ou maior valor, dependendo do número de judeus
assassinados.
O “pagamento para assassinar”
(Pay for Slay) foi instituído em 2014 pela AP para promover atos terroristas
contra Israel e segundo o instituto de
pesquisa de segurança, “Jerusalem Center for Public Affairs, os salários
mensais e benefícios que recompensam as famílias dos terroristas mortos, presos
ou libertados, somam 300 milhões de dólares, anualmente. Diante do fato, qualquer
análise sobre a sociedade de Gaza desemboca na realidade chocante de uma
população estruturada e alimentada pelo terrorismo, a matança e a guerra contra
Israel.
Alertas
à população
Na guerra contra o Hamas e
em se tratando de cidades cortadas por redes de túneis subterrâneos construídos
pelos terroristas, a solução mais fácil seria explodir com tudo, o que as
forças de Defesa de Israel não o fazem para evitar mortes de civis. Um combate incomparavelmente difícil se
levado em conta outros conflitos ora em curso em nosso planeta.
Governantes conscientes sabem das dificuldades
de manter uma guerra nessas condições. Alertas à população de Gaza são enviados
de várias formas antes dos ataques e a insistência do Hamas em persistir na
guerra, mesmo diante do sofrimento dos civis, é de uma arrogância e
perversidade que mereceriam o repúdio público mundial.
O único perpetrador da
guerra em Gaza é o grupo terrorista Hamas, a partir do inominável massacre de 7
de outubro; do desumano sequestro dos reféns, muitos já mortos; da lavagem
cerebral dos palestinos, desde da mais tenra idade regada no ódio e no extermínio
de judeus; das provocativas exigências para a entrega dos reféns; e, do
incitamento para que outros grupos terroristas, como a Jihad
Islâmica, também de Gaza, o Hezbollah, no Líbano, o Estado Islâmico (ISIS ou
Daesh), do Iraque e Síria, e os Houthis, do
Iemen, ataquem alvos judaicos e aliados do Ocidente.
A suposta luta por um
estado palestino esconde o real objetivo do Hamas: destruir o estado de Israel.
E para isso contam com o apoio ostensivo da população. Em Gaza
não existe diversidade de opiniões, como em Israel, nem partidos do centro, da
direita, da esquerda ou ortodoxo. Todos apoiam e seguem o Hamas e sua cartilha
de ódio.
Desde que Israel se tornou um estado soberano, em 1948, a ordem dos povos árabes é excluí-lo do mapa do Oriente Médio. Uma sucessão de atentados terroristas e de guerras sangrentas compõe a história dramática da sociedade israelense. A solução de dois estados nunca existiu na pauta dos países árabes, e só persiste como agenda pública de líderes ocidentais que dão cambalhotas nas tentativas frustradas de arranjos que possam agradar , de alguma forma, o mundo islâmico.
No ataque de 7 de outubro
foram assassinados ativistas que ajudavam os palestinos de Gaza, quando doentes
ou carentes, a ter um atendimento de saúde mais especializado em Israel.
Durante décadas, a agência da ONU para os chamados refugiados palestino (UNRWA,
na sigla em inglês) foi a galinha dos ovos de ouro do Oriente Médio, entupida
de dinheiro doado pelos países do primeiro mundo, que sempre fizeram vista
grossa em relação à correta destinação dos recursos da chamada “ajuda humanitária”.
Por muitos anos Israel alertou
nos fóruns internacionais sobre os recursos da UNRWA sendo desviados para o
Hamas e sua estrutura de terror. Mas, os chamados comissários e responsáveis
pela agência pouco atuaram para estancar o fluxo de dinheiro corrompido.
Parceria
com Hamas
O desdobrar de 7/10 tornou
público a espúria ligação da UNRWA com o Hamas. O porta-voz do governo
israelense, Eylon Levy, em uma declaração em vídeo, no final de janeiro, afirmou
que a UNRWA é uma fachada para o Hamas. "A agência foi comprometida de
três maneiras: contratando terroristas em massa, permitindo que suas
instalações fossem usadas para atividades militares do Hamas e se apoiando no
Hamas para a distribuição da ajuda na Faixa de Gaza", disse ele.
Levy também afirmou que
"cerca de 10% dos funcionários são membros do Hamas ou da Jihad Islâmica,
e cerca de 50% são parentes de primeiro grau desses membros". No início
deste mês (março/2024), o governo de Israel reiterou que 450 funcionários da UNRWA são agentes
militares inscritos em grupos terroristas de Gaza.
Somente os Estados Unidos
doam anualmente entre 300 a 400 milhões de dólares para a UNRWA, de acordo com
o porta-voz do Departamento de Estado, Matt Miller. No início de março, a União
Europeia anunciou que até o final de 2024 vai enviar 82 milhões de euros (perto
de 440 milhões de reais) de ajuda humanitária para a UNRWA.
Terrorismo
e drogas
Em 2017, o coronel da
reserva israelense Dany Tirza, consultor de segurança e um dos planejadores da
barreira de defesa de 700 quilômetros que separa Israel da Cisjordância
(construída entre 2000 e 2006 para conter os ataques terroristas), já alertava
sobre as ligações do Hamas com o cartel de drogas de Sinaloa, no México, com a
finalidade de introduzir drogas sintéticas (metanfetaminas) no Oriente Médio e
assim obter mais lucro para as suas operações terroristas.
Nessa aliança do mal,
membros dos Hamas ensinavam os criminosos do cartel a construírem túneis
subterrâneos para atravessarem a fronteira dos EUA com as drogas. À época, o então
secretário de estado do governo Trump, o republicano Rex Tillerson, também
afirmou a congressistas que existiam
ligações entre o Cartel de Sinaloa e os terroristas do Estado Islâmico.
Em outubro do ano passado,
diante do brutal ataque do Hamas, as plataformas de notícias do México ( sdpnotícias, Vanguardia MX, MVS noticias,
Cambio 22 e RadioFormula) voltaram ao tema, repercutindo as declarações
de Dany Tirza ao jornalista
investigativo Óscar Balmen, especializado em pautas de crime organizado. O militar
israelense revelou que detidos
palestinos confirmaram o acordo existente entre os terroristas e o Cartel de
Sinaloa, desde 2000, que consistia em
ensinar os traficantes a construir túneis subterrâneos para o transporte de drogas de Tijuana, na
fronteira, a San Diego, nos EUA, em troca de vultosas quantias de dinheiro.
Tirza ainda acrescentou
que para maximizar os lucros, o Hamas entrou no tráfico de drogas sintéticas no
Oriente Médio, principalmente no Líbano e no Egito. Para a Federação de Agências Americanas IC (United States Intelligence Community), o Cartel de Sinaloa é a
maior e maios poderosa organização de tráfico de drogas do mundo, criada por
Joaquin “El Chapo” Gusman, em prisão perpétua nos EUA, desde 2019. Um sindicato de crime global, mais
influente do que o Cartel de Medellín, do
colombiano Pablo Escobar, quando a rede de tráfico estava no auge (1972 a
1993).
O britânico Jeremy
McDermott, um dos fundados da mídia InSight Crime, jornalismo investigativo com
foco no crime organizado na América Latina e Caribe, disse a BBC News (2/3/24) que houve uma fragmentação na região em relação
ao tráfico, a partir da pandemia, quando os Estados ficaram paralisados. “Não
existem mais cartéis que controlam todos os elos da cadeia de atividades
criminosas.”
A reportagem ressalta que organizações como o
Primeiro Comando da Capital (PCC), do Brasil, ou o Trent de Aragua, da
Venezuela, conseguiram expandir sua presença fora das fronteiras graças a esse
tipo de “subcontratação criminosa”. Ex-oficial do exército inglês e com muitos
anos de trabalho como correspondente na Colômbia e em outros países do
continente, McDermott observa que a
diversificação da carteira criminosa (tráfico de seres humanos e de armas,
prostituição, expansão das drogas sintéticas, falsificação de medicamentos,
assassinatos de aluguel e a mineração ilegal) ocorre num contexto de
fragilidade dos sistemas judiciais e de segurança na região. "A corrupção
sempre foi um problema, mas hoje a democracia está mais sitiada do que nunca
pelo crime organizado. Vemos a penetração sistemática desses grupos no
Estado", conclui.
Atualmente, Israel mantém
relações diplomáticas com todos os países das Américas do Sul e Central e do
Caribe, exceto Cuba, Bolívia e Venezuela.