/ Sheila Sacks
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Passados quatro semanas de guerra, editorial de
uma das maiores redes de mídia nacional exalta a convivência pacífica entre
judeus e árabes ( Antissemitismo ressurge sob disfarce de ‘antissionismo’, em
05.11.2023 – O Globo).
Entretanto, nesse período e provavelmente nos
dias que estão a seguir, dezenas de mensagens antissemitas e perversas, embaladas
como cartas de leitores indignados com as ações de defesa de Israel, ajudam a distorcer
a situação no Oriente Médio com ataques virulentos, palavras truculentas, respingando
sangue e ódio, e até disseminando mentiras direcionadas ao estado sionista, que
em essência se traduz no milenar preconceito contra os judeus.
Em contraposição, cartas em prol ao direito de
um estado democrático - sabidamente com as fronteiras coalhadas de grupos
terroristas apoiados por estados árabes ditatoriais – de reagir a uma invasão bárbara
que desembocou numa carnificina dantesca, com a decapitação de bebês, pessoas
mortas a tiros, esfaqueadas e queimadas, estupros, sequestros de crianças,
jovens e idosos, em uma matança a sangue frio comemorada pelos assassinos em
ligações de celulares aos parentes em Gaza; pois bem, nessas ditas cartas em
defesa de Israel, observa-se um acanhamento linguístico e um cerceamento de respostas certeiras, sinais reveladores
da afiada triagem e do vil aval de “bom comportamento” necessários para as
mensagens serem publicadas.
O que significa para os defensores de Israel
operacionalizar pesquisas e narrativas bíblicas, justificativas históricas,
bibliografias sobre a solução de dois estados (aliás, nunca compartilhada pelos
palestinos que abertamente pregam a eliminação de Israel), referendar a cultura
da paz em meio a uma carnificina humana impensável, e até dar um tom didático à
polêmica fabricada nos arsenais de propaganda dos divisionistas sobre o
diferencial de identidade dos judeus da Diáspora em relação aos judeus
israelenses. Todo esse aparato na tentativa desesperada de conquistar algumas
linhas no terreno minado posto a serviço escancarado de um dos lados.
É sabido que o partido do atual governo tem um
histórico de apoio aos palestinos, ainda que estes advoguem o extermínio de
Israel e eduquem suas crianças nas cartilhas do ódio e do preconceito. Mas, não
se pode ser tão dissimulado a ponto de fingir que o Hamas e o povo palestino
são coisas distintas. O Hamas está no poder desde 2006 quando foi eleito pela
população, que o apoia e protege. Um enredo que se quer embaralhado no intuito
de confundir, tal qual o citado editorial e o espaço dos leitores. As duas
seções convivem sob as diretrizes dos mesmos editores e aludir à liberdade de
expressão para justificar opiniões descabidas e antissemitas, é tornar o
conceito elástico e sem limites. Quem abre
espaço para a publicação de um editorial que ergue a bandeira da tolerância e da
paz (‘O Brasil sempre seguiu um caminho de tolerância’), e permite, nas páginas
posteriores, indivíduos chamados leitores atearem fogo com inverdades plantadas
principalmente em redes sociais, está mantendo um jogo duplo muito similar aos
que clamam por uma pátria independente condicionada à destruição do país
vizinho.
O texto em questão se inicia fazendo um
apanhado, em números e percentagens, do insidioso aumento de incidentes e
crimes de ódio ocorridos contra os judeus na França (189 ataques) Reino Unido (805), Alemanha ( 240% a mais) e EUA (312 casos) desde o massacre de 7 de outubro, comparando-os as poucas situações divulgadas no
Brasil. Mas, é preciso observar que nesses países, líderes dos partidos do
governo não deram declarações antissemitas afrontosas como fez, por exemplo, a
presidente do PT, Gleisi Hoffmann, se utilizando impunemente da palavra
genocídio para atacar Israel. Ou a tesoureira do PT e “conselheira de Itaipu”,
Gleide Andrade, que após cobrir de injúrias o estado de Israel em postagens estúpidas, desrespeitosas e desavergonhadas,
“apagou as publicações e se desculpou”.
Antes, o presidente brasileiro, a quem não se
permite ser mal informado, classificou de “insana” a resposta militar de Israel
à barbárie do Hamas. Não satisfeito, mais adiante repetiu a ladainha do PT e
chamou de “genocídio” as ações israelenses, o que de acordo com o editorial não
foi de bom tom: “Usar o termo genocídio nesse caso não é apenas incorreto, mas
também ofensivo”, considerou o jornal.
Outros representantes de partidos solidários ao
governo, como o PSOL, numa imitação bizarra de protestos de extremistas
fundamentalistas, atearam fogo à bandeira de Israel. Membros do PCO, Partido da
Causa Operária, esbanjaram dinheiro do trabalhador na publicação de panfletos pedindo “o fim”
de Israel.
Por fim, o editorial conclui que a solução está
na conivência pacífica de dois estados, “lado a lado”, e que o Brasil deve se
concentrar neste tópico nos fóruns internacionais. “Deve pregar a tolerância
que vivemos aqui”, aconselha. “É uma lição que apenas o Brasil pode dar às
outras nações.”
Porém, o que o editorial não aborda, mas vale registrar, é que durante esse outubro sanguinário o Brasil
esteve na presidência rotativa do Conselho de Segurança da ONU e tentou
emplacar uma resolução de cessar-fogo em que não condenava explicitamente o
ataque terrorista do Hamas. Mas esse detalhe, que somou páginas na imprensa,
passou ao largo da edição. Assim como o diabólico sequestro de mais de 240
pessoas, arrancadas selvagemente de suas casas, das ruas, de um festival de
música. Também não teve menção a
incômoda situação da diplomacia brasileira que até este 7 de novembro prossegue
em suas tratativas de retirada de um grupo de palestinos de dupla nacionalidade
da Faixa de Gaza. Talvez, o oportuno e amigável texto de boas-vindas à
tolerância reservada aos judeus brasileiros possa ajudar nesse sentido.
Então, o abre-alas à tolerância que de modo
geral existe no país e o puxão de orelhas aos partidos de esquerda nacional
que, segundo o editorial, dão os ombros para o preconceito contra os judeus, soam
pouco convincentes considerando que a mesma mídia alimenta um reduto de guerra
desleal sob o aparente manto de imparcialidade. Um ambiente, com o singelo título de
“Leitores” e o subtítulo “Mensagens”, em que se permite soltar as feras e
aventar suposições infames, como a emitida por uma leitora que se intitula Patrícia,
e declara despudoradamente que o massacre de 7 de outubro pode ter tido a
facilitação de Israel (em 30/10).
Tal afirmação, que se constitui em calúnia, ao
ganhar o sinal verde para publicação, depõe contra a seriedade e imparcialidade
dos editores. De resposta a tamanho disparate,
apenas uma única mensagem publicada com o cândido argumento de que os judeus
não seriam capazes de tal ato, visto que valorizam a vida humana. O que
suscitou, no dia seguinte, a réplica esperta e contundente de um missivista
militante que mais uma vez repisou o mantra mentiroso e capcioso de
diferenciação entre judeus da Diáspora e judeus de Israel, e, por conseguinte,
a surrada falácia de dissociação entre antissemitismo e antissionismo.
Enfim, nesse contexto ambíguo e tendencioso, onde os editores se deixam levar pela parcialidade ideológica que promove, sim, o antissemitismo cotidiano percebido em olhares, gestos e atitudes sutis, ou não tão sutis - como foi o caso de um motorista de aplicativo no Rio que diante de um jovem estudante de escola judaica, uniformizado, recusou sua entrada no veículo por ser judeu *- , sábias e atuais permanecem as palavras de Winston Churchill, peça-chave na vitória dos aliados na Segunda Guerra. Para o ministro britânico, “quanto mais longe você puder olhar para trás, mais longe você poderá ver à frente”. Que assim seja !
* Segundo o jornal israelense Jerusalem Post, aumentaram em 760% os incidentes antissemitas no Brasil, nos últimos três anos, a maioria em escolas envolvendo estudantes judeus.