Por Sheila Sacks
Especial para o Observatório da Imprensa
“Um dos fatos mais trágicos de nosso século é que esse ‘não’ às armas nucleares tem sido falado tão raramente, tão suavemente, e por tão poucos.” (Henri J.M. Nouwen, teólogo e escritor)
Nos primeiros dias de 2008, duas semanas após o encontro sobre mudanças climáticas realizado em Bali, na Indonésia - que reuniu mais de 190 nações sob a batuta da Organização das Nações Unidas (ONU) -, o jornal britânico “The Guardian” nominou 50 pessoas que no seu entender seriam capazes de frear a destruição do planeta. Cada uma delas recebeu o título meritório de “green heroes”, os heróis verdes da Terra.
Al Gore (vice-presidente no governo de Bill Clinton), Ângela Merkel (chanceler alemã), o ator norte-americano Leonardo DiCaprio e a brasileira Marina Silva, então ministra do Meio Ambiente, foram alguns dos guerreiros agraciados pelo empenho no combate ao aquecimento global e as conseqüências catastróficas que ameaçam o nosso habitat: degelo das calotas polares, ciclones, furacões, enchentes, deslizamentos, maremotos, secas extremas etc.
Porém, em termos de aniquilamento da raça humana o fato concreto, urgente e inconteste continua sendo a ameaça nuclear que, fatidicamente, não prospera sozinha nessa segunda década do século 21. A proliferação das armas químicas e biológicas é hoje uma realidade igualmente científica e apavorante e, em razão desse ambiente inseguro para a humanidade o ponteiro do Relógio do Juízo Final (Doomsday Clock), instituído como um alerta simbólico pelo BAS (Bulletin of Atomic Scientists), foi adiantado em 2012 em mais um minuto.
Mídia e sociedade ausentes
Estamos, pois, a cinco minutos da meia-noite, horário que marca a destruição nuclear ou o fim da vida como a conhecemos. Criado em 1949 por físicos do “Projeto Manhattan” que desenvolveram a bomba atômica para os EUA (muitos deles ganhadores do prêmio Nobel), o relógio do fim do mundo vem emitindo sinais de alerta desde 1953, ano em que os soviéticos realizaram a sua primeira experiência com a bomba de hidrogênio, meses depois do teste nuclear norte-americano nas Ilhas Marshall, no Oceano Pacífico.
Atualmente, devido ao contínuo desenvolvimento das armas nucleares e as públicas dificuldades de concluir acordos no sentido de cessar a sua produção, o Conselho de Segurança do BAS advertiu que a humanidade está em situação de risco. Segundo seus cientistas existem hoje 19.500 armas nucleares ativas, o suficiente para destruir a Terra várias vezes.
Mas, apesar dos avisos do BAS e das previsões sombrias suscitadas pela possibilidade de que ataques nucleares possam acontecer, a mídia prossegue estranhamente distraída quanto à prioridade, o destaque, o espaço e a assiduidade do tema na organização de suas pautas. O resultado desse distanciamento é a percebível ausência de preocupação por parte da sociedade brasileira e de seus cidadãos, individualmente, com o perigo latente e sem escapatória representado pelo apocalipse nuclear, em contraste com a atenção e a sistemática militância que os mesmos dispensam à problemática ecológica e climática.
Faz-se oportuno no atual estágio de evolução dos programas nucleares que a mídia ponha seus craques em campo e mostre ao distinto leitor quem de fato está engajado na batalha contra a proliferação de armas e artefatos nucleares, se é que existam heróis nesse intrincado jogo de poder. O propalado princípio de utilização da energia nuclear para fins pacíficos (geração de eletricidade) e a complexidade científica do tema têm dificultado uma abordagem mais constante e incisiva por parte dos meios de comunicação. Mas essas variáveis não devem servir de barreiras para enfrentar e atingir o cerne da questão que é o enriquecimento do urânio ou plutônio para construção de bombas nucleares.
Observa-se que uma espécie de escudo tecnológico se impôs à natural sensibilidade e agudeza jornalísticas presentes nas grandes questões internacionais e que neste caso específico têm sucumbido às polêmicas e à aridez que envolve o tema. Exceções aos acidentes de forte apelo popular que ganharam manchetes como os ocorridos nas usinas nucleares de Chernobyl, em 1986, na Ucrânia, onde um reator explodiu (especialistas estimam que 8 mil pessoas morreram em consequência do fato e que 17 mil podem desenvolver câncer nos próximos 50 anos), e Fukushima, no Japão, atingida por um tsunami em 11 de março de 2011, contaminando o ar e o solo das cidades que existiam nas proximidades.
Gastos com arsenal nuclear
Dono do maior arsenal militar do planeta, os EUA prometem reduzir em 5 bilhões de dólares o seu orçamento militar de 2013, que totaliza cerca de 525 bilhões de dólares. Em fevereiro, o jornal New York Times revelou que o país possui 1,7 mil armas nucleares e que o presidente Barack Obama estuda diminuir esse número. Quanto à Rússia, a estimativa é que Moscou tenha 4.237 ogivas estratégicas para ataques a longa distância. Mas, o número total do arsenal russo estaria entre 15 mil a 17 mil ogivas.
Ainda que os EUA e a Rússia façam promessas públicas de redução do seu estoque de armas nucleares (cuja real quantidade ninguém sabe precisar), o Instituto de Pesquisas para a Paz de Estocolmo (Sipri) divulgou, em 2012, que as duas potências prosseguiam no trabalho de modernização de seu sistema de armas nucleares e que o gasto total no setor militar em 2011 havia atingido 1,74 trilhão de dólares. Oito países (EUA, Rússia, Reino Unido, França, China, Índia, Paquistão e Israel) concentravam 4.400 armas nucleares operacionais, com 2 mil aptas para serem usadas em combate a qualquer momento (“Estudo aponta modernização do arsenal nuclear no mundo” – Deutsche Welle, em 6 de junho de 2012).
Em paralelo, a instituição sueca também detectou que o comércio de armas convencionais não estacionou nem diminuiu. Entre 2007 e 2011 houve um aumento de 24% na comercialização dessas peças, principalmente por conta da militarização de países asiáticos como a Índia (a maior importadora de armas), Coreia do Sul, Paquistão, China e Singapura. Os maiores vendedores de armas continuavam sendo os EUA e a Rússia, mobilizando mais de 50% do mercado: o primeiro com 30% das vendas a 75 países e os russos com uma fatia de 23%.
Investimentos militares aumentam
Por conseguinte, alertas de cientistas e de instituições científicas pouco impressionam as potências nucleares e não inibem as nações de reservarem mais recursos para as áreas militares. O presidente da comissão de Defesa do Parlamento russo, Vladimir Komoedov, anunciou que entre 2013 e 2015 serão investidos 101,15 bilhões de rublos (cerca de 3,2 bilhões de dólares) para reforçar o arsenal nuclear do país, o triplo do que foi gasto em 2012. E para 2015 a previsão dos gastos militares chegará aos 3 trilhões de rublos (cerca de 96 bilhões de dólares), grande parte destinada à Força de Mísseis Estratégicos (FME). Exemplo dessa diretriz é a entrada em atividade, no início deste ano, do mais moderno submarino nuclear russo já construído, com capacidade para transportar 16 mísseis balísticos intercontinentais de alcance de mais de 8 mil quilômetros.
Autoridades da Rússia explicam que a construção de mísseis nucleares é necessária “para manter o equilíbrio estratégico no confronto geopolítico com os Estados Unidos.” Segundo o porta-voz do ministério da Defesa, coronel Vadim Koval, “o desenvolvimento do programa americano antimíssil global e a implantação do conceito de Ataque Global Imediato estimulam as Forças Armadas russas a buscar uma resposta assimétrica.” (“Rússia irá reforçar o seu escudo nuclear” – Gazeta Russa, em 14 de novembro de 2012).
Apoio nuclear ao Irã
Simultaneamente à evolução e expansão de tecnologia nuclear para uso próprio, a Rússia vem mantendo convênios de cooperação nesta área com o Irã desde 1995. Em 2010, a primeira usina nuclear iraniana iniciou as suas operações com combustível fornecido pela Rússia. Localizada no sul do país, a usina de Bushehr foi concluída pelos russos e nesse início de 2013 ligada à rede de energia nacional, operando em plena capacidade.
Apesar de o governo do Irã negar que faça uso da energia nuclear para fabricação de bombas atômicas, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) anunciou no final de 2012 que a capacidade iraniana de produzir urânio a 20% - usado para fins militares - iria aumentar de 15 kg a 25 kg mensais, após a instalação de mais mil centrífugas na usina subterrânea de Fordow. Meses antes, relatório divulgado pelo Instituto para a Ciência e a Segurança Internacional (ISIS), de Washington, afirmava que o Irã estava mais perto de obter a quantidade de urânio indispensável para montar uma arma nuclear. De acordo com o estudo, a usina de enriquecimento de urânio de Natanz, com 10 mil centrífugas, levaria de dois a quatro meses para acumular 25 Kg de urânio enriquecido a 90% necessários para fabricar uma bomba nuclear (“Irã pode ter material para bomba atômica em dois meses, diz instituto” – Voz da Rússia online, em 09.10.2012)
Uma hipótese não descartada por Moscou pelo que se apreende das palavras do ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergéi Lavror, durante encontro da CICA (Conferência sobre Interação e as Medidas de Confiança na Ásia), em setembro de 2012. A CICA tem 24 países-membros - entre eles Rússia, China, Índia, Paquistão, Irã, Israel, Egito, territórios palestinos, Turquia, Iraque, e Jordânia - e não-membros como Coreia do Norte, Líbano e Síria, e foi instituída em 1999 como um fórum entre governos de países da Ásia para o fomento da paz, segurança e estabilidade na região.
Na ocasião, o diplomata destacou o programa nuclear iraniano como uma das questões mais urgentes a serem debatidas e negociadas pela comunidade internacional: “O Exército e a Marinha do Irã já possuem mísseis táticos capazes de atingir instalações navais e terrestres dos EUA na região”, disse. Unidades e equipamentos de infraestrutura, portos, usinas de dessalinização de água também podem ser atacados pelo Irã, acrescentou. O chefe da diplomacia russa citou a possível ajuda que o Irã pode receber de aliados como o Hezbollah libanês, a milícia xiita Exército de Mahdi (Iraque) e de organizações fundamentalistas islâmicas do Afeganistão (Talibãs), Iêmen e Barein.
Armas nucleares nas mãos de terroristas
Em fevereiro de 2012, meses antes da abertura das Olimpíadas de Londres, o jornal britânico “The Daily Telegraph” publicou uma reportagem acusando o Irã de estar ampliando sua parceria com a rede terrorista al-Qaeda, oferecendo financiamento e treinamento a seus membros. A informação teria partido de especialistas em segurança e risco político que temiam algum tipo de ataque durante o evento. Um ano antes, os EUA já tinham denunciado formalmente o Irã de se aliar à al-Qaeda, permitindo que a rede utilizasse o solo iraniano para levar armas, dinheiro e combatentes às suas bases no Afeganistão e no Paquistão. A notícia publicada pelo The Wall Street Journal informava que o Departamento do Tesouro americano havia descoberto uma operação de angariação de fundos para as atividades da al-Qaeda, envolvendo centenas de milhares de dólares. Os recursos provenientes de doações de países do Golfo Pérsico, principalmente do Kuwait e Catar, eram operados por agentes da al-Qaeda baseados no Irã.
Mas, a suspeita de que a al-Qaeda possa ter armas nucleares não é recente. Em 1999, o cientista político Yossef Bodansky, ex-diretor do Centro contra terrorismo do congresso dos EUA e autor de vários livros sobre o tema, afirmou que sim. Seu colega Paul L. Williams, ex-consultor do FBI sobre crime organizado e terrorismo, autor do livro “Al Qaeda Connection” também acha possível. Ambos os especialistas sugerem que a rede terrorista adquiriu armas nucleares de fabricação soviética dos chechenos. “Em 1995”, conta Williams, “os chechenos plantaram uma bomba radiológica no Izmailovsky Park, perto de Moscou. A bomba foi feita de césio-137 e se tivesse sido detonada, poderia ter matado milhares de russos. Este incidente representa o primeiro caso de uma bomba nuclear a ser implantada como uma arma de terror”, afirma. William ainda relata que depois da guerra as armas foram vendidas a al-Qaeda e agentes britânicos infiltrados em campos de treinamento da organização no Afeganistão, em 2000, viram armas nucleares sendo fabricadas.
O que vai ao encontro das afirmações do então braço direito de Osama Bin Laden e atual chefe da organização, Ayman al-Zawahiri, semanas depois do atentado de 11/9. Em entrevista ao jornalista paquistanês Hamid Mir, ele teria dito: ”Senhor Mir, se você tem 30 milhões de dólares, vá o senhor ao mercado negro da Ásia Central, ponha-se em contato com um cientista soviético descontente e lhe asseguro que ele lhe dará dezenas de valises de bombas inteligentes.” A revelação foi feita pelo jornalista em um programa da TV australiana, em 2004, três anos após o ataque da al-Qaeda às torres gêmeas em Nova York. Segundo Mir, que foi o único repórter a entrevistar os terroristas em 2001, Zawahiri ainda explicou: “Eles entraram em contato conosco. Nós enviamos nosso pessoal para Moscou, Tashkent (capital do Uzbequistão) e outros países asiáticos. Nosso pessoal negociou e comprou algumas bombas pequenas.”
Em 2006, Mir voltou ao tema e falou para o site de notícias WND (WorldNetDaily) sobre o seu encontro, dias antes, com um engenheiro egípcio que tinha perdido um olho depois de participar de um teste nuclear da al-Qaeda, na província de Kunar, no Paquistão. O jornalista contou que ficou perturbado e deprimido com o encontro porque o engenheiro teria revelado que o pesadelo nuclear estava chegando à América. “O American Hiroshima, nome que os líderes da al-Qaeda escolheram para o plano de ataque aos EUA, irá acontecer tão logo que os norte-americanos lancem um ataque às instalações nucleares do Irã”, falou Mir. Trabalhando como âncora do canal de notícias Geo News, na capital paquistanesa, Hamid Mir escapou de um atentado terrorista em novembro do ano passado, quando uma bomba foi deixada em seu carro, embaixo do assento.
Por fim, apesar do aparente propósito público de Obama de reduzir o arsenal atômico mundial, ampliam-se as ameaças de guerra nuclear contra o Ocidente. Na semana passada (07.03.2013), em resposta às recentes sanções impostas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, o regime ditatorial da Coreia do Norte - que realizou um teste nuclear subterrâneo em 12 de fevereiro, o terceiro de sua agenda atômica - ameaçou os EUA com um “ataque nuclear preventivo”. O vice-ministro de Defesa daquele país, Kang Pyo-yong, anunciou que mísseis intercontinentais carregados de ogivas nucleares estariam prontos para atingir Washington, “a fortaleza do imperialismo americano e ninho do mal”.