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quinta-feira, 15 de julho de 2021

Direitos Humanos: Israel vota contra a China no Conselho da ONU

  / Sheila Sacks  / 



Apesar do forte comércio bilateral entre os dois países, que em 2020 cresceu 20% e atingiu 17,5 bilhões de dólares, Israel seguiu os Estados Unidos em seu voto no Conselho de Direitos Humanos da ONU (UNHRC, na sigla em inglês), em junho último, que condenou a China por abusos contra muçulmanos que vivem na Região Autônoma Uigur de Xinjiang, no noroeste do país.

A região, anexada pela China em 1949,  abriga os uigures, de origem turcomana, maior grupo étnico local que professa o islamismo. De acordo com o Departamento de Estado dos EUA, acredita-se que até dois milhões de uigures e outras minorias muçulmanas foram colocados em uma ampla rede de centros de detenção em toda a região. Ex-prisioneiros relatam que foram sujeitos à doutrinação, tortura e até esterilização.

Recentemente, em 9 de julho, milhares de uigures exilados se reuniram em várias capitais para protestar contra a manutenção desses campos, as prisões arbitrárias, a repressão e perseguições violentas, a internação em massa e o desaparecimento de cidadãos civis.  Eles também lembraram o conflito ocorrido há doze anos, em Xinjiang, que resultou em centenas de mortos e feridos.

Em Londres, além de clamar por justiça e pela ajuda das nações ocidentais, a manifestação foi liderada por Rahima Mahmut, diretora do Congresso Mundial Uigur, e Sheldon Storne,  conselheiro da mesma organização que luta pelos direitos humanos e  pela liberdade religiosa em Xinjiang ( ou Turquestão Oriental para os uigures).

Storne é um médico judeu britânico de 65 anos que dirige a campanha STOPUYGHURGENOCIDE, em Londres. A mobilização também está ativa nos Estados Unidos e por ocasião da semana de Pessach ( a Páscoa judaica), em  30 de março, a organização Jewish World Watch (JWW) promoveu um Seder ( cerimônia religiosa) em prol do povo uigur. A JWW tem como foco denunciar e advogar contra o genocídio e atrocidades em massa nas áreas de conflito da China, Sudão, Congo, Síria e Birmânia.

Crime de genocídio



Relatório  independente divulgado em março pela ONG Newlines Institute for Strategy and Policy, sediada em Washington, também  faz graves acusações à China e afirma que “ o governo chinês tem a responsabilidade de estado por um genocídio em curso contra os uigures em violação à Convenção da ONU para a Prevenção e a Repressão do Crime do Genocídio “.  

De acordo com a plataforma digital da rede de notícias americana CNN (9/3/2021), o documento contou com a participação de uma equipe de 50 especialistas em direitos humanos que analisou milhares de depoimentos de testemunhas oculares de exilados uigures e documentos oficiais do governo chinês.

A assessora jurídica do Raoul Wallenberg Center for Human Rights, Yonah Diamond, que também contribuiu com o relatório, alerta para o real entendimento sobre o que é genocídio. Ela explica que não é preciso ter provas de assassinato em massa ou extermínio físico de um povo, sendo suficiente ter evidências claras e convincentes de que há uma intenção deliberada de destruir um grupo tal como ele é. A ONG, sediada em Montreal,  leva o nome do diplomata sueco que salvou do genocídio nazista cerca de 100 mil judeus na Hungria.

Instituída pela Assembleia Geral da ONU, em 9 de dezembro de 1948, a convenção destaca em seu artigo 2,  como crime de genocídio,  a intenção deliberada, por parte do Estado,  de eliminar grupos étnicos, religiosos, nacionais ou raciais. Por sua vez, a China nega as acusações de violação de direitos humanos e afirma “que os centros são necessários para prevenir o extremismo religioso e o terrorismo”. Intitulados por Pequim de “centros de treinamento vocacional”, esses campos são descritos pelo governo como locais de reeducação, visando a  desradicalização em massa e com ensino obrigatório de mandarim.

Desde 2014, mais de 1.400 centros foram instalados em Xinjiang, onde segundo relatos de ex-presos uigures os detidos são submetidos à tortura psicológica, lavagem cerebral e cultural, agressões sexuais, privação de comida por longos períodos e confinamento solitário.  Em documentos oficiais pesquisados, o relatório aponta que os uigures e outras minorias muçulmanas são chamados de “ervas daninhas” e “tumores”.

Essa política estatal se consolidou a partir de um ataque extremista praticado por separatistas uigures, em 2014. Naquela ocasião, o presidente chinês Xi Jinping visitou a região e, segundo documentos revelados pelo jornal New York Times, determinou às autoridades locais que combatessem o radicalismo “sem misericórdia”. A região faz fronteira com o Paquistão e o Afeganistão e autoridades chinesas alegam que os uigures têm ligações com a Al-Qaeda.  

A reportagem da CNN informa ainda que “no penúltimo dia na presidência dos Estados Unidos, em 19 de janeiro, o governo de Donald Trump declarou que o governo chinês estava cometendo genocídio em Xinjiang. Um mês depois, os parlamentos da Holanda e do Canadá aprovaram moções apontando o crime, apesar da oposição de seus líderes”.

Relatos brutais



Majoritariamente muçulmanos, os uigures chegam a 11 milhões em Xinjiang, região vizinha ao Cazaquistão, berço das etnias cazaques. A rede britânica de notícias BBC News ouviu o relato de mulheres uigures que foram presas e passaram meses detidas nos chamados campos de “reeducação”.

Já no início da reportagem, um aviso incomum aos leitores: Alerta: você pode considerar perturbadores alguns dos detalhes desta reportagem.”  Isso porque são narradas histórias brutais de estupros, choques elétricos, ingestão  acentuada de remédios, tortura, confissões forçadas e esterilização massiva.  As ex-detentas,  que atualmente residem em outros países, também revelam que tiveram seus cabelos cortados e eram obrigadas a cantar canções patrióticas e assistir programas  doutrinários da TV estatal (‘Uigures em campos de reeducação na China relatam estupros sistemáticos’, em 5/2/2021).

Uma das presas, Tursunay Ziawudun, ficou nove meses detida e depois de libertada fugiu para os Estados Unidos. Ela conta que devidos aos abusos sexuais muitas mulheres se tornam alcoólatras e têm problemas mentais. "Dizem que as pessoas são libertadas, mas na minha opinião todos os que deixam os campos estão acabados”, afirma. Devido à sucessão de estupros, Ziawudun teve que retirar o útero.

Outros tipos de violência contra os uigures também têm sido denunciados por estudiosos e ativistas na mídia ocidental. O sociólogo italiano Massimo Introvigne, autor de um livro sobre as perseguições religiosas na China (‘Il libro nero della persecuzione religiosa in Cina’), de 2019, denuncia que cópias do Alcorão têm sido confiscadas e queimadas pela polícia em Xinjiang. Para fugir da ação dos agentes policiais, livros de rezas são enterrados  ou mesmo colocados nos rios pela vítimas, embrulhados em plástico, na tentativa de evitar que sejam profanados 

Fundador do Centro de Estudos sobre Novas Religiões (CESNUR, na sigla em inglês), Introvigne lembra que em dezembro do ano passado (2020) entrou em vigor um novo regulamento que limita com rigor a peregrinação anual dos muçulmanos à Meca, com o estabelecimento de cotas e a avaliação investigativa dos proponentes à peregrinação. O documento editado pela “Administração Estatal de Assuntos Religiosos “ impõe um controle mais rígido às viagens. Peregrinações “não oficiais”, sem o aval do governo chinês, são consideradas atitudes criminosas e severamente punidas.

Investimentos em Israel



A plataforma de notícias japonesa Nikkei Asia, especializada em assuntos sobre o continente asiático, chama a atenção para o fato de que os EUA e a China serem os maiores parceiros comerciais de Israel e que ambos são vitais para a prosperidade do país.

Em uma análise publicada no início de julho, a mídia destaca que “os EUA são insubstituíveis para Israel em termos de ajuda militar, compartilhamento de inteligência e inovação.  Por outros lado, “as empresas chinesas estão envolvidas em vários projetos importantes de infraestrutura em Israel, e a China apresenta um mercado em crescimento e uma fonte de investimento para empresas israelenses de tecnologia.”

No início deste ano, o Grupo Portuário Internacional de Xangai (Shanghai International Port Group) começou a administrar o novo porto de Haifa por um período de 25 anos. A concessão a uma empresa chinesa de um dos principais portos do país tem preocupado as autoridades americanas, principalmente porque é no porto de Haifa onde está localizada a base naval militar mais importante de Israel e onde também são feitos exercícios e simulações navais em parceria com os Estados Unidos. Pelo acordo entre Israel e China, serão investidos 2 bilhões de dólares em infraestrutura e modernização do porto.

 À parte os negócios, o Nikkei Asia enfoca igualmente a posição da China durante o conflito armado entre Israel e o Hamas, em maio, destacando que Pequim mostrou  “um invulgar apoio ao grupo islâmico que controla Gaza, condenando duramente as ações de Israel, redigindo declarações ao Conselho de Segurança das Nações Unidas e criticando repetidamente o apoio dos EUA a Israel”.

Para o analista do Instituto de Estratégia e Segurança de Jerusalém, (JISS, na sigla em inglês)  Tuvia Gering, neste caso especial, “a China não só levou o Conselho de Segurança da ONU  a realizar três reuniões contra Israel, mas deu rédea solta à mídia afiliada, diplomatas e membros do Partido Comunista para atacar Israel com comentários antissemitas e antissionistas”.

Em entrevista ao Jewish News Syndicate (JNS), site israelense de notícias, Gering não poupou críticas ao país. “A China tem falhado constantemente em ter empatia por Israel,  em reconhecer suas preocupações com a segurança e com o fato de que  Israel é um país ameaçado por organizações terroristas cínicas e assassinas, armadas pelo Irã.”

No final do ano passado, o embaixador israelense nos Estados Unidos e na ONU, Gilad Erdan, já tinha enviado um aviso à China sobre esse posicionamento agressivo e  solicitado ao seu homólogo chinês para que parasse de apoiar resoluções contra Israel, caso contrário haveria retaliações.

Acordo China-Irã

Em outra manobra estratégica para ampliar a sua influência no Oriente Médio, a China anunciou, em março último, um acordo bilateral de 25 anos com o Irã  envolvendo cerca de 400 bilhões de dólares de investimentos, não só em energia, transporte e agricultura, mas também em inteligência, assuntos militares e treinamento.

Especialista em relações China-Oriente Médio e  pesquisador do centro de assuntos políticos  e estratégicos Begin-Sadat Center for Strategic Studies, ligado à Universidade Bar-Ilan,  Roie Yellinek avalia que a política externa chinesa é bem "versátil" em suas abordagens nas áreas política e comercial. “A China sabe como travar uma luta com os EUA e conduzir em paralelo um comércio no valor de centenas de bilhões de dólares. Sabe como combater os uigures muçulmanos em seu território e salvaguardar laços estreitos com os países muçulmanos”, afirma.

Yellinek aponta que embora a China se oponha ao programa de armas iraniano, não está ajudando a impedir o Irã de desenvolvê-lo. Por sua vez, o Irã usa o poderio e a cooperação chinesa para neutralizar a pressão dos Estados Unidos. De acordo com o estudioso israelense, “os chineses entendem que o governo Biden não é o governo Trump e que podem ser mais agressivos”.

Já para o ex-chefe da Divisão estratégica do IDF (Israel Defense Forces), general Assaf Orion, o acordo de cooperação militar-tecnológico e de inteligência entre a China e o Irã está em oposição aos objetivos de Israel. “Pequim é um importante parceiro econômico de Israel, mas está cooperando com uma potência regional que é a principal e mais grave ameaça externa ao estado e à população israelense”, alerta o militar.