(Ser poeta é despir as palavras das imagens e sons cotidianos e vesti-las de sentidos e sensações extemporâneos)
Cá estou eu frente ao mar e não sendo poeta
Cá estou eu pisando na areia e não sendo poeta
tropeço.
Os banhistas se assustam e murmuram:
insolação.
Abro os olhos.
O céu é uma coroa dourada de franjas escarlates.
Delírio? Molham a minha boca.
“Pressão baixa”, arriscam.
Mãos suaves e cuidadosas me fazem sentar.
De quem são?
Uma imagem borrada se aproxima e sorri.
De repente me dou conta. Cadê meus óculos, camarada?
Afundo os dedos na areia, apalpo, reviro, remexo,
em vão. Deixa pra lá, me aconselham.
Desconfiada, impotente, sentindo a alma ferida,
choro. Inutilmente.
Não sou poeta. Sou míope, balbucio.
Um dos banhistas levanta o polegar em sinal de apoio.
- Também nós, cara pálida, não somos poetas.
Falei poeta?
-Ei, vocês! Tenham dó. Me devolvam os óculos!