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terça-feira, 7 de novembro de 2023

Israel x Hamas: Seção de Leitores é front de antissemitismo

/  Sheila Sacks  /


Passados quatro semanas de guerra, editorial de uma das maiores redes de mídia nacional exalta a convivência pacífica entre judeus e árabes ( Antissemitismo ressurge sob disfarce de ‘antissionismo’, em 05.11.2023 – O Globo).

Entretanto, nesse período e provavelmente nos dias que estão a seguir, dezenas de mensagens antissemitas e perversas, embaladas como cartas de leitores indignados com as ações de defesa de Israel, ajudam a distorcer a situação no Oriente Médio com ataques virulentos, palavras truculentas, respingando sangue e ódio, e até disseminando mentiras direcionadas ao estado sionista, que em essência se traduz no milenar preconceito contra os judeus.

Em contraposição, cartas em prol ao direito de um estado democrático - sabidamente com as fronteiras coalhadas de grupos terroristas apoiados por estados árabes ditatoriais – de reagir a uma invasão bárbara que desembocou numa carnificina dantesca, com a decapitação de bebês, pessoas mortas a tiros, esfaqueadas e queimadas, estupros, sequestros de crianças, jovens e idosos, em uma matança a sangue frio comemorada pelos assassinos em ligações de celulares aos parentes em Gaza; pois bem, nessas ditas cartas em defesa de Israel, observa-se um acanhamento linguístico e  um cerceamento de respostas certeiras, sinais reveladores da afiada triagem e do vil aval de “bom comportamento” necessários para as mensagens serem publicadas.

O que significa para os defensores de Israel operacionalizar pesquisas e narrativas bíblicas, justificativas históricas, bibliografias sobre a solução de dois estados (aliás, nunca compartilhada pelos palestinos que abertamente pregam a eliminação de Israel), referendar a cultura da paz em meio a uma carnificina humana impensável, e até dar um tom didático à polêmica fabricada nos arsenais de propaganda dos divisionistas sobre o diferencial de identidade dos judeus da Diáspora em relação aos judeus israelenses. Todo esse aparato na tentativa desesperada de conquistar algumas linhas no terreno minado posto a serviço escancarado de um dos lados.

É sabido que o partido do atual governo tem um histórico de apoio aos palestinos, ainda que estes advoguem o extermínio de Israel e eduquem suas crianças nas cartilhas do ódio e do preconceito. Mas, não se pode ser tão dissimulado a ponto de fingir que o Hamas e o povo palestino são coisas distintas. O Hamas está no poder desde 2006 quando foi eleito pela população, que o apoia e protege. Um enredo que se quer embaralhado no intuito de confundir, tal qual o citado editorial e o espaço dos leitores. As duas seções convivem sob as diretrizes dos mesmos editores e aludir à liberdade de expressão para justificar opiniões descabidas e antissemitas, é tornar o conceito elástico e sem limites. Quem abre espaço para a publicação de um editorial que ergue a bandeira da tolerância e da paz (‘O Brasil sempre seguiu um caminho de tolerância’), e permite, nas páginas posteriores, indivíduos chamados leitores atearem fogo com inverdades plantadas principalmente em redes sociais, está mantendo um jogo duplo muito similar aos que clamam por uma pátria independente condicionada à destruição do país vizinho.

O texto em questão se inicia fazendo um apanhado, em números e percentagens, do insidioso aumento de incidentes e crimes de ódio ocorridos contra os judeus na França (189 ataques)  Reino Unido (805), Alemanha ( 240% a mais) e EUA (312 casos) desde o massacre de 7 de outubro, comparando-os as poucas situações divulgadas no Brasil. Mas, é preciso observar que nesses países, líderes dos partidos do governo não deram declarações antissemitas afrontosas como fez, por exemplo, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, se utilizando impunemente da palavra genocídio para atacar Israel. Ou a tesoureira do PT e “conselheira de Itaipu”, Gleide Andrade, que após cobrir de injúrias o estado de Israel em postagens estúpidas, desrespeitosas e desavergonhadas, “apagou as publicações e se desculpou”.

Antes, o presidente brasileiro, a quem não se permite ser mal informado, classificou de “insana” a resposta militar de Israel à barbárie do Hamas. Não satisfeito, mais adiante repetiu a ladainha do PT e chamou de “genocídio” as ações israelenses, o que de acordo com o editorial não foi de bom tom: “Usar o termo genocídio nesse caso não é apenas incorreto, mas também ofensivo”, considerou o jornal.

Outros representantes de partidos solidários ao governo, como o PSOL, numa imitação bizarra de protestos de extremistas fundamentalistas, atearam fogo à bandeira de Israel. Membros do PCO, Partido da Causa Operária, esbanjaram dinheiro do trabalhador na publicação de panfletos pedindo “o fim” de Israel.

Por fim, o editorial conclui que a solução está na conivência pacífica de dois estados, “lado a lado”, e que o Brasil deve se concentrar neste tópico nos fóruns internacionais. “Deve pregar a tolerância que vivemos aqui”, aconselha. “É uma lição que apenas o Brasil pode dar às outras nações.”

Porém, o que o editorial não aborda,  mas vale registrar, é  que durante esse outubro sanguinário o Brasil esteve na presidência rotativa do Conselho de Segurança da ONU e tentou emplacar uma resolução de cessar-fogo em que não condenava explicitamente o ataque terrorista do Hamas. Mas esse detalhe, que somou páginas na imprensa, passou ao largo da edição. Assim como o diabólico sequestro de mais de 240 pessoas, arrancadas selvagemente de suas casas, das ruas, de um festival de música.  Também não teve menção a incômoda situação da diplomacia brasileira que até este 7 de novembro prossegue em suas tratativas de retirada de um grupo de palestinos de dupla nacionalidade da Faixa de Gaza. Talvez, o oportuno e amigável texto de boas-vindas à tolerância reservada aos judeus brasileiros possa ajudar nesse sentido.

Então, o abre-alas à tolerância que de modo geral existe no país e o puxão de orelhas aos partidos de esquerda nacional que, segundo o editorial, dão os ombros para o preconceito contra os judeus, soam pouco convincentes considerando que a mesma mídia alimenta um reduto de guerra desleal sob o aparente manto de imparcialidade.  Um ambiente, com o singelo título de “Leitores” e o subtítulo “Mensagens”, em que se permite soltar as feras e aventar suposições infames, como a emitida por uma leitora que se intitula Patrícia, e declara despudoradamente que o massacre de 7 de outubro pode ter tido a facilitação de Israel (em 30/10).

Tal afirmação, que se constitui em calúnia, ao ganhar o sinal verde para publicação, depõe contra a seriedade e imparcialidade dos editores. De resposta a tamanho disparate, apenas uma única mensagem publicada com o cândido argumento de que os judeus não seriam capazes de tal ato, visto que valorizam a vida humana. O que suscitou, no dia seguinte, a réplica esperta e contundente de um missivista militante que mais uma vez repisou o mantra mentiroso e capcioso de diferenciação entre judeus da Diáspora e judeus de Israel, e, por conseguinte, a surrada falácia de dissociação entre antissemitismo e antissionismo.

Enfim, nesse contexto ambíguo e tendencioso, onde os editores se deixam levar pela parcialidade ideológica que promove, sim, o antissemitismo cotidiano percebido em olhares, gestos e atitudes sutis, ou não tão sutis - como foi o caso de um motorista de aplicativo no Rio que diante de um jovem estudante de escola judaica, uniformizado, recusou sua entrada no veículo por ser judeu *- , sábias e atuais permanecem as palavras de Winston Churchill, peça-chave na vitória dos aliados na Segunda Guerra. Para o ministro britânico, “quanto mais longe você puder olhar para trás, mais longe você poderá ver à frente”. Que assim seja !

* Segundo o jornal israelense Jerusalem Post, aumentaram em 760% os incidentes antissemitas no Brasil, nos últimos três anos, a maioria em escolas envolvendo estudantes judeus.