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domingo, 17 de março de 2024

Ignorância e indulgência ajudam o terrorismo no Oriente Médio

 Sheila Sacks

 




Comparações mal-intencionadas e irresponsáveis entre Gaza e o Holocausto emitidas por alguns chefes de estado do quadrante latino das Américas, parecem ser desconsideradas, não causam escândalos e nem abalam reputações.

Foi o que se apreende da matéria assinada pela articulista de O Globo, Janaína Figueiredo, sob o título “Sem mea-culpa no Planalto” (23/2/2024).

E justifica: “O custo para Lula, em termos de relações externas, não foi elevado. Ele abraçou uma causa e não pretende soltá-la.” E prossegue: “Lula e seus assessores não falam em autocrítica, mea-culpa nem nada parecido. Não se faz a avaliação de que a fala sobre Lula comparando o que Israel faz na Faixa de Gaza com o que Hitler fez com os judeus causou danos à imagem do Brasil.”

Uma avaliação, no mínimo, espantosa, porque parte do princípio de que o disparate na fala do presidente brasileiro não vale muita coisa. Ou, como já reportava o historiador Gaspar Barléu, lá pelos idos do século 17, em sua análise sobre a dominação holandesa em Recife: “ultra aequinotialem non peccavi” (não existe pecado abaixo do Equador).

Logo, reforçando a tese “dos sem pecados”, que mistura ignorância, irrelevância, esculhambação, irresponsabilidade verbal, desrespeito, populismo e alguma dose de cinismo, alguns dirigentes da região latina, como os presidentes  da Colômbia, Bolívia, Venezuela e Cuba, de imediato fizeram coro à fala de Lula em sua afirmativa de um genocídio em Gaza, comparável ao Holocausto.  Políticos companheiros que empurram a história real para escanteio, atropelam os fatos, fecham os olhos para as organizações terroristas, dão de ombros frente a um país minúsculo, única democracia no Oriente Médio, acuado por vizinhos hostis armados e nutridos por uma ideologia de destruição.

O Hamas, de pronto, agradeceu o apoio do presidente brasileiro, e um de seus integrantes, em gravação de vídeo, classificou de "postura corajosa" a comparação ofensiva entre Gaza e o Holocausto.

O continente europeu e os EUA, por sua vez, ainda enxergam a América Latina (Sul e Central) de maneira benevolente, como um conjunto de países pobres, desiguais e folclóricos, às voltas com graves problemas sociais. Dessa forma, preferem não se imiscuir em querelas públicas com seus governantes, pouco relevantes na geopolítica mundial, a não ser que ideologias não toleráveis possam ameaçar a tranquilidade do gigante do Norte, como foi a revolução cubana na década de 1960.

 Milícias e traficantes   

Ainda que não exista paralelo no Brasil de uma organização terrorista do molde do Hamas – com profundo envolvimento e apoio da população local - o país tem várias milícias paramilitares que dominam comunidades e praticam extorsão, e grupos armados de narcotraficantes,  como o PCC e o Comando Vermelho, que com suas ações violentas e ilegais mobilizam policiais civis e militares dos estados, e até a Força Nacional de Segurança Pública, em confrontos que acabam vitimando crianças e civis em geral.

Esses casos ocorrem principalmente nas incursões em comunidades de favelas e periferias ( com sua geografia de ruelas estreitas, subidas íngremes e esconderijos nas matas) onde ocorrem tiroteios entre policiais  e bandidos, com vítimas inocentes sendo atingidas por “balas perdidas”, uma alegoria inventada pela imprensa brasileira que serve como escudo de proteção aos policiais no âmbito judiciário.

No episódio da fuga de dois traficantes do Comando Vermelho do presídio de segurança máxima de Mossoró, no Rio Grande Norte (14/2),  a polícia federal prendeu, dez dias depois, o dono do sítio que abrigou os bandidos, mediante mandato judicial acusatório de “colaboração”,  por ele ter recebido a quantia de 5 mil reais para esconder a dupla, ainda que o homem alegasse que foi ameaçado. 

Transpondo o fato para Israel e substituindo os traficantes do Comando Vermelho por terroristas do Hamas, de que forma seria possível levar à prisão uma população de 2 milhões de habitantes se utilizando de um mandato judicial de “colaboração”, como o que foi expedido pela Justiça Federal brasileira? 

De acordo com relatório da ONG Palestinian Media Watch (PMW), divulgado após 7/10, a Autoridade Palestina (AP) iria pagar, de imediato, um total de 2,8 milhões de dólares para as famílias dos terroristas do Hamas mortos nos confrontos com Israel. O chamado “fundo dos mártires” recompensa a família de cada terrorista com uma pensão vitalícia, de menor ou maior valor, dependendo do número de judeus assassinados.

O “pagamento para assassinar” (Pay for Slay) foi instituído em 2014 pela AP para promover atos terroristas contra Israel e  segundo o instituto de pesquisa de segurança, “Jerusalem Center for Public Affairs, os salários mensais e benefícios que recompensam as famílias dos terroristas mortos, presos ou libertados, somam 300 milhões de dólares, anualmente. Diante do fato, qualquer análise sobre a sociedade de Gaza desemboca na realidade chocante de uma população estruturada e alimentada pelo terrorismo, a matança e a guerra contra Israel.

Alertas à população

Na guerra contra o Hamas e em se tratando de cidades cortadas por redes de túneis subterrâneos construídos pelos terroristas, a solução mais fácil seria explodir com tudo, o que as forças de Defesa de Israel não o fazem para evitar mortes de civis.  Um combate incomparavelmente difícil se levado em conta outros conflitos ora em curso em nosso planeta.

 Governantes conscientes sabem das dificuldades de manter uma guerra nessas condições. Alertas à população de Gaza são enviados de várias formas antes dos ataques e a insistência do Hamas em persistir na guerra, mesmo diante do sofrimento dos civis, é de uma arrogância e perversidade que mereceriam o repúdio público mundial.

O único perpetrador da guerra em Gaza é o grupo terrorista Hamas, a partir do inominável massacre de 7 de outubro; do desumano sequestro dos reféns, muitos já mortos; da lavagem cerebral dos palestinos, desde da mais tenra idade regada no ódio e no extermínio de judeus; das provocativas exigências para a entrega dos reféns; e, do incitamento  para que  outros grupos terroristas, como a Jihad Islâmica, também de Gaza, o Hezbollah, no Líbano, o Estado Islâmico (ISIS ou Daesh), do Iraque e Síria, e os Houthis, do  Iemen, ataquem alvos judaicos e aliados do Ocidente.

A suposta luta por um estado palestino esconde o real objetivo do Hamas: destruir o estado de Israel. E para isso contam com o apoio ostensivo da população. Em Gaza não existe diversidade de opiniões, como em Israel, nem partidos do centro, da direita, da esquerda ou ortodoxo. Todos apoiam e seguem o Hamas e sua cartilha de ódio.

Desde que Israel se tornou um estado soberano, em 1948, a ordem dos povos árabes é excluí-lo do mapa do Oriente Médio. Uma sucessão de atentados terroristas e de guerras sangrentas compõe a história dramática da sociedade israelense. A solução de dois estados nunca existiu na pauta dos países árabes, e só persiste como agenda pública de líderes ocidentais que dão cambalhotas nas tentativas frustradas de arranjos que possam agradar , de alguma forma, o mundo islâmico. 

No ataque de 7 de outubro foram assassinados ativistas que ajudavam os palestinos de Gaza, quando doentes ou carentes, a ter um atendimento de saúde mais especializado em Israel. Durante décadas, a agência da ONU para os chamados refugiados palestino (UNRWA, na sigla em inglês) foi a galinha dos ovos de ouro do Oriente Médio, entupida de dinheiro doado pelos países do primeiro mundo, que sempre fizeram vista grossa em relação à correta destinação dos recursos da chamada  “ajuda humanitária”. 

Por muitos anos Israel alertou nos fóruns internacionais sobre os recursos da UNRWA sendo desviados para o Hamas e sua estrutura de terror. Mas, os chamados comissários e responsáveis pela agência pouco atuaram para estancar o fluxo de dinheiro corrompido.

Parceria com Hamas

O desdobrar de 7/10 tornou público a espúria ligação da UNRWA com o Hamas. O porta-voz do governo israelense, Eylon Levy, em uma declaração em vídeo, no final de janeiro, afirmou que a UNRWA é uma fachada para o Hamas. "A agência foi comprometida de três maneiras: contratando terroristas em massa, permitindo que suas instalações fossem usadas para atividades militares do Hamas e se apoiando no Hamas para a distribuição da ajuda na Faixa de Gaza", disse ele.

Levy também afirmou que "cerca de 10% dos funcionários são membros do Hamas ou da Jihad Islâmica, e cerca de 50% são parentes de primeiro grau desses membros". No início deste mês (março/2024), o governo de Israel reiterou  que 450 funcionários da UNRWA são agentes militares inscritos em grupos terroristas de Gaza.

Somente os Estados Unidos doam anualmente entre 300 a 400 milhões de dólares para a UNRWA, de acordo com o porta-voz do Departamento de Estado, Matt Miller. No início de março, a União Europeia anunciou que até o final de 2024 vai enviar 82 milhões de euros (perto de 440 milhões de reais) de ajuda humanitária para a UNRWA.

Terrorismo e drogas

Em 2017, o coronel da reserva israelense Dany Tirza, consultor de segurança e um dos planejadores da barreira de defesa de 700 quilômetros que separa Israel da Cisjordância (construída entre 2000 e 2006 para conter os ataques terroristas), já alertava sobre as ligações do Hamas com o cartel de drogas de Sinaloa, no México, com a finalidade de introduzir drogas sintéticas (metanfetaminas) no Oriente Médio e assim obter mais lucro para as suas operações terroristas.

Nessa aliança do mal, membros dos Hamas ensinavam os criminosos do cartel a construírem túneis subterrâneos para atravessarem a fronteira dos EUA com as drogas. À época, o então secretário de estado do governo Trump, o republicano Rex Tillerson, também afirmou a congressistas  que existiam ligações entre o Cartel de Sinaloa e os terroristas do Estado Islâmico.

Em outubro do ano passado, diante do brutal ataque do Hamas, as plataformas de notícias do México ( sdpnotícias, Vanguardia MX, MVS noticias, Cambio 22 e RadioFormula) voltaram ao tema, repercutindo as declarações de  Dany Tirza ao jornalista investigativo Óscar Balmen, especializado em pautas de crime organizado. O militar israelense  revelou que detidos palestinos confirmaram o acordo existente entre os terroristas e o Cartel de Sinaloa, desde 2000,  que consistia em ensinar os traficantes a construir túneis subterrâneos  para o transporte de drogas de Tijuana, na fronteira, a San Diego, nos EUA, em troca de vultosas quantias de dinheiro.

Tirza ainda acrescentou que para maximizar os lucros, o Hamas entrou no tráfico de drogas sintéticas no Oriente Médio, principalmente no Líbano e no Egito. Para a Federação de Agências Americanas IC (United States Intelligence Community), o Cartel de Sinaloa é a maior e maios poderosa organização de tráfico de drogas do mundo, criada por Joaquin “El Chapo” Gusman, em prisão perpétua nos EUA, desde 2019.  Um sindicato de crime global, mais influente  do que o Cartel de Medellín, do colombiano Pablo Escobar, quando a rede de tráfico estava no auge (1972 a 1993).

O britânico Jeremy McDermott, um dos fundados da mídia InSight Crime, jornalismo investigativo com foco no crime organizado na América Latina e Caribe,  disse a BBC News (2/3/24) que  houve uma fragmentação na região em relação ao tráfico, a partir da pandemia, quando os Estados ficaram paralisados. “Não existem mais cartéis que controlam todos os elos da cadeia de atividades criminosas.”

  A reportagem ressalta que organizações como o Primeiro Comando da Capital (PCC), do Brasil, ou o Trent de Aragua, da Venezuela, conseguiram expandir sua presença fora das fronteiras graças a esse tipo de “subcontratação criminosa”. Ex-oficial do exército inglês e com muitos anos de trabalho como correspondente na Colômbia e em outros países do continente,  McDermott observa que a diversificação da carteira criminosa (tráfico de seres humanos e de armas, prostituição, expansão das drogas sintéticas, falsificação de medicamentos, assassinatos de aluguel e a mineração ilegal) ocorre num contexto de fragilidade dos sistemas judiciais e de segurança na região. "A corrupção sempre foi um problema, mas hoje a democracia está mais sitiada do que nunca pelo crime organizado. Vemos a penetração sistemática desses grupos no Estado", conclui.

Atualmente, Israel mantém relações diplomáticas com todos os países das Américas do Sul e Central e do Caribe, exceto Cuba, Bolívia e Venezuela.