“Eis
o que é o justo: o proporcional; e o injusto é o que viola a proporção.”
(Aristóteles em “Ética a Nicômaco”, século 4 antes da Era Comum)
No
final de 2013, a revelação de que a NSA (sigla em inglês da Agência de
Segurança Nacional dos EUA), em cooperação com os serviços de inteligência
britânicos, espionou e-mails de políticos israelenses e do então premiê Ehud
Olmert e do ministro de Defesa Ehurd Barak, principalmente em 2008 e 2009,
levou a mídia israelense nesse início de 2014 a lembrar mais uma vez do caso
Pollard, um tema sensível a Israel e Estados Unidos.
Jonathan
Pollard foi um ex-funcionário da marinha americana que vazou documentos
sigilosos para Israel sobre as atividades de espionagem dos Estados Unidos no
mundo árabe. Preso em 1985 e condenado à prisão perpétua em 1987, Pollard
cumpre a pena em uma penitenciária federal na Carolina do Norte.
Pedidos a Obama
Diante
da notícia da espionagem americana, o ministro da Inteligência de Israel, Yuval
Steinitz se apressou a lembrar que desde a prisão de Pollard os dois países evitam
se espionarem mutuamente. Em entrevista ao Canal 2 da televisão israelense, ele
admitiu que, além dos estados árabes, também há “países amigos” que os
espionam. “Nós não espionamos o presidente dos Estados Unidos. Firmamos
compromissos a esse respeito e estamos cumprindo.”
Por
sua vez, o primeiro ministro israelense Benjamim Netanyahu, dias depois de a
espionagem americana vir à tona, recebeu em seu gabinete a mulher de Pollard e
reiterou os esforços realizados por Israel para obter a libertação de seu marido.
Na mesma semana, o parlamento israelense (Knesset) aprovou o envio de um pedido
oficial ao presidente Obama para soltar Pollard, que desde 1998 tem dupla
cidadania. No documento, os parlamentares invocam razões humanitárias para o
indulto e as precárias condições de saúde apresentadas pelo prisioneiro. Com 59
anos, Pollard foi operado de urgência há dois anos por complicações na vesícula
e rins.
Nos
Estados Unidos, uma carta a favor da libertação de Pollard também foi enviada a
Obama antes do último Natal pelo ex-embaixador americano nas Nações Unidas na
administração Clinton, o democrata Bill Richardson. Governador do estado do
Novo México até 2011 e aliado do presidente, Richardson já foi indicado várias
vezes ao Nobel da Paz por seus esforços em prol da libertação de soldados
americanos reféns ou prisioneiros na Coréia do Norte, Iraque, Cuba e Sudão.
No
pedido de clemência, o político assinala que já se manifestaram publicamente a
favor da libertação de Pollard autoridades que acompanharam o caso na época
como o ex-secretário de Estado do governo Reagan (1981-1989), o republicano
George Shultz; o ex-conselheiro de Segurança Nacional Robert McFarlane que
atuou de 1983 a 1985; e William Webster, o chefe do FBI no momento da prisão de
Pollard e que também dirigiu a CIA, de 1987 a 1991 (governos Reagan e Bush).
Na carta Richardson aponta a atuação do
então secretário de Defesa
Caspar Weinberger (falecido em 2006) como decisiva para Pollard ser sentenciado
à prisão perpétua, apesar do acordo judicial em que o governo se comprometeu a
não buscar essa alternativa.
Outra figura importante à época,
Lawrence J. Korb, que exerceu o cargo de vice-secretário
de Defesa (1981-1985) e é autor de duas dezenas de livros sobre temas militares
e de segurança, observou que Pollard está
preso “três vezes mais tempo do que qualquer um que já tenha fornecido
informações sigilosas a um
país amigo ou neutro”. Em visita a Israel, em março do ano passado, Korb
assinalou mais uma vez que a punição a Pollard é desproporcional: “Ele infringiu a lei e precisava pagar o preço,
mas a falta de proporção na sua punição vai contra os valores em que eu
acredito como americano.”
Ainda em 2013, o veterano comentarista
político de rádio e TV, Cal Thomas, em
artigo veiculado em várias mídias, defendeu a comutação da pena de Pollard face
“ao escândalo da espionagem americana revelada pelo WikiLeaks”. E citou o
memorando confidencial enviado pela então secretária de Estado do governo Bush,
Condoleezza Rice (2005-2009), instruindo a embaixada dos EUA em Tel Aviv a
espionar Israel. O documento foi publicado pelo jornal britânico “The Guardian”
em 2010.
Tomas também listou algumas
personalidades públicas que apoiam Pollard, entre elas o ex-procurador-geral da Justiça, o republicano Michael Mukasey que atuou no
governo Bush de 2007 a 2009, e o ex-deputado Robert Wexler, democrata pelo
estado da Flórida, de 1997 a 2010. Este último, em carta enviada ao presidente
Obama enfatizou que Pollard “é o único cidadão americano condenado a mais de 14 anos por esse tipo de
delito.
Reprovado pela CIA
Nascido
no Texas, Pollard é oriundo de uma família judaica e seu pai, Dr.Morris,
falecido em 2011, foi um microbiologista conceituado, professor emérito de
ciências biológicas da Universidade Notre Dame (Indiana), uma das mais
prestigiadas universidades católicas dos Estados Unidos. Formado em ciência
política pela Universidade de Stanford, na Califórnia, Pollard tentou um
emprego na CIA, a central de inteligência americana, em 1977, mas foi reprovado no teste de polígrafo, instrumento
que registra inúmeros fenômenos fisiológicos como pressão arterial e movimentos
respiratórios, usado geralmente como detector de mentiras. Dois anos depois,
ele foi contratado pela Marinha para trabalhar na área de inteligência, analisando
dados e elaborando relatórios.
Em
meados de 1984, já no serviço de análise e investigação naval, mas
especificamente no ATAC (Anti-Terrorist Alert Center), Pollard observa que
dados importantes para a segurança de Israel não estavam sendo repassados
conforme acordo de cooperação estratégica e militar assinado em 1981 pelo
secretário de Defesa Gasper Weinberger e o ministro israelense Ariel Sharon.
Pelo tratado ou Memorando de Entendimento (MOU – Memorandum of Undestanding),
ratificado em 1983, os dois países se propunham a estabelecer um quadro de
consulta e cooperação para melhorar a segurança nacional de ambas as nações e
para lidar com as ameaças no Oriente Médio, incluindo exercícios militares
conjuntos, atividades de preparação de defesa e acesso às instalações de
manutenção.
Encontro com
israelenses
Por
intermédio de um amigo, Pollard entra em contato com um militar israelense em
Nova York, o coronel da força aérea Aviem Sella, responsável pelo ataque à
usina nuclear iraquiana de Osirak, em 1981. Pollard está convencido de que
Israel não estava tendo acesso a informações importantes para se defender de
prováveis atos terroristas porque os EUA não desejavam arruinar suas relações
com os países árabes produtores de petróleo.
Ele
repete esse argumento a Sella que o apresenta ao coronel Yosef Yagur,
ex-consultor técnico do Consulado de Israel naquela cidade e agente do Lekem
(Bureau of Scientific Relations, em inglês), um setor de inteligência
científica e técnica israelense, ligado ao ministério da Defesa, que funcionou
até 1986. É o que conta o jornalista e escritor Gordon Thomas no best-seller “Gideon's Spies:
The Secret History of the Mossad” (1998), que na versão em espanhol se chamou “Mossad: la
historia secreta”. Traduzido em mais de uma dezena de idiomas, a obra é baseada
em pesquisas e entrevistas realizadas em Israel com ex-agentes, jornalistas e
pesquisadores.
G.Thomas revela que em novembro de 1984
Pollard foi a Paris com sua primeira esposa Anne para ser apresentado
pessoalmente ao chefe do Lekem, o lendário Rafael ‘Rafi’ Eitan que em 1960
comandou a captura do carrasco nazista Adolf Eichmann na Argentina. Por
um quarto de século atuando como diretor adjunto de operações do Mossad e
assessor pessoal do falecido Ariel Sharon quando este foi ministro da Defesa
(1981-1983), Rafi sabia que o chefe do Mossad à época, Nanhum Admoni, reclamava
que os EUA não estavam se comportando como “um amigo nas horas boas e más”.
Isso porque obtivera informações de que altas autoridades do governo americano
mantinham encontros com líderes árabes ligado a Yasser Arafat para discutir a
melhor maneira de pressionar Israel para que flexibilizasse sua posição frente
às exigências palestinas.
Recusado pelo
Mossad
Nos
próximos meses e até ser preso, em 21 de novembro de 1985, em frente à
embaixada israelense em Washington, onde tentara se refugiar, G. Thomas afirma
que Pollard enviou às suas fontes dados valiosos para a segurança de Israel,
como detalhes sobre a localização
e entrega de mísseis e armas russas para a Síria, e mapas e fotografias de
satélites dos arsenais de armas militares e químicas dos sírios, iraquianos e
iranianos. Mas, diante da prisão do analista pelo FBI, Sella e Yagur embarcam
em um avião da El Al rumo a Israel.
Em 4 de março de 1987,
Pollard é condenado à prisão perpétua e sua mulher recebe uma sentença de cinco
anos. Sella é indiciado à revelia por um júri federal em Washington que também
identifica como conspiradores Rafi Eitan, Yosef Yagur e Irit Erb, ex-secretário
da embaixada israelense. Em Israel, o governo institui uma comissão de
inquérito, afasta Rafi e Sella de seus cargos e encerra os serviços do bureau.
Em tempo: dois anos
antes de Pollard manter contato com Rafi, o ex-analista já tinha se oferecido
para atuar para o Mossad, o serviço secreto israelense, que o recusou por considerá-lo “instável”. Segundo
G.Thomas, um agente do Mossad em Nova York classificou Pollard de “um homem
solitário, com uma visão deformada de Israel”.
Momento difícil
Em Israel, os
simpatizantes de Pollard têm acusado Rafi de não ter se empenhado pela
libertação de seu informante, o que é contestado pelo israelense: “Estou
dedicando meus últimos anos para libertar Pollard. Escrevi uma carta ao presidente
Obama pedindo desculpas e o encorajando a soltar Pollard”, revela.
Em 2012, na entrevista
ao jornal israelense “Yediot Aharonot”, Rafi contou que entregou provas
incriminatórias para os americanos atendendo pedido de Shimon Peres,
primeiro-ministro na época. ”Havia um entendimento que após 10 anos a pena de
prisão perpétua seria comutada. Entretanto, os EUA negaram o acordo. O governo
de Israel tomou a decisão e eu cooperei com os americanos depondo contra o meu
informante. Não foi um momento fácil”, admitiu.
Pondo mais lenha na
fogueira, Ester Pollard (com quem o prisioneiro se casou em 1993) foi a público
dizer que em uma reunião com Rafi e outras pessoas, o ex-espião chegou a
comentar que a única coisa que lamentava nesse episódio é não ter “concluído o
trabalho” antes de deixar os EUA. Segundo Ester, quando foi perguntado a Rafi o
significado de suas palavras, ele respondeu: “Se eu estivesse na embaixada
israelense no dia em que Pollard buscou asilo, eu teria colocado uma bala na
sua cabeça e não haveria nenhum caso Pollard”, teria dito.
Interessante assinalar
que o ex-espião, depois do affair Pollard, voltou-se para a política e
elegeu-se deputado, sendo posteriormente nomeado ministro da Previdência de
Israel (“pensioners affairs”). Ele visitou Cuba e esteve presente na
inauguração de uma “Menorá” (candelabro de sete braços) em uma praça de Havana,
ao lado de Fidel Castro (2006). “Persona non grata” ao FBI, Rafi, hoje com 87 anos,
esteve várias vezes na ilha de Fidel, como sócio de uma empresa de agronegócios
israelense e onde também adquiriu terras, ganhando medalha do governo cubano
pelos investimentos realizados na área de agricultura.
Casado pela segunda
vez com uma professora de Toronto, Pollard tem na mulher Ester uma ponta de
lança na luta por sua libertação. Em 1996 ele obteve a cidadania israelense e
em dezembro de 1997 autoridades de Israel o visitaram pela primeira vez em sua
cela na Carolina do Norte.
Convertido ao judaísmo
ortodoxo, Pollard tem recebido o apoio de lideranças religiosas e organizações
judaicas que a partir da década de 1990 têm solicitado às autoridades
americanas uma reavaliação do caso. Os grupos alegam que Pollard se considerou
culpado em junho de 1986 e fez um acordo judicial com o Ministério Público,
ignorado pelo juiz federal que o condenou a uma pena máxima por pressão do
então secretário de Defesa Caspar Weinberger. Destacam ainda que Pollard sempre
negou ter fornecido aos israelenses informações capazes de comprometer os
interesses nacionais dos EUA ou que fossem prejudiciais ao país, e que apesar
de sua cooperação com a Justiça americana recebeu uma sentença mais dura do que
a imposta àqueles que espionam para países inimigos.
Mas o real motivo do
agravamento de sua sentença, segundo documentos da CIA liberados em 2012 pelo
Arquivo de Segurança Nacional da Universidade George Washington, estaria no
conteúdo de uma entrevista dada por Pollard ao jornalista Wolf Blitzer, âncora
da rede de TV CNN e um dos profissionais mais conhecidos da imprensa americana.
A matéria publicada no “Jerusalem Post” teve grande repercussão na mídia
americana. Do interior de sua cela, Pollard falou sobre os motivos que o
levaram a espionar para Israel e o teor das informações transmitidas que
abarcavam fotografias da sede da OLP na Tunísia à capacidade bélica de países
árabes como a Líbia de Kadhafi.
A entrevista divulgada
três meses antes do veredicto provocou irritação nos promotores do caso que
consideraram a reportagem, realizada sem a aprovação prévia do Departamento de
Justiça, uma violação aos termos do acordo judicial assinado pelo acusado. No
julgamento, a promotoria denunciou Pollard por divulgar dados sigilosos na
mídia comprometendo fontes e métodos da comunidade de inteligência. O que foi
contestado pelos advogados de defesa ao afirmaram que o governo tinha
conhecimento da solicitação do jornalista e autorizou a entrevista.
Espionagem mútua
Semanas depois da
condenação de Pollard, um novo artigo de Blitzer é publicado no “Jerusalem
Post”, também envolvendo Pollard. O pivô é o senador Dave Durenberger,
republicano do estado de Minnesota (1978-1995) que presidiu o Comitê de
Inteligência da Casa (SSCI – Senate Select Committee on Intelligence). Na
reportagem, Durenberger afirma que antes de Pollard espionar para Israel, a CIA
recrutou, em 1982, um oficial do exército israelense para espionar contra
Israel. Shimon Peres, à época ministro das Relações Exteriores e Yizhak Rabin
(1922-1995), ministro da Defesa, negaram as acusações e a CIA também se recusou
a comentar a matéria.
A respeito dessas
espionagens mútuas, o comentarista político Daniel Pipes, no artigo “Espião
versus Espião, América versus Israel”, veiculado no “National Review Online”
(7.8.2012), enumera uma série de exemplos de espionagem praticada por ambos os
lados e menciona o caso de um ex-oficial da inteligência militar israelense que
espionou para a CIA. Trata-se de Yosef Amit que durante muitos anos enviou
informações aos americanos sobre o movimento de tropas e a política em relação
ao Líbano e aos palestinos até a sua detenção em 1986.
Destaca também as
palavras do embaixador de Israel em Washington, Itamar Rabinovich, que atuou
entre 1993 a 1996. Segundo o diplomata, o governo americano na época decifrou o
código israelense utilizado nas comunicações internas. “Com certeza os
americanos grampeavam as linhas telefônicas normais da embaixada. Às vezes eu
ia a Israel entregar as informações oralmente.”
Yitzhak Rabin chegou a
comentar que Israel descobriu cinco espiões americanos atuando no país entre o
final de 1970 e o início de 1980 e que para evitar conflitos com seu aliado
optou por expulsá-los ao invés de iniciar um processo que os levariam à
prisão. De acordo com Pipes, “a
espionagem é recíproca. Faz parte da rotina, é sabida e implicitamente aceita
por ambos”. E conclui: “Visto que esses aliados têm muito em comum, de valores
morais a inimigos ideológicos e frequentemente trabalham em conjunto, também
não é lá tão preocupante essa espionagem mútua.”
Campanhas a favor de Pollard
Em 1998, o Congresso
Mundial Judaico (WJC - World Jewish Congress), que representa as comunidades e
organizações judaicas em mais de 100 países, fez um apelo para que os judeus
americanos quebrassem o silêncio que há mais de uma década envolvia o caso
Pollard. “A acusação de dupla lealdade provavelmente jamais irá desaparecer”,
admitiu em memorando a organização, assinalando que o episódio sempre será uma
arma política atraente para atacar Israel. No documento, o WJC invoca uma
reavaliação do caso e adverte para o perigo de recrutar judeus da diáspora para
operações de inteligência e de segurança. “Hoje Israel deve usar de cautela e o
caso Pollard pode ser visto como um divisor de águas nas relações de Israel com
os Estados Unidos e os judeus americanos (“The Pollard Case: A Reassessment” –
janeiro de 1998).
Quatro anos depois, em
2002, Benjamim Netanyahu que ocupava o cargo de ministro de Negócios
Estrangeiros visitou Pollard no presídio da Carolina do Norte. Desde 1998,
Israel já havia reconhecido o ex-analista como um de seus informantes. Na
ocasião, Netanyahu garantiu ao preso que o governo de Israel estava empenhado
em sua libertação, respondendo ao questionamento de Pollard sobre o pouco
interesse de Ariel Sharon, então primeiro-ministro, em abordar o assunto nos
encontros com o presidente americano George W. Bush.
Mas, o fato é que o
governo de Israel sempre se empenhou pela libertação de Pollard. Na gestão
anterior de Bill Clinton (1993-2001) havia uma grande expectativa de que o
presidente americano finalmente indultasse Pollard no apagar das luzes de seu
segundo mandato, o que não aconteceu.
Conta-se que durante
os preparativos para o acordo entre Israel e a Autoridade Palestina de Yasser
Arafat em Wye Plantation, no estado americano de Maryland (1998), o presidente
Clinton prometeu a Netanyahu, então primeiro-ministro, que soltaria Pollard. O
acordo entre as partes intermediado pelos EUA previa a gradual retirada militar
israelense da Cisjordânia e a libertação de 750 presos palestinos. Segundo o
próprio Netanyahu, Clinton deu para trás no último minuto, alegando que o
diretor da CIA, George Tenet, havia advertido de que a liberação de Pollard
desmoralizaria a área de inteligência americana.
Dez anos depois do
encontro de Netanyahu com Pollard, o ex-diretor da CIA, James Woolsey, se
posicionou publicamente a favor da liberdade de Pollard, considerando
”suficiente” o tempo de prisão do condenado. Chefiando a agência de
inteligência de 1993 a 1995, Woolsey escreveu uma carta para o “The Wall Street
Jounal”, em 2012, explicando sua posição à época que comandava a CIA, quando
foi contra um pedido de clemência que favorecesse o ex-analista. “Isso porque
ele ainda não tinha completado 10 anos de detenção”, justificou. E fundamentou
a sua mudança de posição: “O que eu diria que mudou? A passagem do tempo. Há
mais de um quarto de século que ele está preso.”
Woolsey lembrou que
apenas dois espiões dos 50 condenados por espionagem a favor da China e da
Rússia estão cumprindo prisão perpétua nos EUA: Aldrich Ames e Robert Hanssen,
ex-agentes da CIA e do FBI, respectivamente. O primeiro preso em 1994 e o
segundo em 2001 (depois de vazar documentos por mais de 20 anos para a União
Soviética) causaram danos devastadores aos órgãos de inteligência americanos e
particularmente à rede de agentes que atuava para os EUA nos países do Leste
Europeu.
Outros
espiões, como Randy Jeffries e Sharon Scranage detidos em 1985 (“o ano dos
espiões”, dada a quantidade de espiões presos pelo governo americano), foram
condenados a três e dois anos, cada um. O primeiro tinha trabalhado no FBI e
foi acusado de fornecer documentos secretos à União Soviética. Sharon era
funcionária da CIA e espionou para o governo de Gana. Também Robert Kim, um
funcionário do setor de Inteligência da Marinha, foi acusado em 1996 de
espionar para a Coreia do Sul, país aliado dos EUA, vazando documentos sobre a
política americana em relação à Coreia do Norte. Sua pena foi de nove anos, das
quais ele cumpriu sete.
E tem o
caso do espião Steven Lalas, preso em 1993 por espionar para a Grécia.
Funcionário do Departamento de Estado americano, ele passou informações sobre
as avaliações dos EUA em relação à antiga República da Iugoslávia; sobre a
política americana para os Balcãs e a estratégia turca no Mar Egeu e Chipre.
Também repassou nomes e cargos do pessoal da CIA que trabalhava no exterior.
Foi condenado a 14 anos de prisão, findos os quais emigrou para a Grécia.
Vozes discordantes
No
livro “Territory of lies” (Território das mentiras, em tradução literal,
publicado em 1989), Wolf Blitzer escreve que os EUA não compartilham com Israel
(ou vice-versa) informações que podem comprometer o que os profissionais de
inteligência chamam de “fontes e métodos”. Por exemplo, fontes da CIA são
mantidas em segredo porque a organização de coleta de informações ficaria
prejudicada se descobertas. Fontes americanas em estados árabes amigáveis como
Egito, Arábia Saudita e Jordânia também não são reveladas para Israel.
A
respeito do livro de Blitzer, que conta a história de Pollard de forma
favorável ao acusado, o jornalista investigativo Robert I. Friedman - também de
origem judaica e precocemente falecido em 2002, aos 51 anos – criticou
duramente o enfoque pró-Pollard apresentado na obra. Escrevendo para uma das
revistas mais influentes dos EUA, “The New York Review of Books”, Friedman
enfatizou que, de acordo com o Ministério Público Federal, Pollard “roubou”
informações que nada tinham a ver com as legítimas necessidades de segurança de
Israel: um livro de sistemas de comunicação altamente confidencial para
interceptar os códigos de outros governos; documentos técnicos sobre projetos
especiais da Agencia de Segurança Nacional (NSA) para proteção e salvaguarda
das comunicações militares e da inteligência dos EUA; e informações sobre
movimentos de navios americanos no Mediterrâneo.
Friedman,
que teve a cabeça colocada a prêmio pela máfia russa, em razão de seu livro
“Red Mafiya” (2002) que desvenda os bastidores das atividades criminosas dos
mafiosos russos nos EUA, analisa que a informação repassada a Israel é um tipo
de conhecimento que até mesmo aliados próximos não compartilham. “O custo para
o contribuinte dos EUA dos danos causados por Pollard foi estimado por
autoridades americanas entre 3 e 4 bilhões de dólares”, assinalou.
Dois
outros respeitados jornalistas americanos de ascendência judaica igualmente se posicionaram
contra a libertação de Pollard: o editor-chefe da revista de opinião “The New
Republic”, Martin Peretz, de 72 anos, e o subeditor e editor responsável pela
página de opinião internacional do “The Wall Street Journal“, Bret Stephens, 40
anos. Em artigo publicado em março de 2012, Peretz critica políticos
israelenses e judeus americanos que incomodam o presidente Obama pedindo
clemência para Pollard. “O presidente não deve ser pressionado para que liberte
um espião somente para provar, mais uma vez, que ele é um aliado e um amigo compreensivo.
Pollard não é um herói de Israel, seja o que for que seus admiradores possam
dizer.”
Ganhador
do prêmio Pulitzer de 2013 como o melhor comentarista político, Bret Stephens é
mais incisivo em seus comentários no artigo “Não libertem Jonathan Pollard” (em
tradução livre), publicado em 18.03.2013. “O que é desigual na sentença de
Pollard não é que sua pena foi muito dura”, escreve. “É que as sentenças de
espiões como Aldrich Ames, Robert Hanssen e Robert Kim foram muito brandas.”
Em sua
opinião, os EUA precisam castigar exemplarmente os traidores dos segredos
nacionais. “Isso vale especialmente para aqueles que espionam em nome de países
aliados ou que imaginam que o fazem pelo interesse da humanidade como Bradley
Manning” (o principal informante do site WikiLeaks de Julian Assange que foi
condenado a 35 anos de prisão por vazamento de documentos e telegramas
diplomáticos secretos). Stephens tem um programa semanal de política no canal
Fox News e foi o jornalista mais jovem a assumir a chefia do “Jerusalem Post”
(2002 a 2004), antes de completar 30 anos.
“Eu acuso”
Lembrando
as palavras do romancista francês Emile Zola (que há 115 anos escreveu o
histórico libelo “J’accuse” no jornal “L’Aurore” a favor do capitão Alfred
Dreyfus, de ascendência judaica, vítima de um complô e condenado injustamente
por traição), o jornalista italiano Giulio Meotti publicou em 2011 um artigo no
“Jerusalem Post” acusando a esquerda israelense e os intelectuais judeus da
diáspora de abandonarem Pollard. De família católica, Meotti é colunista do
jornal italiano “Il Foglio” e autor do livro “A new Shoah” (‘Um novo Holocausto
– a história não contada das vítimas israelenses do terrorismo’), escrito originalmente
em italiano e traduzido para o inglês em 2010.
O
jornalista destaca em seu artigo que as informações de Pollard ajudaram Israel
a se preparar para os ataques de mísseis iraquianos durante a Guerra do Golfo
(1990-1991), quando três foguetes Scud de Saddam Hussein atingiram Tel Aviv e
não houve vítimas. Por intermédio de Pollard, o governo de Israel não somente
conheceu as intenções belicosas do ditador iraquiano, assinala Meotti, como
também ficou sabendo da grande quantidade de armas químicas e não-convencionais
armazenadas pelo governo de Bashar al-Assad, da Síria. Segundo ele, Netanyahu é
o único político de primeira grandeza do cenário político israelense a estar se
empenhando verdadeiramente para libertar Pollard.
Meotti passou
quatro anos em Israel realizando pesquisas e entrevistas com as famílias
atingidas por ataques terroristas. “Dia após dia, são centenas de ataques
agressivos e devastadores nos ônibus, cafés, kibbutzim, restaurantes e templos
religiosos executados por radicais muçulmanos”, enfatiza o jornalista. Por isso
sua discordância em relação à posição radical adotada por muitos judeus
americanos que consideram Pollard “um fanático” (Robert Friedman - “The
Washington Post”), “uma víbora” (Martin Peretz – “New Republic”) e “uma
aberração” (rabino e ativista social Arthur Hertzberg, falecido em 2006).
Negativas à libertação
Em anos
recentes, agências de notícias têm periodicamente divulgado informações sobre
pedidos do governo israelense aos EUA para que soltem Pollard em troca de
possíveis concessões como a libertação de prisioneiros palestinos ou a interrupção
dos assentamentos judeus na Cisjordânia. Mas, as negativas do governo americano
se sucedem. Em abril de 2012, a Casa Branca rejeitou oficialmente a
possibilidade de libertar Pollard em resposta a um pedido formulado pelo
presidente israelense Shimon Peres. “Nossa posição não mudou neste assunto”,
afirmou o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional do gabinete de política
externa de Obama, Tommy Vietor.
Para
piorar a situação, um ex-conselheiro de segurança nacional do FBI, M.E. Bowman
publicou um artigo no “New York Times”, em 14 de janeiro de 2014 (‘Não confie
neste espião’) lançando a suspeita de que as informações transmitidas por
Pollard podem ter sido negociadas pelo governo israelense com a União Soviética
para liberar a saída dos judeus da Cortina de Ferro para Israel. A denúncia
caberia ao ex-diretor da CIA, William J. Casey, que em 2001 a revelou ao veterano
jornalista investigativo Seymour Hersh, ganhador do prêmio Pulitzer e autor de livros
sobre geopolítica e assuntos militares.
Uma
insinuação grave que torna ainda mais difícil a luta pela liberdade de Pollard, hospitalizado e submetido a uma cirurgia de emergência, nos primeiros dias de março, segundo informou a sua esposa Ester.
Fontes:
“Jonathan Pollard: The 'Spy' Still Out
in the Cold” – Chicago Tribune, em 11.11.2013;
“Rafi Eitan says US
told Israel that Pollard would only serve 10 years” - The Jerusalem Post, em 11.11.2013;
“Just a farmer in
Cuba” – Haaretz, em 3.7.2006;
“CIA: Pollard's life
sentence due to ‘Post’ interview” - Jerusalem Post, em 17.12.2012;
“The
Secret Agent” - The New York Review of Books, em 26.10.1989;
“CIA: Pollard's life
sentence due to ‘Post’ interview” - Jerusalem Post, em 17.12.2012;
“CIA Recruitment of
Israeli as Spy Told by Durenberger”- Washington Post, em 21.03.1987;
“Spy versus Spy,
América versus Israel” - National Review
Online, em 7.8.2012;
“J’accuse
on Pollard” – Jerusalem Post, em 22.06.2011;
“Don’t
Trust This Spy” – New York Times, em 14.01.2014